Contra Todas As Probabilidades escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 2
Sobre patins




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– Olha, eu não gostei muito desses patins não. São muito duros, sei lá.

– Hum... vou anotar isso e relatar ao fabricante. E quanto ao equipamento de segurança, o que achou?

– Eu achei o capacete meio pesado e esquenta muito. As cotoveleiras são boas, agüentam bem o tranco, mas eles precisam melhorar as joelheiras. Essa aqui trincou com o primeiro tombo!


O técnico foi anotando tudo apressadamente enquanto Felipe apontava os problemas do equipamento e dava sugestões.


– Escuta, você vai ficar aí de blábláblá ou vamos patinar agora? – sua irmã falou já impaciente com tudo aquilo. Por que seu irmão se incomodava em testar os equipamentos? Coisa chata!

– Calma, já estou acabando. Você sabe como isso é importante.

– Eu sei, mas por que não mandam outra pessoa fazer isso?

– Porque eu faço bem e não custa nada. Nem leva tanto tempo assim, você é que tá chata hoje!

– Não tô não! É que eu tenho uma novidade quente para te dar!

– Que novidade?


Ela lhe mostrou um grande cartaz, fazendo-o torcer o nariz.


– Concurso de patinação no gelo? O que tem?

– É para caridade. O dinheiro arrecadado com a venda dos ingressos vai todo para aquela instituição onde a gente trabalha ensinando as crianças a patinarem.


O rosto dele descontraiu. Aquilo sim era importante.


– Ah, bom! Eles querem que a gente divulgue?

– Sim, e também pediram pra gente participar. O concurso vai ser em julho do ano que vem e eles nos avisaram com antecedência para a gente poder ensaiar.

– Quê? Tá doida, criatura? A gente não é patinador de gelo. Somos patinadores de rua!

– Relaxa, Lipe! Não é nenhuma olimpíada, é só um concurso simbólico. Muita gente vai participar e eu também queroooo!!!! – ela fez olhos de filhote de cachorro.

– Mas eu não quero! Olha, o que der para eu fazer, eu faço numa boa, só não me pede pra patinar no gelo usando aquelas roupinhas queima-filme porque não vai rolar!

– Não são roupas queima-filme! São lindas e eu adoro aquelas lantejoulas!

– Se você adora, então usa! Eu não vou usar merda nenhuma!


Ela apertou os olhos e olhou diretamente para ele.


– E não adianta me fazer essa cara! É a minha palavra final!

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Um pequeno mosquito passeava pelo teto do quarto, voando confuso em volta de lugar nenhum como um viajante perdido no deserto. Havia uma pequena teia de aranha vazia no canto da parede. Sua proprietária deve ter se mudado. Também tinha ali uma pequena trinca, bem fina e quase imperceptível, como se tivesse sido desenhada com um lápis de ponta fina.


Há quanto tempo ela estava ali? Não havia como saber. Toda sua noção de tempo tinha ficado embaralhada. Podiam ser alguns minutos ou algumas horas. Não fazia diferença. Ficar deitada na cama olhando para o teto não era exatamente um passatempo divertido. E quem estava pensando em diversão? Ela com certeza não estava.


E como pensar em diversão sabendo que suas férias estavam arruinadas? Mônica tinha imaginado que aquelas férias iam ser perfeitas, que teria chance de passar mais tempo com ele, fazer várias coisas interessantes e até... quem sabe? Ele finalmente conseguiria derrotá-la e assim lhe pedir em namoro.


Não, aquilo não ia acontecer.


– Uma viagem? Como assim? E em cima da hora?

– Eu já tinha planejado isso há um mês.

– Um mês? E só agora você me fala?

– Se eu tivesse falado antes, ia ter que agüentar você fazendo drama por um mês inteiro!

– Com você pode falar desse jeito? Você vai ficar dois meses fora e me chama de dramática por ficar aborrecida?

