Nemesis X: A Guerra Secreta escrita por Goldfield
Capítulo 1
Os defensores.
Washington, D.C., EUA. 2009, um mês antes do “Dia T”.
Jill Valentine não conseguia crer. Dentro daquele furgão guiado por um funcionário do governo estavam alguns dos maiores nomes do período da guerra contra a Umbrella. Sentado bem à sua frente estava o marido, Chris Redfield, sorridente e empolgado. À sua direita, sempre discreto, o ex-detetive Ark Thompson lia uma notícia de jornal sobre o fechamento da empresa farmacêutica Biocom, ocorrido poucas semanas antes. Diante dele, a cientista Rebecca Chambers, usando um par de óculos que a deixava ainda mais charmosa, digitava um e-mail em seu laptop. À esquerda desta, ouvindo música num aparelho MP4, Kevin Ryman assoviava com os braços cruzados. Jill não o conhecia muito bem, porém sabia que ele fora um dos sobreviventes de Raccoon e experiente combatente anti-Umbrella. Eram simplesmente os melhores.
Encostando a cabeça na lateral do veículo, a mulher e mãe passou a pensar nos acontecimentos recentes. Depois dos incidentes virais do Laboratório Vinnewood e da cidadezinha de White Creek, ocorridos em outubro de 2008, o governo norte-americano tomara várias providências para impedir que tragédias semelhantes voltassem a ocorrer em seu território. Muitas pessoas suspeitas foram presas, diversas empresas e laboratórios tiveram suas atividades interditadas, sendo que o caso mais notável fora o da gigante multinacional Biocom, contra cujas criações Valentine tivera o desprazer de lutar na Sibéria há pouco tempo. Todas essas ações preventivas caminhavam para algo maior, e Jill sabia que a ligação de Leon S. Kennedy para sua casa dias antes tinha algo a ver com isso, já que todos os veteranos conhecidos do rapaz também haviam sido convocados. Uma mistura de ansiedade e excitação dominava a ex-integrante do S.T.A.R.S., quando de repente o furgão parou.
Os ocupantes saíram pela porta traseira, enquanto o motorista deixou o veículo pela frente. Tratava-se de um sujeitinho de terno baixinho, atarracado e dono de uma voz irritante chamado Mylles. Ele supostamente estava trabalhando para Leon, e fora quem transportara os convidados do agente do aeroporto até ali. Os recém-chegados viram-se de frente para um prédio moderno rodeado de andaimes e operários, indicando que passava por uma extensa reforma. Seguindo até uma grande porta de vidro recém-instalada, o guia disse ao grupo de amigos:
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Eles passaram por um jardim onde um grupo de trabalhadores instalava uma placa com algum tipo de inscrição num bloco de concreto. Esticando a cabeça para ver melhor, Chris constatou que o texto começava com a palavra “Departamento”, porém um dos operários tampou-lhe a visão do resto, deixando-o intrigado. Adentraram o interior do edifício em obras, rumando até um elevador já em operação, Mylles sempre à frente. A subida foi lenta e calma até o oitavo andar, no qual ganharam um corredor que acabara de ser pintado de branco, o cheiro forte da tinta fazendo Rebecca espirrar, pois era alérgica. Avançaram então até um escritório parcialmente mobiliado, sendo que havia alguém bem familiar sentado atrás de uma mesa...
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Levantando-se, o agente do governo virou na direção dos convidados uma placa dourada sobre o móvel na qual lia-se “Secretário de Perigo Biológico”. Ninguém entendeu de imediato e Kevin, até então o mais calado, disse quase num murmúrio:
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Todos se entreolharam. Era ao mesmo tempo uma incomparável honra e uma grande responsabilidade. Milhões de vidas estariam a cargo de suas ações, e se falhassem, a praga que extinguira Raccoon City corria o risco de se alastrar pelo mundo. Porém não podiam recusar. O peso na consciência de fracassar seria menor se ao menos não houvessem desistido sem tentar. E aqueles corajosos seres humanos nunca desistiam, nem diante do mais assustador dos perigos.
