Change Of Heart escrita por Sak Hokuto-chan


Capítulo 14
In Quest For


Notas iniciais do capítulo

Orphelin, meu carneiro-beta, obrigada pela revisão, pelas dicas, etc S2



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Capítulo XIV

E você não entende...
Não, quanto mais eu tento
Há mais confusão em minha mente
In Quest For - Avantasia

O final da tarde daquele sábado estava bastante agradável, pensou Saori enquanto terminava de ajeitar os cabelos. Ia ser um dia ótimo! Claro que ia, afinal, Aiolos a tinha chamado para saírem e isso nunca tinha acontecido desde que ela voltara para a Grécia. Ao contrário, se quisesse vê-lo, precisava persegui-lo por aí.

Culpa daquela gótica esquisita que atendia pelo nome de Pandora, sem dúvidas! Estava estragando seu futuro perfeito com o sagitariano. Sim, o futuro no qual Saori e ele se amariam, se casariam e seriam felizes para sempre. Talvez até tivessem filhos um dia!

Bom, ele provavelmente devia ter dispensado a branquela e a estava chamando para declarar seu amor. Só podia ser isso. Tinha que ser.

Aiolos já estava esperando por ela, sentado em um dos bancos da praça em que tinham combinado de se encontrar. Ah, magnífico como sempre dentro de seus jeans desfiados, vestindo uma camiseta de alguma banda de rock que ela não conhecia e com a fiel bandana vermelha na testa. Os cabelos brilhavam muito dourados sob o sol e ele batia um dos coturnos no chão, marcando o tempo da música que estava escutando nos fones de ouvido, totalmente distraído.

Saori corou de prazer quando ele se levantou e a encarou com olhos tão claros e azuis quanto o céu acima deles. Ela tentou beijá-lo, mas o grego se desviou de forma a não permitir nem mesmo um beijo no rosto.

– Olá, Saori – ele cumprimentou educadamente, após tirar os fones, indicando o banco para que a moça se sentasse. – Precisamos conversar.

Mau sinal. Da última vez que Aiolos falou daquele jeito tão sério consigo tinha sido para dar um tempo no namoro e... Sim, lá estava ele dando o fora nela de novo!

– Não dá mais pra continuarmos nessa situação, você, a Pandora e eu – o sagitariano explicou, virando-se para ela no banco. – Nem sei mais como chegamos nisso, não deveríamos sequer ter começado.

Claro que não! Aquela mulher não deveria ter entrado entre eles...

– Foi você quem entrou entre nós, Saori. Lembre-se de que nós já tínhamos terminado há alguns anos, quando você voltou do Japão e eu estava saindo com a Pandora.

– Nós demos um tempo, nunca terminamos oficialmente – replicou indignada, apertando o tecido da saia com as duas mãos. Ele era seu primeiro amor! Eles iam se casar!

– Então, considere oficialmente terminado agora – declarou, procurando não soar rude. – Olha, não estamos num conto de fadas, não sou seu príncipe encantado. Você está desperdiçando o tempo que poderia usar pra encontrar um enquanto fica atrás de mim.

Na sequência, Aiolos desculpou-se por, segundo ele, ter se acomodado com a situação. Por não poder amá-la como Saori achava que o amava. Sim, pois ele não acreditava em seu amor, achava que ela sentia apenas admiração e deslumbramento por ter sido o primeiro namorado dela. Não tinha nada de errado em se casar com o segundo namorado, ele explicou.

Saori ouvia a tudo abismada, conforme suas idealizações românticas eram destruídas. Ele preferia a gótica branquela e ia ficar com ela, era isso?

– Não – o sagitariano respondeu, olhando as pessoas que estavam na praça, feliz por ter escolhido um local em que Saori teria vergonha de perder a compostura.

Aiolos tinha pesado os atributos e os defeitos – físicos e comportamentais – tanto de Saori quanto de Pandora, mas, de qualquer forma, decidiu que não queria nenhuma das duas. Não estava nem ao menos apaixonado por uma delas, embora seu corpo ardesse de desejo nos momentos íntimos em que conseguiam atraí-lo. Prometera a Mu que resolveria a situação e começou por Saori, porque sabia que Pandora seria mais difícil.

