O Sequestro escrita por Lívia Black


Capítulo 30
Capítulo 28. Segredos Selvagens e Soltos


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Cá estou eu com mais atualização. Particularmente, não gostei muito desse capítulo, mas vou deixar pra vocês decidirem se ele está agradável ou não. Ele é necessário para a trama. Obrigada a todos que comentaram no capítulo passado, vocês deixaram uma autora recém surgida das cinzas muito contente! Até que teve muitas leituras, mais do que eu esperava para uma história que estava morta... Espero que vocês continuem me incentivando a revivê-la!



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—O que você está fazendo com isso? – Perguntou Poseidon, olhando para Atena segurando o caderno disfarçado de livro como se estivesse imensamente chocado. Na realidade, ele estava se sentindo tenso, por mais que tivesse se antecipado e ensaiado para a cena que viria a seguir. – Não era para você ter isso em mãos! – Mentiu, porque era exatamente com a intenção de Atena tê-lo em mãos que ele e Lans haviam forjado aquele caderno de cartas e aquele esconderijo.

—Ora, do jeito que estava tão mal escondido até parecia que você queria que eu achasse... -Um arrepio percorreu a espinha do Deus, conforme Atena ia folheando o caderno com sua letra. Era incrível a capacidade de dedução que ela tinha, mas não podia dar margem para que ela assumisse aquilo. O plano tinha que correr bem, fosse ele de acordo com ele ou não. -Tudo bem que você é um energúmeno desprovido de sinapses nervosas, mas até mesmo desse jeito, quem colocaria a palavra “SENHA” como senha?

Engoliu em seco. Aquilo tinha sido realmente frustrante; parecia que ele era o ser mais burro do planeta e algo dentro de si – que ele não sabia dizer exatamente o quê- não gostava que Atena tivesse essa visão dele.

—Eu achei que justamente por ser óbvio seria a última opção que você escolheria! -Justificou-se, cruzando os braços e fazendo um beicinho involuntário.

A deusa somente revirou os olhos.  

—Pois achou errado. -Em seguida, tossiu exageradamente alto, e colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha. -Deixe-me comentar sobre uma parte que me intrigou bastante. Vou lê-la de novo, para refrescar sua memória...

“Cara Atena,

Com meu tridente em mãos, já produzi os maiores maremotos e dilúvios que esse mundo já se conheceu, mas nenhum se comparou em ferocidade e grandeza com o brilho azul do seu olhar, ao vencer àquela disputa por Atenas. Já discutíamos e disputávamos antes, eu seu Tio, você minha sobrinha, mas sua voz nunca sequer abaixou o tom para falar comigo. Observava minha companhia feminina com desdém, como se não fosse digna de ti, seu corpo musculoso, suas curvas de deusa.  Você estava ciente de quanto eu queria ganhar aquela cidade para mim, mas mesmo assim, não teve pena ou redenção, sobrepujou meu cavalo com a sua oliveira e fez de mim, mais uma vez, um perdedor, devoto aos seus pés. Oh, cara deusa da sabedoria. Como eu a odiei naquele instante. Odiei sua perspicácia e capacidade de me derrotar apenas com a sua inteligência e percepção das necessidades reais de um povo. Você foi a única que, diante da minha grandeza, nunca se arrefeceu, e sempre manteve a postura cintilante de deusa da guerra, destemida, impossível de ser derrotada. Você me fez sentir, diante dos mares que eu controlava, como um minúsculo grão de areia. E a partir daquele instante, eu não pude negar que eu estava perdidamente fascinado por você.”    

Poseidon ouviu as palavras, que já tinha decoradas na mente, com uma calma e sossego impecáveis. Atena frisava cada elogio com malícia e satisfação pessoal, e depois de terminar de ler, lançou um olhar acusatório para ele, como quem diz “explique-se agora ou cale-se para sempre.”

—O que é que tem?  -O deus perguntou, como se ela tivesse lido um maçante trecho da história do Olimpo ou algo parecido, e não um texto que exaltava cada detalhe dela. Escrito por ele.

—Como assim o que é que tem? -Atena colocou a mão na cintura, sua voz soando um pouco esganiçada demais. -Isso é praticamente uma declaração de amor para mim!

Poseidon riu de canto, balançando a cabeça de um lado para o outro.

—Você entendeu tudo errado, Atena. Isso é uma carta de ódio.

É claro que aquelas palavras eram de um ser apaixonado, mas ele jamais admitiria isso para Atena. Sem dúvidas, a carta não era de ódio, e sim de admiração profunda.

