Nemesis X: A Guerra Secreta escrita por Goldfield
Epílogo
Chris e Jill estavam certos de que morreriam.
Nemesis X os aniquilava sem piedade, sem demonstrar quaisquer sentimentos, nem mesmo de fúria ou sadismo. Era uma figura totalmente inexpressiva, firme, o assassino perfeito.
Outrora Barry Burton.
O casal, apesar da dor e do sofrimento, da terrível ausência de respiração, tentava demonstrar, nem que fosse por um olhar, que se amava intensamente. Eles nunca haviam desejado que seus últimos instantes vivos fossem daquela maneira, porém de algum modo sempre haviam esperado por isso. Sempre estavam se arriscando ao redor do mundo tentando deter o perigo biológico, acabariam encontrando um fim como aquele cedo ou tarde... Só não imaginaram que seria pelas mãos mudadas de um velho amigo.
Redfield tentava falar novamente com a esposa, nem se fosse apenas para dizer uma última vez que a amava, porém a pressão em seu pescoço o impossibilitava. Estava prestes a desfalecer, quando subitamente a mão de Nemesis X que o segurava perdeu a força, permitindo que voltasse a respirar. Confuso, Chris moveu-se para tentar mais uma vez se libertar e conseguiu fazê-lo facilmente, caindo de bruços no solo. Mesmo aliviado, achou o ocorrido muito estranho e, erguendo-se, viu que os tentáculos do monstro recuavam, também libertando Jill, que estava sentada no chão tossindo sem parar. Chris correu até a amada e abraçou-a, agradecendo aos céus por ela estar bem, apesar das marcas vermelhas ao redor de sua garganta.
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O casal tornou a olhar para o mutante. Este parecia incomodado com algo, debatendo-se enquanto levava às mãos as costas. Os tentáculos recolheram-se completamente e, depois de alguns grunhidos, Nemesis X abaixou os membros, tendo agora um pequeno artefato entre os dedos da mão direita... Um dardo azul, que continha em seu interior algum tipo de substância que fora injetada quase por completo na corrente sangüínea da experiência.
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Passos foram ouvidos, a folhagem no chão denunciando-os. De trás de uma árvore surgiu um homem portando uma espécie de rifle metálico munido de vários dardos iguais ao que atingira o inimigo. Era Bryan Jessen, que sorriu para o casal Redfield assim que o viu. Ele aparentemente havia acabado de salvar o dia.
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Os efeitos do agente já eram perceptíveis em Nemesis X: abaixando-se, gemia de forma grotesca enquanto vários ferimentos se abriam em sua pele pastosa, seus tentáculos esticando-se e desprendendo-se do braço, serpenteando pelo chão como enguias raivosas até que parassem por completo, derretendo em meio a um líquido roxo. Os tubos atrás de seu pescoço também se soltaram, fazendo jorrar sangue mutante ao redor. Por fim, entre intensos espasmos e desligamentos de tecidos, o supersoldado-mor de Ashford e Burke caiu morto.
Chris, Jill e Bryan aproximaram-se com cautela do cadáver, convertido agora num amontoado de músculos e gosma que parecia ser autoconsumido por algum composto ácido, talvez uma poderosa enzima ativada pelo antivírus. Segundos depois, tudo que restara do invencível Nemesis X era uma grande poça de viscosa substância roxa, que estranhamente liberava uma fumaça irritante aos olhos.
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Cabisbaixo, o trio retirou-se dali. O sol logo ia se pôr, fora um longo dia. Conforme se afastavam, um agradável vento agitando as copas das árvores, sentiam-se exaustos, porém vitoriosos... Parece que na verdade aquele havia sido o fim de tudo. O fim merecido.
