Contra Todas As Probabilidades escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 7
Abrindo os olhos




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O dia tinha amanhecido e ao ver os raios do sol entrando no seu quarto, pela janela, ela desistiu de tentar dormir. Mônica acabou passando a noite em claro pensando em tudo aquilo que Felipe tinha dito para ela há dois dias atrás. Desde então ela não conseguia dormir direito e passou o tempo repassando aquela conversa em sua cabeça, várias e várias vezes.

- Não tem nada pra entender, é simples. Quem gosta, quer ficar junto, ter a presença da pessoa, ouvir sua voz, conversar... Ou será que com você não é assim?

- Claro que é! Acho que com todo mundo é assim, não?

- E por que com o Cebola deveria ser diferente?

“Por que com o Cebola deveria ser diferente? Não, não deveria. Ou deveria? Claro que não! Então por que é?” Na noite anterior ela tinha recebido um e-mail dele, contendo apenas umas poucas linhas falando aquilo que ela já sabia: ele estava ocupado, o ritmo era muito intenso, blábláblá... Ela mandava e-mails quase todos os dias e nenhum deles era respondido, embora retornasse a confirmação de leitura. O mais irônico era que se ela não mandasse e-mail nenhum, ele acabaria reclamando por causa do descaso dela. Como os homens ainda tinham coragem de falar que as mulheres eram complicadas?

Ele não consegue largar esse passado bobo pra ser feliz com você. Parece que isso é mais importante pra ele do que o namoro de vocês dois. E agora você está sofrendo por causa de uma neura dele, que ELE mesmo criou!

Aquilo também martelava na sua cabeça de forma incessante. Até então, ela nunca tinha olhado as coisas por esse prisma e durante anos sempre se culpava por ter batido tanto no Cebola e pelas inseguranças que o impediam de pedi-la em namoro. E, claro, ele sempre fazia questão de reforçar esse sentimento de culpa, ainda que de maneira sutil e dissimulada. Pela primeira vez, ela cogitou a hipótese de nada daquilo ter sido culpa sua.

“Ah, sei lá, talvez eu não devesse ter batido tanto nele. O melhor era ter ignorado tudo e com o tempo ele ia acabar perdendo a graça!” ela até tinha tentado fazer isso algumas vezes e até funcionava por um tempo. Só que ele parecia não querer desistir da briga tão fácil e forçava até o seu limite. Era tão estranho!

Já aconteceu até de ela querer lhe dar seu coelho de pelúcia e falar que ele podia ser o dono da rua, só que ele recusava. Por quê? Só havia uma explicação: ele queria apenas enfrentá-la, nada mais. E por que ele tinha tanta fixação em enfrentá-la? Por que toda aquela necessidade de lhe desafiar todos os dias, lhe provocar e tentar humilhá-la com aqueles planos bobos? Ela não fazia a menor idéia.

“Pensando bem, isso deve ser alguma neura da cabeça dele, sei lá! Não faz nenhum sentido! E o pior é que ele não muda de jeito nenhum!” todos da turma haviam mudado. Até Cascão aprendera a tomar banho, Magali controlava melhor seu apetite e não saia comendo tudo o que via pela frente feito uma alucinada e ela também aprendeu controlar seu gênio, ainda que continuasse temperamental e tivesse rompantes de vez em quando. Pelo menos ela não procurava resolver tudo só na base da pancada.

Analisando bem os fatos, o Cebola fora o único que não mudou realmente. Ele apenas não lhe xingava mais, não bolava mais planos para lhe humilhar e nem pixava os muros com suas caricaturas. Ainda assim, até algum tempo atrás ele vivia lhe alfinetando e aquela necessidade de enfrentá-la a todo instante não tinha desaparecido. Só havia ficado mais dissimulada.

