Yakusoku escrita por teffy-chan, Shiroyuki


Capítulo 24
Capítulo 24 - Kagami


Notas iniciais do capítulo

Kagami - Wakeshima Kanon
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O segundo dia do Festival Cultural do Seiyo Elementary iniciou agitado. O Sol mal tinha dado o ar de sua graça, incrivelmente quente para um dia de abril, e já haviam alunos apressados, andando de um lado para o outro com suprimentos, se vestindo, arrumando os estandes do lado de fora e reabrindo as seções do lado de dentro. A escola ainda não havia sido aberta, mas logo chegariam visitantes de todos os lugares para o festival, que já era famoso pela vizinhança.

O café do sexto ano, com suas maids e mordomos, estava especialmente tranquilo nessa manhã. Haviam faturado o dobro das outras classes em único turno, e hoje teriam um dia calmo, muito provavelmente, considerando que os guardiões, que atraíram a maior parte do público anteriormente, estavam envolvidos em seu próprio projeto.

No anfiteatro, porém, as coisas não estavam assim tão calmas. Os guardiões iam finalmente estrear a peça que tanto custaram para montar, e estavam com os nervos à flor da pele, principalmente Nagihiko, que era roteirista, figurinista, produtor e diretor da tão esperada “Branca de Neve e os Sete anões”. Ele estava exausto, com visíveis olheiras abaixo dos olhos, causadas pelas noites em claro escrevendo o roteiro e costurando as roupas, mas ainda assim estava muito bem-disposto, cuidando para que tudo fluísse com a perfeição que ele planejou.

— Nagi! A Yaya não consegue achar as meias-calças brancas que tem que usar! – a ás surgiu de dentro do camarim feminino, correndo descalça até o garoto. Usava o vestido branco e rodado, todo recheado de tule e babados, com pequenos espelhos em forma de losango colados na região da barriga. Seus cabelos estavam amarrados da forma costumeira, com fitas prateadas grandes e vistosas.

— Ah, pergunte para a Tsukiyomi-san – o valete respondeu, enquanto terminava de montar o cenário de floresta, que havia sido feito por todos durante a Golden Week, com ajuda do clube de artes, que cedeu o seu material com muita boa vontade, e Nagi desconfiava do fato de Tadase ser aquele enviado para fazer o pedido, e o clube ser em sua maioria formado por garotas.

— Mas ela tá fazendo o cabelo e a maquiagem da Amu! – ela teimou.

— Certo, eu vou… Ikuto! – ele gritou de repente, sobressaltando a garota – Onde estão os anões???

— Os pirralhos estão por aí – Ikuto surgiu de trás da cortina, com um Melon Pan na boca e usando uma camiseta preta escrito ‘staff’ nas costas.

Ele apontou para o outro lado do palco, onde cerca de seis garotos da primeira série corriam para todos os lados, gritando e caindo. Um deles tinha a calça na cabeça, e corria só de cuecas pelo lugar. Apenas um estava sentado, na cadeira de diretor, com seus pés flutuando muitos centímetros acima, com ar sério e o script nas mãos. Era Hikaru, o antigo CEO da Easter, que tanto problemas causou e que agora estudava na Seiyo. Ele, assim como as outras crianças, usava a roupa de anão, que se resumia a calça e camiseta de mangas compridas, alguns com coletes, em tons de marrom e verde escuro, e falsas barbas grisalhas. Todos usavam capuzes nas mesmas cores (exceto aquele que tinha as calças na cabeça), maquiagem vermelha nas bochechas e um enchimento na barriga, para parecerem mais gordinhos.

— Certo… eu tenho uma estratégia… - Nagihiko ponderou alguns segundos, observando o caos causado por aqueles poucos garotinhos, e colocando os últimos cogumelos embaixo da árvore de papel machê. Puxou sua prancheta, que continha as informações sobre a peça e alguns detalhes pendentes.

— Colocá-los dentro duma caixa escrito “este lado para cima”, com muitos selos e dentro dum avião para a Austrália? – Ikuto sugeriu, dando uma despreocupada mordida no pão.

— O que? Claro que não! – o garoto horrorizou-se, por um breve momento considerando aquela proposta, no entanto.

— Tem razão… Austrália é muito perto. Melhor Groelândia! Eles podem viver com os pinguins.

— Eu me referia a deixá-los gastarem sua energia agora para que fiquem mais quietos na hora da peça – Nagihiko elucidou, ceticamente. Marcou algumas coisas na prancheta, sem se concentrar.

— Tem pinguim na Groelândia? – Yaya indagou, curiosa, ignorando Nagihiko.

— Eu não sei. Pode ter ursos polares também…

— Chega disso! – Nagihiko cortou-os, empurrando cada um para um lado – Yaya, suas meias devem estar no camarim, e você não procurou direito. E você, Ikuto, tem que cuidar dos equipamentos. Vá fazer o teste de som!

— De novo? Eu já fiz isso! – Ikuto reclamou – Eu vou dormir um pouco…

— Nem pensar! Se você dormir, eu coloco a Yaya com os figurinos femininos e uma câmera perto de você. Quer arriscar? – ele ameaçou. Ikuto nada disse, mas dirigiu-se à sala de controle. Segundos depois, o teste de som pode ser ouvido.

— Ei! Nagihiko! – Kukai apareceu, pálido e nervoso. Usava um terno xadrez, com gravata borboleta verde, e tinha nas mãos muitos papéis bagunçados – Eu acho que não vou conseguir falar tudo isso!

— E você me diz isso agora?? Você é o narrador, Kukai! – Nagihiko exasperou-se.

— Eu sei, é que… tem tantas palavras difíceis... e essas rimas... – ele vacilava, mostrando a pilha de papéis irregular nas mãos.

— Certo, vamos fazer assim… você vai estar naquela bancada ali… – Nagihiko apontou para o móvel de madeira, que lembrava aqueles usados em discursos – Pode ficar com os papéis, para ir lembrando à medida que for falando, só que eu quero que você se esforce e tente fazer sozinho, olhando para o público, certo? Mas antes, você vai ter que arrumar isso… - ele mostrou o script esculhambado, todo amassado e riscado.

Kukai assentiu, correndo para o camarim masculino para ajeitar a sua “colinha”.

— Nagihiko! – Rima chamou, assim que o garoto parou para respirar. Ela veio andando bem devagar, levando nas mãos a enorme saia do vestido negro e dourado que usava, além de trazer uma escova e mais alguns acessórios de cabelo. Isso atrapalhava seus movimentos, que já não eram assim tão ágeis. – O meu cabelo, eu não consigo arrumar.

— Onde a Tsukiyomi está? – ele indagou, arrastando a réplica da casa dos anões sobre rodinhas, que seria levada ao palco na hora certa, e com um arbusto esperando para ser colocado no cenário.

— Está tentando fazer com que os olhos inchados e vermelhos da coringa pareçam.... menos inchados e vermelhos – ela respondeu, inexpressivamente.

— Ela... andou chorando de novo? – Nagihiko supôs, sabendo que era essa a verdade.