A moça deslizou no banco para mais perto de Aiolos e tentou segurar-lhe a mão, olhando-o com uma expressão chorosa enquanto dizia que ele estava cometendo um erro – de novo! – e então...

Pandora apareceu.

Naquele momento, Saori a odiou. Um sentimento estranho que nunca experimentara antes e que a deixou sem fala, observando a outra se aproximar. Odiou a postura altiva com que ela caminhava naquele vestido escuro demais para um dia tão ensolarado; odiou a forma como se equilibrava habilmente sobre os sapatos de salto agulha, altíssimos; odiou os cabelos escuros balançando até os quadris; odiou-a por tudo, infinitamente.

– Como sabia que eu estava aqui, Pandora? – o sagitariano quis saber, levantando-se preocupado. Pretendia falar com ela só depois que terminasse com Saori. Bem, talvez fosse melhor falar com ambas de uma vez.

– Sua mãe me disse – respondeu simplesmente, seus reflexos permitindo que conseguisse dar-lhe um selinho mesmo quando ele tentou se desviar. – Cheguei em boa hora, pelo jeito – completou, lançando um olhar desdenhoso para Saori.

Aiolos sentiu a tensão que se formou no ar e respirou fundo, antes de atualizar a recém-chegada sobre sua decisão. Ouvindo-o confirmar o que tinha lhe dito, Saori mostrou-se madura o bastante para não fazer nenhuma cena e decidiu ir embora, chateadíssima, mas satisfeita por ele ter dispensado a outra também.

Não que tivesse desistido do rapaz. Claro que não! Era uma mudança de estratégia resignar-se por hora. Afinal, depois, sem a branquela, seria bem mais fácil conquistá-lo, pensou determinada.

Pandora revirou os olhos enquanto a nanica irritante partia.

– Daí, é isso – o grego concluiu, franzindo o cenho em confusão diante da tranquilidade da moça.

Ao contrário de Saori, Pandora não pareceu se importar por ter sido dispensada. A única coisa que sugeria contrariedade nela era a forma direta e astuta com que seus olhos cor de violeta pareciam avaliá-lo. Seus lábios tingidos de vermelho sorriam e Aiolos reparou no quanto eles se destacavam no rosto de boneca de porcelana dela.

De fato, ele só percebeu que Pandora estava praticamente colada nele quando sentiu uma das mãos dela deslizar por baixo de sua camiseta, acariciando a pele de seu abdômen de um jeito discreto e inocente.

Aiolos praguejou mentalmente, sabendo que seu corpo reagiria mais à voluptuosidade dela do que à de Saori. Não estava satisfeito ainda, mas, ao menos agora, estaria só com uma garota, certo?

***

Na semana seguinte, Shina, Aiolia e Afrodite foram até a casa do escorpiano, para que ela lhes apresentasse o fabuloso mundo do yaoi apropriadamente, com direito a imagens, fanfics e OVAs.

Milo tinha resistido fervorosamente à ideia de ver qualquer uma dessas coisas, só concordando quando ela prometeu, como recompensa, que teriam um momento divertido depois. Além disso, tinha feito questão da presença dos amigos para não ter que passar por aquela experiência traumática sozinho.

O leonino foi porque seu posto de melhor amigo o obrigou a isso. O sueco foi porque, incrivelmente, naquele dia não iria para seu misterioso compromisso. A casa do escorpiano foi a escolhida porque era a única que não teria ninguém mais no horário que queriam.

Sendo muito direta, Shina foi logo começando pelos OVAs, assistindo-os com olhos brilhantes de encantamento, mal reparando que, com exceção de Afrodite – que assistia com normalidade –, os outros dois exibiam expressões cada vez mais surpresas.

Impossível! – Milo exclamou, horrorizado quando aquilo que a ariana chamou de lemon começou. – Não dá! Não tem como algo desse tamanho caber ali!

Aiolia balançou a cabeça em concordância, mas Afrodite apenas arqueou as sobrancelhas, afirmando com convicção que cabia sim. Imediatamente, caiu um silêncio estranho enquanto todos olhavam para o pisciano com desconfiança. Como ele podia ter tanta certeza?

O sueco mal abriu a boca para responder e Shina o agarrou pelos ombros com empolgação:

– Eu sabia! Você já fez, não é?

