Yakusoku escrita por teffy-chan, Shiroyuki


Capítulo 6
Capítulo 6 - Kataomoi


Notas iniciais do capítulo

Kataomoi - Chara
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— Conseguimos a tempo – Tadase disse ofegante, olhando para a água que caía a sua frente. Por sorte, eles haviam conseguido chegar à casa de Nagihiko antes que a chuva começasse.

Nagihiko acenou com a cabeça, incapaz de olhar para outra coisa que não fosse o rosto levemente úmido do rei, que sorria enquanto olhava para a chuva, da varanda.

— Oh, Nagihiko! – a mãe do garoto surgiu do lado de dentro – Você trouxe visitas! Por que não me avisou? – ela disse, entregando pequenas toalhas de rosto para cada um deles.

— Desculpe-me, Fujisaki-sama. Eu vim sem avisar. Perdoe minha indiscrição – Tadase curvou-se rigidamente. A mulher riu.

— Você sempre é muito formal, Hotori-kun. Conheço você desde que era pequenininho! Lembra, quando você e o Nagi tomavam banho juntos, peladinhos, na banheira...

— MÃE! – Nagihiko a impediu de prosseguir, com o rosto atingindo um tom escarlate brilhante e homogêneo – É melhor entrarmos, Hotori-kun.

Nagihiko rebocou Tadase, que sorria gentilmente, até seu quarto. Jogou-se sobre a cama, com a pele retomando o tom normal. Tadase, de pé, esperava pacientemente.

— Vamos estudar, não é? – Nagihiko murmurou, com o braço sobre o rosto. Sua voz saiu abafada.

Tadase assentiu, com entusiasmo desnecessário. Nagihiko levantou lentamente, e dirigiu-se a mesa no centro do seu quarto, ajoelhando-se a frente dela. O loiro fez o mesmo, começando a pegar cadernos e livros na mochila. Nagihiko esperava que ele fosse ficar constrangido com o que sua mãe havia dito, mas ele nem mesmo pareceu perceber. Bem, eram só lembranças remotas da infância, de qualquer forma... não tinha importância.

— Eu me lembro... – Tadase disse, sorrindo, enquanto olhava com interesse para um livro aberto. Nagihiko, a meio caminho de abrir sua mochila, o fitou com atenção – De quando nós tomávamos banho...

Nagihiko ficou boquiaberto, sentindo o rosto queimar.

— I-isso... f-faz muito t-tempo... – ele tentou parecer despreocupado, rindo, enquanto revirava sua mochila a procura de nada em especial.

— Mas eu lembro – Tadase continuou – Eu era o único que sabia sobre você, então sua mãe permitia que nós brincássemos como garotos, quando eu vinha aqui. Eu trazia os meus carrinhos, e você podia brincar com eles... lembra?

— Como eu poderia esquecer – Nagihiko esqueceu o embaraço por alguns segundos, lembrando-se do quando ficava feliz sempre que via Tadase chegar a sua casa. Era o único momento do dia, tirando às vezes em que jogava basquete escondido, que podia ser realmente o garoto que sempre quis ser – M-mas não vem ao caso... – Ele desconversou, ao acordar das lembranças.

— Tem razão. Vamos começar com matemática hoje. – Tadase se apressou em passar algumas folhas com exercícios para Nagihiko – Eu os preparei ontem à noite. Por favor, se esforce.

Nagihiko suspirou, começando a resolver os problemas matemáticos, tentando ignorar a onda de felicidade que o tomou quando percebeu que Tadase passou a noite pensando em exercícios para ele.

Depois de algumas horas, ele conseguiu terminá-las. Os charas sobrevoavam o quarto, procurando algo para distraí-los, até que acharam um velho baralho de Nagihiko, jogado em algum canto, e foram tentar jogar, com as cartas que eram quase maiores que eles mesmos.

Nagihiko suspirou, sentindo-se mais cansado do que em qualquer treino de dança ou jogo de basquete. Tadase era um bom professor, mas bastante rígido. Deixou seu corpo cair para um lado, com a lapiseira rolando para longe.

— Hora do descanso – Nagihiko pediu, fechando os olhos. Tadase concordou – Eu vou pedir para minha mãe fazer um chá – ele sentou repentinamente, preparando-se para levantar.