— Pelo jeito a noite inteira. – Rima suspirou, sentindo-se solidária com a amiga, mas sem demonstrar inteiramente. De certa forma, sabia pelo que ela estava passando.

— Bom, venha aqui – ele terminou de ajeitar o último arbusto, e andou até o lugar atrás da cortina, colocando Rima sentada em uma das cadeiras, não que isso fosse realmente necessário, levando em conta a estatura da Rainha. Pegou a escova e começou a pentear as longas madeixas cor de ouro, sem conseguir deixar de lembrar-se de outra cabeça loira que estava sempre povoando seus pensamentos.

— Você é bom nessas coisas – Rima deixou escapar – Assim fica fácil para qualquer um descobrir seu segredo. Você devia disfarçar mais, sabe.

— Fale baixo! – ele censurou, olhando ao redor, e puxando um pouco mais os cachos na hora de colocá-los para cima, “despropositadamente”.

— Itaai! Não tem ninguém aqui, valete! – Rima protestou – O Souma ainda tá mexendo naqueles papéis dele, o Sanjou não para de estudar o texto, a Utau e a Amu estão no camarim e a Yaya está tentando colocar aquelas meias.

Nagihiko nada disse, e terminou de arrumar os cabelos da Rainha, prendendo-os no alto da cabeça em um rabo de cavalo, e deixando apenas algumas mechas caírem displicentemente dos dois lados, assim como a franja. Depois, girou até a frente da cadeira, pousando a coroa dourada, pontiaguda e decorada com rubis de plástico.

— Aqui está, Rainha. A sua coroa. – ele disse, sorrindo, e Rima sorriu de volta.

— É Rainha Má, pra você! Agora me traga um pouco de chá! – ela exigiu, e Nagihiko suspirou.

— Não mesmo. Agora vá terminar de estudar seu texto, como todos os outros.

— Eu não preciso disso, já decorei tudo. – ela cruzou os braços, estupefata.

— Ah, é mesmo? Então…

— Fujis… ah, desculpe incomodar… - Nagihiko ouviu a voz assustada de Tadase atrás das cortinas, chegando ao local onde ele e Rima discutiam. Tadase os encarava, incomodado e constrangido. Ele havia vindo pedir ajuda a Nagihiko, mas ao se deparar com a cena de amigável provocação entre ele e Rima, sentiu-se inexplicavelmente aborrecido, com uma repentina vontade de sair correndo dali.

Nagihiko não hesitou em deixar Rima, esquecendo-se imediatamente da presença dela, e andou até Tadase, preocupado. O Rei vestia uma roupa que lembrava muito o seu Chara Change, exceto que era em tons diferentes de azul-claro, com uma longa capa escura nas costas e uma coroa de plástico na cabeça.

Rima se afastou, sabendo que estava sobrando, e resolveu trocar algumas palavras com Amu, enquanto Utau fazia sua maquiagem. Não havia mais jeito para a rosada, assim como nunca houve de fato para ela, e alguém precisava enfrentar a dura tarefa de preparar o terreno, antes que ela visse algo e acabasse tendo um ataque, o que seria exponencialmente desagradável.

— Precisa de algo, Hotori-kun? – Nagihiko indagou, ao ver o rosto pálido do amigo.

— Não... não exatamente. Eu não queria atrapalhá-lo, me desculpe... – Tadase hesitou, preparado para voltar ao camarim masculino onde esteve até agora.

— Você nunca atrapalha. Eu já tinha terminado o cabelo da Rima-chan, não precisa se preocupar. Do que você precisa, Hotori-kun?

— Eu… ainda estou um pouco nervoso. Pensei que… se eu conversasse com você, ficaria melhor. – Tadase admitiu, escondendo o rosto com a franja enquanto falava, com seu rosto ligeiramente ruborizado. – Você sempre... me deixa mais calmo.

Nagihiko surpreendeu-se com a repentina afirmação do loiro. Agora, como uma infeliz reação que parecia mais com uma maldição, todas as suas ideias sumiram, e ele não tinha nada legal para dizer. Tadase encarava o chão, abatido.

— Eu estou aqui para te ajudar, tá bem? Qual é o problema? Não está conseguindo lembrar o texto? Eu posso repassar com você e …

— Não, eu lembro bem das falas – Tadase sentou na cadeira, e Nagihiko o acompanhou – O problema é… eu não sei se conseguirei encarar a Amu-chan depois do que eu fiz. Tenho certeza de que ela também não quer olhar na minha cara.

— Bem, essa é uma questão que foge do meu alcance… - Nagihiko viu o rosto desamparado de Tadase e teve vontade de abraça-lo, protege-lo, dizer que ele não precisava fazer nada que não quisesse… mas seria ruim sempre mantê-lo afastado dos problemas dessa maneira. Tadase precisava encarar a consequência das suas escolhas, se quisesse crescer, embora Nagihiko não tivesse muita certeza de que queria deixar Tadase crescer e andar pelas próprias pernas. Era confortável saber que ele ainda dependia de Nagihiko, mesmo que fosse egoísmo da sua parte querer mantê-lo só para si – Você… não quer se desculpar com a Amu-chan? Se vocês se acertarem antes da peça, isso por ajudar em alguma coisa... embora eu duvide muito que uma garota que foi rejeitada vá aceitar desculpas dessa forma. Seria de certa maneira, humilhante. Acho que vocês devem mesmo agir como profissionais. Essa peça não tem nada a ver com os desentendimentos... A Amu-chan tem que saber diferenciar. E atuar, com ainda mais vontade...

— Tem razão, Fujisaki-kun. Eu só tenho que atuar. – Tadase respirou fundo, tentando adquirir uma coragem que não pertencia a ele. Nagihiko sorriu, tentando transmitir confiança, e lutou internamente contra a vontade de tocar no loiro, de novo.

— Ei, vocês dois. Podem deixar para flertar mais tarde? – uma voz monótona e infantil se fez presente, assustando os dois garotos. Era Hikaru, e ele parecia o mesmo adulto em miniatura de sempre, exceto que agora tinha uma barriguinha redonda e um capuz pontudo na cabeça – Algum dos anões derrubou a moldura do espelho no outro lado do palco – ele anunciou, sem a urgência que a notícia necessitava.

Nagihiko levantou, aflito, e atravessou o palco como um raio. Tadase o seguiu, um pouco mais vagaroso. O tablado do teatro havia sido dividido em dois cenários diferentes. Um era a floresta, com a casa dos anões, muitas árvores e flores falsas, e o outro era a sala da Rainha, que continha um trono, uma moldura pendurada por um fio de náilon no teto, e muitas cortinas roxas e negras ao redor, separando-a do cenário de bosque encantado.

Ao chegar lá, ele viu uma das crianças (exatamente o garoto do chapéu de calças) ajoelhado no chão, com cara de culpado, ao lado da moldura caída, e com ninguém menos do que a mais jovem guardiã de pé na frente dele, com as mãos na cintura e o semblante de uma mãe furiosa.

