Contra Todas As Probabilidades escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 42
Sad but true


Notas iniciais do capítulo

Bom, eu achei que seria interessante se o Cebola refletisse melhor sobre o que ele aprontou com os amigos, por isos criei esse capítulo seguindo a idéia do Stefano_Araneda, onde o Cebola discute consigo mesmo e finalmente vê o monstro que ele se tornou.



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- Cascão, você ficou matando aula com o Cebola? Tá doido? Você não pode ficar faltando assim não!

- Eu sei, Cascuda, mas fiquei com pena do Cebola. Poxa, ele ainda é meu amigo.

- Humpt! Um amigo não ameaça o outro do jeito que ele fez com você.

- É...

Mônica estava com os amigos em uma lanchonete conversando sobre o que tinha acontecido no dia anterior. Apesar de saber que Cebola mereceu ter passado por tudo aquilo, Mônica ainda se preocupava com ele. Era triste ver uma amizade de tantos anos acabando daquele jeito.

Mônica: - Eu acho que a Denise pegou pesado publicando aquele vídeo do Cebola...

Magali: -Também acho, sei lá.

Felipe: - Pois eu não acho. Ele bem que mereceu pra deixar de ser lesado. Ah, gente! Fala sério! O cara tinha mais era que se ferrar mesmo!

O restante da turma concordou. Todos estavam magoados demais com o Cebola para terem alguma compaixão por ele. Mônica voltou a falar.

- Seja como for, acho que já chega, né gente? Ele teve o que merecia e não vai mais incomodar ninguém, então vamos deixar quieto.

Cascão: - Seria bom mesmo. Só que agora ele vai ficar isolado de todo mundo...

Marina: - Bem feito! Eu é que não vou querer saber de papo com ele depois disso tudo!

Quim: - Nem eu!

Titi: - Se eu pudesse, colocava ele pra fora do time!

Cascão ficou cabisbaixo ao ver que quase ninguém ali parecia disposto a perdoar o Cebola. Se ao menos o careca pedisse desculpas... não, ele era teimoso demais para se desculpar. Nem a Mônica era tão teimosa assim. Pelo que ele tinha visto mais cedo, Cebola sequer achava que tinha agido errado, então as chances de ele pedir desculpas eram quase nulas.

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- Mãe! Pai! Tem alguém aí?

Nenhuma resposta. Apenas um silêncio ensurdecedor que era quebrado pelo eco da sua voz. Desde quando sua casa tinha eco? Ele procurou pela casa inteira e depois saiu para a rua e assustou-se com o cenário que apareceu na sua frente. Era a mesma rua, porém tudo estava estranho, sem cores, sem vida e sem movimento. Parecia apenas uma foto preto-e-branco da sua vizinhança. Uma foto gasta, meio borrada e envelhecida. O céu tinha uma cor vermelho-escura que dava a impressão de que tudo ia cair sobre sua cabeça.

Algumas sombras transitavam pela rua sem que ele conseguisse distinguir seus rostos.

- Ei, vocês! Podem me ouvir? Por favor, alguém fala alguma coisa! – ninguém lhe respondeu. As sombras continuaram passando como se ele não existisse.

Cebola olhou para cima novamente e teve a sensação de que o céu estava se curvando sobre ele, como se fosse derramar a qualquer momento inundando todo bairro. Assustado com aquele cenário, ele tentou correr de volta para sua casa e sentiu como se seu corpo estivesse dez vezes mais pesado. Por mais que tentasse correr, ele mal saia do lugar enquanto a porta de entrada se afastava cada vez mais até se perder em um ponto no infinito.

O som forte de uma guitarra ecoou no céu como se fosse um trovão, repercutindo em todo o seu corpo como uma descarga elétrica. Parte do céu se desmanchou, transformando-se em milhões de pequenas coisinhas que pareciam insetos ou algo que ele não pode definir. Parte do enxame foi em sua direção, algumas voando ao redor do seu corpo e lhe dando picadas dolorosas. O restante estava ainda flutuando no céu e foi descendo mais lentamente, parecendo trazer uma pessoa como se fosse uma carruagem sinistra.

Cebola tentou olhar melhor para ele e ficou na duvida se aquilo era mesmo uma pessoa ou uma criatura saída de algum game maluco. Ele era alto, parecia forte e um manto de penas cobria seu copo. Ele também usava uma máscara que parecia ser de penas, suas mãos e pés tinham grandes garras que pareciam ameaçadoras e prontas para agarrar uma presa. Ele era meio azulado, com marcas azul-escuro pelo corpo.

- Q-quem é você? – o rapaz perguntou encolhendo de medo da estranha criatura. O som de guitarra ficou mais forte, quase estourando seus tímpanos.

- O que foi, careca? Não se lembra de um velho amigo?

- Amigo? Eu nunca te vi na vida!