— Espere... – Tadase segurou-o pela manga, impedindo-o de se levantar. – Eu... tenho uma coisa que quero te contar.

Nagihiko paralisou. Fitou Tadase, que varria o chão com seus olhos, as bochechas vermelhas. Sentiu seu coração martelando. Tremeu de expectativa. Ainda que se recusasse a antecipar o que o garoto diria, era impossível não manter a esperança, mesmo que muito remota.

— Pode falar... – disse, com o tom de voz controlado, voltando a sentar. Tadase respirou fundo, soltando Nagihiko, e voltou a fita-lo, com os olhos brilhando intensamente. O garoto esperou, encarando o rosto adorável do menor.

— V-você sabe que é meu melhor amigo, não é Fujisaki-kun? Eu tenho algo que realmente preciso dividir com alguém, e você é o único em quem posso pensar...

— Pode confiar em mim para tudo – Nagihiko se apressou em dizer.

— Eu... eu... recentemente descobri q-que posso estar... estar... um pouco.. ap-p-paixon-n-nado... p-por uma p-pessoa – Tadase se esforçou em manter a coerência, embora seus lábios tremessem tanto que era uma surpresa que algo pudesse ser entendido.

Nagihiko sentiu seu estômago afundar. Tentou não demonstrar seu espanto, e menos ainda a aflição que se aproximava, e nessa hora os anos de teatro ajudaram muito. Com muito esforço, conseguiu imitar uma risada, que achava que seria próxima da maneira que um amigo riria ao ouvir uma confissão dessas de outro amigo. Saiu-se razoável. Tadase também riu, baixinho e sem graça, sem coragem para levantar os olhos. O que era bom, já que se prestasse atenção o suficiente, notaria que a risada vazia de Nagihiko não se espelhava em seus olhos anuviados.

— E quem é a garota sortuda? – Nagihiko manteve o tom despreocupado, enquanto sorria de uma maneira que dava a impressão de que queria zoar um pouco da cara de Tadase.

— A... Amulet Heart – Tadase disse em um fio de voz, parecendo estar prestes de ter uma ebulição no cérebro.

— Amulet Heart...? – Nagihiko murmurou as palavras familiares, até que elas fizessem algum sentido – Você quer dizer... a Amu?

— Não! – Tadase se apressou em dizer, finalmente levantando a cabeça – Eu gosto... da parte dela que é alegre e espontânea. Tão brilhante, e animada... eu nunca vi uma garota assim.

— Mas... você sabe que a Amulet Heart é apenas uma parte da própria Amu, não sabe? Ela é a única que pode se transformar... então...

— Eu sei de tudo isso – Tadase sussurrou – Mas é diferente... você não entenderia.

— Tudo bem. Você não precisa explicar – Nagihiko sorriu tranquilizador. Por dentro, sentia seu coração se esfarelando, causando um dor que ele nunca poderia ter imaginado. Não conseguia ouvir mais nenhuma palavra daquilo – Eu vou pedir aquele chá para minha mãe, ok?

Ele se levantou, em um salto, dirigindo-se para fora do quarto. Rythm deixou suas cartas caírem sobre a cama e o acompanhou.

— Ei! Você está bem, Nagihiko? – ele indagou, depois que já estavam afastados o suficiente para que Kiseki e Tadase não o ouvissem.

— Não. – Nagihiko disse apenas, antes de fingir mais um sorriso e pedir para sua mãe preparar chá.

— E o que você vai fazer? – Rythm indagou, agitando-se ao redor de Nagihiko, de maneira preocupada.

— Não é óbvio? – o garoto encarou seu Chara de soslaio, antes de voltar a olhar para o chão – Desistir de uma vez. E voltar para aquele quarto sorrindo, como sempre. É assim que funciona com amores não correspondidos.

-

Nagihiko levantou, sentindo seu corpo rígido e cansado. A cama estava, de alguma forma, desconfortável demais. Ouviu a porta do seu quarto abrindo-se, e sua mãe apareceu em uma fresta.

— Eu preparei o banho, Nagihiko. É melhor se apressar.

O garoto levantou da sua cama, arrastando os pés até o corredor. Da porta fechada do banheiro, via o vapor escapar através das frestas. Um banho era uma boa ideia, definitivamente.