— Você derrubou o espelho da Yaya, Kashino-chan! Isso foi muito feio! Devia sentir vergonha! O Espelho que a Yaya tanto custou para fazer! – ela dizia, embora a moldura tenha sido comprada pronta numa lojinha de presentes da estação – Esse é o importante espelho, a alma da peça, a parte mais vital da história! O que você ia fazer se ele quebrasse, Kashino-chan?

— Desculpe-me, Yaya-senpai! – o garoto soluçou, limpando o nariz e fungando, com muitas lágrimas nos olhos – Não vai acontecer de novo!

— A Yaya acha bom que não aconteça mesmo! – ela bufou, sentindo-se importante por ser chamada de senpai – E vá já colocar essas calças!

— Hai, Yaya-senpai! – Kashino assentiu, batendo continência e saindo correndo, ao mesmo tempo em que vestia as calças da maneira correta. Os outros garotos o seguiram, assim como Hikaru.

— Yuiki-san foi muito bem! – Tadase elogiou, chegando perto e voltando a pendurar o espelho na corda.

— Claro que sim, afinal, a Yaya é quem vai cuidar dos guardiões, depois desse ano!

Nagihiko e Tadase se entreolharam, pensando na mesma coisa. Esse seria o último ano deles como colegas guardiões. Depois disso, eles iriam para o ginasial, e talvez tivessem que se separar. Nagihiko ainda não recebera de sua mãe a confirmação sobre permanecer no Japão, embora ele tenha relatado a ela sua vontade de ficar aqui, e Tadase muito provavelmente iria para a mesma escola ginasial de Kukai, assim como a maioria dos outros. O mesmo pensamento vagou pela mente dos dois garotos. “ Eu não quero ficar longe dele...”

— Ei, o que vocês dois estão fazendo? – Yaya chamou, andando na frente – Já tá tudo pronto?

— Na verdade ainda faltam alguns detalhes… - Nagihiko se lembrou, e começou a andar na frente, com a prancheta a postos.

Os três voltaram para os bastidores, onde Rima já se encontrava, terminando de passar seu texto com Kairi. O ex-valete usava uma roupa verde de caçador, que lembrava ligeiramente um Peter Pan, com um chapeuzinho com pena vermelha no lado e uma longa capa marrom. Tinha uma aljava de flechas nas costas e um arco na mão. Kukai logo se juntou a eles, nervoso, andando de um lado para o outro enquanto repassava suas falas mentalmente.

— Vem com cuidado, Amu! Vai pisar na barra do vestido – Utau se fez ouvir, e logo apareceu junto aos outros. Atrás dela, vinha Amu, com seu semblante abatido. Usava o vestido rosa que haviam encontrado no outro dia, e não foram necessários muitos ajustes nele. Yaya tinha insistido que a Coringa usasse uma peruca morena, mas a mesma se negou, dizendo que aquilo coçava muito, mas agora se arrependia, já que pelo menos a peruca esconderia seu rosto e permitiria que ela não passasse pelo desconforto que sentia agora.

Um incômodo e pesado silêncio se instalou, enquanto todos se entreolhavam sem nada a dizer. A essa altura, todo mundo já estava ciente do acontecimento entre Tadase e Amu, e o sentimento de constrangimento se espalhou como fogo em brasas entre todas as pessoas. Até mesmo Yaya, que costumaria fazer alguma piada para acabar com o estranhamento, sentia-se acuada em dizer qualquer coisa nesse momento.

— Com licença – Nagihiko sentiu um puxão da barra do seu casaco. Era Hikaru, que havia quebrado o clima intenso e agora fitava seriamente Nagihiko – O Nagato-san acabou de sair correndo e chorando. Eu acho que ele não vai mais fazer a peça.

— Nagato-san? Um dos anões? – Kukai, que estava ponderando seriamente a possibilidade de fazer o mesmo instantes atrás, indagou.

— Sim, é aquele garoto de óculos e cabelo castanho… - Nagihiko disse, preocupado. Ajoelhou-se até ficar na altura de Hikaru, para poder conversar melhor com ele – Ele disse alguma coisa? Para onde ele foi? Nós não podemos ficar sem um dos anões... e falta quase meia hora para o início da peça...

— Ele disse que era inútil tentar, por que ele não conseguiria fazer direito. Ele é muito envergonhado. Eu realmente não entendo esse tipo de pessoa. Se ele sabia que não seria capaz, bastava não ter participado desde o início. – Hikaru disse, sem emoção alguma. Nagihiko voltou a se levantar, olhando para Tadase com olhar aflito e tentando pensar em alguma solução.

— Mas esse Nagato-chan não era aquele garotinho que estava bem animado? Ele parecia tão feliz de participar! – Yaya bradou, relembrando-se.

— Ele deve ter ficado com medo agora, que está tão perto... – Tadase disse, mais para si mesmo.

— Devemos procurá-lo? – Kairi sugeriu.

— Eu não sei... talvez possamos substituí-lo.

Enquanto todos pensavam no que deveriam fazer quanto ao desfalque no elenco, um familiar e agudo som se fez ouvir.

— Nuri nuri nuri nuri nuri.

— Ei! É um batsu tama!!! – Yaya indicou o óbvio, desnecessariamente, apontando para o pequeno ovo negro que voava sobre o palco – Pega ele, Amu-chii!

Amu olhou para os lados, perdida. Quando percebeu que todos olhavam para ela, puxou a saia do vestido para cima, correndo até o Batsu tama e tentando pegá-lo no ar, mas ele desviou e foi até o palco.

— Ele quer destruir o cenário!!!! – Nagihiko alarmou-se, reparando que o pequeno ovo negro reunia energia mirando no palco. Sem pensar duas vezes, ele se atirou e agarrou o ovo, caindo no chão. O Batsu tama escorregou das suas mãos e voou para longe, cantando “nuri, nuri, nuri” enquanto saia pela porta dos fundos.

— E-eu acho... que devo ir atrás dele, para purificá-lo! – Amu exclamou, agitada. Ran precipitou-se, e as duas fizeram Chara Nari rapidamente, iluminando todo o bastidor com a luz rosa e brilhante. Ela desceu novamente ao chão, com a roupa de líder de torcida e logo depois saindo correndo na direção por onde o ovo voou. Suu, Dia e Miki a seguiram, apreensivas.

— Ela acabou... de fugir... – Utau balbuciou, chocada, ao ver Amu fugindo na velocidade da luz, mais ansiosa do que o habitual para caçar o Batsu tama – Estamos sem protagonista.

— O que??? Como vamos ficar assim, sem a protagonista e sem um dos anões? – Nagihiko exasperou-se, quase a ponto de arrancar os cabelos – Nossa peça vai ser apresentada logo no início da tarde! Falta apenas... falta 20 minutos!

— Nós só precisamos de substitutos – Utau sorriu sugestivamente, aproximando-se de Nagihiko e o abraçando pelo ombro, acariciando os longos cabelos – Se houvesse alguém aqui que sabe toooodas as falas... e pudesse fazer uma Branca de Neve perfeita, com suas loooongas madeixas escuras... não seria ótimo?

— O que você está fazendo? – Nagihiko se desvencilhou – Eu não poderia...