– Eu preciso fazer esse curso de inglês. Meu pai teve trabalho para conseguir essa bolsa e eu não posso perder a oportunidade. Você tem que entender meu lado também! Não posso viver só por sua conta e nem fazer tudo do jeito que você quer!

– Cebola, você não percebeu que essas são as últimas férias de fim de ano que a gente vai poder passar junto e tranqüilo? Ano que vem tem vestibular e vai ficar uma correria só!

– Não exagera. Ainda teremos as férias de julho e tempo de vestibular não é tão corrido assim. Pelo menos para mim não é!

– Mas vai ser para mim e para o resto da turma e a gente vai ter pouco tempo junto. E depois é faculdade... cada um vai para um lugar diferente e...

– Mônica, por favor! Até parece que a gente não vai se ver nunca mais! Quando você menos esperar, estarei de volta e vamos ter esse ano só para nós. Fica assim não, eu vou te compensar, juro!


“Vai me compensar... até parece!” não havia como compensar aquilo. O tempo perdido não ia voltar mais. Ele não podia lhe dar outras férias de fim de ano.


E passar aquelas férias sozinha era a pior coisa possível. Todas as suas amigas estavam namorando. Até Carmen e Denise tinham conseguido desencalhar. Ela pensou em cada uma das meninas e viu que era a única da turma que não tinha namorado. E pelo visto, ia continuar sem namorado por um bom tempo.


– Mônica, o almoço está servido. Vai lavar as mãos!


Ela deu um pequeno sobressalto, como se tivesse viajado para outro mundo e voltado de repente. Toda sua noção de tempo e espaço tinha retornado e ela resolveu ir almoçar logo, apesar de não estar com fome.


– Mônica, você ainda está triste por causa do Cebola, não é?

– Demais, mãe! Como é que ele faz uma viagem dessas e só me conta na última hora? E pra piorar, ele só volta primeiro de fevereiro!

– Uma pena... bom, pelo menos você tem suas amigas, não?

– É... tenho... e elas tem namorado. Só eu continuo sozinha!

– Não fique assim. Procure coisas interessantes para fazer, vá sair, conhecer gente nova... não gaste suas férias trancada no quarto só porque o Cebola não estará por perto. Sua vida não pode se resumir somente a ele.


Aquela última frase ficou ecoando em sua cabeça até depois do almoço. Esquecer era mesmo difícil, mas sua mãe tinha razão. Ela não podia deixar que suas férias estragassem só por causa dele. Era preciso encontrar coisas interessantes para fazer. Com um pouco de criatividade, ela acabaria pensando em algo. Por enquanto, um passeio no shopping seria suficiente.


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Já fazia quase cinco minutos que ela olhava para a vitrine com o olhar perdido. A roupa não lhe interessava nem um pouco, mas ela não se sentia com forças para sair dali. Era uma tarde bonita e ela estava sozinha mais uma vez já que Cebola precisava fazer alguns preparativos para a viagem. Suas amigas estavam ocupadas com seus namorados e ela acabou ficando sem ninguém para passar a tarde.


Ao ver que a vendedora a estava encarando com uma cara de poucos amigos, ela achou melhor sair dali e procurar outra coisa para distrair sua cabeça daquele tédio.


Após circular por alguns minutos, ela acabou indo parar na pista de patinação do shopping e ficou olhando as pessoas que deslizavam pelo gelo. Havia uma quantidade razoável de pessoas patinando no ringue e ela ficou acompanhando o movimento com o olhar perdido, sem prestar atenção a nada. Não, aquilo não estava dando certo. De que adiantava ficar ali se ela sequer estava prestando atenção?


“Hum... isso até que deve ser legal... será que eu consigo? Ah, não. Melhor não. Eu vou acabar caindo de bunda no gelo.” Ela fez menção de ir embora e acabou ficando no mesmo lugar. Se ela caísse, não seria a primeira e nem a última. E a Denise não estava ali para tirar uma foto e publicar em seu blog. Por que não? Talvez só meia hora, para distrair um pouco. Não havia mais nada de interessante para fazer mesmo.

