- Repasse – pediu Katniss Everdeen.

         - Katniss...

         - Não Beetee – ela o interrompeu – Isso não pode ser tudo, estamos deixando algo passar. Repasse.

         Beetee ajeitou os óculos na ponte do nariz, e soltando um pesado suspiro desviou seu olhar de Katniss para os monitores em sua frente. Digitando comandos que Katniss não entendia os monitores começaram a repassar a fita que assistiram repetidas vezes, os vídeos da segurança interna.

         Elevadores, escadas, corredores. Mesmas pessoas, mesmos diálogos, mesmas coisas.

         Mas deveria ter algo que ainda não viram. E era nisso que Katniss estava se agarrando, a esperança de que esses vídeos lhe mostrassem algo que seus olhos não viram.

         Katniss viu pelas fitas de segurança, cenas que preferia não ter visto. No elevador principal, era onde tudo acontecia. A câmera que havia dentro dele mostrou a Katniss e Beetee, Haymitch conversando frustrado com sua garrafa de whisky sobre o casamento de Effie, viram Annie sendo paquerada por qualquer cara da Capital. Viram a equipe de preparação de Katniss subir o elevador escondido, fazendo planos de como se esconderem no apartamento do Distrito 12 para esperar por Katniss. Viram Gale lançando sorrisos e gracejos para qualquer garota desconhecida que ele levou para seu apartamento. E viram Peeta.

         Mas não o que queria ver. Viram Peeta descer com Finnick no colo. Peeta subir com as mãos pressionando as têmporas e se dobrando contra si, quando perdera o controle anteriormente ao baile. Peeta descendo para o baile com as mãos dadas com a Katniss, e novamente, Peeta subindo para o apartamento do Distrito 12, com as mãos dadas com a Katniss. 

         Depois eram apenas vídeos daquela manhã, quando todos desciam para a primeira reunião. Menos Peeta. E as gravações se encerravam.

         - Repasse – pediu Katniss novamente.

         - Katniss, já vimos uma vintena de vezes, não há nada aí – disse Beetee.

         - Peeta não saiu voando pelas janelas Beetee, ele tem de ter passado pele elevador.

         - Há varias possibilidades Katniss. Os vídeos podem ter sido alterados. Não há nenhum guarda que os monitoram, apenas as câmeras para gravarem e alguém assistir quando bem entender.

         - Não devíamos ter vindo – murmurou Katniss.

         - Se lhe interessar – começou Beetee se virando na cadeira de rodar e se colocando de frente a Katniss que estava em pé com os braços cruzados – Consegui acesso ao computador de Paylor. Ela está com dificuldades para manter Panem. Os cofres estão vazios, e há pombos de todos os lugares vindo para cá.

         - Pombos?

         Beetee soltou uma fungada, que Katniss interpretou como sendo qualquer espécie de riso.

         - Pombos são uma das espécies mais simples de aves. Algumas várias pessoas que antes viviam nos Distritos, resolveram recomeçar na Capital, mas aqui não há infra-estrutura para suprir todos que chegam, de forma que ficam na rua, vandalizando, e pedindo migalhas, são os chamados pombos.

         Katniss não queria nem saber se essa coisa de pombos teria ligação com ela ser o intitulado tordo. A espécie mais rara e complexa de ave.

         - Paylor pede pacificadores para ajudar a controlar as ruas, mas não há o suficiente. Até serem treinados e redistribuídos por Panem... – Beetee balançou a cabeça e virou a cadeira para de frente aos monitores – Você está certa, Peeta também estava certo, desde o inicio, se Paylor arrumou uma desculpa plausível para não virmos, não devíamos ter vindo.

         - Quando descobriu tudo isso?

         - Enquanto todos estavam no baile.

         O baile nem se quer chegara aos pés da festa que Katniss e Peeta receberam quando faziam sua tour de vitoriosos por Panem, mas apesar disso, fora aceitável. Peeta estava ao seu lado, poderiam ter dançado a noite toda se ele não...

         Katniss arregalou os olhos devido às possibilidades.

         - Beetee tem alguma câmera no salão? Onde foi o baile?

         - Provavelmente – ele respondeu sem olhar para ela.

         - Tem como acessar?

         - Claro, sem problema – respondeu ele, começando a dedilhar sobre o teclado sem descanso, Katniss não entendia bulhufas do que ele estava fazendo, mas torcia para dar certo – O que estamos procurando exatamente? – perguntou Beetee.

         - Ontem, houve uma hora em que eu e Peeta estávamos na pista de dança, mas algo fez Peeta ficar tenso e querer sair de lá. Não, não era algo, era alguém. Mas eu não consegui ver quem era.

         - Certo – nos monitores, imagens do baile começaram a rodar, primeiro o jantar, mais desanimado do que fora, impossível, logo os primeiros convidados. Beetee acelerou o vídeo, até o memento em que Katniss e Peete entraram na pista de dança.

         Katniss corria os olhos por todos os monitores, variando entre olhar para as feições de Peeta, e olhar para o elevador.