— Pois eu acho que você ficaria muito bem de princesa, valete. Sem falar que os personagens principais ficariam muito mais coerentes nesse caso – Rima anunciou, bebericando uma xícara de chá, e apontando de Nagihiko para Tadase descaradamente.

— Pare de fazer insinuações, Rima-chan! Eu não posso...

— Ah! Fujisaki-kun! Seria ótimo se você pudesse ficar no lugar da Hinamori-san! ... Quero dizer, não é ótimo que ela tenha saído, eu não quis dizer isso! – Tadase falava, todo atrapalhado, gesticulando nervosamente a frente de Nagihiko – Eu acho que... poderia ir melhor se você estivesse lá comigo... então... será que você pode?

Tadase brilhava tanto, e parecia tão adorável naquele momento, que até mesmo Yaya ou Utau, que nada tinham a ver com isso, não poderiam negar um pedido daqueles. Nagihiko então, esteve ao ponto de abraçar aquele fofo Tadase e não soltá-lo de jeito nenhum, mas conteve-se a tempo, e apenas baixou o olhar, derrotado.

— Eu acho... que talvez... possa fazer isso... – ele balbuciou, aborrecido com a própria fraqueza. Era perigoso vestir-se de garota tantas vezes assim no festival, as pessoas poderiam desconfiar, sem falar que era incômodo para o seu orgulho de garoto ter que usar saia tantas vezes na frente de todos, mesmo que a pessoa em questão seja alguém acostumado com isso. No entanto… ele era absolutamente indefeso diante da súplica irresistível do loirinho. Tudo o que pode fazer, foi concordar. – Mas... e se a Amu voltar a tempo?

— Falta só alguns minutos, ela não vai conseguir purificar o Batsu Tama e ainda chegar antes do início da peça. Sem falar que ela não estava em sua melhor forma... e faltou a muitos ensaios. Acho que no fim das contas, essa foi a melhor solução – Utau argumentou, disfarçando seu entusiasmo por finalmente conseguir o que queria desde o início. Respirou fundo uma última vez, e deixou escapar um sorriso muito pervertido, à moda dos Tsukiyomi, agarrando Nagihiko com força. Tadase abriu a boca para protestar diante desse ato, mas nada disse. – Você vai ser a melhor Branca de Neve que essa escola já viu, pode acreditar!! – ela bradou, com o valete seguro nas suas mãos.

— Espera! – ele tentou dizer, em meio ao abraço sufocante da animada cantora – Ainda tem o anão! O que faremos com ele?

— O Ikuto-kun pode fazer o anão!!! – Yaya bradou, repentinamente.

— Eu? Como assim? Acho que alguém como esse rei nanico ou essa baixinha aí – ele apontou para Tadase e Rima – seria bem mais fácil! Como alguém como eu, alto e esbelto, faria o papel de um anão?

— Hunf! Eu não quero saber! – Rima bufou, ofendida, e andou até Ikuto como se fosse ela a diretora da peça. Pegou algumas peças de roupa que ainda estavam espalhadas pelos bastidores, e jogou no colo de Ikuto – Você é o único aqui que não está fazendo nada. Vá vestir isso, e só volte aqui quando for um anão perfeito!

— Escuta aqui, anãzinha, eu tenho que cuidar do som e da luz. Por que a Utau não faz?

— Por que eu tenho que coordenar a peça, na ausência do nosso estimado diretor! – ela explicou, agarrando-se novamente ao valete, que dessa vez não pode reagir.

— Nós podemos ficar no lugar do Ikuto ~nya! – Yoru bradou, por que estava morrendo de vontade de ver o dono usando a roupa de anão.

— Sim! Sozinhos não conseguiríamos, mas todos juntos, eu acho que é possível controlarmos os equipamentos – Rythm agitou-se, levantando-se no ar.

— Vocês podem mesmo fazer isso? – Nagi indagou, desconfiado.

— Claro que sim! – Eru cantou.

— Um rei tem que se sacrificar pelo seu povo. – Kiseki anunciou, ainda que estivesse contrariado com a ideia de ter que trabalhar.

— Confie em nós! – Daichi exclamou.

— Deixe tudo conosco!! – Kusu-kusu riu, animada demais.

E sem esperar resposta, os Shugo Charas voaram até o local onde estavam instalados os equipamentos, que ficava do lado superior oposto do teatro, em um segundo nível.

— Ceeeeerto! Problema resolvido! – Yaya cantarolou, saltitante.

— Vamos arrumar a nossa Branca! – Utau exclamou, cerrando o abraço em Nagihiko, e o arrastando na direção do vestiário feminino.

— Espera aí, Utau-nee-chan! – Tadase interrompeu o movimento, aflito – Você vai entrar lá com o Fujisaki-kun? Q-quero dizer... você vai vê-lo se trocar?

— Não só ver, eu mesma vou vesti-lo! – Utau piscou um olho, animada com o rumo que aquela conversa estava tomando.

— Como?!?! – Tadase e Nagihiko indagaram em uníssono, espantados.

— Fica tranquilo, Tadase-kun! Eu vou só arrumar o Nagi, não vou deflorá-lo! – Utau riu, dando tapinhas encorajadores nas costas de Tadase, enquanto apertava Nagihiko no outro braço – “Fujisaki-kun”... – ela tentou imitar o tom de voz de Tadase – ...é todo seu!

Tadase corou furiosamente, sem nada a dizer, enquanto Nagihiko clamava, sendo arrastado à força por Utau até o camarim. Os outros voltaram para suas atividades, lendo o roteiro e repassando as falas, enquanto Tadase fitava apreensivamente a porta, ouvindo os gritos de protesto e pedidos de socorro do valete.

Segundos depois, Utau finalmente saiu, com um sorriso satisfeito nos lábios, fechando a porta novamente.

— Prepare seu coraçãozinho, Tadase-kun! – ela anunciou, sem dar chance de o loiro parar para pensar, e abriu a porta.

Por ela, surgiu Nagihiko. Ele vestia um suntuoso vestido vermelho, inteiramente bordado, com detalhes dourados e delicados. Seu cabelo pendia suavemente para um lado, amarrado em uma trança única e volumosa, com uma fita de seda vermelha amarrada em um laço sobre a cabeça. Estava constrangido, evidentemente, mas ainda assim, um pouco ansioso para ver a reação de Tadase. Não foi o que esperava.

Tadase o encarava de boca aberta, com o rosto corado e os olhos brilhando. Seu coração havia acelerado de forma inesperada e violenta, batendo tão rápido e forte que poderia saltar para fora a qualquer momento. Ele mal conseguia ouvir as exclamações de surpresa das pessoas ao seu redor. Seus ouvidos estavam vazios, e sua atenção estava completamente focada na princesa a sua frente. Era como se só houvesse ela no mundo. Tadase nunca viu nada mais lindo em sua vida.

— Fujisaki-san... digo, F-fujisaki-kun, v-v-v-você está… m-muito, muito lindo… está... p-perfeito… - ele gaguejou, com dificuldade, as palavras mal passando de sussurros. Seu rosto estava da mesma cor do vestido que Nagi usava.