Afrodite fez que sim e uma altercação começou. Todos querendo saber o motivo para ele não ter contado antes, quem tinha tido a honra e como era. Apesar de tudo, com exceção de Shina, os outros dois não queriam ouvir os detalhes sórdidos.

– Quer dizer que você é gay, Dite? – o escorpiano quis saber.

Despreocupado com rótulos, o Afrodite apenas deu de ombros. Provavelmente sim, já que as únicas duas pessoas que o interessaram eram homens.

– Primo de Shura, é? Interessante, mas... Máscara da Morte? – Shina estranhou. Qual era o nome de alguém com uma alcunha dessas?

Pestanejando, Afrodite enrolou uma mecha de cabelo por um momento de forma pensativa. Não fazia a menor ideia.

– Você tá de caso com o sujeito há mais de uma semana e não sabe o nome dele? – Milo inquiriu indignado.

– Bem, nós não ficamos exatamente conversando. Se é que você me entende... – e deu uma piscadinha maliciosa, que fez o outro fazer uma careta.

A italiana continuou insistindo nas perguntas, empolgadíssima, mas o pisciano estava sendo bastante vago. Milo e Aiolia estavam meio chateados. Afrodite nunca ficava com ninguém e, de repente, já tinha perdido a virgindade antes deles!

– Mas ele é o uke... – Shina comentou distraída. Teve que explicar o que eram ukes e semes para o amigos, assim como a forma que eram tipicamente caracterizados. – Por exemplo, o Dite aqui é claramente um uke. Se o tal Máscara da Morte se parece com o Shura, deve ser um seme daqueles bem... Ahh! – suspirou, entrelaçando as mãos e olhando para o nada.

Os três a encararam com estranheza.

– Agora, você, Milo... – ela continuou, voltando à realidade. – Não sei bem...

– Como assim? – exclamou arreliado. – Lógico que eu seria um seme! Se eu curtisse essas coisas, claro...

Aiolia lançou-lhe um olhar significativo. Milo preferiu ignorar.

– Bom, se seu parceiro fosse o Dite, sem dúvidas – Shina replicou, pensativa. – Agora, se fosse o... – ia dizer Camus, mas achou melhor não, ou era capaz do escorpiano ficar mal-humorado – Ahn, se fosse o Aiolia, eu já não tenho certeza...

– O que você quer dizer com isso? Lógico que eu seria o seme dele!

– Você tá louco, Milo? – o leonino perguntou, entrando na conversa. – Você seria meu uke, totalmente!

Afrodite balançou a cabeça e voltou a prestar atenção no OVA, sabendo que a discussão iria longe. Shina olhava de um para o outro como se estivesse acompanhando uma partida de tênis.

– Claro que não! Eu sou mais alto e maduro do que você!

– E daí? – Aiolia retrucou. – Meu corpo é mais definido e meu pinto é maior!

– Já falei que é a porra de um centímetro só!

– E você parece a Cachinhos Dourados com esse cabelo aí, Milo!

O quê?!

– Hey! – Shina tentou chamar a atenção deles. – Por que estão discutindo isso? Se vocês fossem, ahn, fazer um lemon, poderiam trocar os papéis sempre que quisessem, sabem?

Ele nunca vai me comer! – os dois gritaram simultaneamente, apontando um para o outro.

– Eu seria o seme e pronto – Milo decidiu, tentando encerrar o assunto, e cruzou os braços emburrado.

Diante do silêncio de Aiolia, a italiana o encarou com surpresa. Até que recebeu uma piscadela cúmplice e esperou para ver o que ele faria.

– Milo, Milo... – o leonino disse baixinho, abraçando-o pelos ombros. – Vou te provar o contrário... – aproximou a boca do ouvido do outro e sussurrou com seu hálito quente: – Rawr...

Imediatamente, o escorpiano deu um pulo para trás e enrubesceu, cobrindo a orelha com uma das mãos e olhando para o amigo com espanto.

Moe!! – Shina exclamou empolgada. – Foi uma reação bem uke, Milo!

– Mas que porra! – protestou, diante da risada de Aiolia. – Não vale fazer rawr no ouvido dos outros desse jeito obsceno, seu maldito!

– Foi só um sussurro – Afrodite se manifestou. Tinha se interessado desde que o leonino ficara em silêncio.

