Yakusoku escrita por teffy-chan, Shiroyuki


Capítulo 20
Capítulo 20 - Itsumo soba ni


Notas iniciais do capítulo

Itsumo soba ni - Kirii Daisuke
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O sol brilhava forte, e um clima mais ameno começava a se instalar. Aos poucos, os botões de flores iam surgindo, acordando de um intenso inverno para o renascer da primavera. Os pássaros cantavam, as borboletas flutuavam, as árvores cintilavam em verde-vivo e brilhante, as pessoas passeavam pelas praças com seus cachorrinhos... tudo parecia perfeito, como em uma pintura.

Da mesma forma, o mês de março iniciou-se agitado na Escola Seiyo.  Um novo período estava para se iniciar, e havia muitos assuntos a serem resolvidos na escola. Os guardiões estavam no Royal Garden, como sempre, e se mantinham alheios ao lindo dia que cintilava do lado de fora, mais ocupados do que nunca. Para eles, o início do ano letivo também significava o início das tarefas burocráticas e chatas de guardião.

Excepcionalmente hoje, ainda não haviam preparado o chá da tarde, para se concentrar nos afazeres mais urgentes. Tadase, de pé em frente à mesa branca, e rodeado de papéis, ditava a pauta do dia, que deveria ser discutida entre todos. Yaya estava muito entediada, e com a cabeça deitada sobre a mesa recusava-se a ouvir qualquer coisa que o Rei tivesse a dizer, como forma de protesto por não poder brincar. Rima não ficava atrás, e estava aborrecida ao ponto de nem mesmo olhar na direção do loiro, estupefata pelo fato de terem suspendido o chá no Royal Garden até o fim da reunião. Amu terminava de carimbar alguns papéis, e como Yaya e Rima recusavam-se a fazer qualquer coisa, ela tinha o triplo de trabalho. Nagihiko era o único que de fato prestava atenção em Tadase, e discutia com ele os assuntos pendentes da escola, para que chegassem a uma solução e terminassem aquilo o quanto antes. Ele havia acabado de sair do treino de basquete, e sentia-se renovado depois do banho rápido no vestiário. Estar fazendo parte de um time, poder dar o máximo de si enquanto jogava, sem ter que precisar se conter... isso era incrivelmente recompensador! Nagihiko sentia que podia fazer qualquer coisa agora.

— Muito bem... então está resolvido. O Clube de Culinária ficará com a cozinha principal nas quartas e sextas, e o Clube de Cerimônia do Chá poderá usá-la nas terças. – Tadase encerrou aquele assunto, assinando o documento e o passando para Amu carimbar –  Certo... o próximo tópico é... o Festival Escolar. Todas as turmas e os clubes já informaram as suas propostas?

— Sim – Nagihiko respondeu, puxando algumas pastas da pilha – Aqui está, as turmas já votaram e escolheram o que irão fazer. Todas as fichas de inscrição estão aqui. Nós só temos que organizar e dividir as salas, além de preparar os materiais e suprimentos que serão necessários, assim que nos enviarem as listas. – ele entregou os papéis a Tadase, que os leu rapidamente, e então acenou.

— Eu acho que está tudo bem então... o próximo assunto é...

— Como assim tudo bem?! – Yaya bradou, indignada, acordando do seu estado de birra forçada – As turmas já decidiram o que vão fazer, mas e nós? Os guardiões ainda não se prepararam!

— Do que está falando, Yaya? – Amu inquiriu, querendo arrumar uma desculpa para descansar um pouco, e vendo na confusão armada pela Ás, uma saída perfeita.

— Nós somos os guardiões da Escola Seiyo! – ela animou-se, subindo na cadeira para discursar – Nós temos que fazer alguma coisa para deixar nossos nomes na história!

— Yaya tem razão. – Rima disse, sobressaltando a todos. – Nós somos os guardiões, a inspiração para essas pobres almas perdidas da escola. É claro que devemos dar aos mortais uma performance digna, é o mínimo esperado da realeza.

— Sim, sim! A Rainha tem razão! – Kiseki concordou veementemente, quase emocionado – Os guardiões devem dar aos seus plebeus um vislumbre de sua magnificência, para inspirar seus corações!

Nagihiko sentiu uma enorme gota descendo pela cabeça. Onde foi que aqueles três arrumaram tanto entusiasmo? Será que a falta de chá e biscoitos estava afetando o funcionamento do cérebro de Rima, Yaya e Kiseki?

— E além do mais... – Yaya diminuiu o ritmo repentinamente, fitando o chão – Esse é o último ano de vocês aqui, na escola. Logo todos irão se formar, e a Yaya vai ficar sozinha...

— Ah, tudo bem! – Tadase se apressou em dizer, temeroso de que Yaya pudesse começar a chorar – O que vocês sugerem que os guardiões façam no Festival?

— A dominação mundial, é claro! – Kiseki bradou confiante.

— É um Festival Cultural, Kiseki! – Tadase lembrou-o. Indignado com a falta de apoio pela sua ideia, Kiseki deu as costas para seu dono, e liderou os Shugo Charas remanescentes até o canto mais afastado da estufa, afim de discutir com eles seu plano perfeito. Ao menos entre os Charas, ele tinha plateia. Não que fosse uma plateia muito entusiasmada, de fato.

— Eu sugiro uma Casa de Chá. – Rima levantou a mão e disse, inexpressivamente, mas com muita convicção.

— Eu não acho que seria possível, Rima-chan – Nagihiko argumentou cuidadosamente – Nossa classe já irá fazer um Café, são coisas muito parecidas. E além do mais, eu acho que você em uma casa de chá pode ser um prejuízo maior do que o esperado.

Rima virou o rosto, bufando irritadamente.

— Então... nós podemos fazer um bazar, que tal? – Amu sugeriu.

— A turma da Yaya vai fazer isso! – Yaya interrompeu-a –  E é tãaaaao sem gracinha! Nem precisa de muita gente, só tem que ficar vendendo! Yaya queria fazer alguma coisa legal, com diversão e roupas fofas!

— Nós podemos fazer algo assim então...  – Tadase se esforçou, querendo agradar a todos – Algo com roupas diferentes, como a Yuiki-san sugeriu. Uma loja de aluguel de cosplays, talvez... ou um estúdio de fotos...

— Waa!!!! Yaya teve uma ideia! Uma ideia ótima! – a Ás berrou repentinamente, pulando em cima da cadeira, com o braço levantado no alto. Nagihiko sentiu um estranho calafrio na espinha, com aquelas palavras. Considerando a sua experiência, “Yaya teve uma ideia” nunca era uma frase boa de ser ouvida.

— Qual a sua ideia, Yaya? – Amu indagou, segurando a cadeira para que a Ás não se esborrachasse direto com a cara no chão, naquele nível de animação lá no alto.

— Nós podemos fazer... – ela fez um indício de suspense, avaliando a reação da sua plateia – ...UMA PEÇA DE TEATRO! O que acham??? Com uma história bonita, de contos de fadas! Roupas fofas, de princesa! E todos nós podemos atuar! Isso ia ser perfeito! E nós temos o Tadase! Não há ninguém melhor que ele nessa escola para o papel de príncipe...

— PRÍNCIPE?! Você disse príncipe?! – Tadase se ergueu em frente a mesa, com a característica coroa dourada sobre a cabeça. – Como ousa comparar a minha real pessoa com algo tão indigno quanto um príncipe?? Eu sou um Rei! Ouviu bem? Um REI! E você, Ás insubordinada, trate de descer já dessa cadeira! Eu não aceito que haja ninguém acima de mim, em hipótese alguma.

— Tudo bem, majestade – Yaya murmurou a contragosto, descendo da cadeira – Mas... Sua Majestade gostou da ideia da Yaya não é?  - ela se empolgou, fazendo amplos gestos com as mãos para ilustrar o que dizia – Imagina só, um Rei como você, atuando no papel principal, com todos reverenciando a sua “majestadecidade”!

— Tem razão, Ás! – Tadase exclamou, admirado – Seria um grande salto rumo ao meu reinado. Primeiro os palcos, e então.... todo o mundo! – ele riu megalomaniacamente, apoiando o pé na cadeira para então gargalhar com ainda mais vontade.