A criatura deu uma risada que junto com o som da guitarra, fez a cabeça do Cebola latejar de dor.

- Como pode não se lembrar de mim? Nós nascemos juntos! Eu sempre estive com você durante todos esses anos e estarei com você pelo resto da vida!

- Que papo doido é esse? Quero sair daqui agora!

- Você quer? Não quer coisa nenhuma, quem tem de querer algo aqui sou eu!

- E quem você pensa que é pra me dar ordens?

- Meu nome é Soranin, isso não te lembra alguma coisa? Vou refrescar sua memória. – ele pegou o rosto do rapaz com as garras, fazendo-o gritar de dor enquanto uma avalanche de lembranças invadia sua memória.

Ele caiu de joelhos no chão ainda gritando de dor e esfregando a cabeça procurando algum alivio. Tudo voltou a sua mente como um raio e ele lembrou-se do seu ID.

- Seu cafajeste! Agora eu lembro! Você saiu beijando as meninas do bairro, ficou escrevendo desaforos contra a Mônica no Orkut e fez um monte de coisas!

- Deixe de ser bobo... eu não fiz nada que você não faria caso tivesse uma chance. Eu sou você, esqueceu?

- Não, você não sou eu! É só uma parte de mim e quer saber? Eu te derrotei!

- Derrotou? Seu idiota, olhe para mim! Estou mais forte do que antes!

Para seu desespero, Cebola viu que Soranin estava mesmo muito diferente do que ele se lembrava. Pelo que ele sabia, quando mais distante da forma original um ID fosse, mais forte ele era. E aquela criatura não se parecia nem um pouco com ele.

- Viu? Você me fortaleceu nos últimos meses e eu estou prestes a te dominar!

- Se eu te fortaleci, então posso te enfraquecer!

- E você quer fazer isso? Quer mesmo deixar de lado seus planos e ambições? Agora você está sozinho, sem amigos, sem namorada e sem respeito!

- Eu posso consertar isso!

- Não, você não pode. Eu posso porque agora eu sou sua vida, o seu único amigo.

- Não é verdade!

- É sim, seu burro! Eu sou seu sonho e faço você real!

- ...

Aquilo era assustador demais para ser verdade e o rapaz encolheu-se de medo daquela criatura.

- Vai embora, me deixe em paz!

- Isso não vai acontecer. Eu sou você, esqueceu? Você não vive sem mim! Eu sou sua vida, seu sonho, sua dor e o seu ódio quando você quer amor!

- Eu só queria que a Mônica voltasse para mim...

- Que patético... tudo isso por uma garota que nem pensa mais em você! Idiota, deixe tudo isso de lado. Você ainda pode ter o mundo aos seus pés e transformá-lo naquilo que quiser. Olhe ao seu redor e veja o seu novo mundo.

Ele olhou em volta e não gostou nem um pouco do que viu. Definitivamente nunca esteve em seus planos criar um mundo horrível como aquele.

- Eu quero dominar o mundo para transformá-lo em um lugar melhor, não num inferno!

- Mesmo? Que piada! Você infernizou a garota que te amava, infernizou seus amigos de tantos anos, magoou pessoas que te viam como um irmão e agora vem me dizer que quer transformar o mundo em um lugar melhor? Você não foi capaz de fazer isso nem para as pessoas ao seu redor!

Seus lábios tremiam e ele sentia um grande nó na garganta ao pensar que no fundo, aquela coisa tinha razão. Ele tinha magoado tantas pessoas apenas para conseguir o que queria.

- Você me obrigou a fazer tudo aquilo, não foi? Você é o meu lado ruim!

- Eu te obriguei? Imbecil, você fez tudo porque quis! Foi você quem me alimentou e fortaleceu! Eu nunca te forcei a fazer nada!

- Mas eu magoei tanta gente... não pode ter sido eu.

- Ah, mas foi! Foi você sim! Você fez todas as escolhas e agora terá que pagar o preço por todas elas!

- Não!

O som da guitarra continuava machucando seus ouvidos, mas não era alto o suficiente para abafar o som da voz desagradável daquela criatura que dizia ser ele.

- Por que chora, seu fraco? Você escolheu esse caminho, não deveria chorar agora! Tudo é conseqüência das escolhas que você fez.

- Eu magoei a Mônica, magoei meus amigos, não era isso que eu queria!

- Faça-me o favor! Você queria muito bem magoar a Mônica, queria vê-la derrotada e arrastando aos seus pés. Queria castigá-la por ter escolhido ficar com outro, queria destruí-la! – a última palavra foi pronunciada num grito enquanto ele abriu os braços, fazendo com que seu manto de penas também se abrisse como a enorme asa de um condor.

- Eu só queria que ela voltasse pra mim...

