A Sombra Do Príncipe 1 escrita por Peamaps


Capítulo 5
Capítulo 5




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 AAA ---Ela estava sentada em sua cama e... comia sua comida!

Legolas arregalou os olhos e teve um daqueles momentos raros, que quase nunca acontecia: ela olhou em seus olhos.

A elfa correu até a frente dele e ajoelhou-se:

-Perdão meu príncipe, por favor, perdoe-me.

Legolas puxou-a pela mão quando conseguiu se recuperar da surpresa, mas ainda assim ela não o encarava. Segurando em seu queixo, ele ergueu o rosto dela, obrigando-a à olhá-lo:

-Calma... está tudo bem. Por que pede perdão?

Ela olhava de Haldir para ele, horrorizada.

-Eu... eu...eu não avisei à seu pai sobre seu sumiço... Mas se levasse suas bandejas cheias de volta, todos suspeitariam.

-Mas por que você tem feito isso? - Legolas indagou.

Ela olhou-o em súplica. Os olhos verdes cheios de lágrimas. --- AAA

Peamaps 070212

Capítulo 5

*

Legolas colocou a mão no ombro dela ao se aproximar:

-Está tudo bem, não se preocupe. - Ele lembrou-se por um instante que, em todos esses anos, jamais a ouvira dirigir-lhe a palavra e agora a via chorar.

-Só nos diga por que está aqui, - Haldir adicionou.

Ela olhava para o príncipe com curiosidade. Os olhos molhados e as bochechas brilhando pelas lágrimas derramadas.

-Obrigada alteza, - ela disse primeiro. - Eu estava aqui... não usufruindo de sua melhor comida mas... como posso dizer? Eu estava fingindo que o senhor continuava em sua cama?

-Mas por que?

-Ora, eu sei como o rei o trata. E eu não concordo. Se o senhor tivesse fugido, então eu teria dado-lhe todo o tempo necessário.

Haldir sorriu para Legolas. O príncipe estava boquiaberto.

-Qual o seu nome? - Legolas disse docemente.

-Vandor, senhor. - Ela fez uma reverência.

-Eu agradeço seu sacrifício. Nós estávamos pensando realmente em... - Nesse instante ele sentiu Haldir cutucá-lo e não entendeu o porque. - Nós precisamos nos ausentar e eu não queria mesmo que meu pai soubesse. Ele pensa que estou de cama ainda, não é mesmo?

-Sim senhor. - Ela se levantou, recolhendo uma xícara, entre outros utensílios que na distração, ela espalhara por sobre o criado-mudo e cama.

-Fique à vontade Vandor. - Legolas ofereceu. - Por favor, termine de comer.

Mesmo enquanto ela o obedecia, Vandor parecia mortificada em ter de continuar ali. Haldir imaginou que deveria ser difícil para a comida descer todo o caminho até o estômago e sabia da boa intenção de Legolas, mas era melhor que ele tivesse deixado ela ir. Ela não notava que era observada pois toda vez que levantava seus grandes olhos verdes, Haldir, rápido como qualquer outro guerreiro que tenha treinado em Mirkwood, desviava-se depressa. Ela finalmente terminou de comer e praticamente implorou para ser liberada.

Haldir a acompanhou até a porta, abrindo-a para a criada:

-Se o que você falou for verdade, o Príncipe será eternamente grato. - Ela sorriu contente. - E se caso quiser nos ajudar mais uma vez, talvez tenhamos uma última tarefa à lhe pedir.

-É claro, o que ele quiser. - Ela disse com devoção.

-Tudo em seu devido tempo. - Haldir apertou-lhe o ombro e ela saiu. Ele lembrou-se de trancar a fechadura da porta antes de voltar ao seu protegido.

-Por que não me deixou contar sobre nosso plano? - O príncipe indagou confuso.

-Não sabemos se podemos confiar nela Lass. Veja bem, apenas encontramos ela aqui se fartando de sua comida. Além disso, nada mais sabemos.

-Não fale assim. Que coisa feia. - Legolas desfez seu cinto e pousou a espada de Elladan em um canto, com cuidado. Então lançou um olhar significativo para Haldir.

-Se quiser, eu vou entregar-lhe a espada e trago seu arco de volta.

-Não é preciso. Daqui a pouco eles virão aqui ou nós vamos para lá.