Entrou no banheiro, despindo-se vagarosamente. Dobrou as roupas em pilhas bem feitas, como sempre, e as colocou de lado. Andou até a banheira, aspirando o aroma de flores e canela. Esse cheiro o lembrava de algo... mas o que?  Isso era um pouco estranho...

Colocou um pé, sentindo a temperatura da água, e então o outro. Estava perfeita. Sentou, finalmente, sentindo todos os músculos relaxarem ao entrar em contato com a água quente. Fechou os olhos e suspirou... aquilo era o que ele precisava agora, para esquecer dos problemas. Que problemas? Ele não sabia exatamente, mas tinha consciência de que eles estavam lá, apenas esperando o momento certo para surgir e estragar seu dia.

Sentiu a água movimentando-se, e abriu os olhos, alarmado. Nem em um milhão de anos estaria suficientemente preparado para a cena que o aguardava.

Tadase, sentado do outro lado da banheira, sorria animadamente. Seu rosto estava corado, por causa da água quente.

— O-o-q-que você está fazendo aqui, Hotori-kun? – Nagihiko se ergueu parcialmente, mantendo-se afastado.

— Eu vim tomar banho com você – Tadase respondeu, como se fosse a coisa mais natural do mundo – Nós não fazemos isso sempre? – ele adicionou.

Nagihiko pigarreou, tentando manter a coerência de pensamentos. Sem sucesso, seus olhos sempre se voltavam para o peito nu e pálido do garoto, que escorria gotas de água. Será que Tadase poderia ter alguma noção do que isso causava? Provavelmente não.

— Isso foi há muito tempo – Nagihiko disse finalmente, virando o rosto para o lado.

Tadase se movimentou, inclinando-se para o lado de Nagihiko. O coração dele saltou algumas vezes, inquieto.

— Você não quer minha companhia? – indagou, com o rosto a alguns centímetros de distância do garoto. Os grandes olhos carmesins estavam pregados em Nagihiko, tão brilhantes e convincentes como nunca. O rosto corado e molhado reforçava o efeito, os lábios rosados formando um beicinho nada característico, que era supreendentemente irresistível.

Nagihiko sentiu-se ofegante, tão colado na parede da banheira quanto era possível, para que não houvesse chance de acidentalmente tocar em Tadase. Mas esse parecia ignorar seus esforços, aproximando-se lentamente, sem desviar os olhos nem por um instante.

— Você não gosta de me ter aqui, Fujisaki-kun? – ele indagou, com a voz macia, proferindo cada sílaba do nome dele como uma sentença.

— E-eu gosto... quer dizer... – desviou novamente os olhos do tórax de Tadase, para manter a sanidade – Isso é perigoso, Hotori-kun... – murmurou, com dificuldade.

— Perigoso por que? – perguntou, inocentemente, como uma criança curiosa. A água movimentou-se novamente, enquanto Nagihiko tentava se mover para longe.

— Por que sim. Agora, se afaste, por favor – Nagihiko pediu entre os dentes, sentindo-se afundar. Era difícil dizer aquilo quando o que mais queria era que Tadase se aproximasse mais e mais.

— Não – Tadase pronunciou, em meio à névoa. – Eu quero ficar aqui – ele tocou com as mãos delicadas o peito de Nagihiko, na região onde seu coração batia descontroladamente – Eu quero ficar aqui pra sempre – ele disse, com a voz embargando, e os olhos marejando – Por favor, não desiste de mim, Fujisaki-kun...?

Nagihiko perdeu totalmente toda a racionalidade naquele momento. Talvez fosse o vapor e a água quente. Ou simplesmente a visão de Tadase a beira das lágrimas, enquanto o tocava tão despreocupadamente. Agindo por impulso, Nagihiko avançou. Envolveu o corpo magro e diminuto do garoto em seus braços, trazendo-o para perto. Tadase escorou a cabeça no peito de Nagihiko, enquanto retribuía ao abraço, e aspirava ao seu cheiro. Por que ele estava fazendo? Será que os sentimentos de Nagihiko não eram assim tão unilaterais...? Será que haviam finalmente o alcançado?

Nagihiko acariciou os cabelos loiros e macios, tão próximos agora, sentindo sua pele molhada e quente tocando-o em todos os lugares. Ele ansiava por isso há tanto tempo!

