Leis da Noite - Mente sobre Materia escrita por Ryuuzaki


Capítulo 1
Prologo - Vida escura


Notas iniciais do capítulo

Musica tema do capitulo: Next Profundis - Adagio

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                                                        Prólogo

 

 

                     Acordava. Abria os olhos lentamente, eles doíam, como se muito tempo houvesse passado desde o seu último uso. Piscou algumas vezes tentando recuperar a visão, mas esta continuou turva. O tempo foi passando e com isso sua retina novamente se acostumava a enxergar. Aos poucos percebeu que olhava para cima, para um teto desconhecido, que não conseguia encontrar em parte alguma de suas lembranças.

 

                    Todo o seu corpo estava enrijecido, como se houvesse passado os últimos dias em constante esforço muscular. Mexeu-se, tentando inutilmente diminuir o desconforto, não estava em sua aconchegante cama, embora tal fato nem sequer tenha sido notado, mas sim em um chão duro, composto por lajes podres e carcomidas pelo tempo e descuido. Com o pouco de força que parecia lhe restar, se levantou. O que dependeu de um enorme esforço, vindo de alguém desorientado e dolorido como estava.

 

                    Seus pensamentos estavam embaralhados. Não se lembrava de fatos importantes e tampouco os corriqueiros que haviam acontecido nos últimos dias. Na verdade, não sabia sequer o que fazia e por mais incrível que possa parecer não imaginava estar longe do conforto de sua casa.

 

                    Olhou ao seu redor, ainda sem entender nada, e se viu em uma sala um pouco escura, antiga; corpos de ratos estavam espalhados pelo chão e os cantos das paredes eram tomados por teias de aranhas, que teciam suas armadilhas sem intervenção humana, havia também as baratas, que corriam aos montes, sem se preocupar com possíveis ameaças.

 

                    O local devia estar abandonado há anos. No entanto, não completou sua varredura. Seus olhos pararam em um fino feixe de luz que ousava invadir o santuário de escuridão, aproveitando-se de uma falha no jornal que lacrava uma janela quebrada. Com um olhar meio morto ficou a encarar o raio que não conseguia nem mesmo iluminar um canto sequer do recinto e, no entanto, ele, mesmo sem se ater a tal detalhe, culpa de sua mente perturbada, via muito mais do que deveria.

 

                   A confusão de antes se acirrou. Algo no fundo de sua mente dizia-lhe para ficar longe da luz, um misto de instinto e de doces, porém suspeitos, sussurros ao ouvido. Ouvia palavras em sua cabeça, elas diziam que o sol era uma grande ameaça, um inimigo, algo a se temer.

 

                   Não se importou com o que ouvia tampouco com o que sentia, na verdade nada lhe importava no momento. Agia como um zumbi, um autômato, e pensava, sem realmente pensar, em como aquele simples feixe poderia ser um perigo. Deu então alguns passos adiante e parou a poucos metros do alvo.

 

                  Os sussurros haviam ficado mais fortes, gritavam para que parasse, lhe dominavam, lhe encantavam. O homem deu um passo à frente, não por mérito de sua força de vontade, mas sim por que, naquele momento, sua mente divagava, longe do corpo. Andou mais um pouco e debilmente estendeu sua mão. Logo se arrependeria do gesto.

 

                   Assim que alcançou a luz uma estranha fumaça desprendeu-se do ponto tocado e progressivamente a pele foi se tornando negra e retorcida, como se o próprio diabo, ou o próprio Deus, sugasse sua essência.

 

                   O efeito quase mágico prendia o seu foco e ele, mesmo com a dor lacerante que sentia, e que, porém, não percebia, nem tentava sequer sair da, facilmente evitável, linha de efeito do anômalo feixe destruidor. No fim das contas, aquele sentimento de perigo (ou seria, realmente, uma voz ?) estava mais do que correto.

 

                  O membro começou a ser consumado por inteiro e então chamas azuis brilhantes e tremeluzentes engolfaram aquela, já ferida, mão apenas neste instante que sua cabeça conseguira sair da letargia à qual fora acometida e começou à finalmente reparar ao seu redor. Havia sido despertado por aquela dor atroz que chegava também a afligir sua própria alma.

 

                   Tirou a mão do perigo estranho, misterioso, eminente e, agora, óbvio. Imediatamente o fogo sobrenatural, que podia ter se originado do próprio Hel, se extinguiu, deixando para trás uma mão retorcida pelas chamas, completamente deformada.

 

                   O dono do membro estava assustado e obviamente ferido. Tentava inutilmente mexer os dedos, mas estes, que estavam agora carbonizados, apresentavam-se tão maleáveis quanto um pedregulho. Olhava horrorizado para o ferimento, tentando segurá-lo com a outra mão, na esperança de apaziguar sua dor, logo em seguida ao gesto, que afinal de contas gerou certo conforto, finalmente deu-se conta do que era óbvio: Não estava em sua casa. 

 

                 Havia sido despertado por aquela dor anormal.