Quando Alana o pedira para escrever suas reminiscências com Atena, com uma visão que exaltasse sua beleza e poder, achou que nada sairia da ponta de sua caneta e que contemplaria o papel vazio pelo resto de sua existência.

Foi bastante surpreendente como as palavras surgiram com naturalidade, no entanto, quase como se estivessem escondidas num canto obscuro de seu coração e se permitissem escorrer de repente como um pequeno furo na represa de seus sentimentos. Ele jamais admitiria, sequer para si mesmo, que havia algo de sincero naquelas letras.

—Você diz que estava perdidamente fascinado...

De uma maneira ruim. Como quem quer te ver tropeçar e cair de cara no esgoto ou que você engasgue com a própria língua.

—Tudo bem. -A loira se deu por vencida, apenas porque tinha algo melhor para acrescentar na discussão. -Então veja se consegue explicar isso...

 

“Cara Atena,

Por muitos séculos, tudo em mim tinha sede de lhe chamar a atenção, de despertar-lhe a ira, de consumar nosso ódio mútuo. Eu queria saber se você tinha ciúmes e inveja de mim, como eu tinha de ti, dando atenção às suas guerras, às suas sacerdotisas, ao seu amado pai.

Foi quando decidi seduzi-la. Medusa. A pobre moça, inocente sacerdotisa do seu templo, que foi demasiado fraca para resistir aos meus encantos.

O que você fez com ela, depois que nos deitamos no seu santuário, manifestou-se como a pior versão de ciúmes que eu já assisti. Você transformou uma mulher linda num monstro mortal fadado a ficar sozinho, somente porque ela teve o que era seu por direito.

Foi aí que eu percebi que você também estava loucamente apaixonada por mim.”

—Esse “também” implica no quê, exatamente, Poseidon? – A loira perguntou, a petulância decorando sua face.

—Definição de Paixão: Sentimento intenso; amor, ódio ou desejo demonstrado de maneira extrema. Caso não tenha percebido, Atena, o ódio se inclui no conceito de paixão. -Ele não sabia de onde tinha tirado aquela definição, ou se ela era mesmo válida, mas qualquer coisa servia para refutar a deusa e tirar da cara dela toda aquela postura esnobe de quem ganhou a maior fatia de bolo.

—Tudo bem. Continue se fazendo de tolo. -Ela deu de ombros, como se de repente não se importasse mais com aquilo. -Eu vou continuar lendo as cartas e descobrir o que isso significa sozinha.

A deusa deu de ombros, e virou as costas para se retirar do aposento.

Poseidon pensou em falar alguma coisa para impedi-la, até se lembrar de que Atena lendo aquelas cartas era justamente o objetivo pelo qual as havia escrito, em primeiro lugar. Apenas ficou parado observando-a enquanto ela se afastava para o andar de cima.

x-x

Atena estava confusa.

Dos milhões de motivos que ela teria para se sentir assim, ela nunca imaginou que fosse a sua relação com Poseidon que pesaria ameaçadoramente naquela balança.

Sentia uma sensação esquisita na ponta de seu estômago, como se quisesse vomitar, embora não tivesse comido nada.  

Ela não conseguia acreditar que em apenas três dias tantas coisas inacreditáveis pudessem ter acontecido entre eles.

Por todo o Olimpo, eles haviam se beijado! Não apenas uma, mas duas vezes! E se isso já era semi-impossível, o que havia motivado esses beijos era ainda mais. Na primeira vez, pelo menos, ela conseguira engolir a desculpa de que fora por causa de seus gritos exasperados. Mas a segunda era simplesmente inadmissível. O cristal da verdade, que continha seu icor, e portanto seus sentimentos mais íntimos, havia revelado um desejo secreto, que nem mesmo ela sabia que tinha, de ser beijada, pelo seu pior inimigo. E ele estava certo: toda a desculpa que ela havia dado, de que era pela sensação física do beijo em si, e não por causa dele, não funcionava tão bem quanto ela gostaria. Porque afinal, se ela o achasse realmente repugnante, como ela veemente afirmava, não importaria o quanto beijar fosse bom, ela não desejaria que ele pressionasse seus lábios contra os dela. E contrariando todos os seus instintos mais básicos, todas suas crenças mais essenciais, aparentemente era isso o que ela queria.

