O Cara Da Porta Ao Lado escrita por EstherBSS


Capítulo 1
Capítulo 1 - Sakura


Notas iniciais do capítulo

No próximo capítulo eu colocarei a planta dos dois apartamentos.



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Capítulo 1


Sakura



- Para entender bem o funcionamento da hipófise, é importante estudar inicialmente o seu suprimento sanguíneo. – Li a frase pela sétima vez tentando ignorar like a G6 – Este é feito por dois grupos de artérias originadas da artéria carótida interna: as artérias hipofisárias superiores, direita e esquerda, irrigam a eminência mediana e o infundíbulo; as artérias hipofisárias inferiores, direita e esquerda, irrigam principalmente... ¹

Ladys love my stile, at my table gettin wild

Fechei os olhos e tentei contar até dez. Não funcionou. Levantei da mesa e procurei meus tampões de ouvido. Funcionou por um tempo até o infeliz do meu vizinho aumentar o volume.

When we drink we do it right gettin slizzard

Maldito morador do 3B. Obviamente nem todas as pessoas conseguiam respeitar a lei do silêncio. Apoiei os cotovelos sobre a mesa e coloquei as mãos na cabeça. Precisava ir bem na prova no dia seguinte. Não podia correr o risco de repetir o período. Alguma coisa bateu na parede do outro lado me assustando.

- Ok! – disse me levantando – Isso é mais do que eu posso suportar.

Fechei meu livro de histologia e o levei comigo. Eu não estava muito no meu normal depois das dezenove xícaras de café, mas isso até serviria. Eu deveria estar com os olhos vermelhos e com olheiras e esperava que isso fizesse meu vizinho pensar que eu estava meio louca. Abri a porta e percebi que o som estava ainda mais alto ali do lado de fora.

This is how we live, every single night

Parei em frente a porta ao lado da minha e bati. Não houve resposta então comecei a tocar a campainha. O filho da mãe continuou me ignorando de propósito ou porque não conseguia ouvir. Deixei o dedo direto na campainha sem tirar e fiz uma cara de doida. Depois de algum tempo, a porta abriu e a primeira coisa que ele fez foi tirar a minha mão da campainha.

- Esse som não combina com o ritmo da música. – ele disse sorridente e só então reparou realmente em mim e em meus olhos loucos.

Fui capaz de sentir o susto que ele levou e me segurei para não sorrir. O olhei com todo o ódio que consegui já que era difícil não sorrir para ele. Quando Uchiha Sasuke se mudou para o meu prédio, eu fui uma das muitas mulheres que se encantaram com ele. Afinal, ele é alto, tem um cabelo maneiro, um sorriso lindo e um corpo perfeito. Quando sorri, ele tem o poder de fazer uma mulher se esquentar e ter pensamentos impuros. E ele é policial ou algo do tipo e quando usa farda faz a gente ficar sem fôlego. Ele também sabe ser encantador e charmoso como se soubesse exatamente o tipo de reação que provoca nas mulheres.

As inúmeras mulheres que passaram pelo apartamento dele e o modo como ele me ignorava completamente fizeram com que o meu frisson por ele diminuísse consideravelmente embora eu ainda imaginasse ele sem camisa de vez em quando. Agora, eu tinha catalogado o Sr. Uchiha perfeito na gaveta dos homens tarados compulsivos com uma etiqueta de sonhos impossíveis. Todas as vezes que o via, eu me lembrava que devia isso a todas as mulheres que ele já tinha enganado com aquele sorriso lindo.

Aproximei-me do rosto dele e vi, com satisfação, ele dar um passo para trás. Olhei bem dentro dos olhos dele tentando mostrar raiva e deixá-lo intimidado. Não sei se funcionou muito e não quis arriscar. Voltei a uma posição normal e levantei o livro bem em frente ao rosto dele.

- Consegue ler? – eu perguntei e senti minha voz grossa. Provavelmente resultado de todo aquele café – O que diz aqui, por favor?