— Certo, Meu Rei... – Nagihiko já era especialista em lidar com o Chara Change de Tadase, e decidiu que era hora de acabar com aquilo antes que ele se empolgasse demais e acabasse depressivo em um cantinho, como sempre – Quer mesmo fazer uma peça de teatro no Festival?

— Claro que quero! E você valete, é meu braço direito! Irá apoiar todas as minhas vontades! Meus súditos merecem ver o seu Rei esbanjando talento em cima do palco. Os holofotes me chamam! Eu fui feito para isso!

— Então está decidido. Depois disso, não há volta, você sabe disso, não sabe? – Nagihiko arriscou mais uma vez.

— Obviamente! Acaso está duvidando das decisões do seu soberano, Valete?

— Não, claro que não – Nagihiko negou, sabendo que era impossível discutir com Tadase naquele estado – Faremos uma peça de teatro, como quiser.

— Yeeeey!!!! – Yaya comemorou, dançando até o lugar onde Tadase estava – Obrigada, Majestade! – ela abraçou o loiro pelo pescoço, arrastando-o na sua dança da comemoração – Eu sabia que a Yaya ia conseguir! Essa vai ser a melhor peça de todos os tempos.

— Não me diga que... a Yaya fez o Tadase entrar no Chara Change de propósito para que ele aceitasse a sua ideia? – Nagihiko murmurou incrédulo, vendo Yaya pular pelo Royal Garden, arrastando Tadase consigo.

— Nossa Ás é muito esperta – Rima observou com indiferença, tomando um gole de chá.

— Eto... Rima-chan...?

— Sim?

— Onde você arrumou esse chá?

-

Depois de retornar ao normal, Tadase entrou no seu estado de depressão pós-Chara Change usual, desculpando-se pela sua grosseria, embora isso nem mesmo fosse necessário a essa altura, em que todos já estavam mais do que acostumados com os ataques do Rei. Porém, agora, ele tinha mais um motivo para se encolher num cantinho escuro, cultivando cogumelos. Graças à manipulação da Ás e ao seu ego enormemente grande quando no Chara Change, ele era personagem principal de uma peça de teatro, e estava se sentindo tão inseguro e envergonhado que nem mesmo conseguia se posicionar contra, ou pedir para se retirar.

A animação de Yaya já contagiara a todos, de maneiras distintas, e logo estavam discutindo ideias e sugestões para a peça. Até mesmo os Shugo Charas apareceram para dar seus palpites. Miki era a mais animada de todos, fazendo exaltações à arte. Nagihiko, que já tinha certa experiência com teatro, organizou a confusão, dizendo a todos que seria melhor prepararem-se com tempo e calma, se reunindo em outro dia para combinar os detalhes. Acabou sendo decidido que eles se reuniriam no dia seguinte, sábado, no auditório da escola, onde eram feitos esses tipos de espetáculos normalmente.

Assim que isso fora devidamente combinado, ninguém mais via motivos para continuar no Royal Garden, nem aguentavam mais ver papéis, petições, autorizações e todo o resto nas suas frentes, e antes que Nagihiko resolvesse colocá-las no trabalho de novo, as garotas foram para casa, conversando animadamente sobre qual a história que gostariam de encenar.

— Hmm.. Hotori-kun... – Nagihiko, depois de guardar todos os documentos em seus devidos lugares, chamou por Tadase, que continuava encolhido no canto escuro atrás dos grandes vasos de flores – Está tudo bem?

Tadase ergueu seus grandes olhos de rubi na direção de Nagihiko, que sentiu seu coração dando um salto incômodo no peito. Ele parecia prestes a chorar, com um beicinho nada maduro e o rosto muito vermelho.

— Fujisaki-kun... – ele balbuciou, trêmulo – Eu... eu vou ter que atuar... Eu não sei se consigo... isso é tão constrangedor...

Nagihiko sorriu, solidário com a preocupação do amigo. Ele estava irresistivelmente adorável daquela forma, mas o valete tinha que ajudá-lo a se recuperar o quanto antes.

— Levante-se Hotori-kun. – Nagihiko ajudou o menor a levantar, pensando no que seria melhor dizer nessa hora – Não há com o que se preocupar, você só tem que seguir o texto da peça...

— Mas... vai haver tantas pessoas olhando... – Tadase desviou o olhar, parecendo um pequeno cachorrinho perdido na chuva. Nagihiko novamente teve o impulso de abraçá-lo, tão forte quanto pudesse. Era covardia ele ser assim tão fofo. – E se eu errar? E se eu não conseguir decorar?

— É como quando você faz seus discursos para a escola, Hotori-kun, não há diferença. Você só tem que falar, e as pessoas irão ouvi-lo, isso é tudo.

— Eu faço os discursos com Chara Change, é por isso que é tão fácil. – Tadase explicou – Se eu tivesse que fazê-los sozinho, eu não seria capaz. Acho que iria gaguejar e errar tudo... não gosto de falar em público... – ele admitiu, juntando as mãos nervosamente – E eu sinto que se fizesse Chara Change para algo como uma peça, não daria certo...

— Bem... deu para ter uma ideia do que aconteceria com esse seu surto de ator agora há pouco... – Nagihiko divagou por alguns segundos, imaginando – Mas eu irei ajudar você, Hotori-kun! Você sabe, eu tenho muita experiência como ator, e já fiz algumas peças. Eu irei ajudá-lo em tudo, não há motivos para se preocupar. Eu estarei do seu lado, o tempo todo.

— Fujisaki-kun! – Tadase exclamou, admirado. Sorriu realmente grato, segurando entre as suas mãos as de Nagihiko, que sobressaltou com o toque inesperado – Eu não sei o que seria de mim sem você. Muito obrigado! Eu prometo que irei me esforçar para que dê tudo certo!

— Eu tenho certeza que sim – Nagihiko sorriu de volta, corando, e sentindo o calor da pele de Tadase irradiando na sua. Seu estômago se agitou, com borboletas impacientes no seu interior. Sentiu-se derretendo como um sorvete ao sol, ao fitar o caloroso sorriso de Tadase. Aquilo era agradável demais, confortável demais. Mas ele sabia que assim que se afastasse, desejaria poder ter mais disso, e seria quase insuportável. Era sempre assim, não era? Nagihiko já estava acostumado.

-

Sábado de manhã, no auditório da Escola Seiyo, os guardiões se reuniriam. O dia estava tão ensolarado quando o anterior fora, mas a temperatura amena e agradável facilitava tudo. Nagihiko foi o primeiro a chegar, abrindo o grande salão de eventos, e deixando que a luz de fora iluminasse o espaço, completamente escuro e fechado. Vestia roupas causais, considerando que não era um dia de aulas, e se esforçou para não se preocupar com a vestimenta, ainda que fosse um traço latente e inconsciente da sua personalidade. Rythm o acompanhava, curioso para saber como funcionava uma peça de teatro. Parecia quase impaciente, ao adentrar o lugar vazio, voando imediatamente até a frente.

 Ao entrar, o garoto viu as cadeiras de veludo vermelho enfileiradas, perfeitamente alinhadas pelo piso inclinado até o palco de madeira escura, que se erguia suntuoso a frente de tudo, com as cortinas pesadas de um vermelho escuro emoldurando-o. Já fazia muito tempo desde que ele esteve ali.

Há anos atrás, Nadeshiko fazia apresentações de dança na escola, à pedido de Tsukasa, um velho amigo da sua família. E já havia encenado algumas peças, amadoras e sem muito público, naquele mesmo palco. As lembranças, todas da sua época como Nadeshiko, o inundaram, enquanto ele se adiantava até o estrado, sentando na beirada para esperar os outros. Sentiu mais uma vez aquele cheiro de madeira, tecido, pó e nervosismo, completamente familiarizado. Nagihiko amava o teatro. Era somente mais uma coisa que o fazia ser quem era, e estar novamente naquele lugar tão familiar era reconfortante. Nagihiko passou a sua vida inteira atuando, fingindo, enganando. Era apenas natural que ele tivesse afinidade com o teatro. Durante seu tempo na Europa, ele viu muitas peças, e ficou entusiasmado com as possibilidades. Se não fosse o compromisso com a dança de sua família, ele teria se dedicado ao teatro com mais afinco.