-Deseja tomar um banho? Eu vou pedir para que encham a banheira.

-Não, eu acho melhor dar uma volta por aí e ver se Ada descobriu sobre minha ausência.

-Eu vou com você.

-Não. Se ele descobriu, não quero que puna você Haldir. Mas peça a água quente sim, e tome um banho você. Eu sinto o odor daqui.

Haldir riu:

-Meu cheiro ainda tem nome, eu não sei o que chamar isso que está vindo de você!

Legolas soltou uma risada baixa, enquanto caminhava até a porta.

Andando pelos corredores, ele podia sentir a tensão começar à voltar como não se fazia há dias. Morar naquele lugar era como estar no calabouço, juntos com os prisioneiros de Mirkwood. Talvez até pior pois embora tenham cometido crimes contra o reino, os prisioneiros não precisavam ficar perto do rei, um homem que mudava de humor como o tempo sobre suas cabeças, embora jamais se tornasse “ensolarado”.

Finalmente ele viu o pai no fim de um corredor e ele engoliu seco. Thranduil dava ordens para três serventes que assim como Legolas, tinham pavor dele. Cada um recebeu sua tarefa com uma reverência e parecia sumir dali no instante seguinte, ansiosos por se afastarem. Apenas aqueles mais distantes amavam o rei, os que conviviam com ele tinham medo demais para conseguirem sentir outra coisa. Mas ninguém o temia mais do que seu próprio filho.

Thranduil se virou devagar, ele infelizmente parecia sentir quando Legolas estava próximo. Os olhos frios caíram em Legolas e ele teve de forçar para continuar seus passos, sem se alterar.

Sem cerimônia, Thranduil agarrou-o pelo queixo e Legolas soltou um gemido quase inaudível de dor.

-Ah bom, pensei que estava caminhando por aí com o olho roxo. - Ele disse baixo.

Era toda a resposta que Legolas precisava, seu pai não fazia a menor ideia. Sua pele poderia ter voltado à cor normal mas por baixo dela, as pancadas que levara ainda doíam terrivelmente quando pressionadas assim.

-Jamais faria isso Ada.

Thranduil o soltou.

-Ótimo.

E se foi. Legolas seguiu para a mesma direção onde estava indo, mas quando viu Thranduil dobrar o corredor, ele refez o caminho de volta.

Chegando em seus aposentos, ele ficou surpreso em ver a água ali mas nem sinal de Haldir. Seu guarda pedira a água mas não aceitara a oferta. Ele pegou a espada de Elladan e decidiu visitá-lo.

Quando chegou na ala para hóspedes, ele ouviu vozes altas e alegres de muito longe dos aposentos dos gêmeos. Sua feição já se acalmara e a sensação gostosa que sentia quando próximo aos elfos de Rivendell tomou-o imediatamente. Não era à toa que as pessoas iam lá e se curavam. Havia algo mágico naquelas pessoas.

Ele bateu a porta timidamente. Tinha receio de incomodá-los, sem dar-lhes um minuto de paz e então forçou-se à se lembrar do quanto Elladan, Elrohir e Arwen gostavam dele. Algo tão raro de se ver, à não ser por Haldir.

Então ele se lembrou de Aragorn... Estaria ele ali dentro?

E seu coração deu um pulo mais forte.

Como se respondesse às suas perguntas, o humano foi quem abriu a porta. Ele ficou surpreso pois batera tão fracamente que achou que só ouvidos élficos captariam o som. Uma parte dele fizera isso de propósito, não querendo que o homem o recebesse.

Aquele olhar cinzento que nada lhe dizia mas somente porque ele ainda não entendia seu significado colou-se nele. Legolas sentiu as pernas ligeiramente fracas e perguntou-se se deveria estar ali.

Ao invés de abrir a porta, Aragorn saiu e fechou a porta atrás de si. De relance, ele vira Elladan experimentando a mira de seu arco e Arwen observando-o. Elrohir não estava em seu campo de visão, provavelmente sentando na cama.

-O que foi? - Legolas indagou sem olhá-lo. Seus olhos azuis e brilhantes presos à maçaneta, claramente tentando mostrar que ele queria entrar e não ficar ali à sós com aquele homem.

