- Diga Katniss... O que você teme? – indagou o doutor Aurelius.

     Katniss Everdeen se acomodou melhor na poltrona, imaginando que talvez se ficasse mais confortada fisicamente, conseguisse garantir o conforto mental. A garota soltou um pesado suspiro e levantou os olhos, que até então estavam pregados na mesa, para o doutor que estava sentado de fronte a ela, do outro lado da escrivaninha que havia no escritório de sua própria casa na Aldeia dos Vitoriosos. Ele a fitava com olhos amistosos, transmitindo uma sensação de confiança com aquele simples e suave olhar.

     - Muitas coisas – admitiu ela.

     - Vamos Katniss, seja mais especifica.   

     Katniss suspirou novamente. Nunca fora boa para se expressar em palavras, nada verdade, nunca fora boa em se expressar de qualquer fosse à forma, e não fazia ideia de como colocar para fora tudo o que passava por sua cabeça nesse momento sem parecer assustada de mais, ou desesperada de mais.

     - Peeta... Bom, eu temo por ele... – Katniss balançou a cabeça, ela não estava fazendo isso direito – Desculpas doutor.

     - Tudo bem, você está indo bem, continue.

     - Temos de voltar a Capital... Não podemos dizer não, há toda uma burocracia envolvida. Estão prescrevendo a nova constituição, e a Presidenta Paylor pediu formalmente para os principais manifestantes que conseguiram fazer isso acontecer para ir a Capital, a fim de ver as clausulas e aprovar ou discordar antes que ela seja oficialmente aprovada e...

     ­- Katniss – o doutor a interrompeu – Vamos pular essa parte. O que você teme? – indagou-a novamente.

     É só falar. Ela disse a si mesmo.

     - Ir a Capital. Passar pelos Distritos. Encontrar os velhos amigos – ou o que sobrou deles, pensou Katniss com um gosto amargo na boca – Isso tudo vai trazer muitas lembranças, e para Peeta, não será boas lembranças. Não quero perdê-lo de novo – confessou ela desviando os olhos do doutor.

     Por um momento, ele nada disse, apenas apurou as palavras de Katniss e formulou as suas.

     - É compreensível – respondeu o doutor, com toda a calma que encontrara – Mas veja bem, Katniss, é uma oportunidade. Será a chance de testar se o tratamento de Peeta está funcionando realmente.

     - Está funcionando. Mas... Ir lá irá apenas por tudo a perder...

     - Não acredito nessa possibilidade – assegurou o doutor.

     - Mas...? – perguntou Katniss vendo que havia algo a mais a ser dito.

     O doutor Aurelius a olhou, cautelosamente, e por fim disse:

     - Mas há a possibilidade de seus temores terem fundamentos.

     Katniss virou o rosto para a janela, fitando os raios de fim de dia que por ela passavam, deixando um traço de luz laranja. Não laranja, um pouco menos intenso. É mais tipo o pôr-do-sol. A voz de Peeta correu por seus ouvidos, tão real que ela juraria que ele mesmo sussurrava as palavras em seus ouvidos, negaria que se passava de uma lembrança. Mas Peeta não estava ali. O doutor estava.

     - E mesmo assim temos de ir – murmurou ela.

     - E mesmo assim vocês têm de ir – confirmou o doutor.

     Katniss se agarrou ao silêncio que tomara conta de ambos para poder absorver a possibilidade que poderia novamente perder seu Peeta. O Peeta em que por um ano ela trabalhou para tentar fazer voltar a ser o mesmo.

     O regime antigo da Capital, controlado por Snow, havia capturado Peeta e telesequestrado sua mente. Distorcendo todas as boas lembranças que Peeta tinha por Katniss, e o programando para que ele a destruísse. Por um ano Katniss e Haymitch, com o auxilio do doutor Aurelius estavam com êxito conseguindo reverter isso, e agora, uma simples viagem seria o bastante para por tudo a perder.

     - É apenas um talvez Katniss, um mínimo talvez – disse o doutor, como se pudesse ler sua mente e decifrar seus pensamentos. Ela assentiu, confirmando que entendera. Mesmo que a chance fosse mínima, ela estava lá, e isso era o suficiente para abalar o emocional de Katniss – Além do mais, você o conhece. Eu o conheço. Ambos sabemos que não existe mais ninguém com tamanha força de vontade em toda á Penem que possa ser igualada a do Peeta. Ele é mais forte que tudo isso. Vão ser só algumas semanas, qualquer indicio de que ele deu uma recaída, eu estarei lá, e principalmente, você estará lá. Duvido que vá acontecer, realmente duvido, mas caso venha a ocorrer, não será algo tão drástico como costumava ser. E você, Katniss, tem de colocar esse medo bobo de lado, não vai querer que ele perceba isso. Não ajudaria em nada.

     Novamente, Katniss assentiu. Ele estava certo. Ela estaria ao lado dele, e cuidaria dele, da mesma maneira que Peeta faria no lugar dela, e dessa vez ela não iria falhar.