Sorriu para si mesmo, pensando repentinamente que a ideia de Yaya era genial. Ele estava mesmo com vontade de fazer algo, além do basquete, para distrair sua mente. Estar perto de Tadase tornava-se cada dia mais desconcertante, ainda mais com ele sempre chegando tão perto, e o tocando despreocupadamente. Era sufocante estar perto dele todos os dias sem poder dizer o que sentia, sem poder tocá-lo como queria...

Antes que o jovem ator percebesse, mais alguém adentrou o lugar, silenciosamente como um gato. Era Tadase, acompanhado de Kiseki, que andou pelo corredor inclinado até quase a terceira fileira, quando notou a figura solitária na beira do palco. Fitou-o, em dúvida se deveria chama-lo ou não. Nagihiko parecia tão perdido em pensamentos que Tadase achou melhor que despertasse sozinho. Fez sinal para que Kiseki permanecesse em silêncio, e observou-o, sem conseguir desviar os olhos dele nem por um segundo.

Kiseki notou a observação silenciosa de seu dono, e lembrou-se das palavras de Rythm e Eru. Seria possível que eles estivessem certos? O Rei dos Charas havia prometido uma resposta a eles, porém, não conseguia concluir nada ao ver Tadase fitando com tanta atenção o valete. Seria mais fácil se ele simplesmente lhe contasse o que sentia, embora fosse óbvio para o pequeno Chara que a confusão no coração do seu dono indicava que nem mesmo ele sabia sobre seus sentimentos. O jeito era esperar mais algum tempo, até que houvesse uma constatação efetiva, que eliminasse quaisquer dúvidas.

O loiro persistiu em sua análise minuciosa. Percebeu que os olhos cor de mel estavam vazios, distantes, e olhavam para o teto fixamente, sem dar qualquer sinal de quais seriam os seus reais pensamentos. Tadase desejou ardentemente saber o que se passava pela cabeça do seu amigo naquele momento. Inconsciente, deu um passo na sua direção, mirando-o com mais atenção. Ele parecia tão irreal, no escuro do anfiteatro, iluminado pela meia-luz tênue que passava pelas cortinas escuras do alto. Tadase teve vontade de tocá-lo, apenas para constatar de que era mais do que uma ilusão. Sentado na borda do palco, com uma das pernas suspensa e a outra dobrada, e com o braço apoiado sobre o joelho, vestia uma bermuda simples, preta, tênis também escuros, e uma camiseta branca. Os cabelos soltos, longos e sedosos, até a cintura. Inteiramente normal, e ao mesmo tempo, absolutamente fascinante. Naquele instante, Tadase teve a perfeita compreensão de que Fujisaki era, acima de tudo, um garoto. Não havia nada naquele semblante que lembrasse uma garota suave e amável como Nadeshiko. E no entanto, ele tinha certeza de que ela estava lá dentro, bem no fundo, e nunca desapareceria por completo.

O garoto suspirou pesadamente, e o rei notou a tristeza que transpassava pelos seus olhos. Decidiu que seria melhor se anunciar, apenas para tirar aquelas feições aflitas do rosto sempre gentil de Nagihiko. Tadase não gostava de vê-lo daquele jeito.

— Fujisaki-kun, bom dia. – a voz que embalava os pensamentos de Nagihiko ecoou por todo o salão, fazendo o coração dele se sobressaltar. O garoto virou-se, vendo Tadase sorrindo para ele do corredor.

—  Bom dia, Hotori-kun. Eu acabei chegando cedo... – ele falou, vendo que o olhar de Tadase estava estranhamente parado – Está tudo bem?

— Anh? Ah, sim, está sim! – ele respondeu apressadamente, desviando o olhar da sua observação atenta. Não era de bom tom ficar encarando as pessoas daquela maneira, ele sabia, ainda que fosse o seu melhor amigo. O estranho era que Tadase simplesmente não conseguia parar de olhá-lo.

Confuso, o loiro decidiu juntar-se à Nagihiko, no alto. Procurou por uma escada, mas não encontrou nada.

— Não há escadas na parte da frente, Hotori-kun – Nagihiko informou – Você tem que fazer a volta, ou então, escalar.

— Ah, claro. – Tadase riu, sentindo-se patético. Avançou contra o tablado, apoiando-se nas mãos e preparando-se para subir. Fez força, com seus braços mirrados, e colocou a língua para fora, como se isso fosse ajudar em alguma coisa. Depois de alguns segundos de elevação, ele caiu sentado e exausto no chão de carpete da parte de baixo. Nagihiko riu, erguendo-se acima, e estendendo a mão na direção do loiro.

— Eu ajudo você, venha. – Nagihiko chamou, inclinando-se para baixo. Tadase levantou-se, desajeitado, e sorriu sem graça para o amigo, acanhado pelo seu modo de agir vergonhoso.

Aceitou as mãos que o valete estendia, segurando-a com força e sentindo-se inexplicavelmente agitado. As mãos de Nagihiko eram cálidas e gentis, e Tadase gostava daquele toque, fazia-o sentir-se imediatamente mais seguro e confortável. Nagihiko fez força, alçando o corpo do menor para cima, e Tadase conseguiu elevar-se, apoiando os pés na beira do palco. Com o movimento repentino, perdeu o equilíbrio, e sentiu seu pé escapar para o vazio. Como reflexo, agarrou-se na camiseta de Nagihiko, e sentiu o braço dele enlaçando sua cintura, impedindo sua queda. Os dois se encararam, aquietados pelo inesperado susto.

Rythm, que surgiu nesse momento, depois de explorar todos os cantos do lugar, sobressaltou ao ver os dois garotos abraçados, e correu até onde eles estavam e arrastou Kiseki para trás, antes que ele interrompesse ou fizesse qualquer coisa, e em silêncio, os dois observaram.

— O-obrigado, Fujisaki-kun... – Tadase vacilou, corando com a proximidade imprevista, a visão focada nos olhos apreensivos e protetores do garoto – Parece que você está sempre me salvando, não é?

— Está tudo bem? Você não se machucou não é? – Nagihiko indagou, inquieto, soltando Tadase do seu abraço protetor para vê-lo melhor.

— Está sim! – Tadase respondeu, sorrindo – Por que você me ajudou, de novo. Como sempre... – ele divagou, lembrando de todas as vezes em que teve Nagihiko ao seu lado para apoia-lo. Nagihiko entreabriu a boca, surpreso, e incapaz de articular qualquer frase com sentido.

— H-hotori-kun...

Antes que Nagihiko pudesse responder alguma coisa, a porta do pavilhão abriu-se ainda mais, gemendo no ruído característico de lugares antigos. Amu surgiu no portal, entrecortada pela luz do dia, e desceu na direção dos dois garotos, apressadamente. Suas Shugo Charas a acompanhavam, uma mais escandalosa que a outra, exclamando e comemorando, ansiosas pela agitação que se seguiria. Nagihiko afastou-se meio passo de Tadase, incomodado.

— Aah, Hotori-kun já chegou! E você também, Nagihiko. O que vocês estavam fazendo?

— Eu acabei de chegar... Fujisaki-kun estava me ajudando a subir no palco. Venha aqui que nós ajudamos você também. – Tadase explicou, e estendeu a mão prestativamente na direção da coringa, que corou, caminhando na direção do loiro.

— Eu acho melhor a Amu-chan fazer a volta – Nagihiko, disfarçando sua súbita irritação com a presença da rosada, entrecortou o gesto, apontando para o outro do lado do palco, onde era possível ver a entrada dos bastidores – É perigoso, e você mesmo já caiu, Hotori-kun...

— Ah, tem razão... – Tadase recolheu a mão, e Amu olhou de um para o outro, confusa.

