Capítulo 3

Sakura

- Você tem certeza disso? – perguntei a ele mais uma vez. Não sabia se o meu medo vinha do que eu ia fazer ou do sorriso que Sasuke tentava segurar.

- Claro! – ele me puxou para o lado enquanto observávamos o cara patinando tão bem quanto um profissional. Estávamos em uma pista de patinação que funcionava o ano inteiro – Se bem que eu acho que você pôs roupas largas demais. O cara não vai ver nada de interessante olhando a largura desse moletom.

- Você disse para vestir algo confortável. E eu nem tenho certeza de que posso patinar. Eu nunca fiz isso, Sasuke.

- Esqueça isso. Apenas tire esse troço imenso. E a intenção é você cair mesmo. Não precisa saber patinar para cair. Vai ser até mais convincente. – Sasuke falou sentado ao meu lado nos bancos ao redor do estádio. Bufei e comecei a tirar o moletom.

- Estamos atacando aleatoriamente ou você pelo menos se deu ao trabalho de pesquisar alguém decente?

- Assim você me ofende. – ele fez cara de magoado, mas eu sabia que era fingimento. Percebendo que tinha perdido, ele suspirou e disse – Jake Millar. Universitário, estuda arquitetura. Adora esportes e costuma vir aqui com freqüência. Ele gosta de desenhar e de ficar em casa, como você disse que preferia. Tem alergia a cachorros e nenhum passado obscuro. Pelo menos a ficha dele está limpa.

- Você procurou a ficha dele? – perguntei surpresa.

- Claro. Eu sou competente. Faço mais do que dormir até tarde, transar e beber com os amigos. – ele disse e eu senti a alfinetada, me lembrando das minhas acusações.

- Ok. Ok. Vou lá. Pelo menos, ele parece ser legal. – eu disse me levantando e pegando aqueles sapatos que eu não sabia o nome, próprios para andar no gelo.

- Ele parece um babaca. Mas acho que é o tipo que você procura. – ele disse me dando um sorriso irônico. Sorri devolvendo a ironia – Não se esqueça da toquinha.

Sasuke enfiou uma touca rosa na minha cabeça e me empurrou na direção da pista. Coloquei aqueles patins, acho que é assim que se chamam, e tentei me equilibrar sobre o gelo. Era difícil, principalmente, porque eu nunca tinha conseguido sequer aprender a usar patins comuns.

- Tente não cair antes de passar perto dele. – Sasuke falou rindo da minha cara e eu engoli uma resposta mal criada – E não se esqueça das coisas que eu te disse.

De certa forma, eu me sentia meio mal por me aproximar de um cara dessa forma, mas eu não tinha muita experiência no assunto. Eu era tímida demais e focada demais para conseguir me relacionar com alguém. E agora já tinha feito 25 anos e não tinha nenhuma previsão de encontrar um parceiro. Era por isso e só por isso que tinha aceitado a proposta disparatada de Sasuke.

Estava andando devagar e até estava conseguindo me equilibrar. Procurei o cara e o encontrei vindo em minha direção. Mantive o meu ritmo. Assim que o tal Jake passou, eu parei de me concentrar e conseqüentemente comecei a escorregar sem controle. Agarrei em seu casaco me mantendo de pé. Ele olhou para mim, primeiro irritado por ter atrapalhado o seu divertimento e depois curioso.

- Perdão. Eu achei que iria cair. – disse sem graça. Eu estava realmente sem graça então essa parte não foi difícil – Acho que te atrapalhei.

- Ah, tudo bem. Não se preocupe com isso. – ele disse e sorriu corando um pouco. O tempo passou e ele não falou nada o que me fez perceber que ele era tão tímido quanto eu. Minha mente lutou por um comentário interessante e engraçado para dizer, mas não veio nada.

- É a primeira vez que eu venho aqui. – eu disse por fim. Não sabia mais nada que eu pudesse dizer.

- Entendo. – ele disse e eu fiquei com raiva. Eu estava me esforçando aqui! Ele não poderia fazer o mesmo?

- Mas você parece ter prática. – comentei me lembrando do que Sasuke tinha dito. Ele sorriu e falou:

- É que eu venho aqui com freqüência. Érrrr... – ele começou e eu tive certeza de que ou ele ia me mandar pastar ou ia me chamar para algo – Boa sorte com o aprendizado então.

Tentei não parecer desapontada, mas algo na minha expressão deve ter entregado tudo porque ele pareceu ficar nervoso e se despediu de mim. Vi ele continuar a andar e me perguntei o que tinha feito de errado. Mordi o lábio e franzi o cenho. Eu tinha sorrido como Sasuke me mandara fazer, e tinha me aproximado tanto quanto a minha vergonha permitiu. Estava pensando nisso e nem percebi a aproximação de Sasuke. Ouvi alguém gritar cuidado e quando vi, Sasuke bateu de encontro comigo.

