Como que dois meses de repúdio poderiam ser insignificantes com apenas uma semana? Essa era a pergunta que eu me fazia constantemente desde que Jordan voltou para a escola. E para a minha vida. Vê-la sair daquele carro, fez com que todos os sentimentos que eu julgava ter enterrado, voltassem.

Os cabelos tão negros quanto a noite, a pele tão clara quanto a luz do luar e os olhos de um cinza tão brilhante que dava vontade de nunca desviar o olhar. Me achava tolo por nunca ter percebido o envolvimento dela com o meu mundo. Deveria ter notado que aquela beleza era sobrenatural. E os meus sentimentos por ela também.

E quando ela pousou os olhos parcialmente escondidos por seus pesados óculos de graus em mim, foi como se o mundo ao meu redor desaparecesse. Me mantive firme, mas minha vontade foi de ir até ela. Logo, ela foi cercada de pessoas, incluindo minha irmã, Christina. Torci o nariz ao perceber a presença de dois Darks.

Meus olhos se estreitaram ao reconhecer Drake Williams. Faziam quase dez anos que eu não o via, mas eu reconheceria aquela postura rude e os olhos azuis. Meus punhos se fecharam ao ver o jeito que ele olhava para Jordan. Como se ele a quisesse mais do que eu. Quase bufei. Me retirei, antes que fizesse a burrice de segurar no colarinho dele e dar um murro em seu rosto.

“Você viu quem está de volta?”, Christina cantarolou em meu ouvido, enquanto eu caminhava até a primeira aula. Não respondi. “Eu sei que você viu, Ethan. Vi o jeito que vocês dois trocaram olhares. Sei que você ainda a...”

“Chega, Christina.”, eu rosnei.

Ela ergueu as mãos.

“Só estou dizendo o que eu acho.”, ela abaixou as mãos e cruzou os braços, ficando emburrada. “Você foi um idiota com ela, Ethan. O mínimo que poderia fazer é ser educado.”

Soltei um riso amargo.

“A última coisa que eu preciso é ser amigo de uma Dark.”, disse.

Christina deu um passo para trás e estreitou os olhos. Então me olhou de cima a baixo, como se não me reconhecesse. Na verdade, nem eu estava me reconhecendo. Era como se outra pessoa estivesse falando por mim. Mas era só ter a memória de Drake cobiçando a minha Jordan, que meu sangue fervia.

“Não vou mais conversar com você, Ethan.”, Chris disse se afastando. “Só quando o meu irmão voltar.”

Aquele dia passou sem mais nenhuma surpresa. Christina cumpriu a sua promessa de não falar mais comigo. E continuava rezando para aquele sentimento dentro de mim sumir, ou, pelo menos, diminuir. Mas era só vê-la, que era como se aqueles dois meses nunca tivessem existido. Mas, eu duvidava muito que Jordan pudesse me perdoar.

Sim, eu realmente tinha sido um idiota. Não, eu tinha sido um monstro. Quase recuei em minhas palavras quando vi seus olhos cheios de lágrimas. Tinha que admitir que ela tinha sido corajosa em me contar quem realmente era. Mas, eu tinha sido covarde em não ter aceitado. Eu a amava. Não, ainda a amo. Mas, princesa?

Sempre fui um garoto humilde e tinha certeza que não tinha estrutura suficiente para namorar com uma princesa. Evitá-la e mostrar meu desprezo, era a melhor coisa. Pena que eu não conseguia enganar todo mundo. Toda vez que Jordan me olhava e eu devolvia o olhar com o máximo de desprezo, Christina balançava a cabeça, como se já soubesse o que eu estava planejando.

“Isso é idiotice, Ethan”, ela disse no final do primeiro diz, no carro. “Fingir que odeia Jordan? Para que você está fazendo isso?”, abri a boca para contrariá-la, mas minha irmã foi mais rápida. “E não adianta dizer que a odeia. Não se esqueça que eu sou vidente e sei muito bem como essa história termina.”

“Então me diga, Christina”, eu disse frustrado. “Como termina?”

“Não posso dizer, Ethan”, ela balançou a cabeça fazendo com que alguns fios loiros se desprendesse do seu rabo de cavalo improvisado. “Você sabe disso. Eu só posso garantir que você está sendo um idiota. E que Jordan ainda te ama. E que dá para ver nos seus olhos que você também a ama.”

“Você está vendo errado.”, disse apertando as mãos em volta do voltante. “Eu não posso amar alguém como ela. Não posso amar algo que fui criado para odiar.”

Christina deu um sorriso triste.

“Esses são os clichês da vida, meu amado irmão.”, ela pôs uma mão em meu ombro e me encarou com os olhos espelhados nos meus. “Todos nós podemos amar algo que pensamos que não.”