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O grupo de novos membros do Departamento começou a ler os documentos bastante interessado. Realmente Leon e seus colegas pareciam estar na pista certa e talvez não demorassem a encontrar Burke. Num dado momento, Rebecca ergueu os olhos do papel e perguntou ao superior:
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Chambers assentiu, tornando a ler. Na verdade, Leon relutava admitir que a bela irmã de Chris Redfield nunca conseguira superar a morte do jovem Steve Burnside na Antártida, no final de 1998... Ele ainda a encontrava algumas vezes sozinha com o olhar perdido, certamente lembrando de quando o adolescente expirara em seus próprios braços. Era por isso que Claire não queria voltar a enfrentar possíveis mortos-vivos ou perseguir pesquisadores antiéticos... Kennedy teria de viver com isso, afinal de contas ele a amava.
De qualquer maneira, sua equipe estava formada, e agora aquilo tudo não tardaria muito a terminar.
Sozinha na confortável casa nos subúrbios de Washington na qual vivia com o marido Leon, Claire acordara inquieta aquela manhã. Sentia algo como um estranho e incômodo pressentimento. Entre os antigos inimigos da Umbrella, ela era quem mais desejava manter distância de assuntos envolvendo armas biológicas e vírus mutantes. Tal vontade era em grande parte devida à trágica morte de Steve, seu companheiro de sobrevivência durante o incidente na Ilha Rockfort e na base antártica, nas mãos dos vis irmãos Ashford. Ela de certa forma também se sentia culpada pelo martírio do jovem, e infelizmente não era capaz de voltar no tempo para salvá-lo... Nunca seria.
A ansiosa caçula da família Redfield temia que mais uma vez as pessoas que amava tivessem suas vidas ameaçadas. Seu irmão, seu marido, seus amigos... O perigo representado pela Umbrella e seus comparsas nunca fora extinguido por completo, e ela pressentia que ele estava prestes a retornar ao auge... Se não fosse pelas mãos do maligno Albert Wesker, já morto, seria por meio de um novo inimigo...
A promotora pública Sherry Birkin, em seu escritório também situado na capital norte-americana, terminou de checar alguns processos e ligou a TV de frente para sua mesa com o intuito de assistir ao noticiário do meio-dia. Assim que a imagem surgiu na tela, uma jovem jornalista de um canal local informou para os telespectadores:
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A TV permaneceu ligada, porém Sherry não mais prestou atenção à voz da apresentadora. Divagando, pensou em seus falecidos pais, na imprudência e infeliz fim de William Birkin... Além da substância que corria em suas veias, o infame X-Virus. Um fardo que carregaria até o final da vida, uma maldição que se passava por dádiva. Uma de suas maiores metas era conseguir perdoar o pai pelo que fizera, usando a própria filha como cobaia para suas experiências. Não estava certa se um dia conseguiria, mas precisava tentar.
Escuridão quase completa. Passos ecoavam pelos corredores e passagens tortuosas do que parecia um macabro calabouço. As sombras de três homens se uniram às trevas reinantes. Um deles era um cientista de jaleco que guiava os outros dois indivíduos pelas paredes de pedras e pesadas portas de ferro.
Súbito, ficaram de frente para uma ampla janela blindada, atrás da qual, bem iluminado, existia um moderno laboratório que contrastava totalmente com o outro ambiente. Dentro dele, vários pesquisadores trabalhavam incessantemente diante de computadores e mesas cheias de equipamentos e utensílios como microscópios e tubos de ensaio. Num canto, uma bonita geneticista de cabelos loiros utilizava ratos como cobaias, injetando neles uma substância familiar a todos ali, inclusive os visitantes.
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Os três continuaram pelo corredor, atravessando mais uma porta digna de um complexo de catacumbas. Havia mais alguns metros de caminho soturno pela frente, até que chegaram a um outro laboratório, este igualmente bem-equipado e ainda maior que o anterior. No centro existia uma câmara de hibernação contendo um líquido turvo, dentro do qual era possível distinguir com dificuldade um corpo humano imerso em sono profundo. O cientista explicou:
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Josh virou as costas e se retirou, seguido pelo sujeito que o acompanhara até ali, Hunk. Sempre mascarado, o soldado perguntou-se como um homem tão firme e autoritário do tipo de Burke deixara-se dominar por outro. Na verdade ele sabia muito pouco sobre o chefe do antigo Vincent. Já ouvira que ele vivia nas sombras desde a derrocada da Umbrella, planejando reaparecer para reerguê-la no momento adequado. Este parecia se aproximar mais a cada dia, e o Sr. Morte possuía inegável curiosidade em saber quem era o indivíduo que realizara a proeza de domar um homem com o gênio de Josh... Não podia ser Spencer, pois ele estava preso desde 2004, e Wesker morto. Quem seria então?