-Vejo que ainda não se banhou. - Aragorn aproximou seu rosto do pescoço de Legolas e ele deu vários passos para trás como se tivesse levado um soco. - Estava pensando se não gostaria de tomar um banho comigo.

-O que? Mas claro que não. Por que você me persegue Aragorn?

O homem quebrou a distância. Seus olhos sem piscar, parecendo ter o poder de hipnotizar o elfo:

-Porque eu quero você, Legolas. Não percebeu ainda? Eu quero você para mim.

-Você nem me conhece... - Legolas abaixou o rosto. Aragorn se decepcionaria se conhecesse o covarde que ele era, o fraco.

Ele sentiu mãos calejadas pela espada erguer-lhe o rosto. Nem havia percebido que o homem estava tão próximo:

-Eu gosto de tudo o que conheço... - A voz rouca sussurrou.

O som parecia ter o poder de aquecer Legolas por inteiro. Irresistivelmente ele fechou os olhos. Ele sentiu o ar morno no rosto e sabia o que estava para acontecer.

Ele nunca imaginara como seria, mas nada o preparara para o turbilhão de sensações que seria o seu primeiro beijo.

Seus lábios se entreabriram, inexperientes e trêmulos, deixando apenas que Aragorn o guiasse. A língua do humano passou pelas suas defesas abertas e ele sentiu o prazer de tê-la explorando sua cavidade. Legolas tentou imitá-lo mas Aragorn empurrava sua língua para dentro, dominando-o, prendendo-o. Os braços, duros como ferro entrelaçaram-no pela cintura e então o apertou e Legolas sentiu um calor como nunca antes. Percebeu que necessitava seu corpo colado ao homem. Tudo parecia borbulhar dentro dele e ele não conseguia raciocinar.

O beijo se tornou apaixonado e sofrido. Aragorn segurava sua cabeça por trás, bagunçando seus cabelos, a outra mão subindo e descendo em suas costas. Quando a boca que estava levando-o à loucura desceu à seu pescoço, Legolas gemeu.

No instante seguinte ele ficou completamente atordoado. Ao que parece ele havia sido empurrado vários passos para trás, Aragorn ofegava e olhava para o lado, a tensão presente em todo seu ser. A porta estava aberta e Elladan sorria para ele.

-Eu achei que ouvi alguma coisa. - Disse o elfo de cabelos negros.

-Nós só...- Legolas começou, lançando um olhar para Aragorn mas este o ignorava novamente, como fizera no acampamento e passou por Elladan, entrando novamente no quarto. Legolas sentiu o estômago afundar e procurou se recompor logo. - Veja. - O príncipe ergueu a espada com um sorriso bobo, forçado. - Trouxe-lhe sua espada.

Elladan saiu da porta e passou a mão por sobre seus ombros.

-Ninguém pode tocá-la Lass. Mas você pode. Por que não fica com ela por mais um tempo? Ro e eu estávamos pensando em ir treinar um pouco lá fora. Que tal? Antes de um banho pois, Eru, como estamos todos precisando.

-A não ser Arwen. - Legolas sussurrou.

-A não ser ela. Ela sempre cheira à rosas.

Os dois riram e entraram.

Lá no fundo de sua mente, Legolas só conseguia pensar no beijo. Ele sentiu um frio no estômago ao ver o antigo Estel mas este não olhava para ele. Legolas queria repetir aquilo... E talvez passar mais tempo com o homem, desejava conhecê-lo melhor... Só de olhar para ele o príncipe sentia uma empolgação que parecia fazê-lo flutuar do chão.

-Claro que quero. - Legolas respondeu. - Me ensine à manejar melhor sua espada.

Elladan riu virando-se para seu gêmeo:

-Legolas não precisou de lição alguma para lidar com aqueles Yrch, não é verdade Ro?

Elrohir olhou para Legolas com o sorriso mais amistoso e concordou com a cabeça.

-Mas ele precisa aprender um truque ou outro. - Zombou.

-Ainda bem que você tem algo para dar em troca pelos meus talentos com o arco, - Legolas deu uma piscadela.

-Ele está ficando brincalhão não é mesmo? - Elladan disse.