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“Ah, fala sério! Eu não sei como ela faz isso!” Felipe pensou, com raiva, enquanto patinava sobre o gelo. Como foi mesmo que Luísa o convenceu a aceitar aquilo? Ele não sabia. Desde crianças ela era assim. Quando queria algo, sempre conseguia. E daquela vez não foi diferente. Bastou fazer aquela cara e pronto. Toda sua decisão de não participar tinha desmoronado como um castelo de cartas.


Patinação artística no gelo... ele fez uma careta de desagrado. Por mais que respeitasse o esporte, por mais que entendesse o esforço, treinamento e dedicação desses atletas, aquilo não era para ele. Principalmente por ter que usar aquelas roupas apertadas e cheias de firulas. Era só o que lhe faltava... ficar usando uma calça tão apertada que seria preciso toda hora ficar ajeitando para não entrar no traseiro! E para piorar, Luisa ainda queria encher aquilo de lantejoulas! Céus! Seria a queimação de filme do século!


Se aquilo não fosse para a caridade, ele teria desistido na hora. Pelo menos o concurso era no meio do ano, nas férias de julho. Eles teriam bastante tempo para treinar juntos, já que eles iam se inscrever na categoria para casais. E mais essa! A única coisa que o consolava era saber que se fosse pagar mico, não ia pagar sozinho. Luísa também ia ganhar sua quota de vexames.


Felipe ia deslizando distraidamente, tentando se acostumar com os patins e também com a superfície que era bem diferente do asfalto e das rampas de patinação. Muito escorregadio e qualquer movimento em falso poderia criar um hematoma em suas nádegas. Por ser muito habilidoso, ele acabou se adaptando rapidamente e viu que pelo menos não ia ter problemas para fazer manobras no gelo. Claro. Ele, junto com sua irmã, era um dos melhores patinadores do país. Seria uma vergonha se ele não conseguisse.


Ele deslizava agilmente pelo gelo quando alguém no ringue chamou sua atenção.


“Rapaz... olha só quem está aqui!”


No meio da pista, se equilibrando com muita dificuldade, ele viu ninguém menos que a Mônica. E sem aquele chato do Cebola marcando em cima! Ou não? Ele olhou para os lados, procurando pelo cabeça de cebola. Ninguém a vista.


“Aposto que o vacilão andou furando com ela de novo! E agora ela tá aí dando a maior sopa!” um sorriso de satisfação surgiu em seu rosto. A Mônica estava ali, sozinha, sem ninguém por perto para atrapalhar. Sem o Cebola, sem o DC e sem o Toni. Aquela podia ser uma boa oportunidade. Ele nunca tinha tentado se aproximar antes, já que o maldito estava sempre de marcação. E quando não era ele, era o Toni ou o DC.


Aquela era uma boa oportunidade que ele não pretendia deixar escapar.

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“Calma, devagar...” ela tentava se equilibrar com dificuldade para não cair no gelo. Como as pessoas conseguiam patinar com aquela coisa? Era tão difícil!


Mônica estava tão distraída que não percebeu um menino vindo por trás, em alta velocidade. Ele estava sem controle e só pode desviar o suficiente para não trombar em suas costas. Ainda assim, ele lhe deu um esbarrão que a fez rodar ao redor de si mesma e cair de costas.


Ela fechou os olhos com força e se preparou para espatifar de costas no chão. Aquilo ia doer bastante no dia seguinte. Ao invés de sentir o baque contra a superfície fria do gelo, ela sentiu dois braços fortes lhe segurando e impedindo sua queda. Imediatamente ela abriu os olhos e se surpreendeu ao ver quem era seu salvador.


– Felipe?

– E aí Mônica? Beleza?


Ainda tomada pela surpresa, ela tentou se levantar e acabou se debatendo um pouco. Os patins escorregavam muito, impedindo que ela conseguisse ficar de pé.


– Ei, calma, vamos devagar. Espera, eu te ajudo.


Ele segurou uma das suas mãos, enquanto apoiava suas costas com o outro braço e conseguiu ajudá-la a ficar de pé.