O noticiário da CNN transmitia as boas novas para todo o mundo, o jornalista no estúdio aparentando ter recuperado brilhantemente o ânimo, apesar de ainda ter os cabelos desalinhados e uma expressão de cansaço na face:
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Nas metrópoles mundiais, membros da polícia e das forças armadas averiguavam as carcaças carbonizadas dos Tyrants, algumas sendo levadas por caminhões ou helicópteros até laboratórios de análise. As pessoas, que haviam passado horas de pânico e horror, deixavam aos poucos o interior de suas casas, já seguras para voltarem às ruas. Em algumas cidades até havia festejos, o povo linchando os gigantes assassinos, mesmo estes já estando destruídos.
O “Dia T” chegara ao fim.
Depois de terem deixado o trem, Leon, Ark e Claire caminhavam por entre os escombros da mansão que um dia constituíra fachada para a saída de emergência da Colméia. A mulher já conseguia andar por si só, porém ainda se sentia um tanto fraca. Depois de caminharem por entre as ruínas, ganhando o gramado diante da propriedade, o grupo se deparou com cinco jipes do Exército que chegaram ao local erguendo poeira. Os veículos pararam bruscamente, e de cima deles saltaram soldados vestidos com traje de proteção e tendo em mãos medidores de radiação, com os quais rapidamente verificaram o estado dos sobreviventes. Por sorte não estavam contaminados.
Um militar à parte, o único que usava apenas farda e quepe, saiu por último de um dos carros e abriu caminho entre os comandados, que obedeceram batendo continência. Ele então parou diante do trio e, coçando de leve os cabelos brancos, exclamou num sorriso sarcástico:
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Uma bela jovem morena de origem latina e porte um tanto masculino aproximou-se dos sobreviventes, retirando a parte superior do traje de proteção enquanto ordenava:
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Eles a seguiram, semblantes furiosos e inconformados. O Pentágono, mais uma vez, acobertava atividades relacionadas à antiga Umbrella.
Um helicóptero Black Hawk sobrevoava os destroços de Raccoon, agora ainda mais arruinados e com novos focos de incêndio aqui e ali. O piloto pousou perto do heliporto por onde o grupo de Ada Wong fugira, cerca de seis homens fortemente armados deixando a aeronave. O comandante, com um gesto, indicou que avançassem até a entrada ainda aberta da guarita. Para dentro dela se dirigiram, alguns assustados com os sons emitidos pelos poucos Hunters restantes a alguma distância dali.
O interior do lugar estava completamente escuro, já que os geradores do complexo haviam sido destruídos. Os soldados acenderam lanternas acopladas aos seus rifles, vistoriando o ambiente. Havia prateleiras caídas, portas retorcidas, pedaços de concreto e vigas de metal barrando passagens... Estava sendo difícil encontrar o caminho até o subsolo.
De repente, um gemido.
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Dois de seus homens o acompanharam. Após poucos instantes de busca, encontraram um dos companheiros morto no chão, uma poça de sangue ao redor da cabeça. Fora degolado, como indicava o profundo corte aberto em sua garganta.
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Mais um barulho, agora um grito. Todos correram até um outro ponto da guarita, onde mais um combatente tombara sem vida, esfaqueado bem no coração. Alguém, ou alguma coisa, estava oculta na escuridão. Parecia capaz de enxergar muito bem em meio a ela, e por isso os militares se encontravam em perigosa desvantagem.
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Desesperados, eles tentavam reagir, mas nada viam. O líder chegou a atirar às cegas várias vezes, nada atingindo. Era uma batalha angustiante e, depois de escutar o baque de mais corpos vindo ao chão, sentiu uma lâmina encostar-se de súbito à sua nuca...
Dentro do Black Hawk, o piloto esperava apreensivo o retorno do grupo de reconhecimento. O coronel Hart o instruíra a coletar qualquer amostra de vírus que encontrasse, e isso poderia levar tempo. Enquanto isso, ele estava ali sozinho na cabine, à mercê de monstros ou qualquer outra aberração que existisse naquela maldita cidade arruinada!
