O Sequestro escrita por Lívia Black


Capítulo 27
Capítulo 25. -Os Jogos Em Que Somos As Peças (P.2)


Notas iniciais do capítulo

Nhá, não foi em uma semana, mas não completou duas (eu acho), então ainda estamos na vantagem, não é meus limdjos? ;3 ~hehehe *desvia das pedras*
Obrigada pelos reviews perfeitos, que me incentivam, que me fazem reluzir e escrever, mesmo em momentos de desânimo...>< Cada um deles significa muito, muito mesmo =D
Desculpem-me por eu ser uma autorazinha má, na maioria das vezes...Mas algo me diz que vocês vão gostar desse capítulo, hehehe
Beiiijinhos no coração ♥
L.B.



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Capítulo 25. - Parte II 

Capítulo 25. -Os Jogos Em Que Somos As Peças. (P.2)

Paixão.

 Finalmente, o jogo começava a se inclinar na direção perigosa...

Ou melhor, começava a se inclinar na direção que Poseidon queria que ele se inclinasse.

Atena, com certeza, não faria a menor questão se o jogo passasse o mais longe possível dessa linha de perguntas. Obviamente ela nunca diria isso, primeiro porque, bem, uma pessoa como ela tem o que temer de perguntas relacionadas a esse assunto. Segundo, porque sugerir a Poseidon que não enredasse por esse ramo de perguntas seria a maneira mais eficiente de garantir que as perguntas dele se refeririam - quase única e exclusivamente - ao tópico.

Aquele começo infantil e estúpido havia sido apenas um disfarce, para encobrir todo e qualquer indício de que era sobre aquele tipo de pergunta que o Deus queria ouvir os lábios de Atena entoando respostas.

E não precisava ser um gênio para perceber a empolgação de Poseidon com perguntas como aquela. Isso porque ele sabia que era justamente aquele tipo de pergunta que abria brechas na armadura invisível de frieza que ela tanto adorava vestir. E que ele tanto precisava ultrapassar.

-Er... –Atena não podia dizer que fora pega de surpresa, mas também não pôde evitar ficar sem reação, pelo menos nos primeiros 10 segundos, depois que seu cérebro conseguiu digerir a pergunta que Poseidon simplesmente lançara em sua direção, sem dó nem piedade. As pontas de seus dedos tremiam, enquanto o que de início tateava seus lábios em busca de uma fuga era um incisivo e direito “não”, que findaria o assunto e a deixaria respirar em paz. Claro, não poderia existir um “sim”, se envolvesse aqueles assuntos sobre os quais ela não gostava de se recordar- e não podia falar. Mas Poseidon havia dito apenas “paixão”- ela havia notado essa sutil e doce diferença- e a verdade era simples e clara demais. Ela era uma deusa fria, sim, mas não sem sentimentos. Nem mesmo sua inquebrável obstinação, seu voto, e sua preferência por objetos inanimados conseguiram impedir seu coração de pulsar mais forte, ao menos uma vez, ao longo de todos aqueles milênios. Ela sempre procurava afastar aquelas lembranças, sempre preferia fingir que Ele não havia existido. Mas não era como se fosse possível apagar, de verdade, e não era como se aquele Cristal fosse aderir a um drible, a uma encenação. –Sinto decepcioná-lo, mas não sou feita de gelo, no final das contas, Poseidon... - O deus quase franziu o cenho, ao observá-la desviar os olhos, - com algo de irônico nos lábios, que procuravam incessantemente palavras corretas, e não achavam, só faziam o rosto esquentar. Parecia que ela havia sido engolida dolorosamente por um mar de tormentos, mas que tentava se resignar, apesar de tudo. Não que ele se importasse com isso, óbvio. – Sim, eu já me apaixonei.

-Por quem?! – A curiosidade foi gigantesca demais para que Poseidon pudesse refreá-la. Sua boca simplesmente agiu como se tivesse vida própria, querendo atravessar os limites de Atena.  

-É apenas uma pergunta por vez. –Ela sorriu, colaborando ainda mais para acentuar o espanto de Poseidon com sua resposta afirmativa. Ele esperava, mais uma vez, que ela fosse lhe retribuir com um “não” àquela encurralada. E esperava até que não houvesse mentiras nesse não, porque com aquele juramento ridículo e com a insensibilidade que ela nunca se cansava de demonstrar, só podia ser assim... Só que não era!  O cristal, claramente, manteve-se da mesma cor. –Qual é a sua deusa predileta em todo o Olimpo?