– Ufa! Obrigada por ter me segurado, senão eu ia levar um tombão!

– Imagina. Ainda bem que você não machucou. O que tá fazendo aqui? Achei que patinar não fosse sua praia.

– E não é. Só que eu tô sem nada para fazer, sabe. Então resolvi arriscar.

– Ah, sei.


Ela se soltou e novamente teve dificuldade para se equilibrar, sendo preciso que ele segurasse sua mão de novo.


– Ih, desse jeito aí não tá dando certo. Você tem que relaxar um pouco. Se ficar tensa demais, é pior. Vem.


Felipe começou a deslizar pelo gelo, puxando-a pela mão.


– Não incline o corpo demais para frente. A cabeça e o quadril têm que estar alinhados, isso vai te dar mais equilíbrio. E não tente andar com os patins. Deslize com eles. É quase como usar patins inline.


Aos poucos, ela foi relaxando e se deixando levar. Aquilo até que era divertido! E tendo alguém para ajudar, era bem mais fácil.


– Puxa, é legal demais!

– Está gostando?

– Bastante.

– Então veja isso! – o rapaz deu um giro em torno do próprio eixo, segurando a mão dela. Mônica levou um susto e por pouco não deu um grito. Aquilo era tão emocionante e ao mesmo tempo parecia perigoso. Se ele soltasse sua mão, ia ser um desastre. Mas ele não soltou sua mão e ainda deu mais dois giros com ela, fazendo-a dar risadas.

– Ai, que susto! Como você consegue fazer tudo isso sem cair no chão?

– Prática, ué! Muito treinamento. Falando nisso, parece que você não tem treinado muito, não é?

– Não. Ah, eu estava levando tanto tombo que acabei desistindo. Acho que não levo muito jeito para a coisa.

– Ou só não teve quem te ensinasse direito. Se você quiser, qualquer dia desses posso te ensinar.

– Eu vou adorar. Patinar é legal, tirando a parte dos tombos.


Ele deu uma risada e continuou puxando-a pelo gelo até dar a hora de eles saírem. Que pena... o tempo tinha passado tão depressa que ele nem percebeu! De repente, ele sentiu uma grande necessidade de continuar perto dela e por isso arriscou um convite:


– Escuta, já que você não tem nada pra fazer essa tarde, que tal um cinema? Ou então podemos andar por aí de bobeira, comer alguma coisa...

– Um cinema até que seria legal.

– Beleza! Eu até sei de um filme bem bacana pra gente assistir. Você já viu Frankenweenie?

– Não...

– Dizem que é muito bom!


Em poucas palavras, Felipe contou a historia para ela. Era sobre um garoto chamado Viktor que amava seu cãozinho, Sparky. Um dia enquanto brincava com ele na rua seu cão foi atropelado. Após muito tempo chorando sobre a morte do cão o menino decide ler livros sobre como trazer alguém de volta a vida, e acaba achando o livro de Frankenstein. A partir daí o garoto tenta reviver seu cão.


Apesar de ter achado o filme um pouco estranho, ela acabou concordando e para sua surpresa, tinha adorado. Era realmente muito bom e ela se surpreendeu ao ver que ele tinha um gosto bem diferente para filmes. Eles passaram o resto da tarde conversando, fizeram um lanche e deram muitas risadas juntos. Para sua surpresa, ele tinha uma conversa muito boa e agradável. Era fácil se interessar pelo que ele falava, mesmo que fosse algo bobo e trivial. Felipe era bem descontraído, espontâneo e também muito engraçado.


Ele lhe contou alguns casos, lhe falando sobre os tombos que levava enquanto treinava com patins e falava de uma maneira tão hilária que ela não conseguia evitar o riso. Como alguém conseguia rir de si mesmo com tanta facilidade? Ele conseguia. Cair e se machucar aparentemente não o incomodava.


Em momento algum ela se lembrou da existência do Cebola.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Não deixem de comentar, por favor! Opiniões são muito bem vindas!



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