Sem mais nem menos, ouviu alguém embarcando no helicóptero. Aliviado, voltou-se imediatamente, acreditando que os colegas haviam concluído a missão mais cedo, ou encontrado algum contratempo decisivo, mas viu na verdade um indivíduo desconhecido que usava uma medonha máscara de gás.
Este retirou rapidamente a proteção do rosto, deixando à mostra um semblante vivido e sério, repleto de cicatrizes. Era sem dúvida um veterano em inúmeros combates. Apontando uma pistola calibre 45 para o desafortunado piloto, falou, em tom de autêntica ameaça:
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Trêmulo e nervoso, o militar acionou os controles da aeronave, colocando-a de imediato para voar. Ela logo desapareceu no horizonte, parecendo ser engolida pelo céu alaranjado do entardecer, as ruínas de Raccoon ficando para trás...
O “Sr. Morte” saíra vivo mais uma vez.
O Mil Mi-26 sobrevoava a paisagem florestal do norte da Califórnia. Todos ali estavam quase mortos de exaustão, acomodados nos vários assentos do helicóptero. Carlos pilotava-o tranqüilamente, quando Ada adentrou a cabine. Sentando-se no lugar do co-piloto, viu o brasileiro sorrir ao notar sua presença.
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Wong deu um repentino beijo na boca de Carlos, deixando-o extasiado. Então se levantou, saindo da cabine com movimentos sutis. Passou pelos companheiros cansados, que mal deram atenção a suas ações, e apanhou um pára-quedas. Sorrindo e piscando para Krauser, ela abriu a porta e saltou da aeronave, todos correndo até a abertura em seguida, mas não havia mais meio de impedi-la: o equipamento já abrira e logo a espiã pousava suavemente na floresta, desaparecendo entre as árvores.
O sul-americano havia abandonado temporariamente os controles do helicóptero e presenciara parte da cena. Não acreditava no que seus olhos viam. Ele jamais deveria ter confiado em Ada, nutrido sentimentos por ela. De alguma maneira, sabia desde o início que eles não ficariam juntos, assim como ocorrera entre ele e Jill Valentine. Desolado, o pobre Oliveira voltou para a cabine de pilotagem, bufando de frustração.
Ficara mais uma vez a ver navios.
Uma semana depois.
Uma grande conferência de imprensa tinha início na frente do prédio do Departamento de Perigo Biológico. Muitas autoridades estavam presentes, assim como vários jornalistas e cidadãos de várias partes do planeta, todos sentados em cadeiras enfileiradas no gramado. No palanque encontravam-se alguns dos maiores especialistas em perigo biológico do mundo, grandes heróis não só nacionais, mas agora também mundiais. Jill e Chris estavam sorridentes com seu filho Barry, Leon e Claire abraçavam-se para as câmeras, Sherry e Bryan riam de mãos dadas, Rebecca e Kevin – sim, os dois estavam namorando – trocavam um beijo que logo estaria em algumas capas de revistas. Todos eles eram quase que celebridades agora. Além deles, outros se encontravam ali: Bruce McGivern sentara-se ao lado de Fong Ling, representante do governo chinês especialmente convidada. Ark Thompson acenava para alguns repórteres, animado. Ainda estava um pouco abalado pela morte de Lily Klein, porém já recuperara boa parte do bom-humor costumeiro. Billy Coen lançava olhares sedutores para uma funcionária do Departamento que ficara fascinada por sua tatuagem, enquanto Carlos, entrevistado por uma charmosa jornalista, aproveitava ao máximo a recém-conquistada fama. Até Jack Krauser estava presente: ele aceitara colaborar com as próximas operações do Departamento em troca de uma liberdade vigiada.
Num dado momento, Chris suspirou. Lembrou-se de Barry. Ele também merecia estar ali. Porém, morrera em nome da mesma luta que lutavam, protegendo vidas, lutando contra corporações malignas e governos assassinos que desejavam usar devastadores agentes biológicos contra populações inocentes. Burton jamais seria esquecido. Aquele dia também era dele.