Após pensar e refletir bem, todo seu sentimento de culpa foi desaparecendo. Felipe estava certo, ela só batia porque ele provocava. Se ele tinha queixas dela, a recíproca era verdadeira. Ela sempre se sentiu culpada por suas surras ter deixado seqüelas nele, mas as provocações dele também tinham lhe deixado suas marcas. Aquilo não foi uma via de mão única. Por causa das travessuras do Cebola, ela tinha se tornado uma pessoa muito defensiva, que enxergava provocações em toda parte. E durante muito tempo ela teve problemas com sua auto imagem por causa do peso, chegando até a fazer dietas malucas para emagrecer.

E mesmo tendo emagrecido, o estigma de gorducha continuava mesmo entre suas amigas. Ela tinha um corpo muito bem feito, magro, proporcional e até mais bem distribuído do que a maioria das suas amigas e ainda assim de vez em quando ela ouvia alfinetadas e piadinhas por causa do seu peso. Tudo aquilo por causa das provocações do Cebola. E como se não bastasse, ele também instigava outros garotos a provocá-la.

Várias vezes Mônica lamentava por ter sido tão esquentada e resolvido tudo com brigas, mas ela só estava agindo do jeito que sabia. Ninguém lhe defendia, ninguém erguia um dedo para parar com aquelas provocações. Ela só podia contar consigo mesma. Nem os pais do Cebola faziam algo para controlarem o filho. E já acontecera até de a mãe do Cebola ir até a casa dela tirar satisfações por causa do olho roxo do filho. Ela nunca aceitava que ele provocava, procurava briga ou aprontava. Não, ele era sempre o seu anjinho. (*)

Ele realmente era terrível, fazia os planos mais ridículos contra ela, reunia outros garotos para lhe xingar, pixava muros com suas caricaturas, sempre procurava uma forma de lhe provocar e alfinetar. E mesmo assim, ela não guardou rancor dele. Apesar de ter ficado algumas seqüelas, Mônica estava aprendendo a lidar com aquilo, procurando se tornar uma pessoa melhor e também ficar numa boa com ele. Ele, por outro lado, insistia em viver no tempo em que bolava planos e levava coelhadas. Ela não se lembra de ter visto nenhum esforço da parte dele para superar o passado, muito pelo contrário. Na cabeça dele, a única forma de superar tudo era lhe derrotando. Felipe também tinha razão nesse ponto. O que o Cebola estava fazendo para ficar bem com ela? Nada lhe veio à cabeça.

Era como se somente ela tivesse falhas e defeitos, ele não. Somente ela estragava os planos dele (que eram feitos contra ela mesma), somente ela era a esquentada, teimosa, que precisava amadurecer... ele nunca tinha defeitos, nunca tinha culpa de nada. Cebola sempre agia como se ELA fosse o único problema, não ele. Quem visse de fora, seria até capaz de pensar que somente ela brigava sem motivo nenhum ao passo que ele era a pobre vítima injustiçada que apanhava gratuitamente.

“E ele nunca me pediu desculpas em momento algum...” ao pensar assim, ela sentiu um aperto no peito. Cebola tinha feito muitas coisas contra ela, mas parecia não sentir o menor remorso com aquilo. Para ele, tudo foi apenas brincadeira e até lhe criticava quando ela demonstrava alguma tristeza ou mágoa pelo passado. Quer dizer, ela não podia demonstrar nenhuma tristeza, mas ele podia ter as neuras e traumas que quisesse? Aquilo lhe deixou revoltada e furiosa com o egoísmo dele.

“Aff! Ninguém merece! Quer saber? Eu é que não vou mais esquentar a cabeça com o Cebola, viu? Ah, neim!”

No fundo, ele não passava de um sujeito fraco e sem auto estima que precisava derrotar as outras pessoas para se sentir menos insignificante, como se ele não tivesse nenhuma outra qualidade que o destacasse e conquistasse o respeito das pessoas. Pensando bem, ela não queria alguém assim tão fraco, egoísta, infantil e preso ao passado. Mesmo que conquistasse o mundo, aos seus olhos Cebola continuaria sendo sempre o mesmo sujeito inseguro e sem auto-estima. Uma pessoa que realmente se ama e tem auto-estima elevada não precisa derrotar ninguém, acumular títulos ou se tornar dona de qualquer coisa para ter o respeito dos outros.