– Se eu sussurrasse no ouvido dele a reação seria igual, isso não define nada! – Milo protestou aborrecido.

– Foi bonitinho, acho que vocês dariam um casal bem fofo!

– Melhores amigos não se pegam, Shina! – o escorpiano reclamou.

Ao ouvir isso, Aiolia fez uma careta, lembrando-se de que o irmão tinha beijado o melhor amigo. Ou seja, era possível melhores amigos se pegarem sim.

E eles continuaram discutindo pelos próximos minutos. Pelo menos até Afrodite receber uma ligação e partir – sob um monte de gracinhas e um pedido de Shina para que filmasse tudo –, fazendo com que a discussão fosse esquecida por hora.

– Hey! Vamos pra casa do Dohko? – o leonino sugeriu logo depois. – Eu ainda não vi o Shiryu.

***

Enquanto isso, Mu estava em sua própria casa, estudando. Shaka fazia-lhe companhia, estudando ao seu lado, mas não parecia muito concentrado nos livros aquele dia. Terminava de ler uma página e fazia um muxoxo ao perceber que não prestara atenção o suficiente para assimilar o que tinha lido, sendo obrigado a reler diversas vezes.

– Algum problema, Shaka? – indagou após observar o mais novo assoprar a franja dos olhos pela quinta vez seguida, com uma pontada de impaciência.

– Não, eu... – interrompeu-se distraído. Fechou o livro e ficou olhando para a capa com um interesse forçado, ponderando o que diria. – Bem, na verdade, sim.

– Se eu puder ajudar... – disse Mu com um sorriso gentil, fechando seu próprio livro e voltando toda a sua atenção para o mais novo.

Apertando os lábios, o indiano debateu-se internamente com seu orgulho. Não gostava de expor seus problemas, de admitir que não conseguia resolvê-los sozinho. No entanto, não encontrava uma solução para aquele em específico, por mais que passasse muito tempo meditando sobre ele. Detestava não saber as respostas e se descobrir incerto perante suas certezas. Principalmente acerca de si mesmo.

Decidiu falar, mesmo porque o caso envolvia o próprio Mu.

– É complexo. Eu ando confuso há algum tempo – começou, bastante intrigado, mexendo num botão da manga da camisa que vestia. – Você me confunde.

O ariano abriu e fechou a boca, mas não disse nada.

– Eu aprecio sua companhia e te respeito, mas não é só isso. Você me alegra e... – levantou o olhar para o outro e continuou mexendo no botão. – Enfim, o Aiolia, vira e mexe, diz que eu gosto de você mais do que como amigo, porém, eu não tenho certeza disso, já que nunca passei por isso antes.

Fez-se um silêncio incômodo enquanto o tibetano ponderava a situação. Não ficou muito surpreso. Na verdade, já tinha reparado que Shaka o considerava bastante e afeiçoara-se a si de certa maneira. Ao menos, agia consigo de uma forma atenciosa que não dispensava aos demais amigos da mesma idade.

– Oh... – murmurou antes de sorrir levemente para ele. – Pode parecer brincadeira, mas eu havia percebido algo diferente na forma como você me trata já faz algum tempo, tanto que ouvir isso de você não me causa estranhamento... – revelou com sua voz serena. – Porém, eu diria que você gosta de mim de outro jeito...

Shaka arqueou as sobrancelhas loiras só um pouco, o máximo que sua expressão austera permitia. De que jeito então?

– Bem, acho que é de uma forma fraterna. Talvez, você goste de mim como gostaria de um irmão mais velho, se tivesse um. Já pensou nessa possibilidade? Ao menos, me parece ser o mesmo que sinto pelo Shion. Não me entenda mal – acrescentou rapidamente, diante do olhar confuso do mais novo –, não estou tentando te dispensar, nem nada assim. Fico muito orgulhoso por você gostar de mim como um irmão.

– Você tem certeza? – o virginiano perguntou, considerando a ideia nova. – Ou talvez seja você quem me veja somente como um irmão mais novo – concluiu após uma pausa, soando mais ríspido do que gostaria.

Mu o encarou sem palavras, sequer percebendo que começara a torcer as pontas dos cabelos. Talvez...