Leon aproximou-se de um microfone no palanque, todos fazendo silêncio para ouvi-lo falar, os flashes de algumas máquinas fotográficas ainda persistindo.
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Kennedy e os demais foram ovacionados pelo público, numa mais que merecida e longa salva de palmas. A era dos S.T.A.R.S. e Umbrella definitivamente chegava ao fim, e uma outra se iniciava... A era da B.S.A.A. e seus valorosos integrantes.
Prisão Federal de Gladland, Virgínia.
Os carcereiros e guardas ficavam simplesmente maravilhados com as visitas mensais que a estonteante enfermeira de Ozwell E. Spencer fazia ao prisioneiro. Com seus cabelos loiros, corpo perfeito e rebolado constante, ela praticamente hipnotizada os guardas, ainda mais com aquela roupa branca apertada que sempre trajava...
Ela parou diante da cela do detento, um dos funcionários gentilmente abrindo a porta para que entrasse. Como de costume, carregava consigo seu pequeno kit com equipamentos médicos que usava para examinar o paciente. Todo o pessoal que trabalhava na prisão achava Spencer um maldito velho de sorte por ser sempre consultado por uma beldade como aquela. Ao menos era isso o que pensavam...
Ganhando a cela, a enfermeira ficou a sós com o idoso, sentado quieto em sua cama. Aquela peruca loira a incomodava muito, porém não podia retirá-la de modo algum, já que câmeras de segurança gravavam tudo que ali acontecia. Sorrindo, Spencer levantou-se fitando a mulher, enquanto falava calmamente:
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Ela abriu o kit de forma que as câmeras não pudessem captar seu conteúdo. Já memorizara a posição de todas elas. Dentro dele, além dos instrumentos que uma enfermeira carregaria, havia coisas como uma pistola com silenciador, um gravador, vários pen-drives e até uma granada. Ada apanhou no caso uma caixinha de música branca, feita de madrepérola. Continha na tampa o desenho de uma borboleta incrustada de jóias. Deu-a ao prisioneiro.
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Era até justo. Ada era uma espiã formidável, Spencer sempre soubera disso. Fora bom enquanto durara.
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O idoso voltou a rir. É, o fim chegara para si.
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A porta foi novamente trancada. Sentando-se na cama, Spencer olhou de novo para a caixinha de música, aparentemente tão frágil e delicada, porém por dentro tão perigosa e mortal. Ela combinava muito bem com a personalidade de Ada. Sorrindo, ele abriu o presente... Para sua surpresa, sua melodia favorita começou a tocar: “Moonlight Sonata” de Beethoven.
Relaxado, o velho mergulhou nos tons da bela música, podendo até visualizar as suas mãos hábeis de outrora a tocando no piano. Fechou os olhos. Viu-se mais uma vez nos corredores de sua antiga mansão, vistoriando o trabalho dos pesquisadores, admirando as obras de arte que adquirira. Perdido em lembranças, não notou o gás esverdeado que a caixinha começara a liberar, e que logo dominou todo o interior da cela. Lívido, tranqüilo, aos poucos perdeu as forças, sentiu o pulmão deixar de funcionar, o coração parar de bater...
Os guardas da prisão correram até o local, aturdidos, mas quando conseguiram abrir a porta, o gás já havia se dispersado e Ozwell E. Spencer estava morto.
Morrera em paz.
Algum lugar no Oriente Médio.
Em pleno deserto, vários homens se aglomeravam dentro de uma simples barraca. Alguns usavam turbante, outros quepe. Sentando-se sobre tapetes, esperavam se pronunciar o homem que os convocara ali. Estranhavam o fato de, mesmo com o valor, ele insistir em usar seu uniforme tático negro. Ao menos retirara a máscara de gás: era boato corrente que ele costumava andar sempre com ela.
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“O homem é o lobo do homem” – Thomas Hobbes.
FIM
Luiz Fabrício de Oliveira Mendes – “Goldfield”.
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