Caí de cara no gelo e tinha certeza de que as minhas pernas tinham sido jogadas para cima no processo. Ele se levantou como se não fosse nada e disse antes de sair patinando como um profissional:

- Tente não ficar no caminho, novata.

Olhei ele se afastar com ódio. O que tinha sido aquilo? Entendi logo o que ele queria quando Jake se abaixou ao meu lado:

- Você está bem?

- Parece que sim. – disse enquanto me levantava com a sua ajuda – Você conhece aquele idiota? – perguntei usando Sasuke para puxar assunto.

- Não. Ele não costuma vir aqui. Deve ser algum turista mal educado. Meu nome é Jake, a propósito. – ele estendeu a mão e sorriu.

- Eu sou Sakura. – apertei a mão dele – Prazer.

Ele se ofereceu para me ensinar como patinar. E eu tenho que admitir que foi bem mais fácil com ele me ensinando. Rodopiamos para lá e para cá até que eu pedi para descansar. Quando sentamos, eu estava corada e ofegante.

- Você é muito bom. – comentei.

- Eu gosto de esportes. – ele disse e me mostrou o muque para mostrar que se exercitava freqüentemente. Avistei Sasuke passar atrás de Jake e dizer “babaca”. Me segurei para não rir.

- Você parece forte mesmo. – eu disse e isso pareceu agradá-lo.

Conversamos mais um pouco. Sasuke disse que eu tinha que fazer de tudo para a conversa não empacar. Ele até tinha me ensinado uns quatro ou cinco assuntos para eu tentar caso o silencio constrangedor viesse. Depois que saímos do Ginásio, me despedi de Jake e caminhei pela calçada até o ponto onde Sasuke marcara. Encontrei o comendo um cachorro quente e piscando para uma morena que passava.

Ele pareceu levemente desapontado quando me viu o que me irritou bastante. Podia apostar que ele tentaria cantar a morena se eu não tivesse aparecido.

- Já podemos ir para casa. – eu disse quando me aproximei.

- Sucesso? – ele perguntou com um sorriso de canto, como se soubesse de uma piada que ninguém mais sabia.

- Bom, ele pediu o meu telefone. Isso é bom? As experiências das minhas amigas dizem que isso não é grande coisa.

Sasuke concordou com a cabeça e então riu e me perguntou:

- Só me diga que você não começou a falar sobre músculos e tendões com ele.

- É claro que eu não fiz isso. – estreitei os olhos com descrença.

- Sério? – ele disse enquanto andávamos em direção ao carro dele – Todos os estudantes de medicina que eu conheço gostam de falar sobre isso e sobre histórias de necrotério.

- Não falei nada disso. – eu disse enquanto entrava no seu carro Alfa Romeo – Aliás, podia ter me avisado que iria trombar comigo.

- Você não iria parecer tão surpresa se eu tivesse contado. E ele era meio idiota. Eu vi que foi ele que não conseguia responder os seus comentários.

- Você acha que ele vai me ligar? – eu perguntei.

- Acho que não. Mas como ele parece um babaca, talvez ligue. – ele riu.

- Pára de chamar o meu possível marido de babaca, por favor. – eu disse irritada. Sasuke olhou para mim de um modo intenso e começou a gargalhar.

Não consegui fazê-lo parar de rir até chegarmos em casa. Quando entrei em meu apartamento, ele me seguiu sem que eu entendesse por que. Joguei meu casaco e minha touca sobre o sofá enquanto vi Sasuke caminhar para a cozinha. Um alarme tocou na minha cabeça. Corri e me joguei em frente a geladeira antes que ele a abrisse.

- O que você quer? – perguntei tentando parecer casual – Fala que eu pego para você.

- Achei que já tínhamos passado dessa fase e que já podíamos abrir a geladeira um do outro. – ele disse com aquele sorriso de canto irritante.

- Então eu acho que nosso relacionamento está indo muito depressa. – respondi engolindo em seco.

- Eu quero água. – ele disse antes de se virar para a sala – Temperatura ambiente. Nem muito fria e nem muito quente.

Soltei o ar quando ele se afastou e abri a geladeira encontrando apenas água mesmo lá dentro. Eu tinha problemas financeiros. Podia viver com isso. Eu só não queria que o Sr perfeito dono de um alfa Romeo descobrisse isso. Peguei o copo e coloquei a água do jeito que ele queria. Quando me viu, ele perguntou:

- Controle remoto nem pensar, né?

- Isso mesmo. – eu disse indo na direção dele, mas parei perto do telefone – Sabia que eu recebi quatorze ligações?

- Por que eu saberia? – ele perguntou se levantando e pegando o copo da minha mão – Alguma das suas amigas deve ter conseguido um namorado novo.

Sasuke deu de ombros e eu olhei o número. Olhei minha mão e um sorriso se espalhou pelo meu rosto.

- Ai caramba! É ele! – eu disse dando alguns saltinhos. Sasuke apareceu ao meu lado imediatamente.