Ela afastou as cobertas e tratou de levantar da cama. Aquele era um dia bonito e ela estava feliz em saber que de tarde ia ter aula de patinação com o Felipe. Estar com ele parecia deixar tudo mais leve para ela. Talvez porque ele não tivesse as neuras e complicações do Cebola.

- Mônica? Nossa, você não dormiu direito essa noite, não é?

- Não, mãe...

- Se isso continuar assim, vou te levar num médico. Ter insônia não é nada saudável. Você precisa de descanso.

- Isso vai passar, tem nada não.

- Será que vale a pena você se estressar tanto assim com o Cebola?

- Estou começando a achar que não, sabe...

A mãe da Mônica levou um susto e chegou a pensar que a filha estava doente. Geralmente a Mônica sempre o defendia, dizendo que ele valia à pena, que eles se amavam e várias outras coisas. Era a primeira vez que ela não tentava justificar o comportamento dele.

- Olha, eu estou começando a ficar preocupada, viu?

- É que nos últimos dias eu estou aprendendo a ver as coisas de um jeito diferente, é isso.

- Ah, é? E de que jeito você está vendo as coisas agora?

- Sabe o Felipe?

- Aquele rapaz que está te ensinando a patinar? – ela o tinha visto várias vezes acompanhando a Mônica até em casa, embora ele ainda não tivesse sido apresentado para ela oficialmente. Mesmo olhando de longe, ele lhe pareceu bem simpático e descontraído.

- Ele mesmo. É que a gente tem conversado muito.

- Sobre o quê?

Enquanto Mônica tentava reproduzir as conversas que tivera com Felipe, Luisa ia ouvindo tudo em silêncio e pensativa. E não é que aquele rapaz tinha mesmo razão? Quanta maturidade! Ela jamais teria imaginado que existisse tanta sensatez por detrás daquela aparência descolada.

- Eu acho que seu amigo está certo. 

- Acha?

- Claro! Talvez fosse melhor você pensar mesmo em tudo o que ele te disse.

- É...

Depois do café da manhã, ela escovou os dentes e se arrumou para ir ao shopping para fazer algumas pequenas compras. O natal estava perto e ela queria dar algumas lembrancinhas para as amigas mais próximas. E também procurar algo para dar a Felipe. Ele estava sendo tão legal nos últimos dias, lhe ensinando a patinar e falando tantas coisas que ela sentiu necessidade de retribuir.

Como estavam perto do natal, havia grande movimento no shopping. As lojas tinham vários anúncios de liquidações, havia enfeites por todos os lados, luzes, árvores e miniaturas de papai Noel. Tudo cheirava a natal, desde a decoração até a música e o próprio comportamento das pessoas.

Comprar os presentes para as amigas não tinha sido complicado. Eram coisas simples: bijuterias, maquiagem, presilhas de cabelos... pequenos acessórios para garotas. Comprar coisas para suas amigas era fácil, o problema era algo para dar a Felipe.

- Oi, Mô, comprando os presentes?

- Oi. É, estou comprando umas lembrancinhas aqui. Você já comprou as suas?

- Comprei sim. Esse ano eu comprei uma camisa maravilhosa e acho que o Quim vai adorar. Dei uma sorte danada, tava na promoção!

- Que bom. Eu é que estou com alguns problemas.

- Ah, tá falando do presente pro Cebola?

Ela ficou sem jeito ao ouvir aquilo.

- Na verdade é pro Felipe...

- Quê? Pro Felipe? E o Cebola?

- O que tem?

- Você não vai comprar nada pra ele?