Tadase se afastou minimamente, fitando Nagihiko com carinho, enquanto enrolava uma mecha de cabelo molhado nos dedos. Nagihiko mantinha a mão firme em sua cintura, impedindo-o que fugisse, e o olhou com curiosidade. Os lábios de Tadase moveram-se, formando uma palavra. Porém, nenhum som saia. Nagihiko se esforçou em ouvir, mas não havia nada…

— Nagihiko! Acorda!

O garoto abriu os olhos em um rompante, sentindo ainda a respiração e os batimentos cardíacos descompassados.

Sua mãe o espiava da fresta da porta, da mesma maneira que ele havia visto há poucos segundos. Com uma ansiedade tola e sem fundamento, ele esperou que ela dissesse que o banho estava pronto.

— Está na hora da aula, Nagihiko! – ela disse, saindo e fechando a porta logo depois.

Nagihiko levantou, com a cabeça mergulhada em pensamentos caóticos, e começou a se arrumar vagarosamente. Tinha o rosto ainda corado, com as lembranças indistintas que restavam. Como faria ao encontrar Tadase nesta manhã, sendo que havia tido um sonho tão indecente e constrangedor quanto esse?

Bom... não faria diferença alguma...

A verdade, juntamente com as lembranças do dia anterior, retornaram com força brutal, ecoando em todos os cantos da sua mente. Nada disso importava, afinal. Tadase estava apaixonado pela Amulet Heart. E não demoraria até que ele percebesse que isso também significava que ele estava apaixonado pela própria Amu. Quando ele se declarasse, Amu retribuiria a esses sentimentos, eles seriam felizes juntos. E tudo o que restaria a Nagihiko seriam seus sonhos infundados, repletos de esperanças inalcançáveis. Era esse o fim a que ele estava destinado. Sozinho, assistindo de longe a felicidade de seus amigos. A felicidade da pessoa que amava. Provavelmente, não de tão longe, se considerar o fato de que Tadase o convidaria para ser padrinho do casamento. E Amu iria gostar que sua melhor amiga, Nadeshiko, fosse a madrinha. Seria duas vezes mais doloroso.

Ainda pensando negativamente, o garoto, depois de pronto, saiu direto para fora, sem esperar pelo café-da-manhã. O fato era que nenhum alimento se acomodaria bem em seu estômago agora, não importando o quão bom tenha sido o seu sonho. No fim das contas, ter Tadase pedindo de forma tão real e convincente para que ele não desistisse, só deixava as coisas mais difíceis.

Andava tão apressado, pelas ruas conhecidas, que quase não ouviu o chamado baixo às suas costas.

— Eeei! Nagihiko! – Rythm o alcançou, voando a toda velocidade – você quase me deixou para trás!

— Desculpa, Rythm. Não foi de propósito. – ele pediu, sem diminuir o passo acelerado.

— O que aconteceu, cara?

— Nada, eu estou bem – Nagihiko forçou um sorriso que, para um ator do porte dele, soava forçado até demais.

— Eu sou seu Shugo Chara. Posso sentir quando as coisas não vão bem. E você está péssimo.

— Se pode sentir, então sabe muito bem o que está acontecendo. Não precisa perguntar os motivos. – Nagihiko grunhiu, rispidamente. Parou subitamente, apertando a fonte do nariz com o indicador e o polegar enquanto fechava os olhos. – Desculpe de novo, Rythm. Eu estou sendo um idiota com você.

— Tudo bem. Eu entendo! – Rythm levantou o polegar, piscando um olho – Você só está seguindo seu próprio ritmo, e se irritando com as coisas que acontecem. Isso faz parte de ser um garoto! Você só tem que tomar cuidado para que ninguém perceba sua tristeza. Especialmente o Rei.

— Obrigado – Nagihiko voltou a sorrir, o mais natural possível – Eu vou tentar.

— Eeei! – Rythm parou na frente dos olhos de Nagihiko, apontando escandalosamente para o outro lado da rua – Aquilo não é uma loja de fantasias? Yaya pediu que você visse o preço de algumas, para a festa de Halloween dos Guardiões, não pediu?

— Sim, tem razão. – ele virou-se, atravessando a rua e parando em frente à vitrine decorada e colorida, repleta de manequins. A loja estava fechada, o que fazia algum sentido, considerando a hora adiantada. Nagihiko apenas espiou pelo vidro, aproximando o rosto, repetindo mentalmente que deveria passar ali mais tarde.