Eu poderia dizer que ela estava enganada, mas não conseguia. Preferia ficar em silêncio a ter que mentir para a minha irmã gêmea. Mas, o que Christina disse ficou soando em minha cabeça o restante da noite. Jordan realmente ainda me amava? Eu queria confortá-la e perguntar, mas não conseguia nenhum momento sozinha, desde nosso pequeno encontro no corredor.

Só o pequeno contato de seu corpo contra o meu, fez com eletricidade percorresse minhas veias. Ela ficou ali parada, me olhando como se esperasse que eu a maltratasse ou a batesse. Se eu quisesse manter o meu disfarce, teria que fazê-lo. Mas apenas não consegui. Olhar naqueles olhos cinzas, fez com que todos os nossos momentos voltassem. Incluindo o dia em que eu me declarei para ela.

Meu coração se acelerou tanto que tive medo de me delatar e tive que me afastar antes que fizesse algo que me entregasse de vez. No dia seguinte, senti meu sangue fervendo ao vê-la saindo do carro com Drake. E novamente aquele olhar de cobiça nos olhos do desgraçado. Franzi os lábios e me decidi. Iria arrumar um jeito de ficar a sós com Jordan.

A oportunidade pareceu cair do céu, quando Jordan saiu correndo da sala do nada, após acordar de um sono profundo. Annice e Christina seguraram Dimitri e Drake, os guardiões de Jordan, conforme minha irmã disse. Discretamente, saí da sala e fui atrás dela. A encontrei encolhida contra a porta de vidro que dava apara o pátio.

Com um susto, percebi que aquele tinha sido o primeiro lugar em que tínhamos nos falado. Parecendo sentir a minha presença, ela levantou o olhar lentamente, até pousar em meus olhos. Senti minhas esmeraldas queimarem com a intensidade de seu olhar, se transformando em safiras. Vi a dúvida em seu olhar e quando estava pronto para perguntar o que tinha acontecido, a inspetora chegou.

Jordan se levantou de súbito e pôs seu pequeno corpo a minha frente, como se para me defender. Eu fiquei frustrado. Minha oportunidade estava indo por água a baixo, quando, uma ideia pousou em minha mente. Esperei paciente que a inspetora pousasse os olhos nos meus, então me concentrei. Meus olhos queimaram mais.

Me coloque de castigo junto com Jordan.

Funcionou. Enquanto Jordan analisava o papel da detenção com susto, eu me retirava, para que a pequena princesa não percebesse o que meu desespero me fez fazer. Só que eu subestimei a esperteza de minha amada. Não demorou muito, e enquanto eu estava num canto afastado limpando uma das mesas do refeitório, pensando no que dizer, quando senti uma mão em meu ombro.

Fiquei tão assustado com a eletricidade que me percorreu, que segurei seu pulso com força. Então, quando percebi o quão perto estava dela, não consegui me conter e acabei beijando-a. Meu coração batia com tanta força que quase furava o meu peito. O pequeno contato de seus lábios contra os meus, fez com que eu conseguisse enxergar o quanto eu precisava dela perto de mim. Eu mais que precisava.

Mas, quando o celular tocou e tudo entre nós esfriou, a realidade voltou para mim. Eu não poderia ficar com Jordan. Ela era uma princesa e eu um simples plebeu. Drake, querendo ou não, morava com o Rei Dark e poderia dar mais base na vida do que eu. Aquilo doía, mas eu tinha que colocar os pratos na mesa.

Eu não servia para a Princesa Mestiça.

“Você pirou”, Christina disse assim que pisamos em casa.

Nossa casa é longe da Sociedade Carmim, a escolha de nossa mãe. Era modéstia e pequena, mas era o nosso lar. Meu padrasto, Harry, estava sentado na poltrona lendo o jornal, enquanto a televisão soava e falava para ninguém. Tinha esquecido que hoje era a folga dele. Minha mãe trabalhava como decoradora e só chegava mais tarde.

“Eu fiz a coisa certa”, tentei me justificar, frouxando a minha gravata.

Meu padrasto dobrou o jornal discretamente e colocou a televisão no mudo. Seus olhos negros observavam cada movimento nosso. Passou a mão pelos cabelos acobreados que davam pequeno sinais do inicio de sua velhice, com pequeno fios brancos. Minha irmã tirou os brincos e desfez o penteado. Sabia que tinha acabado com a sua noite.