Utau sorriu, com o prazer de um trabalho cumprido chispando nos olhos. Analisou a reação de Tadase, e discretamente piscou um olho para Nagihiko, como quem diz “eu não disse?”. Nagihiko não demonstrou nada, nem mesmo a surpresa, e por que não, felicidade, que sentia, pela reação de Tadase ao vê-lo daquela forma. Mas era fato, ele estava se sentindo bem ao ser admirado daquela forma, pela pessoa que amava. Mesmo que parecesse errado, ele queria que Tadase olhasse somente para ele, admirando-o daquela forma. Sua parte egoísta cresceu, apreciando a atenção recebida, e sem perceber, Nagihiko sorriu docemente.

— Obrigada, Hotori-kun – ele disse, com a voz suave e branda, acariciando cada sílaba do nome dele. Um segundo de silêncio sucedeu aquela fala. Aquela era a voz de Nadeshiko.

Rima bateu na própria testa, exasperada com o momento relapso do garoto. Kukai abriu a boca em um “o”, ponderando se Nagihiko já havia contado seu segredo a todos ou se aquele havia sido um terrível erro da parte dele. Estava certo quanto ao terrível erro, na verdade. Utau, Ikuto, Kairi e Yaya encaravam o valete, atônitos, sem ousar piscar, enquanto Tadase, ainda corado e sentindo-se desconfortável com a presença sufocante de Nagihiko naquele momento, tentou se recompor para consertar aquele deslize do amigo.

— N-naddy? – Yaya indagou, temerosa, sem entender aquele repentino vislumbre da ex-rainha a sua frente.

— Ah... Fujisaki-kun... você... você está indo muito bem, tenho certeza de que ficará perfeito como princesa. Você resolveu imitar a Fujisaki-san, não é? – Tadase riu sem graça, olhando de um rosto incrédulo para outro.

— Etto... hai! Eu... eu estou imitando a Nadeshiko... para encenar uma garota... é isso o que eu estou fazendo. – Nagihiko respondeu, sentindo-se patético por ter cometido aquele erro tão primário. Tadase sempre o fazia perder a linha e agir da maneira mais descaracterizada imaginável, completamente o oposto da sua centrada e ponderada personalidade.

— Ah, que bom! Por um segundo, passou pela minha cabeça que você poderia ser um travesti! – Utau deu rápidos tapas nas costas de Nagihiko, fazendo-o se curvar, enquanto ria alto – Não que isso fosse ruim, de toda a forma – ela concluiu, deixando sua mente vagar pelas infinitas possibilidades de ter um amigo crossdresser. Esse sempre fora o seu sonho fujoshi.

— Ah, travesti...  – Nagihiko sorriu, começando a atuar antes mesmo de subir ao palco – Isso é impossível, obviamente. Que ideia desvairada essa sua, Tsukiyomi-san.

— Sim, ideia ridícula – Rima afirmou, dando um longo gole no seu chá.

— Eu não acho! Na verdade, eu sempre pensei que...

— Ah, Utau-nee-chan! – Tadase interrompeu, angustiado – Faltam 10 minutos para o início!

— É claro! – ela assentiu, séria, colocando os fones de ouvido de assistente e puxando a prancheta de Nagihiko nas mãos – Fechem as cortinas! – ela ordenou pelo microfone, e Rythm e Daichi se posicionaram, puxando as cordas para que as pesadas cortinas vermelhas fossem arrastadas até se fecharem – Luz, som! – ela gritou, e os Shugo Charas posicionaram os holofotes e ligaram as luzes da plateia – Ikuto, vá se vestir! – mandou, e Ikuto, sem deixar de resmungar, foi até o camarim masculino. – Todos prontos? Vamos lá!

 As portas foram abertas, e o público começou a se adiantar até as cadeiras, que aos poucos foi lotando. Ikuto saiu do camarim, vestindo a roupa de anão, que havia sido feita para crianças, e por esse motivo, ficava extremamente curta e justa, e até mesmo sugestiva, no corpo magro do jovem. Ele estava espremido na camiseta que mal chegava ao umbigo, e salientava o peitoral razoavelmente definido, e com o colete em tons de terra que não fechava. A calça parecia mais uma bermuda, e não se fechava também, revelando parte da roupa de baixo azul-marinho do garoto. Ele estava com a barba branca pendurada no pescoço, como um colar, e o capuz amarelo e pontudo sobre a cabeça, um pouco de lado, quase caindo.

Rima engasgou com o chá, tendo uma crise de tosse pelo riso reprimido, ao vê-lo. Kukai e Yaya riram abertamente, com ela puxando sua inseparável câmera para registrar o momento. Utau estava no modo sério de trabalho, por isso se limitou a assentir e marcar algo na prancheta. Tadase e Kairi seguraram muito bem suas risadas, parecendo incrivelmente sóbrios. Nagihiko apenas riu de canto, feliz por não ser o único a sofrer nas mãos da loira que havia tomado as rédeas da peça para si.

— Certo, não quero ouvir nenhum comentário, ouviram bem, pirralhos? – ele rosnou, jogando-se sobre uma das cadeiras – Droga, Utau, quanto tempo falta?

— Cinco minutos – ela disse, olhando no relógio.

Tadase tremeu, e lentamente, aproximou-se da cortina, afastando-a um pouco e espiando por uma mínima fresta. Lá estavam muitas pessoas diferentes, rindo e falando todas ao mesmo tempo. Ele reconheceu algumas poucas, como Yukari e Nikaido, sentados um ao lado do outro, Yamabuki Saaya com suas lacaias, o avô de Hikaru, as duas stalkers loucas do dia anterior, o garotinho de óculos que vivia perseguindo Amu, e até mesmo seu tio Tsukasa estava ali. Todas as pessoas iriam vê-lo em poucos minutos, no palco.

Repentinamente, o pavor passou a tomar conta do pequeno Rei. Ele não estava mais tão seguro quanto às suas falas, parecia que todas haviam sumido da sua mente. Ele também não tinha certeza de que conseguiria convencer atuando, e sentia seu corpo paralisado estremecer por inteiro, absolutamente gelado.

— Está tudo bem, Hotori-kun – ele sentiu a mão cálida pousar em seus ombros, e mais do que imediatamente, o calor e a calma de Nagihiko invadiram seu corpo. Ele relaxou, enternecendo-se até que finalmente conseguiu largar a cortina e virar o rosto. Lá estava seu amigo, sorrindo tranquilamente, enquanto o olhava com compreensão e carinho transbordando nos olhos âmbares. Sentiu seu pequeno coração vacilar, e borboletas revoaram-se em seu estômago, ao ver a figura resplandecente de Nagihiko a sua frente.

— F-fujisaki-kun... – foi a única coisa que ele foi capaz de dizer, em meio a tantas sensações desconcertantes que o afligiam. Decidido, ele sorriu, ao se lembrar do motivo pelo qual estava nesse lugar hoje. Apesar de se sentir incapaz, ele ainda queria dar o melhor de si, por causa daquela pessoa a sua frente, que tanto se esforçou para que a peça desse certo, e que estava sempre o incentivando e oferecendo ajuda. Era por ele que Tadase iria enfrentar seus temores e pôr-se a frente da plateia. Era tudo por Nagihiko, e ele tinha certeza de que valeria a pena – Eu estou bem, não se preocupe.