Espiou as fantasias perfeitamente colocadas, quando algo chamou sua atenção. Era um conjunto de camiseta justa e saia rodada, lilás. Tinha também pompons cor-de-rosa chamativos, e um tênis no mesmo tom, com meias três quartos combinando. Era uma fantasia de líder de torcida.

— Será que é isso? – Nagihiko murmurou para si mesmo, com a mão posta sobre o vidro levemente espelhado, onde se refletia seu próprio rosto pensativo – Talvez... Hotori goste de fantasias de cheerleaders. Por isso pensa que está apaixonado pela Amulet Heart... O Rei na verdade... tem fetiches por líderes de torcida... – ele riu da própria suposição sem sentido, percebendo o quanto era ridículo tentar levantar hipóteses que aliviassem sua dor. Era até um pouco deprimente quando ele pensava no assunto. Deu as costas para a loja de fantasias, acompanhado do seu pequeno Chara, que estava anormalmente quieto.

Logo ao chegar à escola, Nagihiko tentou driblar as suas fangirls, sempre tão dispostas, escapando rapidamente pela escada de acesso. Subiu os degraus, dois de cada vez, e chegando ao corredor principal, esbarrou em alguém. Era Amu. Engraçado como o destino gostava de colocar as coisas. Ele tinha muito senso de humor.

Algumas calouras animadas gritaram ao ver Nagihiko segurar Amu no ar, um reflexo adquirido com o basquete, fantasiando situações absurdas. O garoto colocou-a de novo em pé, enquanto a mesma tentava se recompor, montando sua pose ‘cool and spicy’.

— Está bem Amu-chan?

— Estou – ela respondeu, corando de leve. Algumas garotas remanescentes gritaram de empolgação, com a simples troca de palavras. Nagihiko sentiu uma gota descer pelo seu cenho. Se elas soubessem o quanto a situação que imaginavam era impossível...

— Então vamos logo...

Estavam se afastando, na direção da sala de aula, quando Tadase surgiu pelas escadas. Nagihiko sentiu seu coração fraquejar. Ele estava tão lindo e perfeito quanto em seu sonho. Só que dessa vez com roupas.

Tadase sorriu gentilmente para o garoto, e este não pode deixar de notar o leve rubor que subiu à face do Rei ao fitar Amu, que também estava bem corada. Era uma cena de shoujo, e Nagihiko estava sobrando, de maneira muito cruel.

— Você está bem, Fujisaki-kun? – Tadase indagou aflito, enquanto caminhavam juntos pelo corredor, os três – Ontem você interrompeu nossos estudos devido a uma dor de cabeça, e não parecia nada bem... Eu fiquei preocupado.

— Estou bem, agora – Nagihiko caprichou especialmente nesse sorriso montado, parecendo perfeitamente contente. Havia mentido, no outro dia. O fato era que não aguentaria mais nenhuma palavra dita por Tadase sobre a garota brilhante que balançava seus pompons, e que estava curiosamente, bem ao seu lado nesse instante.

— Vocês estudaram de novo juntos? – Amu inquiriu, curiosa. – Ah... se eu soubesse que iam estudar... estou com dificuldades em inglês...

— Na próxima, nós a convidamos Hinamori-san. Certo, Fujisaki-san? – Tadase sorria cintilantemente, segundos antes de entrar na sala e se acomodar em sua classe.

— Claro... – Nagihiko disse, com entusiasmo calculado. Não, ele não queria nenhuma cheerleader estrategicamente colocada em seus encontros particulares com o Rei. Aqueles eram os seus momentos preciosos, e de mais ninguém.

Amu sorriu entusiasticamente, sendo retribuída em igual intensidade por Tadase, Nagihiko se esforçou em manter o mesmo nível de animação, enquanto sentava em sua classe, olhando para fora mais do que imediatamente. A janela era sua única válvula de escape.

 Distribuindo sorrisos animados, por aí. Ele era um Valete Mentiroso. E Egoísta. Mas fazia tudo isso apenas para conseguir ver aquele sorriso de Tadase por mais um pouco...