Mostrei minha mão a ele onde eu anotara o telefone do Jake. Ele tinha uma cara de incredulidade tão grande que eu até ri. Coloquei a secretária eletrônica para tocar as mensagens. As cinco primeiras não falavam nada e eu sugeri que ele poderia ter ficado com vergonha. As outras me deixaram mais animada.

Oi Sakura. Aqui é o Jake. Eu liguei para conferir se você tinha me dado o número certo. (ouvi o som de uma risadinha sem graça) Mas acho que eu liguei cedo demais, né? Bom, quando puder me liga.

Oi Sakura. Aqui é o Jake. Eu me esqueci de dizer que foi muito divertido patinar com você. Espero que possamos repetir isso outro dia. Tchau.

Oi Sakura. É o Jake. Acho que uma presilha sua ficou comigo. Deve ter ficado presa na minha roupa. Vamos marcar para eu te devolver.

- Mas eu nem estava usando presilha. – eu disse franzindo o cenho.

- Agora ele perdeu todo o meu respeito. – Sasuke falou chocado.

Oi Sakura. Jake, né. Vou procurar o cara que te derrubou. Posso fazer ele te pedir desculpas.

- Há! – Sasuke disse rindo e cruzando os braços sobre o peito – Quero ver ele tentar.

Sakura! Oi, é o Jake. Eu quero dizer que você estava linda hoje.

Oi Sakura! Acho que posso descobrir seu endereço com o seu telefone. Aí eu posso te fazer uma surpresa aparecendo na sua porta.
Olhei assustada para o Sasuke e percebi que ele estava tão surpreso quanto eu.

- Ele pode fazer isso? – perguntei levando a mão ao peito.

- Até pode. Mas tem que ter um crachá para fazer isso. – Sasuke falou e ele parecia quase tão assustado quanto eu. Imaginei que o crachá significaria algum tipo de código secreto que só os mafiosos ou os policiais tinham.

Sakura, minha linda. Mal posso esperar para nos encontrarmos de novo.Vou te transformar em uma esportista. Você vai ver. Estou tão animado.

- Acho que não foi uma boa idéia dar o seu número a ele. – Sasuke falou coçando o queixo.

- A culpa é sua! – me virei para ele – Foi você que me arrumou esse esquisito.

Sakura gostosa! Estou tomando banho e pensando em você enquanto...

Sasuke puxou o telefone arrancando o fio enquanto eu assistia com os olhos esbugalhados. Olhei para ele fazendo uma pergunta muda.

- Ok. Não se preocupe. Vou trocar o seu telefone. – Sasuke falou com o meu aparelho de telefone debaixo do braço.

- Tem certeza que ele não pode achar o meu endereço?

- Tenho. – Sasuke falou, mas desviou os olhos o que me preocupou um pouquinho – Eu devia ter desconfiado. Um cara tão promissor teria que ter mais de uma namorada. Mas vou compensar com o próximo.

- Depois do que aconteceu, não tenho certeza se quero ver o seu próximo. – eu disse e me sentei no sofá.

- Ei! Calma! – Sasuke se sentou ao meu lado visivelmente preocupado – Prometo escolher bem dessa vez.

- Sei, sei. – eu disse enquanto me levantava e caminhava em direção ao meu quarto – Vou tomar banho e vou dormir. Faça o que quiser contanto que não cruze aquela porta. – apontei para a porta da suíte - Debaixo do vaso azul na entrada tem uma chave extra. Pode ficar com ela. E tranque a minha casa quando sair.

Entrei no quarto e fechei a porta atrás de mim. Não estava nem aí se tinha deixado um Deus grego sentado no meu sofá. Eu esperava que o Jake maluco não aparecesse durante a madrugada. Tomei um banho relaxante e me joguei entre os travesseiros. Pelo menos eu tinha feito uma boa prova mais cedo. Tentei não ficar tão desanimada com a vida e fechei os olhos esperando o sono vir. Ainda podia contar com os sonhos para ser feliz.

Sonhei mesmo. E sonhei com ele, com o meu vizinho gostoso. Na verdade, não era a primeira vez que tinha aquele sonho. No meu mundo interior, eu sentia que estava em perigo. E corria, mas o inimigo se aproximava sempre. E quando eu achava que iria morrer, Sasuke aparecia forte, poderoso com a farda do FBI e de arma em punho. Quando ele me pegava nos braços, tudo mudava. Eu estava então segura e nós estávamos deitados juntos. Sasuke me abraçava e brincava com meu cabelo. E eu acariciava o seu rosto e deixava os sussurros dele me encantarem. Eu deixava que ele dissesse coisas só para mim, coisas que pertenciam só a mim e a nenhuma outra mulher. Ele se inclinava e mordiscava meu lábio inferior e erguia minha blusa...

PPPPPPPPIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII

Acordei meio tonta e olhei para o meu despertador. Era 06:00 em ponto e eu me virei na cama apenas para perceber que era mais um sonho.