— Que bom – Nagihiko sorriu novamente – Se precisar de qualquer coisa, eu estou aqui. Apenas finja que somos só você e eu no palco, e esqueça o público – Sem querer, sua voz saiu feminina de novo, e ele levou as mãos à boca, de uma maneira absolutamente delicada, com ares de surpresa e repreensão.

 Tadase riu, achando aquela atitude absolutamente adorável e fofa. Ficou na ponta dos pés, inclinando-se sobre Nagihiko que parecia querer se concentrar para não cometer mais deslizes, e aproximou-se do seu ouvido.

— É bom ver você de novo, Fujisaki Nadeshiko-san – ele sussurrou, assoprando no ouvido de Nagihiko e sem saber, fazendo-o sentir-se trêmulo.

— Hotori-kun! Você não deveria... – Nagihiko balbuciou, chocado, e Tadase riu, culpado e travesso, parecendo uma criança que acaba de ser pega no flagra fazendo o que não deve.

— Ei! Tadase! – Yaya surgiu do camarim masculino, trazendo algo nas mãos – a Utau disse que você deveria trocar de sapatos, já que vai contracenar com o Nagi!

— Por que? – ele indagou, aceitando o par que a garota estendia a ele.

— Ora, por que você é baixinho, é claro. Esses sapatos tem um pouco de salto, então equilibrarão as coisas. E você, Nagi...

— Eu já sei, estou de pés descalços – ele mostrou os pés, abaixo do volumoso vestido. Tadase calçou os dois sapatos, que apertavam um pouco mas não eram de todo desconfortáveis, e logo sentiu-se mais imponente, pela primeira vez estando da mesma altura de Nagihiko. Era um pouco agradável poder olhá-lo na altura dos olhos.

— Um minuto!!! Todos vocês, falta apenas um minuto!!! Adiantem-se!! – Utau gritava. Todos se aproximaram, tensos e ansiosos pelo início – É agora! Todos vocês, deem o melhor de si! Tenho certeza de que nós conseguiremos! Algo a acrescentar, Diretor Nagi-kun?

— Apenas divirtam-se – ele disse, sorrindo, e fitando diretamente Tadase, que retribuiu. Todos assentiram, com os ânimos renovados e tomaram suas posições. As cortinas se abriram. O espetáculo estava começando.

Os holofotes se concentraram no palco, e a música de fundo iniciou-se. Os Shugo charas estavam fazendo bem a sua parte. A plateia ficou em silêncio, esperando.

Kukai adiantou-se, pois era o primeiro a surgir. Ele colocou-se em frente a sua bancada de narrador, ajeitou a gravata, pigarreou, e iniciou, com uma voz grave e aveludada que não era nada esperada.

— Era uma vez, uma linda menina. Branca de Neve era seu nome – ele disse, e nesse momento, a luz iluminou o local onde estava Nagihiko, esperando. Ele sentiu-se a vontade, no palco, mesmo com as luzes ofuscantes que mal o deixavam ver algo, ou com a certeza de ter pessoas o observando nesse momento. Aquele era o seu lugar. Sorriu, agindo como a princesa que deveria encenar, e fez tudo de acordo com o que havia escrito, tantas semanas atrás, com a imagem de Amu em seu lugar.

Olhou de relance, e logo percebeu o motivo de Kukai ter demorado um pouco mais do que deveria na próxima fala. Com a confusão de troca de atores e o batsu tama, o garoto havia esquecido os seus papéis, e estava completamente perdido. Desesperado, Nagihiko fez um discreto sinal com as mãos, esperando que alguém visse. Por sorte, Utau estava olhando para ele, dos bastidores, e captou o sinal. Ela sabia o que significava os dedos cruzados, na linguagem de códigos que eles tinham criado durante os ensaios da peça, para momentos como aquele. Pegou um pedaço qualquer de papel, e escreveu em letras grandes e visíveis, apontando direto para que Kukai pudesse ler. “IMPROVISE!” estava escrito, e Kukai, que percebeu a movimentação pela visão periférica, entendeu e assentiu, antes de continuar.

Era uma vez uma linda menina, Branca de neve era seu nome – ele repetiu, com voz firme e segura dessa vez, e manteve em mente que sua parte do texto era toda em rimas – Apesar de ser tão bela, ela costumava ter muita... muita fome.

Nagihiko sentiu todo o seu tão trabalhado roteiro sendo jogado em um liquidificador, e cruelmente solto ao vento logo depois, mas manteve-se impassível e resolveu se esforçar em retratar o que Kukai narrava.

Em um dia ensolarado, no bosque passeando, ela procurava o que comer, porém nada encontrando.

 Andou por muito tempo, achando que não havia mais esperança. E eis que surge um belo rapaz, por quem ela tomou muita confiança.

Tadase foi empurrado para dentro do palco, quase trombando com Nagihiko. Perdido, ele não sabia o que dizer. Estava completamente sem ideia do que fazer. Por que raios Kukai tinha que ter introduzido Tadase logo agora? Ele não deveria aparecer nessa parte!

Nagihiko notou o desespero de Tadase muito antes do que qualquer um fizesse. Mexeu os lábios, formando palavras, e Tadase entendeu, a tempo de não estragar a continuidade da cena. “Só você e eu” foi o que Nagihiko disse.

— Etto... o que uma jovem bonita como você faz aqui, na floresta, sozinha? – ele indagou, com a voz tomando mais segurança a cada palavra.

— Eu estava passeando, e de repente senti fome, então enquanto procurava por alimento, acabei me perdendo – Nagihiko respondeu, completamente tomado pelo espírito de Nadeshiko.

— E qual o seu nome? – Tadase tornou a perguntar, cada vez mais confortável. Era como uma brincadeira de criança, não havia nada de amedrontador. Sem precisar seguir o roteiro, ele sentia-se de certa forma, mais confiante para agir.

— Me chamo Branca de Neve.

— É um belo nome. Combina com você. Presumo que se deva ao fato de você possuir pele tão clara e pura – ele disse gentilmente, sorrindo, e levando as mãos até o rosto de Nagihiko, ou melhor, Nadeshiko. Ela corou furiosamente, recuando um passo, assustada. A plateia reagiu positivamente, soltando exclamações de agrado.

Naquele momento mágico, os dois jovens se apaixonaram. Porém havia alguém que não ficou nem um pouco contente com isso. A Rainha Má, madrasta da pequena Branca, ao perceber que a enteada tinha se apaixonado, entrou em rebuliço.

Com sua introdução, Rima adentrou ao palco, ainda trazendo consigo a xícara de chá. O lugar marcado com a Sala da Rainha foi iluminado, e ela sentou no suntuoso trono, fitando a todos com altivez.

A Rainha Má tinha certos problemas de alto-estima. Queria ser sempre a mais bela. Talvez essa notícia a deprima, mas... há muito tempo ela já não era.