Como não ficar? Legolas queria dizer. Esses elfos eram como uma família que ele gostaria de ter mas Eru não lhe agraciou com tal presente. Ele olhou com carinho primeiro para Elrohir. Ele sempre era tão divertido, distraído e de um humor que fazia todos querer estar perto dele. Arwen era doce mas firme, de uma beleza interior que superava a exterior, e Elladan... bem com ele Legolas sentia uma ligação ainda mais forte. Elladan era protetor e compreensivo, coisas que Legolas sentia mais precisar ter próximo à si, já que ele viveu sua vida só conhecendo o que era estar só e sem um pai e mãe para passar-lhe a mão na cabeça, simplesmente dizendo uma vez o outra que tudo ia ficar bem. E que não importa o erro que ele cometesse, ele teria aonde voltar e ser amado mesmo assim. Não, ele não deveria ser ingrato. Haldir era assim e novamente, se não fosse por ele, Legolas talvez tivesse já se tornado um louco.

Legolas arriscou mais uma olhadela mas Aragorn parecia distraído com sua faca, tirando e colocando suas armas de volta em seus devidos lugares e o humano parecia ter inúmeras e em todo lugar de seu corpo. Ele ouvira falar que o humano de Rivendell viajava muito, e decidiu que quando ele e Haldir fugissem, ele faria o mesmo.

Deixando-se ser guiado para fora, ele, Elladan e Elrohir saíram. Arwen acenou para ele e Legolas percebeu que ela não iria para o treino. Imaginou se a elfa talvez começasse à se dedicar à outras coisas que não fossem geralmente praticada por homens. Ele esperou Aragorn olhar para perguntar-lhe se não iria com eles, mas ele começou a falar algo para Arwen.

O treino foi prazeroso mas terrivelmente cansativo. Legolas se arrependeu de não ter ido dormir um pouco, ao mesmo tempo que a espada dos Noldor o fascinava, assim como a técnica deles. Elladan e Elrohir lhe explicaram que o segredo era o guerreiro se sentir um só com a espada. Nunca devia-se olhar para a arma e tratá-la como parte separada de seu corpo, só assim podia-se chegar ao manejo perfeito de tal arma.

-Nossas espadas são similares à de Lothlórien. - Elrohir explicou, exibindo a sua como um professor. E Legolas imaginou se Glorfindel um dia explicara todas essas coisas dessa mesma forma para eles há milênios atrás, quando Elladan e Elrohir ainda eram crianças.

Então ele imaginou se em breve estaria conhecendo o legendário matador de Balrogs e ele sentiu seu estômago revirar em excitação, agradavelmente. Seria ele, um homem livre?

Os olhos de Legolas brilharam.

-Quando estiver conosco em Rivendell, poderemos mostrar as maravilhas do reino de nossa avó também. - Elladan disse, interpretando de sua forma o brilho nos olhos de Legolas.

-Seria um outro sonho à se realizar.

Eles então viram Haldir se aproximando.

-Que tal você lutar com o Lass? Eu e Elrohir iremos assistir e então lhes daremos uma dica ou outra. - Elladan ofereceu.

Legolas e Haldir se preparam em posição. O príncipe com a espada de Elladan e Haldir com a sua própria.

-Não, use a minha. - Elrohir lançou a sua espada pelo ar.

Eles ficaram admirados com a reverência na qual Haldir colocava sua longa e cintilante espada no chão. Então novamente colocou-se em posição.

Eles ficaram parados ali por tanto tempo, que Haldir decidiu atacar. Legolas parecia estar somente em posição de defesa, e foi indo para trás enquanto o guarda, ágil e de talento admirável, ganhava terreno.

Os gêmeos tinham os braços cruzados sobre os peitos e viravam para cá e para lá para acompanhar a luta, que parecia mais uma corrida para cá e para lá. Então de repente, a reviravolta. Legolas segurou o golpe de Haldir e lhe deu uma rasteira. Rápido como um raio, ele sacou sua adaga da bota enquanto mesmo o guarda caía e quando suas costas encontraram o chão, Legolas já estava pronto, apontando a ponta em seu pescoço.

-Incrível, - disse Elrohir boquiaberto.

-E ele jamais teve a chance de ir à uma patrulha. - Haldir batia na própria roupa para se livrar da terra. Nenhum vestígio de desgosto nele, ou de que tenha se sentido humilhado.

-Isso é um desperdício, - Elladan considerou. - Glorfindel teria lhe colocado como chefe da guarda há muito tempo.