- Ele não está aqui e aposto que nem vai se preocupar em comprar alguma coisa pra mim, então eu também não vou preocupar com ele.

Magali arregalou os olhos, sem acreditar no que estava ouvindo.

- Mô, o que deu em você?

- Nada, ué! Eu só não quero mais ficar esquentando a cabeça por causa do Cebola. Ele não liga, quase não manda e-mail e não dá nenhum sinal de vida. Se ele não está se preocupando comigo, então eu também não vou preocupar com ele!

Certo, aquilo foi realmente estranho. Apesar disso, ela achou melhor não discutir.

- E... O que você vai comprar pro Felipe?

- Isso eu não sei... Eu tô olhando algumas coisas pra ver se tenho alguma idéia.

- Talvez a gente ache algo na loja de material esportivo.

E elas acharam muitas coisas. O problema era o preço que estava muito além do que Mônica podia pagar. As roupas eram bonitas, porém caras. Também havia belos capacetes, porém o mais barato custava oitenta reais. Tênis nem pensar! Ela também viu uma daquelas luvas sem dedos e lembrou que Felipe sempre usava aquilo. O preço era um pouco salgado, porém melhor do que o restante da mercadoria da loja. Com aquilo, o seu dinheiro ia acabar com certeza, mas era por uma boa causa.

- Você vai mesmo comprar isso?

- Vou. Acho que ele vai gostar.

- Como você vai passar o restante do mês?

- Se precisar, levo uns cachorros pra passear ou faço qualquer outra coisa. Tem problema não.

As duas circularam um pouco, fofocaram bastante e quando a hora do almoço se aproximou, cada uma foi para a sua casa e Mônica estava muito satisfeita com suas compras. Bastava fazer um embrulho bem charmoso para cada uma, especialmente para o presente do Felipe.

Chegando em casa, ela foi olhar seus e-mails. Nada. Aquilo não a surpreendeu nem um pouco. E estranhamente, não a chateou também.

__________________________________________________________

Cebola estava em seu curso intensivo de inglês, ouvindo as lições por um fone de ouvido e repetindo as palavras. Seu vocabulário tinha melhorado muito e ele sabia que dentro de pouco tempo estaria em condições de conversar fluentemente com um americano. Uma pena o curso tomar a maior parte do seu tempo e ele não poder conhecer melhor a cidade... Quem sabe numa outra oportunidade?

Quando a lição deu uma pausa, ele ficou pensando se seria possível juntar dinheiro para fazer outra viagem nas férias de julho. Seria uma viagem curta, onde ele ficaria num hotel bem barato. Ou então na casa de um dos amigos que ele tinha feito, por que não? Talvez, se ele se mostrasse bem simpático, fosse possível conseguir que alguém lhe hospedasse em sua casa numa próxima viagem. Com isso, ele ia economizar muito. E seria uma viagem curta, só para poder aproveitar bastante.

“Ah, claro... eu ainda vou ter que dar um jeito de despistar a Mônica. Bem, não tem problema. Eu sempre dou um jeito nela.”

Quando a próxima lição começou, ele procurou concentrar-se e não pensou mais naquilo. Definitivamente não havia com o que se preocupar em se tratando da Mônica. Ela sempre esperou por ele e sempre continuaria esperado até quando ele quisesse. Por que ter pressa? Ele não tinha nenhuma.


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Notas finais do capítulo

(*)Bom, a história em questão foi publicada em uma revistinha há muito tempo. Vou tentar reesumir: o Cebolinha chega em casa com um roxo e a mãe dele, zangada, resolve tirar satisfações com a mãe da Mônica. Então D. Luíza fala.
.
- Não entro em briga de criança.
- Claro, não foi sua filha quem apanhou!
- Isso não teria acontecido se seu filho não a tivesse provocado.
- O meu anjinho?
.
Foi baseado nisso que eu parti do principio de que os pais do Cebola foram totalmente omissos com as travessuras do filho deles.



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