A Rainha tinha consigo, um especial Espelho. Além de mostrar a ela tudo o que queria ver, ele também era bom com fofocas e conselhos.

Espelho, espelho meu, existe nesse reino, alguém mais bela do que eu?

— Suspende o chazinho, minha Rainha. A Branquinha cresceu rápido, e já está uma moça! Parece que ela andou arrumando um namoradinho e... eles ficam tãaaaao lindoooos juntooos!!! Ah, eu já to shippando!

 — Quieto, Espelho meu! Isso é um perigo! Garotas apaixonadas tendem a ficar mais bonitas... o que eu devo fazer?

Ó, minha Rainha! – Yaya surgiu atrás da moldura, muito lampeira com seu vestido – Sinto muito em ter que ser eu a lhe dar essa notícia. Porém, nesse momento, a Branca está cada vez mais se aproximando daquele rapaz lindo, que por acaso, é um Rei de terras distantes.

— Então eu peço que os vigie, para que eu saiba o que acontece. Se acontecer o infortúnio da Branca casar com um Rei, está claro que eu perderei o meu trono! Isso não pode ocorrer!

— Como quiser! – Yaya bateu continência, pronta para desaparecer.

— E na volta, trás mais chá!

Enquanto a Madrasta resmungava e tomava chá, Branca e o seu novo amado aproveitavam para namorar. – Kukai disse, e já estava tomando gosto por aquela coisa de falar por rimas, esquecendo-se completamente do roteiro original. A luz iluminou novamente o lado onde Nadeshiko e Tadase estavam, agora sentados no chão da “floresta”, parecendo que estavam fazendo um inocente piquenique – Muitos dias se passaram e ao saber que os dois haviam se aproximado, a Rainha ficou furiosa. Seu cérebro trabalhou rápido, e para separar os pombinhos, ela teve uma ideia ardilosa. Chamou a sua frente o mais rápido dos caçadores – Kairi entrou em cena, muito sério e concentrado, e ajoelhou-se a frente de Rima, como se estivesse recebendo ordens dela – e ordenou que ele desse um fim, em todos os seus temores.

A luz se apagou, e o cenário de floresta foi novamente iluminado.

— Princesa... agora já é a hora de nos despedirmos... o Sol se põe, e eu devo ir... nós iremos nos encontrar novamente amanhã? – Tadase indagou, com muita naturalidade, segurando as mãos de Nadeshiko entre as suas.

— Eu irei esperar por você – Nadeshiko respondeu timidamente, e lentamente, Tadase soltou suas mãos, despedindo-se e então escondeu-se atrás das cortinas, ainda um pouco anestesiado pela enxurrada de emoções que sentia.

Tão logo viu seu amado ir embora, e o Sol se escondeu no céu, Branca viu um ameaçador vulto se aproximando, e então, iniciou um escarcéu.

Quem está aí? – ela perguntou, cheia de medo na voz. De trás da árvore cenográfica, surgiu Kairi, apontando para ela um pequeno punhal – O q-que você quer comigo?

— Eu fui enviado para matá-la, por alguém que quer o seu fim, mas... eu sinto que não poderia fazer isso – Kairi disse o seu texto da maneira correta, do jeito que Nagihiko escreveu, embora não houvesse muita emoção em sua atuação – Você é tão linda, e parecia tão feliz com aquele garoto, há pouco... eu não posso acabar com uma existência tão pura. Vá para longe, Branca de Neve-san! A Rainha, sua madrasta, é quem quer sua morte, você deve fugir dela!

Nadeshiko exclamou, em sinal de pavor, e correu, segurando seu vestido nas mãos, na direção por onde Tadase havia ido antes. A luz se apagou, e novamente, Rima foi iluminada.

Depois de afugentar a assustada princesa, o caçador foi prestar contas à Rainha. Ele deu a ela um falso coração, e a malvada acabou engolindo essa ladainha.  – Kairi apareceu logo depois, entregando uma caixinha à Rima, que apenas assentiu, já com uma nova xícara de chá nas mãos - Porém, não demorou muito, o Espelho que era muito fofoqueiro, à ela contou o verdadeiro paradeiro.

Branca de Neve fugiu assustada, e perdeu-se na floresta. Depois de muito andar, sem rumo e sem descanso, ela deparou-se com uma pequena casinha, simples e modesta.

O cenário de floresta foi evidenciado novamente, e a casa dos anões foi colocada no palco. Nadeshiko avançou até ela, aparentando medo e desesperança, e bateu na porta.

Branca procurou por ajuda, sem saber quem ali morava. Bateu por muito tempo, gritando, mas não havia ninguém, e a porta estava trancada com trava. Ela perdeu as forças, e também as esperanças. Mas poucos segundos depois, viu sombras na floresta, do tamanho de crianças.

Nesse momento, os sete anões surgiram, andando em fila, com equipamentos de mineração nos ombros. Ikuto encerrava a fila, com notável mau humor, trazendo a toca na mão, e a barba postiça fora do rosto. Quando ele surgiu, a reação da plateia foi imediata. Todas as garotas presentes esboçaram alguma aprovação, algumas mais discretas que outras. As mais escandalosas, como Saaya, chegaram a levantar para gritar. Não era o mais convincente dos anões, mas aquela roupa justinha ajudava em algumas outras coisas. Ele apreciou a admiração das alunas, achando mais que merecida, e acenou para as suas mais novas fãs.

Aquela era a residência dos Sete Anões, e eles se surpreenderam a notar a incomum visita. A princesa contou a eles sua história, e todos aceitaram ajudar a jovem senhorita.

­— Ah, princesinha! Finalmente uma garota nessa casa! – Ikuto avançou contra Nadeshiko, aparentemente criando livremente o seu personagem – Diz aí, você sabe cozinhar?

— Eu sei... – Nadeshiko tentou se desvencilhar, incomodada.

— Ah, que bom, a gente pode sair um dia desses... eu conheço uma taverna, na beira da estrada, que tem um ótimo leitão assado...

— Obrigada... eu já tenho namorado... – Nadeshiko disse, indo para longe de Ikuto, que aparentemente havia se esquecido de que se tratava de um garoto, e se empolgou no personagem. Tadase, atrás das cortinas, por algum motivo sentiu algo agitar-se em seu peito ao ouvir Nagi dizer aquilo com tanta convicção, e mais ainda por saber que se referia a ele.

— Eu não sou ciumento – ele piscou um olho. As garotas da plateia se agitaram. Nagihiko arqueou uma sobrancelha, incrédulo.

Enquanto Branca se entendia com seus novos amigos, a Rainha descobriu que o caçador havia falhado. Depois de dar a ele um exemplar castigo, ela resolveu terminar o que havia começado.

Hunf! – Rima dizia, enquanto bebericava o chá. Ao fundo, ao lado da moldura do espelho, Kairi estava amordaçado e amarrado, provavelmente sofrendo seu castigo por ter falhado. Ideia de Yaya.  – Se eu tenho que fazer isso, é melhor fazer eu mesma.