- Se é por causa da música, eu falo para a galera abaixar. – ele disse dando mais um passo para trás e evitando o livro em minhas mãos.

- Você está certo. – falei abaixando o tom e deixando-o pensar que tinha vencido – Eu devia ter trazido o Regulamento Interno do prédio e não o livro que eu tenho que decorar para a prova de amanhã! – Sabia que a minha voz tinha saído um pouco histérica, mas não me importei – São duas da manhã! Não é para abaixar, é para desligar a porra da música. Algumas pessoas fazem mais do que dormir até tarde, transar e beber com os amigos.

Quando eu disse a última frase, o vi estreitar os olhos e saboreei meu momento de vitória. Eu tinha, claramente, irritado o Sr. Perfeito e isso me fazia sentir como uma defensora das mulheres que ele já tinha passado a perna. Por um lado, eu também sabia que estava sendo um pouco injusta. Sabia que ele só acordava tarde nos finais de semana e que as festas não eram tão comuns assim. Eu também sabia que ele trabalhava como policial e talvez nem fosse um vagabundo, como eu insistia em pensar.

Vi que ele tentava decidir como reagir à minha explosão repentina. Eu era conhecida no prédio como a pessoal mais calma, mais confiável e mais prestativa ali. Tinha certeza de que brigar comigo, não era a intenção dele.

- Vou ver o que posso fazer. – ele respondeu por fim em um tom frio e cortante. Imaginei se era assim que ele falava com os criminosos. Porque se fosse, todos deviam confessar imediatamente. Quase me senti culpada.

- Meia hora. – eu disse tentando ainda parecer meio doida – Meia hora. – Repeti e trotei de volta ao meu apartamento.

Joguei o livro sobre a mesa e busquei mais uma xícara de café. Encostei-me ao balcão enquanto bebia e esperei pacientemente. Quinze minutos se passaram e ouvi vozes no corredor. Talvez ele estivesse mesmo acabando com a festa. Cinco minutos depois e eu ainda ouvia a música.

- Você ainda tem dez minutos, bonitão. – falei para a minha nova xícara de café.

Conforme o tempo passava e nada acontecia, resolvi que iria ter que fazer ele me entender. Terminei meu café e fui à área de serviço buscar um balde. Enchi-o de água e fiquei pensando que aquilo era muito pouco. Tive uma idéia e corri até a cozinha. Abri os armários procurando até que achei o vidrinho. Parei com ele na mão, incerta se devia fazer isso ou não. Ouvi uma batida na parede outra vez e me decidi. Virei a anilina azul no balde e marchei com ele para a porta. Ouvi vozes na escada e vi que alguns convidados já estavam saindo. Pensei se não deveria dar mais uma chance. Que mal fariam mais alguns minutinhos?

Já estava voltando com o meu balde para o apartamento quando ouvi uma voz feminina gritar:

- Todas as mulheres dançando sem camisa!

Aquilo não deveria ter me irritado, mas me zanguei mesmo assim. Nenhuma festa terminava assim. Toquei a campainha de novo. Fiquei tocando direto, pois sabia que ele viria me atender. Quando ouvi o barulho da maçaneta, segurei o balde preparando minha vingança. Assim que a porta abriu e eu vi que era ele, joguei a água azul com toda a vontade. A música parou na mesma hora assim como todo o movimento lá dentro. Ele permaneceu parado de olhos fechados e cuspiu um pouco de água azul. A mão ainda permanecia sobre a maçaneta da porta.

- Eu disse meia hora. – falei me defendendo apesar da vontade de rir ao vê-lo meio azulado.

Ele não disse nada, apenas me encarou com uma raiva tão grande que eu dei um passo para trás me arrependendo.

- Pelo menos a música parou. – eu disse, recuando mais um pouco. Só sentia os olhos dele pregados em mim – Talvez eu consiga estudar agora. E você até fica bem de azul.