“VOCÊ FOI UM IDIOTA COMPLETO.”, Christina berrou. “COMO VOCÊ PODE MAGOAR A MINHA AMIGA DAQUELE JEITO? NÃO TEM CORAÇÃO? EU QUERO O MEU IRMÃO DE VOLTA, PORQUE ESSE IDIOTA PRECONCEITUOSO NÃO É O IRMÃO QUE DIVIDIU O ÚTERO COMIGO DURANTE NOVE MESES. EU NÃO TE CONHEÇO.”

E com os olhos cheios de lágrimas, Christina correu para o quarto. Me encolhi ao som da porta se fechando e sentei. Respirei fundo, passando a mão por meus cabelos loiros e fechei os olhos, relembrando tudo o que eu tinha feito. Magoei Jordan de um jeito tão profundo que ela tinha dito que me odiava.

E ela estava tão linda hoje no baile. Será que eu não poderia ter esperado mais um tempo? Ou ter evitado o nosso beijo? Ou ter dito palavras menos duras? Suspirei, sentindo meu peito pesar e meus olhos arderem. Era óbvio que Christina veria exatamente o que eu iria fazer, mas não sabia que iria reagir daquele jeito.

“Sua irmã está...mal”, Harry disse ainda olhando por onde Chris saiu.

“Não”, eu balancei a cabeça. “Ela tem razão. Eu fui um idiota essa semana inteira com a mulher que eu amo. Eu deveria ter mais mente aberta.”, levantei os meus olhos verdes. “Eu a amo. Só que...”, escolhi as palavras com cuidado. Harry não sabia sobre o meu mundo e da minha família. “ela é rica e eu não.”

Harry se inclinou para frente, pousando os cotovelos nos joelhos. Eu me sentia culpado. Sempre me sentia. Eu ainda conseguia ver e rever os olhos chorosos de Jordan e ela correndo para longe de mim. Eu quis seguí-las, mas minhas pernas pareciam não se mexer.

“Meu filho, não quero que você se diminua por causa de dinheiro. Pelo que sua irmã me falou, ela te ama de verdade. E ela nem sabia que era rica.”, ele suspirou. Abri a boca para tentar me defender, mas Harry levantou a mão, me calando. “Se eu fosse você, pediria desculpas a sua irmã e depois iria falar com essa garota. Você gosta dela, Ethan. E se não tentar, nunca saberá.”

Eu refleti sobre as palavras do meu padrasto e percebi que ele estava certo. Não poderia dar a apalavra final de um relacionamento que envolvem duas pessoas. Tinha que escutar Jordan. Me levantei e fui até o quarto de Christina. A encontrei sentada na penteadeira, passando um lenço no rosto.

“Hey”

Ela levantou os olhos para mim.

“O que você quer?”, ela murmurou.

Me aproximei, ajoelhando ao seu lado.

“Me desculpar. Com você e com Jordan.”

Christina me olhou e sorriu, revirando os olhos verdes.

“Finalmente”

Estávamos esperando Jordan a quase meia hora. Eu andava de um lado para o outro, com as mãos juntas, apreensivos. Christina estava sentada no sofá, franzindo os lábios. Megan me olhava desconfiada e séria. Eu não poderia reclamar de uma coisa que eu mesmo tinha criado. Antes que alguém pudesse dizer algo para desfazer a tensão, escutamos o barulho de um carro parando.

Meu coração se acelerou e antes que alguém pudesse me impedir, eu fui até a porta, pronto para recepcionar Jordan e dizer o quão idiota eu fui com ela. Mas, murmúrios me pararam e eu pus meu ouvido na porta, escutando a voz de Jordan e Drake.

“Drake, deixe-me explicar”, a voz de Jordan soou.

Ignorei os olhares de Megan e Christina e pressionei minha orelha na porta.

“Eu não quero escutar, Jordan.”, ele a cortou. O sangue em minhas veias ferveu e eu tive que me segurar para não abrir a porta. “Vamos jogar um joguinho diferente. Você só me responde sim ou não.”

Eu não soube se Jordan respondeu ou não, mas pelo fato que Drake continuou com o interrogatório, eu deduzi que ela aceitou.

“Você e Ethan se beijaram ontem?”, ele perguntou.

AQUILO NÃO ERA DA CONTA DELE. Meus punhos se fecharam e eu comecei a bufar. Ele não tinha que se meter na minha vida com Jordan. Ela era minha e de mais ninguém.

“Sim”, ela respondeu baixo. Quase não a escutava.

“E ele pediu pra você esquecer o beijo, de novo?”, ele continuou com a pergunta. Parece que Jordan tentou dizer alguma coisa além do sim ou não, porque Williams a interrompeu novamente. “Apenas sim ou não, Jordan”

“Sim, mas...”

Mas o que? Eu tinha sido um idiota e queria me explicar, Jordan.

"E mesmo ele sento um idiota, que te julga pelo o que você é e não por quem é você ainda o ama?", ele continuou.