-Está bem, agora vamos às lições. - Legolas disse ansioso. Alheio à tantos elogios como se não estivessem falando dele.

Os três elfos mais velhos olharam para o príncipe com carinho.

Legolas tinha a alma de uma criança, Haldir pensou. Ele observou seu protegido tomar posição para duelar com Elladan. A alegria era clara em seus brilhosos olhos azuis e Haldir sentiu-se emocionado, as lágrimas querendo cair e à custo retidas.

-Legolas precisa fugir daqui a qualquer custo. - Ele disse baixo. - Vocês não sabem como ele é quando não estão aqui.

-Eu posso imaginar. - Elrohir falou. - Não se preocupe Haldir. Ele vai escapar. Nem que isso custe nossas vidas.

Legolas lutou com Elrohir e Elladan e estava exausto. Ele teve mais dois duelos com Haldir mas venceu ambas, mas não derrotou os gêmeos. Eles continuavam fazendo mistério quanto aos pontos onde Legolas precisava melhorar como um espadachim.

Por fim, todos estavam suados e pingando, ofegantes e silenciosos, como se até falar fosse grande esforço. Elrohir foi o primeiro à ir ao chão, sentando-se na terra. Os outros o imitaram. Por um ou dois minutos, eles apenas se concentraram para que a respiração se normalizasse. Finalmente, Elladan falou:

-Lass, vi que sua estratégia é nunca atacar primeiro. Isso foi ótimo quando usado como no ataque dos Yrchs mas você não deve fazer isso com um guerreiro treinado. Você sabe tudo o que Hadir sabe, mas talvez não vencesse um elfo que usa a arte de Lothlórien por exemplo. Tudo bem, nunca será preciso que você lute com um elfo, mas quando atacar seu inimigo não se preocupará jamais em ter um duelo justo. Se viver na natureza tempo o bastante, verá que encontrará bandos. Grupos de homens, Yrchs e eles se aproveitariam da forma como você se afasta do outro enquanto luta. Você seria apunhalado pelas costas. - Ellada disse.

-Acho que devemos treinar todos os dias enquanto estivermos aqui, - Elrohir sugeriu.

-Obrigado. - Legolas disse com empolgação. - Mal posso esperar para melhorar então.

-Você não é um príncipezinho mimado ou preguiço, como posso ver. - Elladan sorriu aprovadoramente.

Enquanto se banhava na quentíssima água, Legolas fechara os olhos e apoiara a cabeça na banheira. Ele adormeceu sem perceber – um costume seu que por incontáveis anos Haldir tem tentado fazer com que ele parasse – e só acordou quando sentiu seus fios de cabelos serem levemente puxados.

-Hã? - Ele disse sonolento.

-Elbereth, Lass. Você estava dormindo de novo. - A voz de Haldir ecoou nas paredes de pedras.

-Desculpa, nem percebi.

-Eu sei que a água é gostosa, mas você não consegue controlar o sono então precisa tomar banho depressa e sair. Não deve relaxar aí dentro.

-Mas eu preciso do calor...

Haldir franziu o cenho. Desde quando elfos sentiam frio assim? Mas não disse nada por um tempo, limitando-se à ajudar Legolas lavando seus cabelos. Eles estavam sujos como jamais haviam ficado antes.

-Quando quiser relaxar, apenas me chame. - Ele disse em tom menos zangado. - Eu seguro sua cabeça para fora da água.

-Haldir, você não é o meu servente.

-Não. Eu sou sua babá, lembra?

Os dois riram. Era Haldir, e não seu pai que o vestia depois que sua mãe morrera. Thranduil largara Legolas nas mãos das servas para que tomassem conta dele.

Haldir voltava o mais rápido que podia, como se fosse ele o pai da criança, e retomava os cuidados do pequeno elfinho e dispensando as servas. Elas saíam de bom grado, e a história se espalhou fazendo com que Haldir fosse querido e admirado pelo que fez pelo príncipe.

Haldir se lembrou de quando tudo começara. Ele achou que Thranduil estava de luto... e deprimido, desculpando-o por uma distração e outra. Um mês se passou e aquilo havia se tornado estranho, o rei simplesmente não pegava seu filho, quase idêntico à sua própria imagem ao mesmo tempo que se parecia também com a mãe, mulher que Thranduil amara com devoção.