-Afrodite. –Poseidon replicou, sem nem se permitir pensar por dois segundos. Deveria ter enrolado um pouco, ao menos ficado surpreendido por Atena não rebater com uma pergunta igualmente complexa para ele, mas sua ansiedade não lhe permitia tais ações. –Ela é simplesmente A deusa.

A vontade de Atena era contestar, mas o que ela fez foi apenas assentir, apaticamente. Com certeza, seu ressentimento com Afrodite se manifestaria de forma gritante se ousasse rebater a resposta dele, e poderia soar como ela estivesse com...uhn...ciúmes, da instintiva escolha do deus. O que, definitivamente, não era verdade.

-Hum...-A resposta do cristal não foi exatamente o que Atena poderia chamar de impactante.

-Sou eu, agora! Por quem é que você se apaixonou, Atena?

Era previsível. Tão, tão previsível. Mas ao menos Atena havia conseguido se preparar um pouco, naqueles segundos mudos, psicologicamente.

-O nome dele era Cam.  –Revelou com um longo suspiro, depois de medir quais seriam as exatas melhores palavras. Não confiava em Poseidon nem para dizer qual era sua cor favorita... Que diria aqueles assuntos, tão indiscutivelmente seus. Na verdade, que nem gostava de lembrar que eram seus, simplesmente por serem dolorosos e sofríveis demais para serem revividos, e por merecerem ficar eternamente armazenados na parte mais inalcançável e isolada de suas lembranças. Mas não era como se ela tivesse opções, diante daquele jogo, que não fosse reabrir feridas ... Feridas que já haviam sido cicatrizadas há séculos, mas que poderiam arder tão ferozmente quanto se tivessem sido feitas ontem. – Ele era um rapaz mortal muito inteligente, que viveu há algum tempo, e costumava frequentar a biblioteca nacional todos os sábados, levando para casa no mínimo sete títulos. –Sabia que poderia parar ali, mas algo lhe dizia que se não deixasse bem claro para Poseidon a identidade dele, o deus poderia continuar insistindo no assunto, e não era como se quisesse deixar alguma coisa proibida acabar escapando. –Eu o encontrava lá, e me encantava por seus pensamentos e ideias. Encarava-o, e muitas vezes ele me encarava de volta, sempre com um sorriso na face... Tudo corria bem assim, até o dia em que tive um ímpeto de falar com ele. Mas antes que fizesse isso, consegui perceber que estava começando a me sentir diferente. Algo como...Paixão, nomeemos assim. Estava fascinada por ele. E por isso decidi me afastar, porque tinha meu voto, e era perigoso sentir qualquer coisa que não fosse sintonia intelectual...

-Epa, epa, epa, espera aí, Atena, vamos devagar com essa história. –Poseidon, que até o momento estivera encarando a loira como se fosse uma velhinha que ficava na janela dos vizinhos para ouvir as fofocas, simplesmente se indignou, abriu a boca e apontou o indicador, intimidadoramente, na direção dela. -Você estava realmente apaixonada pelo cara e a única coisa que conseguiu fazer, além de ficar babando por ele, foi ir embora?!

A expressão do deus sugeria que ele logo poderia se atirar da janela mais próxima.  Ou melhor, atirá-la, porque fora ela quem havia feito aquilo que ele considerava, nitidamente, inaceitável.

-Sim. Eu não podia ficar. –Ela deu de ombros, com uma indiferença forçada, que soou surpreendentemente convincente. Como se tivesse sido fácil para ela, fugir. Virar as costas e ir embora, sabendo que teria que se conformar em nunca mais ver aquele brilho azul escuro, que só podia encontrar em um único lugar do mundo, e aquele sorriso angelical, de uma ingenuidade que só aqueles que viviam pouco menos de vinte anos naquele Mundo conseguiam experimentar. De poucas mágoas, e de muitas expectativas. Atena sabia que se o visse mais uma vez, e não fosse falar com ele, seria ele a dar a primeira iniciativa. E seria fácil correspondê-la. Ah, como seria. Era até patético. Seria simples sentir o toque da mão dele, e perceber como era uma sensação que lhe provocava emoções diferentes de tudo que já havia sentido (ela estava só um pouco inconscientemente ciente que seria algo parecido com o que sentiu naquela manhã, quando eram os dedos de Poseidon ali). Sabia que se perderia nas palavras daquele rapaz tão prodígio, nos pensamentos brilhantes dele que suas capacidades como deusa conseguiam decifrar, e também sabia que por isso, acabaria sendo entregue. Rendida. E então soube, na hora, que tinha que recuar, para seu próprio bem pessoal. A armadura e a honra eram bem mais importantes que algumas pulsações frenéticas de seu coração. Abandonou quaisquer emoções que deixara se apoderarem de si, e se trancou em suas próprias muralhas, isolando as próprias lembranças. Mas não havia sido fácil. Isso era um fato, por mais que ela fizesse questão de encobri-lo, como se fosse vergonhoso.  -Eu tenho um voto, Poseidon. –Fez questão de exemplificar, porque nem de longe o Deus dos Mares parecia ser capaz de entende-la. -E é UMA pergunta por vez...