Como se não bastasse essa revelação marcante em sua vida para lhe render uma boa dor de cabeça, ainda havia aquelas cartas misteriosas, que ele insistia em dizer que eram de ódio e desprezo, quando claramente não eram.

Quando irrompeu bruscamente pela porta da biblioteca, o caderno abraçado contra si, lágrimas escorriam pelas bochechas da loira. Ela não queria chorar por motivos tão estúpidos como aqueles, mas ela estava sozinha com ele, há dois mil metros de profundidade, e a solidão, o medo do que aquilo tudo significava, eram simplesmente assustadores demais.

 Pelos céus, o que aquilo implicava em seu juramento? Será que ela não queria mais ser devota à castidade? O quão absurdo era seu pior inimigo ser o genitor de tais dúvidas cruéis? Não era como se tivesse opção a não ser permanecer intocável...Nunca foi uma escolha apenas sua, na verdade. Tinha haver com algo muito mais profundo que ainda machucava muito.

[Flash Back: On]

Ela a abraçou por trás, delicadamente, e Atena teve que disfarçar o asco que sentiu ao sentir o perfume demasiado adocicado adentrar suas narinas.

—E aí, meu amor?– A voz dela era arrastada e continha sempre uma ponta de sadismo inconfundível. - O que você decidiu? – Questionou, como se falasse do tipo de casaco que ela tinha escolhido para vestir e não sobre escolher entre ser amaldiçoada pelo resto da vida e se deitar com quem ela não amava.

A loira respirou fundo.

Aquilo não seria fácil, de nenhuma maneira, mas precisava ser feito. Desvencilhou-se dos braços finos e fortes, e virou-se para encarar a deusa de cabelos curtos.

—Eu não vou ceder à sua chantagem. – Afirmou, a postura firme, de quem não ia mudar de ideia. -Eu não a amo. -Frisou, seca, porque queria que ela percebesse o quanto aquele fato era relevante na relação que ela queria estabelecer entre ambas.

—Eu já disse que isso não é um problema.

Atena revirou os olhos. Era impressionante como ela não cedia, diante dos fatos mais óbvios. Nunca tinha visto uma paixão tão consumidora, que parecia devorar toda sua alma num piscar de olhos.  

—É um problema, para mim.  

—Você sabe que a minha vingança vai pesar sobre seus ombros. -Comentou, como se falasse sobre o tempo. O vestido verde que usava contrastava com suas íris venenosas. -  Ainda assim, prefere ser amaldiçoada para o resto da sua existência a passar uma noite comigo? -Perguntou, com um tom de desdém, que Atena sabia que era falso. Sabia que no fundo, ela estava magoada.

—Eu serei uma deusa donzela. Nunca vou me permitir ter relações carnais. Logo, a maldição não pesará sobre mim... -Sorriu gloriosamente, como se apresentasse a mão vencedora num jogo de cartas. A outra apenas arqueou a sobrancelha, claramente descrente do que ouvia. – É uma escolha que eu faria, de uma forma ou de outra, mas você facilitou as coisas.

—Você vai se arrepender, Atena.

[Flash Back: Off]   

Aquela frase ainda ressoava em seus ouvidos. Será que finalmente chegara o momento em que ela teria que escolher entre sofrer a dor de uma vingança ou seguir os desejos mais íntimos de seu coração?

Quer dizer, desde quando aqueles eram os desejos mais íntimos de seu coração?

Era só uma atração passageira. Sequer isso!

Mas e Poseidon? Será que por algum absurdo, aquele energúmeno apático estava verdadeiramente apaixonado por ela?  Ou só estava se aproveitando de sua fragilidade para deixá-la mais confusa e assustada? Ele parecia realmente frustrado por ela ter encontrado o caderno, como se fosse um segredo que ela havia invadido ou como se tivesse exposto seus sentimentos. Mas e se fosse só uma brincadeira de mau-gosto, para ver como ela reagiria? E se naquele exato instante, ele estivesse rindo da cara dela, primeiro por ter esfregado em sua cara o desejo que tinha de beijá-lo, segundo por aquelas cartas comprometedoras? Não bastava somente o sofrimento de ter sido sequestrada, tinha que somar todos aqueles sentimentos confusos entre eles?

Parecia tudo uma grande piada. Se alguém, há 3 dias, sugerisse a ela a possibilidade de Poseidon estar apaixonado, primeiro ela riria e falaria que “peixes mal-formados não tem capacidade de nutrir emoções complexas”. Depois, mandaria a pessoa procurar o manicômio mais próximo.