— Eu farei a volta então... – ela disse rapidamente, correndo na direção que Nagihiko indicou. Logo depois, surgiu do fundo do palco, andando na direção dos dois garotos – Está escuro aqui – ela observou, olhando atentamente ao redor.

Nagihiko foi até a parede mais próxima, e ligou o interruptor. Lentamente, as luzes foram se acendendo, algumas piscando e outras demorando a responder, e gradualmente, todo o anfiteatro se iluminou em um tom flamejante que lembrava a luz de velas. Tadase fitou por inteiro o teatro que se levantava a sua frente, algo como uma pedra se afundou em seu estômago. No dia do festival, cada uma daquelas cadeiras vermelhas teria uma pessoa, e cada pessoa teria dois olhos, prontos para observá-lo atentamente, julgando e analisando cada ação. Ele suou frio, diante dessa constatação. Não estava pronto para estrear nos palcos, e aparecer na frente de toda essa gente, não importava o quanto o seu eu no Chara Change dissesse o contrário.

— Está tudo bem, Hotori-kun – Nagihiko notou o desconforto do amigo, e sussurrou em seu ouvido, sem que Amu e os Charas, que nesse momento, procuravam pelos camarins, sem muito sucesso – Eu já disse, você não precisa ter medo. Eu estarei do seu lado o tempo todo.

— Eu sei disso, Fujisaki-kun... – Tadase sorriu, querendo transmitir um pouco de confiança – Eu tenho certeza de que você me ajudará. Eu só não sei se... eu sou capaz de conseguir...

— Você é sim! – Nagihiko se apressou em dizer, aflito – Essa peça será um sucesso, eu garanto. Todos juntos, conseguiremos isso. Não há com o que se preocupar, Hotori-kun, eu estou aqui para o que você precisar, e cuidarei de tudo. Se for preciso, nós ensaiaremos todos os dias, até que você se sinta confiante.

— Fujisaki-kun... – Tadase estava sem palavras frente à dedicação do amigo, emocionado – Muito obrigado. Eu... eu me esforçarei para me tornar um bom ator, farei o que for necessário – ele sorriu, ligeiramente mais determinado.

Não queria de modo algum parecer fraco e impotente na frente da pessoa que sempre o ajudou em tudo. Era errado estar sempre dependendo de Nagihiko dessa forma, ele queria mostrar a ele que era capaz de se esforçar e conseguir avançar por seus próprios méritos. Como ele poderia querer apoiar Nagihiko quando ele próprio precisava sempre recorrer à ele? Tadase queria mostrar que era forte o bastante para superar as dificuldades, para então, ajudar Nagihiko a superar as dele. Ele queria ser alguém capaz de ajudar seu melhor amigo, que parecia tão desamparado nos últimos tempos. E dessa forma, uma forte determinação cresceu em seu peito, tão intensa que até mesmo Kiseki foi capaz de senti-la. Tadase queria cuidar de Nagihiko, protegê-lo e ajudá-lo. Com esse objetivo em mente, ele sorriu, querendo tranquilizar o valete, que parecia tão preocupado.

Momentos depois, a porta se abriu novamente, revelando a figura animada de Yaya, que correu na direção do palco, seguida por uma não tão entusiasmada Rima, que avançava sem pressa, demonstrando toda a sua empolgação contagiante naquele passo vagaroso. Pepe e Kusu-kusu logo se juntaram aos outros Charas, que observavam a tudo com interesse.

— Yaa-hoo!! Yaya está aqui! – a Ás anunciou-se, com sua voz aguda ecoando pelas paredes do local, enquanto corria até a porta lateral e fazia a volta subir ao palco. Rima fez o mesmo, demorando um pouco mais até se aproximar dos outros.

— Ah, finalmente todos chegaram! – Amu entusiasmou-se – Por onde começamos?

— Acho que o natural seria começarmos escolhendo a peça, certo?

— Esperem um pouquinho! – Yaya pediu, levantando a mão energicamente no ar – A Yaya chamou reforços!

— Reforços? Por que? – Rima indagou.

— Olha só...  nós somos só cinco! A Yaya pensou que seria melhor ter mais gente! Vai ser muito mais divertido!

— Bom, acho que Yaya tem razão... – Nagihiko expôs sua opinião – Além de atores, nós precisamos de alguém para comandar e escrever a peça, alguém para os bastidores, luzes, som... enfim...

— Acho que chamar ajuda foi uma decisão acertada, então – Tadase concordou – Quem você chamou? – indagou, embora a resposta fosse facilmente deduzível.

— Eles já estão chegando! – ela apontou para a entrada, por onde surgiam duas figuras. Kukai e Kairi, os dois ex-valetes, se aproximavam. Os guardiões se surpreenderam com a estranha combinação, embora não fosse nenhuma surpresa a presença de Kukai. Ele passava tanto tempo no Royal Garden que já era contado como membro honorário, e certamente também seria para as atividades extracurriculares.

— Kairi! O que está fazendo aqui na cidade? – Amu exclamou, espantada, quando os viu perto do palco, preparando-se para subirem. Daichi e Musashi voaram até onde os Charas se reuniam.

— Minha escola está passando por reformas, então eu vim ajudar minha irmã com a agência – Kairi respondeu, assim que escalou o palco, logo depois de Kukai  - A Ás me ligou, por que soube através de Hoshina Utau que eu estaria aqui, e eu fui recrutado para ajudar com o festival escolar – ele encerrou, sem lamentar sua sorte. O fato era que Kairi havia sido moldado para obedecer ordens, era quase um instinto inconsciente.

— Hmm... temos mais duas pessoas para o elenco – Nagihiko explanou, mas eu sinto que ainda é pouco... dependendo do que nós escolhermos fazer, irá faltar pessoal. E ainda precisamos considerar coisas como o cenário, o figurino, o script...

— Você parece ter muito conhecimento sobre teatro, Nagihiko... – Amu observou, notando o quanto o garoto parecia confortável e desenvolto ao tratar do assunto.

— Eu já fiz aula de teatro, e... eu tenho muita experiência em representar, realmente... – adicionou em tom melancólico. Tadase reparou no olhar triste do amigo ao dizer aquilo, mas manteve-se em silêncio, sentindo um aperto aflito no peito, ao vê-lo. Mesmo Kukai e Rima, que eram os únicos além do loiro que sabiam a real conotação daquelas palavras, puderam perceber a dor que as acompanhava.

— Bom, você acha que nós temos que chamar mais alguém? – Yaya indagou em voz alta, acordando Nagihiko do estado de imersão.

— Ah, sim. Acho que seria bom... - Nagihiko respondeu, ainda um pouco entorpecido.

— Então não tem problema! A Yaya já deu um jeito nisso! – a garota sorriu animada. Assim que ela disse isso, vozes altas puderam ser ouvidas, da entrada.

— Eu te disse que era pra esse lado! As mulheres não tem o menor senso de localização mesmo!

— Eu não sei por que um espaço tão grande pra uma escola – bufou – E além do mais, eu estava indo na direção certa, você que me atrapalhou! Ah, olha lá, estão todos ali!

— Ah! Utau e Ikuto. Vocês aqui... – Nagihiko pronunciou – Por que será que eu não me surpreendo?

— Yoo, pirralhos! Eu vim aqui para ajudar, então é bom que sejam gratos! Quando é que vocês vão servir aquele chá? – Ikuto indagou, dando um salto preciso até acima do palco, e ajudando Utau a subir também. Yoru, Eru e Iru voaram até os outros charas, causando grande balburdia.

— Então, qual é a peça, hein? – Utau apressou-se em perguntar, agarrando Nagihiko pelo braço – Você é a personagem principal, não é, Nagi-kun?

— Calma! Nós não decidimos nada ainda – Nagihiko se desvencilhou do abraço da cantora, afastando-se de imediato.

— Ano nee... vamos logo decidir, ou não restará muito tempo! – Tadase interrompeu, andando até o lugar entre Nagihiko e Utau – Como faremos?

— Primeiro de tudo, vamos ficar confortáveis! – Ikuto se jogou sobre o chão de madeira, sendo pouco a pouco, imitado pelos outros.