Dizendo isso, ela se levantou de seu trono, abrindo um baú que estava ao lado, e tirando de lá uma enorme capa negra e uma cesta de vime. Na sua mão, havia uma brilhante, suculenta e obviamente feita de plástico, maçã. Vestiu a capa, ficando completamente encoberta e olhou para Yaya, através do espelho.

— Eu vou ir pessoalmente esmagar aquela baratinha inconveniente da Neve. Cuida da casa enquanto eu estou fora!

— Haai! – Yaya assentiu, animadamente, e viu Rima sumir pelo lado oposto do palco.

Enquanto isso, do outro lado do palco, Nadeshiko calmamente varria o lugar na frente da cabana. Ao redor dela, se reuniam os anões. Ikuto já estava deitado, quase dormindo escorado na árvore mais próxima, com o capuz cobrindo-lhe os olhos.

— Branca de Neve, nós todos temos que ir trabalhar. Você ficará bem aqui, sozinha? – Hikaru se aproximou e indagou, com perfeição, mas ainda um pouco travado.

— Claro que sim, estará tudo bem. Não tem como a Rainha saber que eu estou aqui – Nadeshiko recitou, sorrindo docemente.

— Mas... você parece tão triste ultimamente... tem certeza de que está tudo bem? – outro anãozinho, mais nervoso e trêmulo, indagou.

— Fala sério! – Ikuto resmungou, de olhos fechados – A garota acabou de fugir de casa por causa de uma tentativa de homicídio, da própria madrasta! O pai dela é um banana, não fez nada pra impedir! Ela corre o risco de ser capturada a qualquer momento, e com toda a certeza, essa Rainha colocou a cabeça dela à prêmio, e deve ter um monte de camponeses mortos de fome atrás dela, com foices e tochas. Sem falar na guarda real! A Rainha não deve ser idiota de vir ela mesma atrás da princesinha, quando pode mandar metade do reino persegui-la, enquanto espera muito bem lá no seu trono, tomando chá. E mais, a garota aqui está se escondendo num raio de barraco, no meio do mato, com uns pintores de rodapé como defensores. Eu sou o único que se salva nesse grupo, se não fosse por mim, a princesa com certeza já teria ido pra longe, por que eu sei que ela aprecia minha presença. Agora, sinceramente... a vida dessa garota é uma grande merd...

— Já chega! – Nadeshiko interrompeu-o, antes que ele continuasse com a depreciação à história – Como eu ia dizendo, querido amigo – ela virou-se para anão que fez a pergunta, inicialmente - Eu... sinto falta do meu querido princ.... Rei! O Rei encantado. Sinto falta dele. – ela acrescentou, num tom melancólico – é por isso que estou um pouco triste...

— Entendo... Hikaru perdeu-se no texto, mas não se deixou abalar – Nós temos que ir trabalhar, voltamos no fim da tarde. Vamos lá!

— Nós temos que trabalhar nas minas, agora, fique bem, Branca! – outro anão entoou, cheio de graça. Todos pegaram suas ferramentas, inclusive Ikuto, e formaram uma fila única.

— Eu vou, eu vou... trabalhar agora eu vou! Pararatimbum... parara... – Ikuto começou a cantar entusiasmado, balançando sua picareta em miniatura, mas foi severamente censurado por Hikaru, que cutucou suas costelas com a ponta da enxada que levava, e em silêncio, eles prosseguiram, marchando até sumir nas cortinas laterais.

Assim que se viu sozinha, no seu amado Branca começou a pensar. Mas logo que suspirou a primeira vez, ouviu ruídos de passos a se aproximar.

Rima surgiu pelo outro lado, encoberta pelo manto escuro e com a cesta cheia de maçãs na mão. Apenas seus cabelos dourados e volumosos eram visíveis em meio ao tecido.

— Posso ajudar? – Nadeshiko indagou, educadamente.

— Eu estava passando, e quando a vi, tão bela a suspirar, imaginei que talvez pudesse querer comprar maçãs. – Rima disse, falando meio encurvada, e com uma voz apreensiva.

— Sinto muito, eu não tenho dinheiro. – Nadeshiko lamentou, e Rima deu pequenos pulinhos estranhos.

— Mas essas são amostras grátis! Minha empresa quer divulgar esse produto, então se você pudesse apenas provar, eu agradeceria – Rima insistiu, pegando a mação do topo, que era a única de verdade ali, e estendendo para Nadeshiko.

— Eu não posso aceitar. Estou fazendo uma dieta com os anões, eles precisam emagrecer e...

— Pega logo essa porcaria de maçã! – Rima gritou, empurrando a maçã na direção da princesa, e saindo correndo desajeitadamente pelo lado oposto ao que deveria logo depois.

— O q-que você... está fazendo…?

— Preciso de um banheiro! – Rima deixou escapar, em desabalada corrida pelo palco, deixando cair a cesta no chão e se enroscando na capa – Tomei muito chá…!

Nadeshiko viu a Rainha sumir pelo corredor oposto, fitando-a atônita, então recuperou o foco e fitou a vermelha maçã em suas mãos.

Branca era muito inocente, e de nada desconfiou. A maçã era tão atraente... sem pensar suas vezes, ela a devorou. Logo na primeira mordida, no entanto, a princesa sentiu seu mundo girar, e caiu desmaiada pelo encanto.

Nadeshiko fez como Kukai narrou, e mordeu a maçã, caindo desfalecida logo depois. Ela foi tão verossímil que toda a plateia reagiu de volta, e Tadase, que a tudo assistia dos bastidores, teve o ímpeto de sair correndo para ajudá-la, percebendo a tempo de que se tratava de uma atuação. Ela permaneceu imóvel, caída no chão, e deixou a maçã mordida rolar pela sua mão, lentamente.


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Notas finais do capítulo

Yaa~hooo Shiroyuki desu~
//desvia das pedradas
Haaai, eu seei que o capítulo demorou eras u_u maaaaas eu tenho muitos motivos!! Um deles é que o capítulo ficou enoooooooooooooooooooooorme, muito maior do que o planejado, e com toda a certeza, o maior que eu já escrevi. Então, por motivos bem óbvios, eu dividi ele em dois! E espero review em ambos te~hee *apanha muito*
Outro motivo para a demora foi a minha atribulada vida [???] fim de semestre, trabalhos finais, lolitas que tomam chá, potes de sorvete malditos, libélulas loucas que pareciam cenas de lemon, provas, whatever... eu fiquei mesmo sem tempo... gomen nee... mas agora vocês tem um capítulo duplo, enorme de grande~ que deu um trabalhão pra fazer, mas eu acho que o resultado foi bom...
Agora, o mais importante (e ninguém deve estar lendo essa budega aqui -.-) Eu fiz um desenho do Nagi Branca de Neve~ até pintei... mas a falta de um scaner ou de pelo menos uma câmera decente me obrigou a usar o celular para tirar foto, ou seja, ficou uma merd# #oda... enfim, acho que dá pra ver alguma coisa ainda assim, tá aqui o link:
http://shiroyuki-desu.tumblr.com/post/26219806197
Agora~ corram até o próximo capítulo *u*
kisuu~



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