Quer dizer, ela tinha certeza de que o havia entre eles era ódio. E conflitos. E diferente do que aquelas cartas faziam parecer não eram brigas recheadas de uma tensão sexual, como quando ele seduzira Medusa. Atena se vingara apenas por ódio de ter seu templo sagrado profanado, e por nada além disso.

Certo...?

De repente, as justificativas absurdas pareciam fazer sentido em sua cabeça. Afinal, por que ela se incomodava com o fato de ele ser mulherengo? Tudo bem, ela acharia repulsivo qualquer ser que trocasse com exacerbada frequência de parceiro sexual, e que tratasse pessoas como objetos, mas será que era isso? Quando o via com alguma mulher... Era como se quisesse ter os relâmpagos de Zeus para arremessar na cabeça dele e subitamente isso não parecia mais tão natural quanto antes. Além disso, o que era aquela sensação de felicidade enquanto lia os elogios que ele fazia a sua pessoa?

Atena tinha que confessar, era como se uma parte sua, que ela não sabia como surgira ou porque existia, quisesse que Poseidon estivesse apaixonado por ela e gostasse da ideia. E que por outro motivo ela iria gostar disso, já que não era uma pessoa vaidosa, senão porque eça sentia o mesmo?

 Mas ela não podia sentir.

Ela o odiava.

 Como seria possível odiar e desejar alguém ao mesmo tempo?

Resolveu fazer o que disse que faria e ler mais daquelas cartas. Só elas poderiam dizer como proceder dali em diante.

x-x

Poseidon estava ansioso.

Não gostava de ficar sozinho naquela bolha – quer dizer, redoma! -, mas ao mesmo tempo sentia que tinha que respeitar o espaço de Atena.

Estava se sentindo um pouco culpado, pois tinha quase certeza de ter ouvido alguns soluços quando ela alcançara o andar de cima, e plena consciência de ser o único responsável por eles.

Era estranho. Fazer Atena pagar por ser aquela metida de nariz empinado sempre fora a maior das suas intenções, mas ao vê-la triste algo em si pareceu arrefecer e morrer. Aquilo era esquisito para ele. Não costumava sentir piedade de seus inimigos, em nenhuma ocasião.

Mas eles não eram inimigos comuns.

Eles eram inimigos que se beijavam. E por mais que tudo fizesse parte de um plano maquiavélico de Alana, de conquistar o coração da deusa para depois parti-lo em milhões de pedacinhos, não era pensando no plano que agira daquela maneira nos últimos dias.

Pedira pra ela esfregar suas costas no banho. Passeara com ela de mãos dadas pelo jardim. Fizera todas as refeições com ela. Escrevera mais de trinta cartas pensando nela.    A beijara com uma vontade que parecia ter sido acumulada por milhões de anos, que ele não sabia reconhecer da onde viera, e tinha certeza que fazia muito tempo desde que se sentira excitado daquele jeito...

Só de lembrar de sua mão escorregando para dentro da saia dela, um arrepio de prazer percorria sua espinha, e seu coração queimava dentro do peito como se quisesse explodir.

Seria tudo isso só por que a odiava? Faria sentido, se não se lembrasse de que odiava Zeus, e que o ódio não era suficiente para gerar esse tipo de sensação obtusa. Muito menos desejo.

 Será que o plano tinha se virado contra ele mesmo? Será que ele estava...verdadeiramente...apaixonado por Atena? Será que era por isso que as críticas e ofensas dela o irritavam e feriam tanto seu orgulho?

O deus balançou a cabeça e soltou um grunhido de asco. Ele estava pensando na loira-aguada virgem e irritante que adorava dizer que ele não tinha neurônios. Não havia a menor possibilidade de estar apaixonado por ela. Nenhuma .

Depois do que forma duas tediosas horas de contemplação,  decidiu ir ver por fim como ela estava. Abriu a porta da biblioteca sem bater, afinal estava em sua própria propriedade, e a encontrou sentada no chão,  com a maquiagem borrada.

Encararam-se em silêncio por alguns minutos.

—E aí? O que você concluiu lendo toda essa porcaria? -Perguntou, despreocupado, como se não tivesse reparado que ela estava chorando.

A deusa se levantou e começou a caminhar em direção a ele. Pela postura firme que ela mantinha, Poseidon se preparou para levar um ardido tapa na cara. A sua surpresa foi incomensurável quando, no entanto, ela colocou os braços ao redor de seu pescoço e ficou incrivelmente perto...      

 


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Notas finais do capítulo

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