Tadase olhou ao redor, vendo a configuração do círculo que se formou, com todos sentados. Havia algo de familiar naquela composição. Olhou para o lado, e viu Nagihiko, sentado e com um olhar determinado, claramente animado com a tarefa de organizar uma peça. Ficou feliz ao vê-lo entusiasmado com algo, e repentinamente, lembrou-se. Era parecido com a noite de Natal... era daquela mesma maneira que eles todos estavam, quando Nagihiko aproximou-se, com aqueles olhos tão atraentes, o palito doce na boca, e então...

— Hotori-kun! Você está sentindo-se bem? Está tão vermelho... – Amu preocupou-se

— O que? Ah, eu estou bem, estou bem! – ele se retratou, sorrindo tranquilizante, e então se dirigiu aos outros – Vamos logo decidir o que fazer... É melhor irmos anotando... – Tadase pensou consigo mesmo, pegando uma pequena agenda do bolso, bem como um lápis, e começou a escrever – Alguém tem alguma sugestão?

Rima foi a primeira a levantar a mão, com um semblante indiferente demais para alguém que tinha tido uma ideia tão rápido. Todos olharam para ela, e então, ela prosseguiu.

— Eu sugiro Alice no País das Maravilhas – ela disse, verificando a receptibilidade da sua proposta.

— Hmm... será que tem algo a ver com o Chá? – Nagihiko supôs, e pela reação ligeiramente surpresa da Rainha, ele estava certo – Certo, nós não podemos escolher a peça baseada apenas no seu vício por água fervida em ervas medicinais, Rima-chan.  – ele disse, mas mesmo assim, Tadase anotou a sugestão no caderno – Alguém tem outra ideia?

— A Yaya tem! – ela berrou, chamando a atenção – João e Maria! Sim! A Yaya quer uma casa toda feita de doces! Muitos e muitos doces!

— Você sabe que a casa seria feita de doces de mentira, nee Yaya? – Amu indagou, racionalmente.

— Aaah... Então não tem tanta graça... – ela resmungou, decepcionada. Tadase anotou a ideia, e prosseguiu, olhando ao redor.

— Eto... que tal se nós fizermos aquela história sobre o rei que compra um tecido mágico... as Novas Roupas do Imperador, ou algo assim – Amu sugeriu, titubeante.

— Hmm... isso pode ser interessante! E combinaria com o Hotori-kun no papel principal. Ele poderia até mesmo encenar no Chara Change, sem problemas – Nagihiko comentou, e Tadase corou ligeiramente, lembrando-se de que seria ele o personagem principal, não importando qual fosse a história.

— Peraí! Amu-chii!  - Yaya interrompeu, indignada – Você só disse isso por que quer ver o Tadase de roupas de baixo! É isso! Amu-chii é uma pervertida!

—D-de r-roupa de b-b-baixo?? – Tadase gaguejou, mal podendo acreditar. Nagihiko também se chocou, tentando ao máximo não ter essa imagem em sua mente.

— SIM! – Yaya berrava, fazendo tumulto – Na história, o Rei fica pelado, por que a roupa é de um tecido mágico, que na verdade nem existe, e ele desfila assim por toda a cidade, até que uma criança diz que o Rei está sem roupas! E a Amu quer que você desfile por aí com as suas cuequinhas samba-canção, aposto que quer!

— O QUE??? Yaya! Não diga besteiras!!!!! – Amu quase teve uma síncope, com o rosto tão vermelho quanto uma placa de “pare” – Eu não tinha pensado nessa parte da história! É melhor deixar essa ideia de lado, então!

— Vamos logo para a próxima ideia! – Nagihiko acabou com a confusão, assentando Yaya e Amu em seus lugares – Eu acho que poderíamos fazer algo mais clássico, como Branca de Neve por exemplo – ele disse, e Tadase anotou – Hotori-kun já concordou em ser o prín... quero dizer, o protagonista – ele se retratou, antes que estivessem diante de mais uma confusão, dessa vez causada pelo Chara Change do rei – então, acho que algo nessa linha seria o mais indicado.

— Certo... há outras sugestões? – Utau se pronunciou, depois de bastante tempo em silêncio, apenas assistindo de camarote a confusão anterior. Os Charas, depois de explorarem o teatro por inteiro, finalmente se aproximaram, e Kiseki, na frente de todos, parecia disposto a dar sua opinião.

— Eu pensei bastante no assunto, e acho que como Tadase participará da peça, nada mais justo do que colocá-lo em grande evidência, em um papel de destaque, como merece um Rei! E por isso, eu acredito que devem fazer O Rei Sapo, onde o herói é um Rei de verdade, e não uma princesinha dorminhoca ou qualquer coisa dessas – o pequeno Rei terminou de discursar, com muita altivez, e teve sua ideia anotada, com um pouco de relutância, por Tadase. Imaginou-se em uma enorme roupa de sapo, como uma pelúcia gigante, e decidiu que seria melhor sumir para sempre dentro de um guarda-roupa do que ter que enfrentar isso.

— Eu acho que... nós poderíamos fazer Chapeuzinho Vermelho – ele murmurou, vacilante – É uma história de Contos de Fadas... e não tem príncipe... – ele adicionou em voz baixa, a sua verdadeira razão para ter tido essa ideia.

— Nesse caso... – Yaya se pronunciou, atenta a cada palavra de Tadase – Você teria que ser a Chapeuzinho, Tadase! Não tem como escapar, você já concordou em ser o protagonista! – ela sorriu matreira, vendo o loiro se encolher. Nagihiko e Amu, ao mesmo tempo, coraram furiosamente, imaginando Hotori Tadase em um esvoaçante e rodado vestido, com a capa vermelha sobre a cabeça loira, combinando com as duas bochechas coradas e os olhos brilhantes. Ficaria perfeito!

— Não mesmo! Eu nunca deixaria Tadase fazer algo tão indigno quando o papel de uma reles camponesa! – Kiseki bradou, enfurecido.

— Quer dizer que você não se importa com o vestido, Kiseki ~nya? – Yoru atentou-se aos detalhes, rindo bastante.

— Isso está tudo errado! – Miki se adiantou, impedindo Kiseki de rebater a insinuação de Yoru – Vocês estão indo pelo caminho errado! Se estamos falando de teatro, é claro que a resposta é sempre Sheakespeare! Sempre! Hamlet, Romeu e Julieta, Macbeth! – ela discursava emocionada, e repentinamente, tirou uma caveira de dentro da bolsa azul – Ser ou não ser, eis a questão!

— Certo, Miki, já chega... – Amu recolheu a comovida atriz em miniatura, com uma gota na cabeça.

— Isso é um pouco avançado demais para nós... – Kukai concordou, movimentando-se – Eu acho que nós temos que fazer algo com mais... ação! Algo com Piratas!  Com lutas!

— Lutas! – Musashi, o chara de Kairi, se pronunciou, ajeitando os óculos – Obviamente, nós deveríamos nos espelharmos na histórias dos antigos samurais, que defenderam suas honras até o fim. Eu sugiro uma peça original que retrate a história do Shinsengumi!

— Não! – Rythm discordou, pondo-se a frente de Musashi – Nós precisamos de uma história com ritmo! Algo com esportes, yeei!

— Eu também acho! – Daichi se pronunciou – Com esportes! Talvez, um jogo de...

— Esperem! Nós vamos fazer uma peça de teatro, não uma partida! É claro que quando se fala em teatro, a melhor opção é sempre a comédia! – Kusu-kusu avançou contra os outros charas, dando pequenas cambalhotas.

— Você é boba! É claro que deveríamos fazer um suspense! Uma história de detetives! – Iru contrapôs, muito séria.

— Nós precisamos de algo com muito romance! – Eru cantarolou, esvoaçando ao redor deles – Uma inspiradora história de amor, capaz de arrancar suspiros até dos corações mais frios.

— Sim! Um romance! – Miki concordou, ainda nas mãos de Amu.

— Um romance, um romance! – Ran agitou seus pompons – Um romance com muita energia. Go, go, fight!

— Waaa... uma história de amor, desu~ – Suu suspirou, sonhadora, com seu rosto corado.