-

Sem nenhuma motivação, Nagihiko arrastou seus pés do colégio para casa. O vento estava forte, anunciando talvez, outra chuva eminente, e balançava seus cabelos para trás. O caminho passou indistinto por ele, e quando reparou, já estava dentro do seu quarto, com a capa de guardião jogada sobre a cama, o paletó preto em um canto, e a camisa branca entreaberta. Jogou-se no chão, deitando a cabeça sobre a beira da cama. Respirou fundo. Sentia-se o vocalista falido de uma banda de rock que já foi famosa. Pior do que isso. Ele era alguém cujo coração fora roubado inescrupulosamente, e então pisado, e recolocado no lugar, como se nada tivesse acontecido. Droga, isso dói, sabia??

Nagihiko era jovem. Ele sabia disso. Haveria outras chances de se apaixonar. E de se frustrar com o amor. O ciclo era infinito. Aconteceria novamente, e ele se recuperaria. Pelo menos era isso o que as pessoas diziam. Mas, lá no fundo, ele sabia que nada disso era verdade. Não havia no mundo mais ninguém como Tadase. Ninguém que pudesse fazer seu coração disparar com apenas um olhar. Que fizesse seu estômago revirar como se uma revoada inteira de cigarras loucas dançassem ao mesmo tempo lá dentro. Ninguém com tamanha inocência, bondade, gentileza... Ninguém com olhos tão brilhantes e vivos, atentos a todos, sempre a postos para ajudar. Ninguém com cabelos dourados que brilhassem tão fulgurosamente ao pôr-do-sol. Ninguém com a pele tão branca e delicada, que mais parecia a de uma garota. Não havia ninguém capaz de se igualar a ele...

Não havia outro Tadase. E não havia outro amor para Nagihiko. Simples assim.

Se não havia outra saída, ele abraçaria seu destino. Teria que passar a vida inteira vendo Tadase feliz ao longe? Tudo bem. Nada mais justo. Por Tadase, e apenas por ele, Nagihiko sorriria, mesmo que isso deixasse seu coração irreparável. Tadase era o tipo de pessoa que absorvia o sofrimento dos outros, e se deixava levar facilmente, colocando toda a culpa nos próprios ombros. Se soubesse sobre o que Nagihiko sentia, ficaria se sentindo responsável. Nunca mais seria da mesma forma. Então, pelo bem dele, Nagihiko iria sorrir, até que a dor se tornasse insuportável, e nesse dia, não haveria outro jeito a não ser fugir. Mas até lá, Nagihiko aguentaria a tudo de cabeça erguida, utilizando de todas as habilidades que a dança e o teatro lhe proporcionavam. Ninguém desconfiaria.

Quanto tempo duraria toda essa dor? Será que ela não era eterna? Nagihiko sentia que havia um limite até onde ele podia aguentar, mesmo que ele quisesse para sempre olhar Tadase desse modo.

Ainda meio deitado, com o braço sobre os olhos fechados, Nagihiko ouviu um chamado ao longe, fraco e indistinto. Levantou-se, de má vontade, e abriu a janela. O vento forte o saudou, e logo ele pode ver a fonte dos gritos. Rythm voava ao longe, praticamente carregado pelo vento, e trazendo um embrulho pendurado em suas mãozinhas que nem mesmo eram visíveis. Com dificuldade, ele passou pela janela, e caiu no chão, sobre a sacola.

— O que é isso, Rythm? – Nagihiko pegou o pequeno com a mão, ajeitando a sua touquinha que pendia para um lado.

— Um presente para você, Nagihiko! – ele disse, ofegante – Você está tão triste, eu achei que isso poderia ajudar...

Nagihiko sorriu, afagando a cabeça do Chara. Apressou-se em pegar o embrulho, e olhar o que tinha dentro.

— O-o-oo q-q-que é i-s-s-s-s-isso R-rythm? – Nagihiko balançou indignado a peça. Nada mais era do que a fantasia lilás de líder de torcida, que ele estava olhando poucas horas atrás.

— Você disse que Tadase podia gostar... então eu peguei pra você.

— Pegou? Como assim? – Nagihiko levantou a voz, alarmado.

— Um garoto tem que fazer o que tem que fazer – o pequeno apenas deu de ombros, despreocupadamente.

— Você tem que devolver isso agora mesmo!

— Ao menos experimente antes... – Rythm pediu – Você não sabe o quando esse negócio é pesado!