– Bem, pode ser que você realmente tenha razão... – respondeu, enfim, num tom ameno que deixou o outro sem palavras dessa vez. – Não posso falar por você, naturalmente – e adicionou de forma sutil, para não afetar o orgulho do loiro: – Você nunca, ehrm, ficou com alguém, certo?

– Não – respondeu, quase arrancando o botão, desviando o olhar para uma parede por um instante.

Mu sugeriu que seria mais fácil se ele já tivesse alguma experiência, que isso o ajudaria a diferenciar as sensações. De qualquer forma, Shaka era uma pessoa muito fechada e – por que não? – arrogante. Seria bom para ele se aproximar um pouco mais dos amigos da mesma idade, compartilhar determinados assuntos com estes. Ajudaria bastante conversarem sobre experiências e tudo o mais.

– Meus amigos? – Shaka replicou, franzindo o cenho.

– O Aiolia mesmo poderia ajudar você – Mu indicou, consciente de que, apesar das discussões de sempre, os dois eram amigos. – Ou quem sabe o Ikki...

– Não! – interrompeu, balançando a cabeça. – O Ikki não! – esse era outro caso para meditar, embora por motivos diferentes, imaginou. Diante do olhar inquisitivo do mais velho, explicou apenas: – É que... Ele já me ajudou muito daquela vez aqui...

– Ok – sorriu, afagando os cabelos do loiro. – Tente ser mais próximo do Aiolia e do Milo, tenho certeza de que eles poderão ajudar melhor do que eu.

– Mu, intimidade é uma droga e você quer que eu fique mais íntimo deles?

O ariano encolheu os ombros, suprimindo um sorriso divertido. Era só uma sugestão que parecia boa.

– Tudo bem – Shaka resmungou, olhando para o relógio na parede e juntando seu material para ir embora. – Vou tentar. Mas e se, por fim, eu concluir que gosto mesmo de você mais do que como um irmão?

Mu abriu a porta e encostou a cabeça no batente assim que ele saiu, respondendo num suspiro:

– Eu não sei...

***

E Dohko não sabia mais o que fazer desde que o irmão chegara a sua casa. Shiryu era muito estimado por Shion, eles se davam bem e tudo o mais, mas quando o assunto era a namorada dele...

Aí, o ariano parecia bastante aborrecido.

Shunrei era uma chinesinha bondosa e, por isso mesmo, cometia o erro de ser particularmente atenciosa e gentil demais com o irmão de Shiryu – de acordo com o limite aceitável para Shion, que sempre estreitava os olhos quando ela se aproximava do seu namorado.

Dohko não sabia mais o que dizer ou fazer para Shion sossegar. Exibia sorrisos tensos quando Shunrei conversava consigo e o ariano estava por perto – e este sempre estava por perto naqueles dias. Quando a noite chegava, ele invariavelmente sentia-se culpado pelo mau humor do tibetano.

Shiryu nada percebia e a moça muito menos. Ela tratava Shion da mesma maneira afável, embora não tão calorosamente, afinal, não eram muito próximos, infelizmente.

Os melhores momentos, para Dohko, eram quando Mu aparecia para visitá-los, distraindo o irmão e, ao mesmo tempo, dando-se muito bem com Shiryu e Shunrei. Naquele dia, em especial, o chinês mais velho resolveu ligar para que ele viesse, pois Shion estava num humor terrível.

Tudo porque Dohko estava cortando alguns legumes para cozinhar, sendo auxiliado por Shunrei, e acabou levantando o olhar bem na hora em que Shion resolveu mirá-lo com um daqueles olhares estreitos. O libriano acabou se atrapalhando e cortou o dedo superficialmente. No instante seguinte, a moça já estava ao seu lado, segurando-lhe a mão ferida, toda preocupada, logo o arrastando pela casa em busca de curativos.

Ou seja, é claro que Shion estaria totalmente indócil à noite. Então, ligou para Mu, torcendo para que a presença do irmão do namorado amansasse os ânimos deste.

Só que quando a campainha tocou, não foi Mu quem Dohko atendeu, mas sim Milo, Aiolia e Shina, que o cumprimentaram animados e foram logo atrás de Shiryu. Eles já o conheciam, visto que seu irmão ia visitá-lo todos os anos. Porém, ainda não conheciam Shunrei.