— Um romance cheio de brilho! – Dia concordou, sonhadora.

— A peça é dos guardiões, não de vocês! – Utau espantou os pequenos, vendo-os tão entusiasmados, se metendo na conversa – Eu concordo que deva ser uma história de amor, mas acredito que seria muito mais emocionante se fosse um musical! Talvez de algo como Bela Adormecida, Rapunzel ou Cinderella.

— Não, não! Eu acho que deveria ser feito O Gato de Botas. Tem muito mais apelo com o público – Ikuto se posicionou, decidido.

— Também acho! Gato de Botas ~nya! E deveria ser distribuído taiyaki e peixe assado para todos ~nya! – Yoru assentiu, muito animado com a ideia.

— Eu sou da opinião de que o sucesso está nos clássicos – Kairi se prontificou, com um certo brilho nos óculos – Nada mais certeiro do que uma peça tradicional, de teatro Kabuki.

— Não! Isso é muito chato! – Kusu-kusu se intrometeu – Nós temos que fazer uma comédia! Fazer as pessoas rirem!

— Eu acho que deveríamos fazer um musical! – Utau rebateu.

— Não mesmo, eu já disse, Gato de Botas é muito melhor! – Ikuto disse, convencido.

— Eu acho que Alice é mais interessante – Rima pronunciou, presunçosa.

— Deixem de ser bobos! A Yaya foi quem teve a ideia, a Yaya que vai decidir!

— Não há o que discutir, Shakespeare é a fonte de inspiração que devemos tomar como ponto de partida! – Miki se libertou das mãos de Amu, e começou a revoar por todos os lados.

— Romance! O amor está no ar! A Eru está sentindo! – a pequena anjinha cantarolou.

— Você é uma idiota! – Iru empurrou Eru para o lado – É claro que isso nunca daria certo!

— Teatro Kabuki... – Kairi iniciou um discurso, que prometia ser longo, mesmo que todos estivessem ocupados demais em discutir para ouví-lo.

— Acho que Piratas ainda são melhores... – Kukai bradava, expondo sua opinião.

— Isso aqui acabou virando uma grande bagunça... – Tadase comentou, vendo que acabaram todos falando ao mesmo tempo, cada um defendendo sua ideia.

— Tem razão... – Nagihiko concordou – acho melhor fazermos logo um sorteio, o que acha, Hotori-kun?

— Acho que é a melhor opção. – Tadase rasgou a folha da agenda, separando cada opção em pequenos papéis e os dobrando cuidadosamente. Enquanto isso, Nagihiko tentava acalmar os ânimos do seu elenco exaltado, fazendo-os pararem de discutir e voltarem aos seus lugares.

Os papéis foram colocados na boina preta que Amu usava, e chacoalhados, assim que a calma foi reestabelecida. Com certa apreensão, Tadase tirou um dos papéis, e o leu em voz alta.

— Branca de neve – ele disse, com certo alívio. Pelo menos, não precisaria usar o vestido e a capa vermelha, uma roupa de sapo gigante, ou pior, apenas cuecas.

— Certo, então vai ser isso! – Utau bradou, com certa animação.

— A Yaya gostou!

— Acho que poderemos fazer um bom trabalho com essa base... – Kairi divagou.

— É um pouco simplista demais, mas acho que tem seu charme – Miki admitiu, cruzando os bracinhos.

— Você devia deixar de ser tão metida, Miki! – Amu recolheu novamente sua chara, muito nervosa.

— Certo, será Branca de Neve! – Utau concluiu, encerrando a questão – Como decidiremos os personagens?

— O Tadase com tooooooda a certeza já é o prín... – Yaya começou a falar, mas Kukai calou-a a tempo, colocando a mão sobre a boca dela.

— Acho melhor nós trocarmos essa expressão.  - Kairi observou, sensatamente.

— Vamos colocar um Rei então – Rima sugeriu, e todos concordaram.

— E os outros personagens? Nós precisamos de sete anões, uma princesa, uma rainha má, um caçador... – Utau enumerou.

— Certo, nós podemos fazer assim... – Nagihiko começou, tentando colocar um pouco de ordem naquela bagunça – As garotas decidem entre si quem será a Branca de Neve...

— Não! – Utau replicou, exasperada – Está óbvio que quem deveria ser a Branca de Neve é o Nagi-kun!

— O que? Não! – Nagihiko negou veementemente, subitamente constrangido – Não tem como! Eu sou um garoto!

— Fujisaki-kun tem razão! – Tadase interpôs, tentando recuperar um pouco de normalidade naquela reunião, que parecia cada vez mais perdida – Ele não pode fazer o papel da princesa.

Utau bufou, irritada, devolvendo o olhar aborrecido que Amu lançava para ela. Parecia não haver argumentos para sustentar sua posição, mas ela não desistiria tão facilmente.

— Vamos sortear também, então! – Yaya pegou a agenda de bolso de Tadase, escrevendo o nome de cada um dos presentes, e os colocando dentro da boina de Amu.

— O mais sensato seria iniciarmos escolhendo um diretor. É necessário alguém para coordenar as ações de todos, além é claro, de precisarmos de um roteiro o quanto antes – Kairi elucidou, prudentemente.

— Tá bom, então! A Yaya vai sortear o diretor! – a garota sorriu como uma assistente de palco de programa de variedades, e fazendo muita pose, tirou o primeiro papelzinho. Com grande suspense, abriu-o devagar, e então, respirou fundo para ler – NAGI! O nosso diretor e roteirista será o Nagi!

— Sim, isso é perfeito! – Tadase exclamou, parabenizando o amigo – Fujisaki-kun fará isso muito bem, eu tenho certeza!

— Obrigado, Hotori-kun. Eu... prometo que darei o meu melhor – Nagihiko sorriu amável, corando ligeiramente.

— Hunf... ele devia ser a princesa – Utau resmungou para si mesma, contrariada.

 — Certo, agora veja quem será a Branca de Neve! – impaciente, Rima chiou. Sem esperar que Yaya fizesse mais da sua apresentação de assistente, ela mesma retirou um papelzinho, e o leu em voz alta – a Princesa será a Amu – entoou, num tom indiferente e sem emoção.

Ran, Miki, Suu e Dia bradaram coros de incentivo, felizes por sua dona, enquanto Amu corava feito um pimentão, lançando um olhar envergonhado mas muito esperançoso na direção de Tadase, que apenas retribuiu com um sorriso gentil. Nagihiko desviou o olhar, fitando com atenção o teto, as lâmpadas, o chão, seus pés, Ikuto dormindo num canto, qualquer coisa que o impedisse de ver aquela atmosfera  de arco-íris, marshmallow e pôneis coloridos que Amu exalava.

— Eu acho que tá mais pra Rosa de Neve...  – Kukai riu do próprio trocadilho infame, e cutucou a Ás com o cotovelo, para que ela tirasse logo o próximo papel – Vê aí quem vai ser a Madrasta.

— Okee! – Yaya chacoalhou a boina, e leu o papel – Rima-tan! A Rima-tan vai ser a madrasta!

— Parece terrivelmente adequado... – Nagihiko admitiu, com um arrepio sinistro ao ver o sorriso ínfimo de concordância que Rima deixou escapar.

— O próximo é o que, Nagi? – Yaya indagou, já com a mão pronta para pegar o papel.

— Acho que o caçador...

— Então o caçador vai ser.... a Yaya? Não! A Yaya não quer ser o caçador! Não mesmo! – ela protestou, indignada.

— Tudo bem, tire outro papelzinho então! – Nagihiko aquiesceu, conformado com a personalidade mimada e birrenta da mais jovem dos guardiões.

— Ah! Então o caçador vai ser o Iinchou! – ela sorriu animadamente, já com o outro papel preparado, com o nome de Kairi escrito nele.

O ex-valete de óculos confirmou com a cabeça, sem demonstrar qualquer traço de inconformidade.

— O próximo é... pode ser o espelho, eu acho... – Nagihiko titubeou, tentando lembrar-se da história.

