Contra Todas As Probabilidades escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 6
Enxergando de outra forma




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– Ainda não entendo por que você continua tendo essas aulas de patinação. Você já não está conseguindo patinar sem cair? – perguntou Magali olhando Mônica enquanto essa arrumava suas coisas.


Cascuda também entrou no coro.


– É mesmo, Mô. Por acaso você está afim do Felipe?

– Que coisa, não é nada disso. Eu só gosto de patinar. E quero melhorar também.

– Hum... sei não... acho que disso você não passa. – Marina também não estava acreditando muito naquelas aulas.

– E como é que você sabe? Você nem mesmo me viu patinar!


Elas ficaram em silêncio com a reação da Mônica.


– Que é isso, Mô? A gente só está falando pro seu bem!

– Obrigada por se preocuparem, mas na boa, eu estou legal. Aprender patinar está me fazendo muito bem e enquanto o Felipe quiser ensinar, eu vou aprender.


Sem falar mais nada, ela pegou suas coisas e saiu dali rapidamente antes que começasse a discutir com elas.


No fundo, ela sabia que suas amigas não confiavam muito na sua capacidade para fazer coisas diferentes e que não implicassem em força bruta. Claro, elas só conheciam a Mônica durona que resolvia tudo no muque. Ela era boa nos esportes e sempre tirava nota máxima em educação física. Em qualquer teste de força e resistência ela mostrava uma capacidade superior a qualquer pessoa. No entanto, elas não acreditavam muito em sua capacidade para fazer coisas mais delicadas, intelectuais ou que exigissem mais habilidade do que força. Nem mesmo cantar, já que a banda acabou sendo desfeita porque não conseguiram nenhum sucesso e cada um quis seguir seu próprio caminho.


Ninguém falava nada, mas todos já deram a entender que a banda tinha acabado por falta de talento da parte dela. Durante muito tempo ela acreditou mesmo que não conseguia ser mais nada além da moça durona. Aquelas aulas com o Felipe lhe mostraram que estavam todas erradas. Ela e as amigas. Sim, era possível para ela fazer coisas diferentes.


Outra coisa também lhe entristecia. Fazia dias que o Cebola não dava noticia nenhuma. Nem ao menos um e-mail. Já era metade de dezembro e nada! Será que custava alguma coisa ele escrever algumas linhas só para dizer que ainda estava vivo?


Chegando ao parque, onde eles sempre praticavam, Felipe logo notou seu aborrecimento.


– Algum problema?

– É... o mesmo de sempre. – mentir não adiantava mesmo, ele sempre percebia.

– Suas amigas?

– Sim. E também o Cebola... mas acho que não é legal a gente falar disso.

– Talvez fosse bom. Se você está chateada, a aula hoje não vai render. Para patinar, tem que estar com bom estado de espírito. Vem, vamos sentar um pouco.


Aquilo lhe deu um pouco de alívio, já que ela não estava com muita disposição para patinar.


– O que o cabeça de cebola andou aprontando?

– Nada demais, eu é que tô ficando fresca, sei lá. Ele não mandou nenhum e-mail hoje.

– E isso tem se repetido?

– Tem. Pra falar a verdade, ele só mandou um único e-mail desde que viajou...

– Então não é frescura coisa nenhuma. Ele é que tá te deixando de lado.


Embora ele tivesse dito aquilo que ela já sabia, Mônica não conseguia aceitar aquela situação.


– A gente não pode ficar grudado o tempo inteiro, né?

– Mas ficar separado o tempo inteiro também não dá.


Um gosto desagradável invadiu sua boca. Ele não deixava de ter razão.


– Por que você sempre tenta justificar as mancadas dele?

– Não, eu não tento justificar nada... só quero olhar o lado dele também, sabe? Nem tudo pode ser do meu jeito.

– Só que nesse caso, parece que nada está sendo do seu jeito, só do jeito dele. E pro seu lado, será que ele não vai olhar não?


Aquele gosto ruim se intensificou. Era algo amargo, desagradável e por mais que ela tentasse engolir, o gosto não sumia.


– É que eu queria ficar numa boa com ele...

– E por acaso ele tenta ficar numa boa com você?

– ...

– Olha, Mônica, eu acho que posso ser sincero com você, não posso?

– Claro!

– Beleza. Sabe, eu acho que as meninas complicam demais as coisas.

– Como assim?

– Quando o cara enrola demais, não toma uma atitude e não chega junto, ao invés de partir para outra vocês ficam é inventando um monte de desculpas pra falta de atitude dele.

– É que as pessoas também tem problemas.

– Bobagem! Deixa eu te contar um segredo masculino: quando a gente gosta de uma garota, e ela da gente, então ficamos com ela. Fim.

– Hã? Não entendi nada...

– Não tem nada pra entender, é simples. Quem gosta, quer ficar junto, ter a presença da pessoa, ouvir sua voz, conversar... ou será que com você não é assim?

– Claro que é! Acho que com todo mundo é assim, não?

– E por que com o Cebola deveria ser diferente?


Ela não conseguiu segurar uma careta. Aquele gosto amargo tinha piorado mais ainda.


– Foi ele quem terminou o namoro, não foi?

– Foi... mas naquele dia ele disse que me amava e...

– E mesmo assim ele terminou. Pra mim isso não faz sentido nenhum. Quem ama, quer ficar junto, não termina o namoro nem nada!

– É que ele sente necessidade de me derrotar para ficar a minha altura.

– Por acaso você acha que ele não é bom o suficiente pra você?