Como a morte da rainha tivesse levado até o último vestígio de bondade do rei, Thranduil secou-se. Secou-se como uma árvore que já passara de seus milênios, como uma flor deixada ao sol por algum tempo. Desconfiado mas sem querer aceitar a realidade, Haldir andava próximo ao rei como uma sombra mas realmente Thranduil não se interessava pelo menino. Na confusão de quem realmente iria cuidar do pequeno Legolas, Haldir ou as criadas, uma vez o bebê foi deixado sozinho em seu berço...

Por muito tempo...

Haldir só percebeu quando, ainda seguindo Thranduil, ele viu de relance uma das criadas que deveria cuidar do príncipe, beliscando alguns petiscos e conversando animadamente. Mais do que depressa ele correu até os aposentos de Legolas; ainda tão pequeno mas já afastado do quarto dos pais.

Ele se aproximou do berço e algo chamou sua atenção. Havia um líquido branco caindo pela lateral da boquinha do bebê. Haldir passou o dedo e cheirou. Vômito. Então ele notou que o bebê estava anormalmente pálido e colocou a mão no rostinho bochechudo. Ele estava frio...

Haldir tomou-o nos braços em pânico e o levou à uma mesa que tinha ali. Ao encostar na pequena boquinha, notou que ele não respirava. Depressa ele tentou abrir a passagem de ar e fez respiração boca a boca. O tempo passava e o pobre bebê não reagir.

As lágrimas já caíam copiosamente. Haldir massageava o peito do menino e não desistia de trazê-lo de volta a vida. Depois do que pareceram-se com anos, Legolas engasgou e tossiu. Mais vômito voou no rosto de Haldir mas ele mal se importou. “Oh Eru! Graças à Eru! Graças à Eru!” Ele apertou a criança em seu peito, soluçando de tanto chorar e nunca mais saiu de perto dele. “Eu vou cuidar de você agora Legolas... Eu vou sim.”

-Acho que estou velho demais para permitir que você lave meu cabelo. Mas eu gosto demais disso. - A suave voz de Legolas trouxe Haldir para de volta à quase dois milênios depois.

-Eu sei o quanto gosta, querido Las.

-Não sei o que seria dessa vida sem você Haldir, eu não sei mesmo. - Legolas disse bem baixinho.

Haldir o conhecia tão bem que percebeu que o príncipe tinha voltado à dormir. Ele se sentou próximo à banheira, então se lembrou de algo e saiu. Quando retornou, abriu um livro na página que ele havia marcado e se sentou num banquinho baixo. Só teria de olhar para Legolas de vez em quando, para cuidar para que não se afogasse.

Tantos anos se passaram e sua preocupação continuava a mesma.

A noite de terror que ele passara à tantos anos, ainda continuava fresca na memória. Como último recurso ele ainda contara à Thranduil sobre o ocorrido. A princípio o rei arregalara os olhos, mas Haldir não sabia o que ele sentira. Ele nem fora ver Legolas. Foi ali que Haldir decidiu que não mais duvidaria do amor do rei pelo príncipe: ele não o possuía.

Num momento de impulsividade ele disse tudo o que lhe ia à mente nos últimos meses e isso lhe rendeu sua primeira punição. Haldir não pensara nas consequências até que estava preso no calabouço e sem poder ir proteger Legolas. Mas suas ações deram-lhe frutos e durante a uma semana que ficou preso lá embaixo em uma escuridão sufocante, as criadas e outros guardas, que gostavam muito de Haldir iam lá lhe dar notícias, e Legolas ganhou mais babás do que nunca naquele interim. Conforme Legolas crescia, o abuso começara e Haldir testemunhou de longe quando a pequena e graciosa criança, com os cabelos já na altura do ombro, aproximou-se do pai. Seus olhos se arregalaram e ele correu, mas ele estava há grande distância dali. Thranduil afastou sua mãozinha uma vez, depois outra. O rei estava sentado com apenas seu conselheiro e por isso mesmo ele era perigoso, pois não fazia coisas do tipo quando haviam visitantes ou outros elfos à sua volta. Na terceira tentativa em agarrar o manto do pai, pedindo atenção, Thranduil levou as costas de sua enorme mão, tão grande para o rosto de um nenê em cheio na face de Legolas. O pequeno elfinho caiu no chão e chorou à plenos pulmões.