Nagihiko suspirou pesadamente, olhando novamente para a saia na sua mão. Não faria mal algum se ninguém visse... e em todo caso, ele já havia feito tanto isso como Nadeshiko, que mal faria, experimentar só dessa vez?

Furtivamente, como um bandido cometendo um crime no meio do dia, ele tirou as peças da sacola de papel. Eram tão pequenas...

Sentindo que não deveria parar para pensar, ou se arrependeria, Nagihiko despiu-se. Vestiu as peças rapidamente, sentido o ar gelado entre as pernas que há muito não sentia. Apenas para se sentir mais a vontade, ele pegou a mesma fita vermelha que ainda estava na sua gaveta. Nadeshiko lidaria com essa situação infinitas vezes melhor do que ele.

Rythm aproximou-se, pegando outra fita.

— Ata em dois! – ele disse, balançando a fita vermelha na pequena mão – Combina mais!

— Desde quando você entende de moda? – Nagihiko indagou, arqueando uma sobrancelha.

— Sou seu Shugo Chara, afinal – ele piscou uma vez, e ajudou seu dono com o cabelo.

— Eu vou ficar parecendo a Yaya! – Nagihiko resmungou, atando os cabelos em duas marias-chiquinhas perfeitamente simétricas.

— Vai ficar bem maneiro! Yey! – Rythm festejou, muito animado com assuntos de roupa e cabelo para um jogador de basquete.

Mais inseguro do que nunca, Nagihiko abriu os olhos para o espelho. Sua imagem refletida o encarava, com o rosto corado e surpreso. Uma perfeita líder de torcida. Tinha as pernas longas e claras cobertas pela meia grossa. A saia rodada balançava junto com seu corpo, e a blusa lilás não cobria seu umbigo, revelando o abdômen liso e magro, que podia muito bem pertencer a uma garota. Segurava os pompons, sem saber o que deveria fazer com eles. Aquele penteado realmente havia caído bem...

— Eu não acredito que fiz isso mesmo.... – murmurou para si mesmo, com a voz surpreendentemente feminina. Talvez a saia causasse esse efeito colateral. Voltou a se mirar no espelho, vendo a perfeita garota que era refletida. Se ao menos ele fosse assim de verdade, sua vida seria muito diferente. Ele teria uma chance real de ser correspondido.

— Então, o que achou? – Rythm indagou, sobrevoando o local com semblante aprovativo, mas Nagihiko não o ouviu.

Andou um ou dois passos, tocando a superfície fria e lisa com a ponta dos dedos. Será que Tadase gostava mesmo desse tipo de roupa? Se fosse esse o caso, então ele não estaria apaixonado de verdade por Amu... mas sim pela cheerleader. Virou-se de costas, olhando a fantasia por trás. Ainda que tivesse alguns poucos traços angulosos, seu corpo ainda era anormalmente parecido com o de uma garota. Talvez... só talvez... Tadase gostaria se o visse assim?

Antes que pudesse concluir esse pensamento, Nagihiko ouviu a porta do seu quarto sendo arrastada para o lado. Segurando os pompons sobre o corpo, em um ato instintivo, Nagihiko virou-se na direção da porta.

A figura que entrara o encarava com surpresa. Nagihiko deixou que os pompons caíssem ao vê-lo. Era Tadase.

— N-n-nadeshiko-san? – ele balbuciou, incrédulo.

— Não! Quer dizer... e-eu... - Nagihiko balançou as mãos para frente em sinal negativo, com a voz ainda feminina. Pigarreou.  – Isso não é nada do que você pensa! –seu tom normal retornou, enquanto ele tentava desesperadamente pensar em algo bom o bastante para falar. Segurou o braço em frente ao corpo, e corado, olhou para o chão. Não havia o que dizer.

Enquanto enfrentava a situação incrivelmente constrangedora em que havia se colocado, Nagihiko prestou atenção em Tadase. Ele o fitava com o rosto escarlate, a boca entreaberta, e os olhos voltados para.... suas pernas?

— Ho-hotori-kun! – Nagihiko chamou, hesitante. Nesse momento, a janela que ainda estava aberta, deixou entrar uma lufada de vento, que parecia saber muito bem a direção em que corria. Os cabelos de Nagihiko, presos no alto da cabeça, voaram para o lado e para cima. E assim como eles, a levíssima saia lilás levantou-se, revelando a cueca boxe cinza e justa.