Eu disse e percebi que só então ele notou que não era só água. Ele me olhou com uma clara intenção assassina e eu sumi para dentro do meu apartamento. Fechei a porta e coloquei a mão na boca, não acreditando no que eu tinha acabado de fazer. Percebi que tinha deixado o balde para trás, mas nem sonhando que eu iria lá buscá-lo. Tranquei a porta e me sentei à mesa como se esperasse que os militares fossem quebrar minha janela e entrar com armas de alto calibre.

Fiquei nesse estado de ansiedade por alguns minutos. Como nada aconteceu, eu voltei a estudar. Passava das três quando eu terminei. Fechei o livro com um sorriso de trabalho cumprido e me joguei na cama esperando que o efeito do café sumisse e eu pudesse dormir até a hora de sair para a faculdade. Acabou que eu dormi mesmo. Quando eu acordei, me levantei cheia de olheiras. Ainda tinha sono. Virei de lado e olhei para o relógio. O visor marcava 8:26. Virei para o lado pensando em dormir mais um pouco.

Algo estalou em minha cabeça e eu levantei em pânico. A prova começava às nove! E eu levava uns 20 minutos para ir para a faculdade. Ignorei banho e café. Vesti minha roupa e coloquei o jaleco branco correndo. Passei os dedos no cabelo e o prendi em um coque rápido. Joguei a mochila nas costas e abri a porta. A primeira coisa que eu percebi foi o frio do líquido escorrendo pelo meu corpo. Depois foi a voz dele.

- Vim devolver o seu balde. – ele disse casualmente colocando o no chão a minha frente – E não ligue não porque você fica bem de rosa.

Ele sumiu dentro do apartamento dele mais rápido do que eu supus capaz e temi olhar no espelho. “Por favor, não seja o que eu estou pensando”. Sussurrei mentalmente antes de erguer o braço e ver meu jaleco manchado de rosa.

Xinguei todos os palavrões que fui capaz de pensar. Fechei a porta e tirei minhas roupas a caminho do banheiro. Eu me esfregava com máxima velocidade. Nem me sequei direito e coloquei outra roupa por cima. Olhei no relógio e gemi ao ver que era 08:49.

Desci a escadaria de três em três degraus, quase caindo lá em baixo. O zelador me desejou bom dia e me perguntou se eu não estava atrasada. Concordei com a cabeça e roubei a bicicleta dele, esperando que ele não ficasse muito zangado. Pedalei com força até a faculdade. Corri que nem uma maluca e ao chegar na sala, percebi que a prova já tinha começado. Não preciso nem dizer que aquela bruaca velha não me deixou fazer a prova.

Voltei para casa pedalando com raiva e ódio. Minha mente povoada de imagens assassinas. O zelador nem tinha dado falta da bicicleta e eu a coloquei de volta de modo que ele nem percebesse que ela tinha saído de lá. Subi as escadas degrau a degrau. Sem pressa. Tendo novas idéias de vingança a cada passo. Parei em frente a porta dele e toquei a campainha. Ele não demorou a atender, mas pareceu surpreso ao me ver. Antes que eu abrisse a boca, ele disse:

- Agora não. – e, então, fechou a porta na minha cara. Voltei a tocar a campainha. Ele abriu e disse – Não tenho tempo para lidar com você agora. Xô!

Ele fechou a porta de novo depois de me mandar sair com um gesto da mão. Fiquei ali chocada, dividida entre a vontade de derrubar a porta dele e queimar algo para expulsá-lo com a fumaça. Tive outra idéia.

Entrei em meu apartamento e abri totalmente a janela da sala. Coloquei uma perna para fora e me segurei na janela enquanto me esgueirava pela marquise. Joguei o corpo contra a parede e me lembrei de não olhar para baixo. Assim que alcancei a janela dele, me segurei no ferro enquanto abria o vidro. Com um movimento digno de uma gata, pulei para dentro do quarto.