Com certeza ainda existiam muitas verdades a serem esclarecidas.
Leon entrou alvoroçado na sala de estratégia do Departamento. Entardecia. O secretário fora chamado há pouco por alguns de seus comandados para que eles lhe reportassem o progresso das investigações a respeito de Josh Burke. Kennedy aproximou-se de uma mesa que continha um detalhado mapa digital dos EUA. Foi recebido por um agente de sotaque texano que conhecia muito bem:
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Kennedy deu um tapinha no ombro do colega, fitou o mapa digital uma última vez e rumou até a saída da sala, enquanto os demais tornavam a trabalhar. Passando uma das mãos pelos cabelos, o funcionário federal pensou em como seria bom fechar os olhos e, quando voltasse a abri-los, toda aquela caçada houvesse subitamente terminado. Estava farto e exausto. Mas as coisas não eram tão simples. Depois de anos e anos combatendo criminosos e maníacos pelo mundo desde o pesadelo de Raccoon City, Leon era um dos que melhor sabiam disso.
Algum lugar na Amazônia brasileira.
A população de ribeirinhos residente no povoado à margem do Amazonas vivia da forma mais simples possível. Os pais tiravam seu sustento da pesca, as mães costuravam ou faziam artesanato e os filhos treinavam desde pequenos para que quando crescessem pudessem sobreviver da mesma forma. Era um ciclo sem fim no coração da selva, e há muitos anos atrás, um jovem sonhador quisera escapar dele...
Ao completar dezoito anos, Carlos Oliveira, buscando melhores condições de existência, deixou a família na pequena vila e saiu pela América Latina. Tudo que conseguiu foi ingressar em guerrilhas e movimentos paramilitares em vários países, desde a Colômbia até Honduras. Tornou-se um mestre nas técnicas da infiltração e do assassinato, e sabia manusear quase todo tipo de armamento. Porém, numa dada ocasião, foi capturado por um exército inimigo e só não acabou executado porque figurões com o desejo de empregá-lo salvaram sua miserável vida... Os engravatados trabalhavam para uma multinacional farmacêutica chamada Umbrella, que estava compondo uma força mercenária particular.
A antiga U.B.C.S. fora fundada por um ex-coronel soviético chamado Sergei Vladimir. Isso explicava o fato de que boa parte de seus integrantes eram russos, antigos membros do Exército Vermelho ou KGB que ficaram sem emprego após o fim do regime comunista. Entre eles, Carlos possuía maior ligação com Nicholai Zinoviev, um sisudo e frio sargento, e Mikhail Victor, homem capaz de dar a vida por seus companheiros e herói de guerra no Afeganistão... Até então, o pouco que o brasileiro sabia a respeito do conflito fora através de um dos filmes do “Rambo”, mas ele pacientemente ouviu em diversas ocasiões o bravo Mikhail relatar suas campanhas, a maneira como seu batalhão lidava com os astutos guerrilheiros mudjahidin liderados por Massoud, assassinado a mando de Osama Bin Laden pouco antes dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001...
Até que viera a mãe de todas as missões. A operação para qual foram mobilizados com dias de antecedência. Raccoon City, Califórnia. Algum tipo de substância química vazara na cidade, enlouquecendo os moradores. Era toda a informação que haviam recebido, ao menos a maioria deles, como Carlos depois descobriu. Tinham o objetivo de salvar os civis não-contaminados, dando prioridade aos funcionários da Umbrella. Parecia simples... A não ser por terem descoberto, pouco depois de descerem dos helicópteros, que os “habitantes descontrolados” eram zumbis canibais.
Foi o inferno na terra. Oliveira perdeu grandes amigos durante os dias chuvosos e as noites sombrias que passara em Raccoon... Murphy, Tyrell, Mikhail... Para piorar tudo, mais tarde Nicholai revelou-se um traidor lutando apenas por seus próprios interesses, e para isso estava disposto a eliminar todos que se mostrassem um obstáculo... Carlos com certeza teria sido aniquilado em meio a esse pesadelo se não fosse pelo auxílio de uma incrível sobrevivente que cruzou seu caminho: Jill Valentine, integrante do S.T.A.R.S., mulher maravilhosa que marcaria a vida do sul-americano para sempre.