– E aí, Shiryu?! – o leonino cumprimentou, correndo até o outro com as mãos preparadas para um golpe que, rapidamente, foi aparado.

– Hey, você está mais ágil e cresceu bastante desde a última vez que estive aqui – Shiryu comentou, sorrindo para o mais novo e acrescentando para os outros dois adolescentes: – Vocês também.

O chinês mais novo possuía longos cabelos negros e tinha vinte anos, assim como Shunrei. Quando ele a apresentou, os mais novos acharam que eram meio parecidos. Enquanto ele fazia as apresentações, Shion foi para o lado do namorado e ficou olhando para os cinco com uma expressão quase surpresa.

– É, eu entendo – Dohko comentou bem-humorado. – Parece que, na verdade, não é sua casa que tem certo apelo, é você mesmo quem atrai várias pessoas pra perto...

– Nem me fale... – suspirou, não tinha jeito mesmo. Talvez estivesse destinado a estar cercado de pessoas, como se fosse um mestre cheio de discípulos. – Vão treinar lá fora, hein? – avisou o grupo ao escutar Aiolia chamar Shiryu para uma luta, como sempre fazia.

O leonino gostava de praticar artes marciais com Shiryu, pois este era mais velho e já treinava quando Aiolia nasceu. Era um jeito de testar seu desempenho. Eles foram para fora, seguidos por Milo e Shina.

Eles já estavam lutando há algum tempo quando Mu chegou e se juntou aos observadores. Shiryu era mais habilidoso, mas Aiolia era claramente mais rápido. Ambos sorriam com animação enquanto desferiam golpes um no outro.

– Acaba com ele, Shiryu! – o escorpiano exclamou.

– Hey! Você devia estar torcendo pelo seu seme! – Shina repreendeu inconformada.

Eu sou o seme! – Milo reclamou, fazendo uma careta logo em seguida ao se dar conta de que parecia ter afirmado que ele e o leonino eram um casal depois dessa. Antes que Shina pudesse atormentá-lo por isso, o grego envolveu a cintura dela com um braço e disse baixinho: – Você me prometeu um momento divertido depois, não se esqueça...

– ...

Nesse meio tempo, Aiolia percebeu a presença do tibetano mais novo e fez uma expressão irritada, partindo para cima de Shiryu com tanta determinação e velocidade que conseguiu derrubar o adversário no chão sem muita dificuldade.

Mu inquietou-se diante do olhar enigmático, completamente sem expressão, que o garoto lhe lançou em seguida. Não conseguia compreender por qual razão Aiolia estava se comportando daquele jeito, embora soubesse que tudo estava relacionado ao incidente ocorrido no Meikai.

Adentrando a casa de Dohko, resolveu que falaria com o leonino o mais rápido que conseguisse. As coisas estavam bem com Aiolos – tinha deixado bem claro para este a veracidade disso, para que não se deprimisse mais – e logo, ele esperava, sua relação com Shura também seria resolvida. Não precisava de mais um problema na vida.

Meia hora depois, Mu estava sentado no sofá, folheando uma revista distraidamente, quando se sobressaltou ao ouvir a voz do leonino ao seu lado:

– Sobre o que você tá lendo? – perguntou curioso, com o rosto corado pelo treino recente. Estava em pé atrás do sofá, apoiando-se no encosto e olhando por cima do ombro do mais velho. – Ah, games.

Se o ariano virasse o rosto para o lado em que o outro estava, seu nariz encostaria-se ao maxilar dele.

– Ehrm, sim – replicou, estranhando-o mais uma vez. Aiolia era tão imprevisível! Alguns instantes atrás, estava claramente irritado, mas, naquele momento, já parecia o mesmo de sempre. – Você... – começou, mas interrompeu-se ao olhar de soslaio para o outro, percebendo que este encarava seu pescoço com um olhar contemplativo por trás da franja. Não havia mais marcas. – Ehrm, sobre isso... Hey!

Num movimento rápido, Aiolia tinha pegado a revista das mãos do ariano e se afastado no exato instante em que os outros entravam para a sala.

Mu levantou-se meio atrapalhado – até já tinha se esquecido dos demais – e procurou o leonino com o olhar. Encontrou-o parado no fim do corredor de forma displicente, acenando com a revista em sua direção como se o desafiasse a pegá-la de volta.