– Pra mim isso nunca foi problema. Eu sempre o admirei, o achei inteligente, ele resolve problemas de matemática que eu não consigo...

– Então é ele que ficou encanado com isso?

– Sabe, é que desde crianças ele sempre apanhava de mim.

– Porque ele te provocava, não? É verdade que ele ficava te xingando, pixando os muros com o seu nome, te chamando de gorducha e um monte de outras coisas?

– É sim...

– E também ficava fazendo uns planinhos toscos só pra te humilhar?

– Aham...

– Então ele queria o que, caramba? No seu lugar, eu também teria dado muita porrada na cara dele! Ninguém tem sangue de barata! Ele apanhava porque queria apanhar. Ou será que você batia nele sem motivo?

– Isso não! Muitas vezes a gente brincava numa boa e não rolava coelhada nenhuma.

– Pois é. Então ele só apanhava porque te provocava com aqueles planos bobos.

– Sim.

– Entende onde eu quero chegar?

– ... – mais uma vez ela ficou totalmente muda.

– Foi ele mesmo quem criou toda essa situação, é isso. Ele tá achando ruim por ter sempre apanhado de você, mas era ele quem te provocava. Escuta, por que ele cismou com você?

– Eu nem faço idéia! A gente sempre brigou desde... ih, muito tempo! Eu nem lembro quando foi que começou.

– Mas começou, né... e parece que está rolando até hoje. Ele não consegue largar esse passado bobo pra ser feliz com você. Parece que isso é mais importante pra ele do que o namoro de vocês dois. E agora você está sofrendo por causa de uma neura dele, que ELE mesmo criou!


Mônica o olhou como se o visse pela primeira vez na sua vida. Ela não sabia o que lhe deixava mais perturbada: ter ouvido coisas que lhe fizeram enxergar seu relacionamento com o Cebola sob um prisma diferente ou o fato de que tudo aquilo tinha vindo de alguém como Felipe. De onde ele teria tirado aquelas idéias? Era difícil acreditar que aquele rapaz com aparência despojada, cabelos arrepiados, que usava uma corrente no pescoço e sempre falava gírias (e alguns palavrões) pudesse ter uma maneira tão madura e sensata de enxergar as coisas.


Felipe também olhou para o rosto dela e adivinhou seu espanto.


– Fala a verdade, você não pensou que eu pudesse falar esse tipo de coisa, não é?


Ela abaixou a cabeça, envergonhada.


– Pode ser sincera, tem problema não!

– É que eu não pensei que você fosse tão cabeça...

– Pra você ver como a gente se engana com as pessoas. Suas amigas se enganaram com você e você se enganou comigo.

– Foi mal...

– Não tem que se desculpar, é assim mesmo. E pra falar a verdade, eu bem que dei motivo, não é? – ele falou lembrando da forma arrogante como eles tinham agido quando chegaram ao bairro, provocando todo mundo só porque eram bons nos patins.

– Isso é!


Eles voltaram a ficar em silencio, já que Felipe não teve como dizer que nem ele mesmo esperava ouvir tantas coisas inteligentes da própria boca. Estranho... era como se perto dela, sua mente funcionasse melhor e ele ficasse mais lúcido. Seria esse o segredo da inteligência do Cebola? Ela quebrou o silêncio.


– Eu não tinha pensado nisso antes, nas coisas que você falou...

– Então comece a pensar. E vamos treinar um pouco. Patinar vai te fazer bem.


Aquela conversa acabou lhe fazendo bem e a aula acabou sendo proveitosa e divertida. Ela até tinha aprendido a dar alguns saltos, algo impensável até algumas semanas atrás.


– Nossa! Eu consegui! 

– Viu só? Você tem as pernas fortes e agüenta o impacto numa boa. Epa! Espera um pouco aí!

– Que foi? 


Felipe correu até sua mochila e voltou com uma pequena chave de fenda.


– Eu acho que tem um parafuso meio solto. Deixa eu ver. – ele tirou o patim dela e olhou cuidadosamente. Tinha mesmo um parafuso que estava começando a se soltar. Se continuasse assim, poderia acabar provocando um acidente.

– Oh! Eu nem tinha percebido! Como você viu?

– Olhando o jeito que você patina eu vi que alguma coisa não tava legal.


Ele examinou o outro patim para ver se tudo estava ok e viu que aqueles patins não pareciam ser bons para ela. Além de não serem de boa qualidade, eram um tanto grosseiros para alguém com o porte físico como o dela. E o número também parecia ser ligeiramente maior que o seu pé, o que não era bom.


– Pronto, agora pode usar.

– Obrigada.


A aula continuou até o fim da tarde. Depois, ele a levou até em casa como vinha fazendo nos últimos dias e eem seguida foi embora pensando na conversa que eles tiveram. Ela ainda estava encanada com o Cebola e Felipe achou que talvez fosse melhor ajudá-la a esquecê-lo antes de tentar alguma coisa, do contrário poderia acabar se dando mal. A relação entre eles parecia ser mais complicada do que ele pensava a princípio, então não ia adiantar de nada ele apenas se declarar e pedi-la em namoro.


Normalmente ele não teria tanto trabalho assim com uma garota, mas os dias que ele passou com a Mônica lhe mostrou que ela valia qualquer esforço. Uma garota como ela merecia alguém que soubesse valorizá-la e ele era esse alguém com certeza.


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Notas finais do capítulo

É... a Mônica parece ter um efeito interessante sobre os homens, não? Vamos ver se depois dessa, ela não se toca de que está perdendo tempo com o Cebola.



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