Vi a cama dele arrumada e me surpreendi com o estado do quarto. Sempre imaginara aquilo como um lugar de sacrifício de virgens com velas, roupa íntima espalhada e potes cheios de preservativo. Olhei e nem mesmo vi correntes na cama. Dei de ombros. Isso não o salvaria de mim. O fato dele ser um tarado asseado não mudava as coisas. Entrei na sala com decisão e com o dedo em riste.

- Não pense que vai fugir de mim. Nós precisamos conversar.

Ele ficou sem reação ao me ver ali. Aproveitei novamente o momento de vitória ao vê-lo ficar branco e engolir em seco. Alguém, que não o Sasuke, pigarreou e eu me virei para ver um homem elegante de terno e uma mulher chique com um chapéu que devia custar mais do que tudo o que eu possuía. Senti meu rosto esquentar e engoli em seco a minha vergonha.

- É ela, Sasuke querido? – a mulher perguntou enquanto me olhava curiosa.

Pensei ter visto Sasuke hesitar um pouco para responder, mas aquilo podia ser imaginação minha. Até que ele apoiou os braços sobre o joelho e acenou com a cabeça. A mulher abriu um sorriso esplêndido e se levantou, vindo em minha direção. Ela segurou minha mão e disse:

- Eu estou tão feliz! Você parece ser uma moça tão boa apesar de ter vindo do quarto dele. – a mulher então riu cobrindo a mão com a boca e eu entendi o que ela estava pensando.

- Não, não. Eu entrei pela janela porque ele fechou a porta na minha cara. – falei me defendendo.

- Pela janela? – ouvi o outro homem perguntar e gostei quando vi Sasuke engasgar sem saber o que fazer.

- Não acredito que o meu filho tenha lhe feito essa desfeita. – a mulher disse com a mão no peito.

- Pois ele fez. Agorinha mesmo. – eu disse e me senti como uma criança que faz fofoca com a mãe do outro.

- Sasuke! – a mulher disse revoltada – Era ela então agora a pouco? – antes que ele respondesse, ela falou – Isso lá é jeito de tratar a sua noiva?

Aquilo chamou a minha atenção. Olhei para ela com o cenho franzido.

- Sua mãe está certa, Sasuke. Deve ser um cavalheiro com a mulher que vai casar com você! – o homem disse e eu vi Sasuke me olhar de um jeito estranho.

- Noiva? Que noiva? – perguntei confusa. Tanto a mulher quanto o homem, que devia ser o pai do Sasuke, me olharam com o cenho franzido. Sasuke saltou do sofá onde estava sentado e me soltou das mãos da mãe dele.

- Eu não acredito que vocês estragaram a minha surpresa. – ele disse e levou minha mão aos lábios com carinho. Olhei para ele como se ele fosse um alienígena. Sasuke me deu uma piscada rápida o que fez minha confusão aumentar.

- Como é que é? – perguntei.

- Oh, querido. – a mulher bateu palmas e rodopiou a nossa volta – Achei que já tivesse feito o pedido. Mil desculpas.

Sasuke passou as mãos nas minhas costas e me empurrou discretamente em direção a porta dizendo:

- Infelizmente, Sakura tem que ir agora porque ela tem uma prova. Ela faz enfermagem.

- Medicina. – corrigi-o com a voz baixa.

- Uma futura médica? – o homem se surpreendeu – Que bela escolha, Sasuke.

- Pois é. – Sasuke concordou abrindo a porta – Mas agora a minha noiva tem que ir. Falo com você daqui a pouco, querida.

Ele me deu um selinho e me empurrou porta a fora. Fiquei parada um instante, chocada demais para raciocinar direito. Então voltei para o meu apartamento esperando que o vizinho do 3B viesse se explicar.


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Notas finais do capítulo

¹Retirado do livro Histologia Básica Junqueira e Carneiro