Yaya tirou o papel, e o leu, com um beicinho – Yaya! Deu Yaya de novo! Mas a Yaya aceita dessa vez – ela concordou, meio à contragosto – Não tem nenhum outro papel legal pra Yaya fazer mesmo...

— Acho que acaba por aí... – Nagihiko articulou, com o dedo no queixo.

— Mas e os sete anões? – indagou Tadase.

— Eu pensei nisso antes, e acho que nós poderíamos convidar as crianças da primeira série para fazerem esses papéis – ele respondeu.

— A Yaya convida eles! – ela se ofereceu, energicamente – A Yaya conhece todos eles, sempre vai lanchar e participar dos piqueniques da turma!

— Você anda roubando comida das criancinhas, Yaya? – Rima conjecturou, desconfiada, e então, balançou a cabeça desaprovadamente – Que vergonha, eu esperava mais de você.

— Não! A Yaya foi convidada pela professora! E eles servem tantas comidas gostosas! E brincam de várias coisas! Tem até uma garotinha que gosta de comédia e...

— Hmm... é mesmo? – Rima repentinamente se interessou, sentando mais perto de Yaya, esperando que ela dissesse mais.

— Ei! Vamos voltar ao ponto principal! – Utau interrompeu o que parecia ser uma conversa promissora – Já decidimos os anões, então, falta mais alguma coisa?

— Acho que não... Bom, seria interessante nós termos um narrador conduzindo a história, como acontece na maioria dos Contos de Fadas... – Nagihiko sugeriu.

— Então, sorteia aí, Yaya! – Utau falou, e assim Yaya fez, pegando mais um dos papéis.

— Kukai! – ela disse, animada, e ele acenou de volta, sorrindo.

— Já temos todo o nosso elenco, eu presumo – Nagihiko pronunciou, e todos esperaram para receber as ordens do seu diretor. Ele havia tomado naturalmente a liderança da composição, e sentia-se muito confortável desenvolvendo esse lado. – O resto de vocês, ajudarão nos bastidores. Eu irei escrever o script no fim de semana, e assim que estiver com algo pronto, irei comunicá-los. Tsukiyomi-san, você poderia me ajudar com isso, já que tem experiência com TV.

— Como quiser – Utau concordou, sorrindo minimamente – Serei sua assistente. Só não se acostuma.

— Obrigado. Ikuto pode cuidar da parte técnica. Som, luz, essas coisas...

— Ele pode sim – ela respondeu pelo irmão, que roncava audivelmente, encolhido num canto do palco, junto com Yoru e Pepe, que aproveitaram para dar uma cochilada também.

— Certo. Parece que nós já temos tudo acertado. Até que foi rápido... Ah! Eu terei que ver a questão dos figurinos também...

— Nós podemos ver se não há algo pronto por aqui, e então, só fazemos os ajustes – Tadase propôs, levantando-se. Todos fizeram o mesmo, e se dirigiram até a sala que servia como camarim.

A porta estava emperrada, e Kukai e Nagihiko tiveram que fazer força juntos para abri-la. Do lado de dentro, após ligar as luzes que por milagre ainda funcionavam, eles viram uma longa e comprida mesa de espelhos, com bancos espalhados ao longo dela, e uma arara repleta de roupas diversas.

Nagihiko se aproximou, tentando procurar por algo que se encaixasse em sua história. Havia os mais diversos tipos de fantasias ali, desde piratas, até alienígenas, passando por ninjas, anjos, palhaços e todo tipo de coisa estranha e sem denominação. As garotas, bem como Tadase e Kukai, começaram a remexer nos cabides, e no baú que se encontrava ao lado, tirando para fora tudo o que encontrassem. Kairi apenas os observou de longe, bastante contido.

— Aqui, acho que isso  serviria para a roupa do Espelho Mágico, Yaya – Nagihiko mostrou para a Ás um vestido branco, todo cheio de babados e fitas, que mais parecia uma fantasia de boneca – Só precisa de alguns ajustes, e como você vai ficar atrás de uma moldura, acho que isso ficaria muito bem.

— Ah! A Yaya adorou! – ela abraçou o vestido, rodando-o no ar para vê-lo melhor.

— Ei, olha só isso – Amu mostrou um longo e vistoso vestido rosa-claro, que ia até o chão – Isso não poderia ser usado para a princesa?

— Acho que sim. – Nagihiko concordou.

— Esse aqui poderia ser para a madrasta – Kukai mostrou o vestido que vinha logo abaixo no baú. Era preto, com detalhes em dourado.

— É obviamente grande demais para a Rima-chan, mas acho que com os concertos certos, ficaria perfeito – o diretor sorriu, vendo Rima bufar disfarçadamente com a citação à sua estatura.

— Woow! Olhem só esse vestido! – Yaya mostrou um rodado vestido verde – Nee, vocês não acham que o Iinchou ficaria muito melhor de Branca de Neve, com esse cabelo preto e tudo mais?

— O q-que? – Kairi quase deixou cair seus óculos, tamanha a sua indignação – o que você está dizendo, ás?

— Eu já disse que não gosto que me chame de Ás! – Yaya clamou, avançando contra o garoto – Meu nome é Yaya! É um nome tão bonito! Como castigo, você vai ter que ser a Branca de Neve! – ela se jogou contra o indefeso ex-valete, obrigando-o a colocar o vestido verde, com uma inexplicável e surpreendente força.

— Ei, Yaya, o que você está fazendo? Isso já é assédio! – Kukai se precipitou, a tempo de afastar Yaya da sua vítima, mas era tarde demais, e Kairi já estava usando o vestido, mesmo que por cima da roupa.

— K-k... – Amu abriu a boca em espanto, assim como todos os outros – K-kawaaii!! – ela exclamou sonhadoramente – Você ficou muito bem de vestido, Sanjou-kun!

— Sim! Ficou mesmo! Quem diria, hein?! – Utau comentou, surpresa.

— Combina com seus olhos – foi a única coisa que Rima disse.

Kairi nada declarou em sua defesa, limitando-se a retirar o vestido. Sua irmã já havia o forçado a vestir roupas femininas antes, durante um surto alcóolico, em que ela chorava por não ter conseguido um marido, alguns anos antes. Ele não conseguia nem mesmo ficar assustado, agora. Estava indiferente.

— As garotas deveriam experimentar esses vestidos, para ver o que precisa ser consertado – Utau observou – vocês, garotos, para fora agora! – ela ordenou, e só restou aos quatro se retirarem.

Do lado de fora, eles se entreolharam, sem saber o que fazer. Kukai considerou seriamente a alternativa de se juntar a Ikuto naquele cochilo no canto do palco. As garotas provavelmente demorariam lá dentro, com todas aquelas roupas, eles teriam tempo de sobra.

— O que falta arrumar, Fujisaki-kun? – Tadase perguntou, com vontade de ajudar.

— Acho que o cenário. Mas isso nós podemos ver com calma, mais perto do Festival, quando tivermos que fazer também os preparativos para a nossa turma.

— Entendo...

— Parece que nosso trabalho acabou por hoje, não é? – Kukai colocou os braços atrás da cabeça, tranquilamente – Vou dar uma esticada ali no canto, tá legal? Quando elas terminarem, vocês me chamem.

— Então eu irei dar uma caminhada lá fora – Kairi se dispôs – Faz muito tempo que não venho aqui, sinto falta deste lugar. Não irei demorar. – ele se dirigiu para baixo, caminhando calma e silenciosamente em direção à saída.

Nagihiko e Tadase restaram, atrás das cortinas que escondiam os bastidores dos espectadores. Tadase o fitou, tranquilamente, e então sorriu, vendo que o semblante do amigo já estava desanuviado, sem aquela tristeza que parecia pairar sobre seus olhos, como nuvens negras. Era evidente o quanto ele estava entusiasmado com aquele projeto, que realmente havia surgido em boa hora. Até mesmo um calmo sorriso brincava em seus lábios, de uma maneira que há muito Tadase não tinha a chance de ver.

— Você fará um excelente trabalho como diretor, Fujisaki-kun – Tadase o encorajou, sincero, depois de observá-lo por vários segundos, em silêncio.