         - Katniss, Beetee – chamou uma voz. Beetee pausou o vídeo, a porta atrás deles se abrira, por ela agora entrar Paylor, Gale e Haymitch – Quem deu autorização? – perguntou Paylor em seu tom de comandante.

         - Des... Desculpe – gaguejou Beetee.

         - Não foi culpa dele. Eu que pedi para me ajudar – Katniss se apressou em dizer.

         - O que estão fazendo? – perguntou Gale se aproximando olhando os monitores.

         - Vendo as gravações internas das câmeras de segurança – respondeu Katniss.

         - Vamos para casa Katniss – disse Haymitch sem rodeios.

         - O que? Nem pensar!

         - Não estou perguntando se você quer ou não, apenas vamos para a casa – o olhar de Haymitch era autoritário, assim como sua voz – Pegaram Peeta, não vou deixar pegar você.

         - Como assim pegaram o Peeta? – perguntou ela. Não poderia ter o pegado. Quem o pegaria? Não Peeta apenas... Não, não o pegaram.

         Paylor fuzilou Haymitch com o olhar, censurando-o. Isso não passou despercebido por ele.

         - Não podemos esconder dela para sempre – disse Haymitch em resposta ao olhar de Paylor – Ou você acha que ele está perdido pelos apartamentos e corredores docinho? – dessa vez olhou para Katniss – Pegaram ele, e vão vir atrás de você.

         - O que está acontecendo? – perguntou Beetee, poupando Katniss da pergunta que estava presa em sua língua.

         Paylor soltou um pesado suspiro antes de começar a falar:

         ­- O distrito 13 não aceita o nosso governo e governam por si só. Querem autonomia para fazer do 13 um único país. O distrito 2 está divido, parte da população não aceita o governo. E a Capital... – Paylor balançou a cabeça – Muitos eram os que faziam parte do governo de Snow, perderam tudo, e querem de volta, custe o que custar. Ameaças chegam todos os dias de diversas formas e maneiras.

         “Mandei uma carta para cada distrito, alegando que não precisariam vir devido á saúde mental, não coloquei as verdadeiras palavras para não alarmá-los, e temia que as cartas poderiam ser interceptadas,  mas vejo que errei. Levaram Peeta, como fizeram isso, eu não sei, e para onde menos ainda, mas me comprometo em empenhar o me máximo para trazê-lo com vida, enquanto você fica a salvo do 12.”

         - Eu não vou embora. Não sem Peeta.

         Katniss queria que Haymitch a apóia-se nessa, afinal, ele, ela e Peeta eram uma família, ele devia estar ao seu lado e manter se firma na Capital, não acatar ordens e ir para casa enquanto Peeta estava perdido por aí.

         - Pensei que do Distrito 2 vieram apenas eu, Enobaria e Hanna – disse Gale ainda fitando os monitores.

         - E foi – respondeu Paylor se virando para ele – Por quê?

         - Este é... Noel – Gale franziu o cenho – Era responsável por treinar Pacificadores.

         - Era? – perguntou Haymitch.

         - Foi suspenso, estava confinado por algum motivo.

         Paylor se aproximou e olhou os monitores, assim como Haymitch. Poderiam olhar o tal Noel o quanto quisessem, os olhos de Katniss estavam postos em Peeta, que estavam com a aparência tensa no vídeo congelado.

         - Eu mandei o suspender – disse Paylor – Mandei suspender todos que tiveram participação nas torturas que ocorreram durante a rebelião.

         - Você sabe quem ele torturou? – perguntou Beetee ampliando a imagem do rosto de Noel.

         Katniss se forçou a olhar para o homem, e mesmo através do monitor conseguia detectar a frieza dos seus olhos.

         - Peeta – foi à única palavra que Paylor disse.

         Katniss refez o diálogo que ocorrera em sua mente varias vezes antes de decidir que realmente ouvira aquilo. Haymitch era o único que a fitava, preocupado. Ele temia sua reação, ela sabia disso. Mas Katniss não reagiu, não teria como reagir. Estava vendo o rosto que fora responsável pela tortura de Peeta, o rosto que fizera Peeta querer matar Katniss, que ainda faz Peeta ter pesadelos e perder o controle. Como reagir diante disso? Não tinha como.

         - Senhora? – chamara alguém à porta.

         Um jovem, não muito mais velho que Katniss, com um pacote a mão.

         - Axl – disse Paylor andando até ele – O que foi?

         - Chegou para a senhora – respondeu ele estendendo um pacote para Paylor e se retirando.

         Era uma caixa em papelão, pequena até demais. Todos acompanharam os movimentos de Paylor para abrir a caixa e tirar de lá uma fita. Automaticamente Paylor entregou a fita a Beetee, e quase prendendo a respiração Katniss acompanhou as imagens no monitor.

         Ninguém dizia uma palavra enquanto o vídeo começava a rodar.

         Começara com uma luz branca, muito forte, e logo foi ficando visível no meio da luz a imagem de Peeta.

         Katniss sentiu seu coração bater descompassado.

         Ver Peeta sentado em uma cadeira, com mãos e pés amarrados, roupas chamuscadas e rasados e rosto ensangüentado foi o suficiente para deixar Katniss nauseada com as imagens.