Mais um dia de neve e mais um dia de rancor. Apertei o copo por entre os meus dedos com tanta força que o senti se rachando. Me segurei e respirei fundo. Tudo por culpa daquela mestiça idiota. Quando eu colocasse as minhas mãos nela, ela veria o que é sofrer de verdade. E pensar que eu estava tão perto de pegá-la.

“Pensando demais, Nara”

Olhei por cima dos ombros para meu “guardião”, Pierre. Ele tinha o sotaque francês tão forte, que ás vezes, me irritava. Ele pousou os olhos azuis em mim e sorriu. Revirei os olhos e voltei a encarar a parede de neve que se estendia a minha frente. Minha noção de tempo era mínima. Talvez tivessem se passado meses, talvez semanas. Tudo o que eu queria era sair dali.

“Não te importa o que eu penso.”, rosnei para o meu guardião loiro. Ele riu. Me irritei mais ainda. Ele tinha sempre um bom humor. Suspirei. “Pierre, se você tivesse uma segunda chance, o que faria?”

Me virei, encarando-o. Ele franziu os lábios, me analisando. Geralmente, eu não tinha esses momentos pensativos. Sempre reclamava e dizia que queria vingança. Eu queria. Mas estava demorando tanto que o desejo estava se dissolvendo como sabão. Fechei os olhos por um momento, me lembrando da noite em que ataquei Jordan.

Sim, eu sabia que teria consequências, mas eu estava cega de ódio. Afinal, eu amava Ethan. Ele tinha sido meu primeiro amor. Meu coração se apertou ao me lembrar daquele jeito sério dele e os belos olhos verdes. De Christina eu não tinha tanta saudades. Tinha ficado ressentida pelo jeito como ela ficou do lado de Jordan e sempre torceu para o relacionamento dela com Ethan dar certo.

Pierre continuava me estudando com os olhos azuis alertas. Ele era um controlador de mentes, então eu não poderia dar nenhum passo em falso. Se Pierre não fosse tão chato com esse bom humor insistente, eu poderia até gostar dele. Afinal, ele não era feio. E eu sempre tive uma queda por loiros. Mas, era só eu fechar os meus olhos que a imagem de Ethan pairava na minha mente sem permissão.

“Nara”, Pierre me chamou me acordando de meus devaneios. “O erro que você cometeu foi bastante grave, mas a princesa já lhe perdoou. Como prova disso, ela não permitiu que a Rainha te prendesse, o que deveria acontecer com todos que conspiram contra a família real.”

“Ela é uma mestiça.”, eu rosnei com raiva por ele estar a defendendo. E por ela ter me ajudado. “Ela não deveria existir. Não sei como você consegue aceitar que coisas como ela existam nesse mundo.”

“Ela nunca me fez mal.”, Pierre disse calmamente e se sentou no sofá, despreocupado. Ás vezes nem parecia que ele tinha apenas 20 anos. Parecia que eu estava conversando com um ancião. “Além disso, ela nem sabia que era mestiça. Muito menos o que era Dark e Carmim. Você só está com raiva por causa de Ethan Ramirez. Então, deveria aprender a separar e pensar: Se Ethan realmente gostasse de você, ele não olharia para outra. Não importando a raça que fosse.”

Fiquei em silêncio por alguns minutos. Minha boca pendeu aberta e eu não tinha mais nada a acrescentar. Ethan odiava os Darks. Eu iria contar que Jordan era uma. Mas, eu fui embora sem conseguir cumprir essa missão. Será que ele já sabia? Será que ele a aceitou mesmo sabendo que parte de seu sangue era o que ele mais odiava?

Sem que eu percebesse, meus olhos se encheram de água e eu desviei o olhar de Pierre, encarando o espelho ali do lado. Meus grandes olhos escuros estavam avermelhados por conta das lágrimas contidas. Meus cabelos tinham crescido nesse tempo, indo abaixo do ombro, negros e lisos. Poderia parecer loucura, mas eu me sentia mais pálida. Mais magra. Me sentia doente.

“Eu não entendo.”, balancei a cabeça. “Aquela pirralha chega do nada e tudo vira de cabeça para baixo. Eu tinha certeza que eu e Ethan iríamos voltar. Eu fazia tudo por ele. Eu o amo.”, interrompi as palavras quando percebi que a estava dizendo em voz alta. Suspirei. O erro já havia sido feito. “E foi só essa garota chegar e pronto. Estou presa no Alasca com um guardião.”

“Talvez não por muito tempo”, Pierre disse baixo. Arregalei meus olhos na direção dele e ele tinha um envelope na mão. Estranhei. Nós nunca recebíamos cartas. “É para você”

Me levantei como um raio e tomei a carta de suas mãos. As minhas próprias mãos tremiam. A abri com cuidado, mas hesitei em ler. Olhei para Pierre, vendo que ele não estava tão ansioso como eu. Talvez por ele já saber o que estava escrito ali. E o que estava escrito ali? Respirei fundo e abri a carta.

Nara Jazz,

Aqui quem vos fala é a Rainha Rosemary Carmim. Baseado em várias depoimentos de seu guardião e apelos de minha filha Jordana Carmim, estou satisfeita em informar que você poderá retornar para a Sociedade Carmim o quanto antes. Mas, gostaria de deixar claro. Isso é uma segunda chance. Caso, eu fique sabendo de algum tipo de ameaça sua direcionada a minha filha ou contra qualquer pessoa ligada a mim e a ela, não terei misericórdia.

Aguardamos seu retorno ansiosamente, e sim, seu guardião permanecerá ao seu lado. Quero ter meus olhos e ouvidos perto de você. Não confio em você, Nara Jazz. Estou apenas tendo pena de seus pais. E escutando os pedidos de minha filha querida. Espero ansiosa que você consiga reconquistar minha confiança como sua Rainha.

Rainha Rosemary Carmim.

Meus olhos pesaram e as lágrimas desceram sem a minha permissão. A rinha estava permitindo que eu voltasse, tudo por causa daquela mestiça idiota. E de Pierre. O encarei e ele tinha uma expressão curiosa. Ele não sabia o que estava escrito ali, mas com certeza sabia que iríamos voltar. Eu sempre tinha sido desagradável com ele e porque ele tinha dito tanta coisa boa sobre mim?

Eu resolvi ignorar e sorri. Pierre sorriu de volta.

“Parece que vamos voltar para o nosso velho lar, francesinho”, olhei para a neve caindo e um sorriso amargo cresceu por meu rosto. “Finalmente vou poder terminar o que comecei.”