Haldir vira como em câmera lenta a perna do rei ir para trás, tomando impulso e sua boca abriu em horror. Thranduil quase conseguira chutar o filho quando Haldir se jogou para cima do rei. Temendo que desta vez Haldir fosse executado, o conselheiro o agarrou com toda a força que possuía. Ele fora um guerreiro antes, endurecido pelo treino e conseguira segurar o guarda. Então o pior não acontecera e Thranduil devolveu o baque acertando seu punho em cheio no nariz de Haldir, mas ele não mais se importou.

Conforme Legolas foi crescendo, nem sempre era possível estar próximo ao príncipe pois Thranduil na verdade considerava-o como seu melhor guarda e o mandava para missões, de quando em quando. Haldir chegara a insistir para levar o príncipe consigo, mesmo que a viagem fosse talvez cruzar em campos onde orcs foram vistos passar, mas o rei não deixava. Então Haldir realizava suas tarefas, cansando seu cavalo quase próximo à exaustão para ir e voltar logo. Ele sempre encontrou Legolas roxo, após apanhar tanto quando voltava, e se perguntava se Thranduil o tirava de perto com esse mesmo propósito.

O rei culpava o filho. Assim que ouvira-se o choro do bebê, os olhos da mãe se fechara e para sempre. Haldir, como guarda pessoal dela, estava presente e ele vira no olhar de Thranduil o desespero da perda daquela que era sua luz, e então ele olhara para o recém-nascido atônito. Haldir realmente se pensara por um minuto ou dois se o rei enlouquecera.

A parteira trouxera o bebê inchado e vermelho, enrolado em um pano para o pai. Então ele virou-se e saiu do quarto.

Thranduil então passara mais tempo ao túmulo da mãe de Legolas do que perto daquele que estava vivo e também era sua família. Por anos ele se fechara, tornando-se cada vez mais agressivo. Ele não sorria muito enquanto a esposa vivera, mas jamais foi visto um só gracejo após a morte dela. Thranduil tornou-se uma sombra, e tendo poder nas mãos, tornou-se uma figura medonha. Os elfos de Lothlórien, Rivendell e outros não mais eram bem-vindos ali. Galadriel se preocupara com Legolas e podia ver coisas, mas ela também desistiu de se convidar ou pedir para vê-lo. Apenas Elrond jamais desistiu e talvez agora, sua persistência gerasse frutos.

Haldir deveria ter pego Legolas e fugido antes, mas o príncipe sempre dizia que jamais abandonaria o pai. Seu coração, puro como o de uma criança e resplandescente como a de um anjo ainda o amava, ainda o perdoava e ainda tentava compreendê-lo. Mas não mais. Legolas aos poucos acordava. Se não saíssem dali, um dia, mais cedo ou mais tarde, Thranduil iria matar o filho. Não havia ninguém que pudesse impedi-lo. Ele mataria o filho e então Haldir, pois o guarda iria degolá-lo vivo e por algumas vezes quase o fez. Ou ele mataria o guarda primeiro para poder chegar ao filho.

Em todos os abusos, toda a violência que só aumentava, Legolas jamais se defendeu. Nem sequer empurrou o pai para impedir que ele fosse machucado. Ele aguentava tudo de cabeça baixa, gemendo baixinho.

O último golpe foi ver que agora Thranduil lhe quebrava os ossos. Haldir não tinha certeza de que se o rei tivesse alguma arma próxima a ele, que ele não tivesse usado contra o filho. Uma vez ele lançara uma garrafa cheia de seu melhor vinho e Legolas desviara, o objeto era tão grande e pesado que poderia até ter matado Legolas se atingisse o alvo.

Haldir vivia em constante tensão, sentindo-se vigiado o tempo todo e achando que Legolas era vigiado também.

Foi nesse instante que ele ouviu o farfalhar de tecidos. Mais do que depressa ele largou o livro, colocando-o silenciosamente em seu banco e saiu da ala de banho. Ao entrar nos aposentos de Legolas, ele viu a porta, que deveria estar trancada, se fechar.

*

Van = Bela + Dor = Terra – Nome da criada do Príncipe em Sindarin

Eru - Deus

Yrch – Orcs

Noldor – Raça dos elfos de Rivendell (Valfenda)


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Notas finais do capítulo

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