Segurei o ar. Aquela era uma resposta que eu gostaria de escutar. E definiria o que eu faria a seguir. Não iria atrás de uma batalha perdida. Mas, quando meu coração deu uma parada brusca com o silêncio de Jordan, percebi que poderia sim, lutar por uma batalha perdida se eu visse uma pequena possibilidade de eu ganhar.

Mas, ela não disse nada.

E movido pelo impulso, abri a porta e vi a pior cena de toda a minha vida. Meu coração se despedaçou enquanto Jordan e Drake separavam os seus lábios e me encaravam. Primeiro, meus olhos se fixaram em Drake e começaram a queimar, mudando a sua tonalidade. Depois foi para Jordan, a mulher que tanto disse que me amava e naquele momento estava beijando outro. Quando vi que ela tentaria se justificar, saí andando.

“Ethan”, ela gritou. “Ethan”, ela correu e parou na porta do meu carro, me impedindo de entrar. Será que ela não tinha percebido o meu carro ali?

“O que você quer?”, perguntei, querendo sair logo dali.

“Deixe-me explicar”, ela deu um passo a frente.

Aproveitei que ela deixou o espaço livre e entrei em meu carro. Estava pronto para sair, mas Jordan começou a bater em minha janela com tanta força que eu percebi a intensão dela de quebrar o vidro. Abri-o, antes que ela se machucasse.

“E você ainda me disse que não tinha nada com ele”, balancei a cabeça e esperei que ela desse um passo para trás antes de partir com o carro.

Cheguei em casa soltando os cachorros. Bati a porta com força e nem cumprimentei meu padrasto e minha mãe que estava na sala vendo televisão e comendo bolo. Minha mãe, Lilian, arregalou os olhos verdes e abriu a boca para perguntar o que tinha acontecido, mas Harry apenas levantou a mão, a impedindo.

Me tranquei no quarto e não tive noção do tempo passando ao meu redor. Quando olhei pela janela, vi apenas grossas nuvens de chuva se formando e que o céu tinha escurecido. Pressionei os lábios juntos quando escutei a voz de Christina soando na sala e Lilian perguntando o que tinha acontecido.

“Deixe isso quieto, mãe.”, minha irmã disse e suspirou. “Ele está em casa?”

“Está trancado no quarto desde que chegou”, Harry disse. “Você deveria...”

“Eu vou”

Escutei os passos de Christina soando no corredor enquanto ela vinha até o meu quarto. Me surpreendo, eu queria vê-la. Estava frustrado com a ideia de meus pais quererem vir falar comigo, mas com a minha irmã gêmea era diferente. Ela sabia de tudo. Era o meu porto seguro. Por isso que deixei a porta destrancada e quando ela bateu, não hesitei em pedir que entrasse.

Christina me observou por alguns segundos, antes de balançar a cabeça e fechar a porta atrás de si. Mordi o lábio, sabendo que viria bronca. Ela se sentou na cama e eu pus a cabeça em seu colo. Ela suspirou, dando um sorriso triste, enquanto acariciava meus cabelos loiros.

“Você sabe que demorou demais, não é?”, ela sussurrou olhando no fundo dos meus olhos. “Ela não teve culpa. Você a feriu e Drake que a ajudou a recolher os pedaços do coração ferido.”

“Eu sei.”, fechei os olhos, impedindo as lágrimas de virem. As lembranças de nossos momentos felizes, misturados com as minhas palavras duras, voltaram a minha mente. “E me arrependo. É só que eu não estava preparado.”

“Me responda uma coisa, Ethan, sinceramente.”, Chris me cortou. Abri os olhos, a analisando e vi o seu rosto sério. “Você está hesitando em ficar com a Jô por ela ser a princesa Jordana, ou por ela ser metade Dark?”

Eu fiquei em silêncio. Eu tinha meu pé atrás por Jordan ser metade Dark, mas ela também fazia parte do meu mundo. Ela era uma Carmim. E seria a nossa próxima governante. Mas, ela também era a Jordana. Mesmo que continuasse se comportando como a mesma garota que eu conheci a três meses atrás. Mas, ao mesmo tempo, era uma garota diferente. Pensei por alguns segundos, até que a resposta escorregou por meus lábios.

“Não sei. Talvez os dois.”, eu suspirei. “O que eu faço?”

“Reze”, Christina disse. “Nunca vi Jordan daquele jeito.”, meus olhos se arregalaram. “Estava tão decidida. Apenas reze para essa decisão ser ao seu favor, maninho. Mas, reze muito, depois das merdas que você andou fazendo e dizendo.”

“Eu irei. Tudo pela mulher que eu amo.”