Tadase, que antes trazia um semblante um pouco tolo, com o olhar fixo, pareceu recobrar sua consciência. Corou furiosamente, até a raiz dos cabelos, e virou-se para trás, cobrindo os olhos com as mãos.

— D-desculpe invadir seu quarto, Fujisaki-san... digo, kun. Fujisaki-kun! – ele se atrapalhou, ainda sem olhar na direção do garoto – Nós marcamos de estudar, e eu pensei que poderia entrar, já que sua mãe disse que você estaria aqui. Perdoe a minha intromissão. Eu não deveria ter...

— Está tudo bem – Nagihiko disse, ainda atordoado com a situação – Eu só estava...

— Não precisa me explicar, se te deixa desconfortável. Eu não deveria ter entrado assim.

— Eu... eu... – tentou pensar em algo que aliviasse o clima, mas nada vinha a sua mente.  – Eu vou me trocar, e então podemos começar a estudar – disse por fim.

— Certo. Eu esperarei do lado de fora. – andou na direção da porta.

— Não por favor! – Nagihiko pediu, segurando Tadase pelo braço, impedindo-o de avançar. O loiro ficou ainda mais vermelho, claramente nervoso com o toque – Se você sair, minha mãe ficará preocupada com o que aconteceu e virá checar. Por favor, espere aqui!

Tadase assentiu, tomando seu lugar em frente a pequena mesa de centro. Nagihiko, tão desconfortável como poderia estar, andou até o armário, pegando peças ao acaso. Preparou-se para despir-se rápido, como havia aprendido no teatro, mas não pode evitar a curiosidade que o assolara. Fitando Tadase de soslaio, viu-o corar e desviar o olhar, assim que Nagihiko começou a deslizar a saia pelas pernas. Depois, disso, foi a blusa, retirada rapidamente. Tadase, ainda olhando para os lados, obviamente perdido, voltava o olhar na sua direção a cada poucos segundos, invariavelmente.

Do que ele tá com vergonha? O vento já deixou que ele visse tudo mesmo… a não ser que... Será que o Rei tem mesmo um fetiche por líderes de torcida?

Viu de relance Rythm juntar as peças caídas no chão e as colocar de volta na sacola, voando pela janela e sendo acompanhado por Kiseki. Nagihiko soltou os cabelos, colocando uma bermuda jeans, larga e puída, e uma camiseta dos Lakers, e voltou para perto de Tadase.

Este sorriu sem graça ao vê-lo, e voltou a desviar o olhar, procurando pelo chão algo em que pudesse fixar o olhar. Ainda que estivesse um pouco desconfortável com a situação, Nagihiko não pode deixar de achar aquela uma atitude muito fofa.

— Vamos estudar? – Nagihiko sentou-se a frente de Tadase, tentando recuperar a compostura.

Tadase sobressaltou-se ao ouvir sua voz, e fitou-o, muito corado. Assentiu uma vez, abrindo a mochila e puxando os livros. Dessa vez era inglês. Abriu em uma página aleatória. Um desenho de uma cheerleader saltou das páginas, com sua roupa escandalosa e pompons combinando. Tadase fechou o livro mais do que imediatamente, escondendo-o e puxando outro.

— Começaremos com História – Sussurrou, com a voz trêmula. Seu olhar variava entre as mãos, a parede no fundo e o garoto a sua frente – Eto... Fujisaki-kun...

— Sim?

— Você.... ficou muito bem, c-com aquela roupa. E o cabelo. M-muito mesmo... – Tadase balbuciou, tão baixo que Nagihiko se perguntava se não havia imaginado coisas. Porém, o rosto completamente enrubescido do loiro, juntamente com a cabeça baixa e as mãos trêmulas que se esfregavam nervosamente, não o deixavam iludir-se.

— Obrigado... – foi a única coisa que conseguiu dizer, antes de abrir seu caderno.

Uma chama de esperança havia sido acesa, mas era tão fraca que um simples sopro poderia apagá-la para sempre.


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Notas finais do capítulo

Capítulo enoorme -.-' me empolguei :D
Por favor, deixem reviews *0* ~
Os próximos dois capítulos serão escritos exclusivamente pela Teffy-senpai, então aproveeitem o/
Kisuu♥♥♥