Com ambos auxiliando um ao outro, sendo que Oliveira até vasculhou um hospital repleto de mortos-vivos em busca de um antivírus para a policial quando esta foi infectada, conseguiram escapar de Raccoon num helicóptero pouco antes da destruição da cidade pelo governo. A partir de então, uniram-se na luta contra a Umbrella, e pela primeira vez Carlos sentiu estar servindo a uma causa realmente justa. Ao invés de pegar em armas para depor algum governante de um país latino-americano que não agravada a uma determinada minoria, o indígena batalhava para que tragédias como a de Raccoon City nunca voltassem a acontecer. Além disso, o ex-mercenário sentia uma intensa atração por Valentine. Mesmo quando suas pretensões foram frustradas ao descobrir que ela mantinha um relacionamento com Chris Redfield, Oliveira não extinguiu suas esperanças.
Em 2004 a Umbrella faliu, e seus crimes vieram à tona. Carlos travara o bom combate, e agora tudo estava acabado. Quando se encontrava morando sozinho num apartamento em Los Angeles, recebeu um bonito convite de casamento através do correio. Jill ia unir-se a Chris pelo resto da vida. Inconformado, e ainda perdidamente apaixonado pela moça, apesar da reprovação por parte de sua consciência, Oliveira achou melhor não comparecer à cerimônia e voltou para a terra natal. Pouco tempo depois, já havia desaparecido na floresta e nenhum de seus amigos, tampouco Jill, voltaram a ter notícias dele. Após ter saído pelo mundo e servido a um propósito nobre, o brasileiro pretendia passar o resto de seus dias ajudando a família na vila de pescadores e, com alguma sorte, estabelecer família ali mesmo. E era isso que já vinha tentando fazer há quase cinco anos. Se muitos consideravam sua escolha um destino monótono e sem brilho, ao menos teria algumas histórias interessantes para contar...
Naquela manhã de céu azul-alaranjado, Carlos saiu de sua cabana logo cedo para ir pescar com o pai idoso. Levando as redes cheias de remendos e utensílios auxiliares como o samburá, o rapaz acompanhou seu progenitor até uma canoa. Aprendera a amar aquela rotina desde que regressara e agora dificilmente tornaria a abandoná-la. Sem camisa, os dois homens empurraram o barco para a parte rasa do rio e entraram, após colocarem as coisas dentro dele. O ex-soldado da Umbrella, mais jovem, apanhou o remo e começou a deslocar o rústico transporte. O dia parecia ser propício para uma boa pesca.
Todavia, antes que pai e filho pudessem se afastar muito da margem, um rapaz veio correndo de uma das casas gritando por Carlos. Estranhando, ouviu o conhecido exclamar, alvoroçado:
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O sobrevivente de Raccoon olhou para a cara do pai e, depois de um sinal deste, passou a remar de volta. Logo o barco se encontrava novamente na areia. Carlos saiu e dirigiu-se até o jovem que o chamara. Ele levou-o até a cabana onde morava, na qual encontrou, junto com duas mulheres idosas que lhe lembravam um pouco a falecida mãe, uma linda e elegante forasteira, usando um vestido na cor vinho que contrastava com as condições da região, além de sapatos de salto-alto aparentemente caríssimos. Tinha na cabeça um chapéu de abas largas digno de uma dama, e seu belo rosto possuía contornos que deixavam nítida sua descendência oriental. O que uma diva como aquela estaria fazendo naquele lugar esquecido do mundo?
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Oliveira se lembrou. Sim, ele ouvira mesmo falar... Visualizou mais uma vez os cartazes de “Procura-se” com a foto da inimiga, recordou o trabalho que os hackers da organização anti-Umbrella tinham em tentar reconstituir os passos da espiã através dos sistemas de segurança dos aeroportos... Aqueles tempos haviam terminado, e desde a derrocada da Umbrella e a prisão de Spencer, ninguém nunca mais ouvira qualquer coisa a respeito da escorregadia Ada Wong, uma das principais cartas na manga de Albert Wesker. Pelo menos até aquele momento...
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Este, boquiaberto, demorou a soltar a mão de Ada e quando o fez, sentou-se e pediu um copo d’água para uma das senhoras presentes. Fora um tremendo susto, e o ribeirinho nem fazia idéia de que Wong era apenas o primeiro fantasma do passado de muitos que ainda voltaria a vislumbrar...
De qualquer forma, a femme fatale não podia esperar até que o indivíduo que tanto procurara durante os últimos meses conseguisse assimilar sua vinda. Ela trazia notícias aterradoras, informações preciosas e tinha uma importante proposta a fazer.
Continua...
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