Piscando, totalmente perdido, o tibetano decidiu ir atrás dele. Porque queria conversar, e não por causa da revista, claro!

– Quero falar com você – disse, tentando pegar o objeto por reflexo, quando Aiolia o aproximou de seu rosto.

Contudo, o grego imediatamente afastou o braço para fora de seu alcance, desviou-se e saiu andando rapidamente pelo corredor, de volta para a sala, entre risos irreverentes.

Às vezes irritado, outras risonho e outras, ainda, normal... Será que o garoto era bipolar? Mu não sabia mais o que pensar sobre tais atitudes...

***

E continuou sem saber durante o dia seguinte, parado do lado de fora da universidade, esperando Aiolos sair da aula. Será que deveria comentar com o sagitariano sobre o caso de Aiolia? Da outra vez que tivera um problema com o garoto e não lhe contara, Aiolos ficara indignado.

Decidiu que contaria se não conseguisse conversar com o leonino rapidamente, ou se a situação piorasse. Não podia saber, na época, que quando se lembrasse de falar com o sagitariano já seria tarde demais.

Mu se encontrava tão perdido em pensamentos, refletindo sobre seus próprios problemas, que só percebeu que tinha companhia quando Máscara da Morte já estava praticamente na sua frente. Não teve tempo de ter nenhuma reação.

– E aí, Mu?

Ele estava com o mesmo perfume que Shura usava, o ariano imediatamente reparou. Vestia roupas escuras – uma camisa de botões aberta sobre uma camiseta e tênis. Era a primeira vez que Mu o via sem os tradicionais coturnos. Após observá-lo, os pensamentos do tibetano o levaram a imaginar como o espanhol estaria vestido naquele dia. Provavelmente algo similar ao italiano.

– Ahn... Mu? – chamou, encostando-se à parede como o outro fazia. Aí, acendeu um cigarro de forma displicente e começou a fumar, sabendo que a fumaça não atingiria o menor devido à direção do vento. – Você parece distraído.

– É que você... O Shura... – balbuciou, confuso com aquilo tudo.

Como se não bastasse a aparência, Máscara da Morte estava agindo da mesma forma que o primo. O mesmo jeito de tirar a cinza do cigarro e o mesmo jeito de umedecer o lábio inferior antes de dar uma tragada.

– Nós somos parecidos? Todo mundo diz. No colégio, sempre perguntavam se éramos irmãos e, também, trocavam nossos nomes.

O rapaz de cabelos longos balançou a cabeça, era fácil entender as razões. Depois, fez uma expressão curiosa e perguntou:

– A propósito, Máscara da Morte, você não pretende me dizer o seu nome nunca?

O italiano deu uma gargalhada, deixando a cabeça cair para trás. Não pretendia, não. Ele afastou o cigarro para o lado e, de repente, se virou de frente para Mu. Segurou-lhe o rosto com uma das mãos, do mesmo jeito que Shura fazia, sem se aproximarem. Suas intenções eram muito claras.

– Ehrm, Máscara da Morte... – murmurou apreensivo. – Eu sou namorado do seu primo... É melhor você me soltar...

– Você terminou com ele.

– Nós só demos um tem-... – Mu se calou aturdido ao sentir o outro agarrar-lhe os cabelos da nuca, do mesmo jeito que gostava quando era Shura quem fazia. Eles eram tão parecidos!

Máscara da Morte olhou para o relógio, no pulso da mão que segurava o cigarro, e informou com um sorriso mordaz:

– Você ainda tem quinze minutos até meu priminho aparecer, se é o que te preocupa. Eu sei porque vim encontrar ele. Dá tempo – apertou um pouco mais os cabelos do ariano e foi aproximando o rosto do dele em uma velocidade torturante.

Queria deixar claro, para Mu, que este tinha tempo de se esquivar...

Caso quisesse.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Osh '-'

Agradecimentos, ósculos e amplexos para os queridos: euzinho_x, Leo Saint Girl, Orphelin, Álefe, Isa Angelus, Vanessa Braga da Silva, Mel Dark, marigraciolli, Hanajima, fuckyeahBLslash, ddkcarolina, Sion Neblina, Vanessa e Faith! :D

Que tal esse capítulo?