— Muito obrigado, Hotori-kun. Você também, será um ótimo protagonista. – Nagihiko retribuiu ao caloroso sorriso, mas logo, sentiu uma pontada dolorosa no peito, com a frase que veio logo a seguir – Tenho certeza de que está muito feliz por poder contracenar com a Amu-chan nessa peça. Talvez essa seja... uma chance de se aproximarem.

— Ah... sobre isso... – Tadase perdeu-se. Não esperava aquele tipo de ligação, feita por Nagihiko – Eu... bem, não é bem assim como você pensa... – ele se apressou em explicar. Por alguma razão, não queria que Nagihiko se enganasse a respeito dos seus sentimentos por outras pessoas, de forma alguma. Queria explicar com urgência a constatação que pesava em seu peito, mas estava tão nervoso que as palavras simplesmente se atropelavam – Eu quero que saiba que... eto.. eu acho... pensei bastante sobre isso... eu acabei descobrindo que... não... não gosto realmente da Hinamori-san da maneira que eu pensei que gostasse, quero dizer, não é como se eu a odiasse, claro que não, mas acredito que o que eu sinto por ela não passe de amizade, e admiração, nada mais do que isso. Eu acabei confundindo as coisas... mas agora, tenho a impressão de que nunca havia sido capaz de amá-la de verdade, digo... não acho que seja possível algo assim...

Nagihiko sentiu seu coração falhar algumas batidas, antes de conseguir entender o sentido de todas aquelas frases soltas que Tadase gaguejava com esforço. Mal podia acreditar no que seus ouvidos captavam. Uma imensa felicidade aqueceu o peito de Nagihiko, e ele quase não conseguiu segurar o sorriso que se formava em seus lábios.

— Você tem certeza disso, Hotori-kun? – ele inquiriu, querendo ter certeza antes de deixar aquelas esperanças sem fundamentos criarem raízes (embora elas já tivessem se firmado).

— Sim. Eu tenho certeza de que não amo Hinamori-san. Na verdade, acho que nunca cheguei a pensar nela dessa maneira. Foi apenas uma confusão minha. – Tadase admitiu, sentindo-se repentinamente culpado, como se tivesse enganado alguém – Isso é errado da minha parte? – ele indagou, inocentemente, fitando Nagihiko com os olhos suplicantes.

— Não... quero dizer, acho que não. Você estava apenas confuso, nada mais normal! Essas coisas de amor são mesmo muito confusas... – Nagihiko se esforçou em dar ao menos um conselho decente ao amigo, embora sentisse que havia falhado miseravelmente.

— Você já... se apaixonou, Fujisaki-kun? – Tadase perguntou num fio de voz, vermelho com um sinal de trânsito, e disfarçando o olhar para o lado.

— Eu? – Nagihiko engasgou, sentindo-se trêmulo e vacilante, como um bambu fino no meio da tempestade – Eu... nunca... gostei de uma garota – ele afirmou, o mais convincente possível.

— Hm... – Tadase murmurou, colocando os dedos sobre os lábios, nervoso – Nem mesmo da Utau? – ele pronunciou indistintamente, fechando os olhos com força depois de dizer o que se passava em sua cabeça há tantos dias.

— Utau? Do que você está falando? – o valete não entendeu, perdendo o rumo da conversa.

— Bem... outro dia, eu os vi conversando, muito intimamente. Ela até mesmo o abraçou – Tadase balbuciou, sem jeito, visivelmente incomodado – e também, vocês trocaram números de telefone, e ela parecia tão feliz... sem contar que ela vive visitando nossa escola ultimamente... Mesmo hoje, ela parecia muito à vontade, chamando-o de... de Nagi-kun e tudo mais...

Nagihiko abriu e fechou a boca duas vezes, à procura do que dizer, tentando ignorar o fato de ter sua frequência cardíaca acelerada ao ouvir Tadase chamando-o de “Nagi-kun”, mesmo que indiretamente.

 Poderia ser que... poderia ser que Tadase estivesse com... ciúmes? Uma nova onda de alegria, ainda mais intensa que a anterior, invadiu o corpo de Nagihiko, e ele teve vontade de sorrir, mas dessa vez, a realidade surgiu como um balde de agua congelante, abrindo seus olhos a tempo. Mesmo que fosse o caso, Tadase sentiria um ciúmes apenas de amigo, nada mais do que isso. Nagihiko não podia nutrir aquela esperança, em hipótese alguma. Seria mais uma fonte de arrependimentos, para a sua coleção, ele não precisava disso.

Se esforçou em sorrir calmamente, quando olhou novamente para Tadase, e o respondeu.

— Você não precisa se preocupar, Hotori-kun. Utau vem se mostrando uma boa amiga, e nada mais do que isso. Sinceramente, eu a vejo como uma irmã mais velha ou algo desse tipo, nunca além disso. Não há a menor possibilidade de...

— Tudo bem, eu acredito em você – Tadase replicou, sentindo-se culpado e estranho por insinuar esse tipo de coisas de seus amigos. Onde ele estava com a cabeça, quando pensou aquelas asneiras? – Mas... você me promete uma coisa? – ele pediu, fitando o chão, assim que um estranho pensamento invadiu sua mente, rápido como uma flecha.

— Claro, o que quiser. – Nagihiko não pensou duas vezes em acatar.

— Quando houver alguém de quem você goste, você irá me contar? – Tadase indagou, com a voz embargada. Apenas a ideia de ter que ver seu amigo com outra pessoa, já fazia embaçar a visão do loiro, e ele experimentou novamente aquele gosto amargo que havia sentido quando viu Rima se declarar para Nagihiko meses atrás, no parque. Um peso se instalou em seu coração, que parecia inexplicavelmente apertado. Impaciente, aguardou a resposta.

Nagihiko sufocou perante o pedido do garoto. Ele não poderia prometer algo como aquilo. Era o mesmo que se declarar, e definitivamente, não era algo que fosse possível, de todo modo. Com o coração espremido, tentando respirar com dificuldade, ele decidiu que essa era a hora de utilizar das suas habilidades, para mascarar a dor e seguir em frente, como ele vinha fazendo por todos esses anos.

— Tudo bem, eu farei... – ele disse apenas. Novamente, Nagihiko atuou naquele teatro, naquele mesmo palco, enganando, fingindo e escondendo o seu eu verdadeiro. No entanto, agora, por trás das cortinas. Aquilo era quase uma tortura. Ele não aguentou ver o rosto de Tadase, depois de concordar com algo como aquilo. Ao invés disso, preferiu compensar a mentira com uma verdade, imaginando se isso seria o suficiente – Eu vou sempre estar ao seu lado, Hotori-kun. – disse, vendo finalmente o rosto de Tadase levantar-se, iluminado – Nunca duvide disso. – ele adicionou, com a voz melodiosa ecoando nos ouvidos do menor, suavemente. Antes que tivesse a chance de se arrepender, acariciou lentamente os dourados fios da sua cabeça, tão macios como sempre – Apenas me deixe cuidar de você, é o bastante para mim... – Nagihiko sussurrou, despenteando carinhosamente a cabeça de Tadase.

— Fujisaki-kun... – Tadase murmurou, fechando os olhos e permitindo que Nagihiko o tocasse, ainda que estivesse bastante ruborizado. Nenhum dos dois disse nada por vários segundos. Não era necessário.

— Ei! Todo mundo! – uma voz feminina se fez ouvir, sobressaltando os dois, que se afastaram imediatamente -                         Venham ver como ficaram as roupas!

Sem poder se esquivar, os dois atenderam ao chamado, apressando-se até a direção dos camarins. Passaram o resto do seu dia junto de todos os outros, preparando aquele que poderia ser o maior espetáculo que Seiyo já viu. Ou não.


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Notas finais do capítulo

Capítulo enorme, acho que maior que eu já escrevi -.-'
Espero que a madrugada em claro com o risco da minha mãe me pegar no flagra tenha valido a pena~ por que a inspiração só vem naquela hora fatídica em que eu encosto a cabeça no travesseiro?
Enfim, aguardo os seus reviews, muito ansiosa n_n
bye o/