- ... derrotada, destruída, com seu espírito esmagado e seu brilho apagado para que somente você brilhasse. Era ou não isso que você queria, seu fraco?

- ...

Por mais que doesse admitir, aquilo era verdade e Cebola sabia daquilo.

- Você sempre a invejou, nunca conseguiu aceitar que ela fosse mais forte do que você. Mas quer saber de uma coisa? O problema nunca foi a força dela.

- Foi o que então?

- Foi sua fraqueza, seu pateta! Você é que sempre foi um fraco, por isso a insultava e perseguia! Você fazia isso porque sentia necessidade de diminuí-la para se sentir menos perdedor do que sempre foi!

- Pára! Você tá falando um monte de besteira, eu nunca fui um fraco!

- Ah, não? Então por que essa fixação em derrotá-la?

- Para ficar a altura dela!

- Ou não seria apenas para compensar sua fraqueza e insegurança? Afinal, você podia ter feito várias outras coisas para merecê-la. Quem disse que derrotá-la era o único caminho? Não, não era! Mas você escolheu ESSE caminho porque seu ego frágil achou mais fácil querer rebaixá-la ao seu nível do que você se elevar para ficar a altura dela. É triste, mas é verdade. Você sempre foi um fraco que precisava humilhar outra pessoa para se sentir forte!

Sua cabeça ficou dando voltas com tanta coisa de uma vez só e ele sentiu que estava perto de desmaiar.

- O que foi, Cebolinha?

- É Cebola!

- Eu te chamo do que quiser! Você é um fraco, um idiota e agora ficou sem amigos e sem ninguém. Agora você só tem a mim!

- Quer saber? Prefiro ficar totalmente sozinho a ter alguém como você. Vai pro inferno e não enche o saco! 

Ele continuou repetindo várias vezes a última frase até ouvir o choro de uma menina.

- Buáaaaa! Eu vou contar pra mamãe!

- Maria? - ele abriu os olhos rapidamente, dando de cara com a menina chorosa que estava do lado da sua cama.

- A mamãe mandou você abaixar o volume dessa música e você me falou essas coisas feias!

O rádio estava ligado num volume alto, tocando “Sad, but true” do Metálica. A música estava quase no fim e ele pode ver de onde vinha aquele som de guitarra.

- Foi mal, baixinha, eu não estava falando com você.

A menina deu uma fungada e perguntou.

- Não? Então você tava falando com quem?

- Com um monstro no meu pesadelo...

- Ah... eu também tenho pesadelos com monstros... – a menina foi parando de chorar. – quem era esse monstro?

- Na verdade, era eu mesmo...

- ???

- Um dia você vai entender... vai sim.

Ele levantou-se da cama ainda com dor de cabeça e a menina desistiu de implicar com ele, procurando coisa mais interessante para fazer. Sua cabeça ainda latejava de dor e ele não teve outra alternativa a não ser procurar por uma aspirina no armário do banheiro. Sua casa estava normal de novo, com sua mãe cuidando dos afazeres domésticos e sua irmã brincando com suas bonecas.

Antes de tomar a aspirina, ele resolveu lavar o rosto para se livrar do desconforto e sentiu uma pequena dor aguda em sua pele ao redor do rosto. Olhando melhor, ele viu um pequeno corte perto de cada orelha e três em sua testa, na parte onde começa o coro cabeludo. Eram cinco no total.

- Mas o que é isso? – a imagem de uma garra enorme segurando seu rosto veio a sua mente e ele apertou os lábios para não gritar. Não iria adiantar mesmo, já que aos poucos as marcas foram sumindo até não sobrar nada em sua pele. Seria só sua imaginação ou aconteceu mesmo? Ele não sabia e não estava com forças para pensar a respeito.

Aos poucos a dor de cabeça foi melhorando até ele não sentir necessidade de tomar aspirina. Ainda assim ele se lembrava daquele sonho maluco e se questionava se aquela criatura era mesmo uma parte dele. Ou seria quem ele realmente era?

“Cara... será que eu sou assim? Não, eu não quero ser daquele jeito!” ele se olhou no espelho e quase não se reconheceu ao ver sua fisionomia tão endurecida e um brilho cruel em seus olhos. Aos poucos, suas feições foram suavizando e voltando ao normal. Ele deu um longo suspiro pensando em tudo o que tinha acontecido e sentiu-se totalmente exausto e sem forças para mais nada. Nem mesmo para seus planos de vingança. Aquilo não importava mais. A Mônica que vivesse sua vida com outro. Se seus amigos não quisessem mais falar com ele, paciência. E aquele vídeo do youtube poderia ser esquecido com o tempo.

Ele se sentia oco, vazio e desanimado. Cebola voltou para a cama e fechou os olhos desejando não abri-los nunca mais e dormiu novamente, dessa vez tendo um sono livre de pesadelos. 


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