 

                Desesperado, pôs-se a correr por sobre os frágeis assoalhos, tudo o que queria no momento era sair daquele maldito lugar, ou acordar de um possível pesadelo. Estava acuado. Não olhava por onde andava, tampouco para onde ia. Por duas vezes teve sorte ao desviar da direção de umas das janelas e da morte por queda. Na condição que estava não foi de admirar que, pisando em falso num tijolo, fosse em direção ao chão.

 

                Fechou os olhos no instante em que caía, como se esse gesto singular detivesse toda a dor do impacto que sentiria ao chocar-se. Pensou até em proteger seu rosto, instinto básico do ser humano, mas do jeito que sua mão direita estava só iria conseguir gritos de dor e agonia. Por uma ironia do destino acabou por cair em algo macio que não o chão.

 

                 Manteve os olhos fechados, com medo de descobrir que caíra em algo perigoso, talvez com garras e presas capaz de dilacerar a carne e espatifar ossos, mas, por fim, acabou tomando coragem e encarando o que havia amortecido sua queda, fosse apenas um travesseiro ou um monstro sanguinário. Não fora nada disso que o salvara de mais escoriações. Uma mulher, ele havia caído por sobre uma mulher.

 

               Levantou-se abruptamente. Temia ter ferido sua aparente companheira de cárcere, afinal, haviam ou não haviam sido sequestrados e eram mantidos naquele lugar abandonado até por Deus? Não sabia. Após alguns instantes, esperando reação por parte da desconhecida, percebeu que a mulher não iria levantar, estava desmaiada, ou talvez algo pior do que isso... Morta.

 

                Ela era uma pessoa que facilmente se misturaria a uma multidão. Não tinha a beleza de uma modelo, mas, tampouco seria considerada feia pelos paqueradores de plantão. Tinha certa graça, é verdade, deveria ser uma pessoa extremamente simpática.

 

              Ficou admirando a companheira por um tempo. Sentia algo muito estranho em relação à ela. Não era saudade, não era pena e nem desejo carnal, não a conhecia e provavelmente diria, se tivesse oportunidade, que nunca a vira mais gorda. No entanto não era capaz deixar de olhá-la. Estranhamente não conseguia despregar o olho do pulso da garota desmaiada.

 

                 Parecia ouvir o sangue fluindo em suas veias e artérias, um som rítmico e belo, uma orquestra completa de ruídos. Sentia cheiro também, um odor atraente, característico. Lembrava a ferrugem, mas que não deixava de ter algo adocicado por trás, como um vinho antigo. O homem estava sendo tomado por um impulso impetuoso e primitivo. Sentia-se como um predador. Mas não tinha idéia do que deveria fazer. Tinha que terminar com aquilo, devia terminar com a fome e a sede que, em algum momento desconhecido, começaram a remoer as suas entranhas.

 

                 Aos poucos passou a entender a resposta para a sua agonia. O instinto falara mais alto. Agora sabia que deveria sorver a vida que pulsava na mulher e tornar aquela energia vermelha e brilhante parte de si próprio. Não ligava mais para a perda de memória, para onde se encontrava e nem mesmo para a dor que ainda sentia na mão petrificada. Tinha que roubar aquela vida. Tentou refrear a vontade de morder o pulso da garota, sorver o liquído quente que saciaria suas ânsias mais profundas, que embeberia sua alma e preencheria o vazio que, agora, percebia haver dentro de si.

 

                Lutava contra o instinto assassino. Ele era humano, não deveria sequer pensar em algo como aquilo. Então a voz novamente veio-lhe á cabeça, o reflexo de seu instinto dizia-lhe tanto ferozmente, como a ordem de um superior, quanto ternamente, como a voz de uma mãe que pacientemente ensina um filho travesso. A voz lhe dizia: Vá!

 

                E ele foi.

 

                                            ...

 

 

               Quando novamente voltou a si, lambia dedos melados de sangue de sua mão direita, antes ferida, agora saudável, sangue este que não lhe pertencia, vida roubada da garota que acabara de matar. Sua sede predatória passara. Seus ferimentos se curaram. Tudo ás custas dos fluídos da mulher, que agora jazia fria e morta.

 

               Ele percebeu a atrocidade que cometera e um sentimento de culpa tardio se instalou dentro dele. Levantou-se apavorado muito mais rápido que pensava ser possível para ele; queria se afastar da crua realidade, do pecado que cometera, e correu, terminando por cair prostrado no outro canto da sala. Mas não pode deixar de olhar estático e quase chorando para o cadáver, que agora mal tinha sangue em suas veias e artérias.

 

             Uma vítima. Sua primeira vítima.

 

             Michael então proferiu apenas uma única e hesitante palavra entre os soluços que brotavam de sua garganta.

 

               - Vampiro...

 

              E se lembrou dos últimos dias.

 

 


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Notas finais do capítulo


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Depois dos pedidos de Sayuni e de boneca, dividi os paragrafos, para facilitar a leitura. espero que tenha ajudado.