-Eu sei, Atena. Só não pude deixar de ficar inconformado com a idiotice. Vinda logo de você, que é glorificada por ser a Deusa da Sabedoria...

A loira o fuzilou com os olhos. Ele podia não saber, e também não compreender, mas ela não toleraria que ele brincasse com seus títulos e a tratasse como se ela fosse uma criança estúpida.

Ela não era.

Atena era apenas...Alguém que não podia se apaixonar, em hipótese alguma.

-Sabedoria não está em decidir ou não tomar uma iniciativa, Poseidon. Mas que seja... É esperar demais que um voto sagrado seja facilmente compreendido por um ser anencéfalo e depravado que já esteve com ...Ah! Aí vai a minha nova pergunta para você, Poseidon. –A loira não sabia de onde havia surgido aquela ideia de questão em sua mente, que não podia ser nem um pouco nomeada de discreta, mas que não ultrapassava a de Poseidon, que lhe custara diversos esforços para responder, e que o cristal provara ser verdadeira. –Com quantas mulheres você já esteve, em toda a sua existência?

-Eu?! –Poseidon ergueu os olhos, inocentemente, como se não estivesse esperando uma pergunta nem remotamente parecida com aquela -e muito menos inspirada em um xingamento. A loira anuiu, cruzando os braços –como se o condenasse, mesmo sem saber as estimativas-, então, tudo que ele pode fazer foi dar uma longa e satisfeita gargalhada. –Haha, você está exigindo demais da minha pobre memória, Atena. Eu devo ter perdido a conta por volta das 3285 mulheres...

A única coisa que impediu Atena de se engasgar com a própria saliva, ou de seus olhos saltarem das órbitas, com seu rosto contorcido na pior expressão de nojo que os músculos poderiam conceder, foi o fato de que, além do deus estar sorrindo, e usando um tom descontraído –como de quem se gaba por algo que de fato não fez-, o cristal ainda não havia anunciado se era apenas uma brincadeira- de muito mau-gosto por sinal, vinda da parte de Poseidon, para conseguir deixá-la traumatizada.

Mas assim que os segundos se passaram –e a cada um deles, a garganta de Atena ficava mais apertada, como se alguém estivesse com os dedos comprimidos ali, a sufocando-, e a cor permaneceu inalterada, ela não pode evitar se debater, e recusar o contato visual com Poseidon, tamanho o desprezo que sentiu pela presença dele, naquele momento.

Ela...Ela simplesmente não conseguia acreditar que...Que em todos aqueles anos ele... Ah, pelos céus, como aquilo poderia ser realmente possível? E como ela permitira que aquele ser impuro- que confirmadamente havia cometido atos impuros com mais de 3285 mulheres- a sequestrasse e encostasse um daqueles dedos corrompidos na pele dela?

Argh, por tudo que era mais sagrado...Com rápidos cálculos mentais, ela já conseguia fazer uma estimativa de que era necessário que ele estivesse com uma mulher diferente por dia, todo dia, durante NOVE ANOS, para que atingisse esse número e... Ugh, ela não conseguia deixar de sentir seu estômago se revirar quando pensava nisso.

 Ele a achava fria, mas como alguém que não fosse um completo bloco de gelo poderia ter estado envolvido –em atos, que para Atena definitivamente necessitavam de laços fortes- com tantas pessoas diferentes, mesmo que houvesse existido por milênios?

 Ela já sabia que a próxima pergunta que iria fazer, por antecipação. Mas era vez dele, e ela ainda estava um pouco traumatizada demais para fazer qualquer coisa, que não encolher-se com as próprias pernas e lançar-lhe um olhar depreciativo...

-Argh...Eu ainda não consigo acreditar que mesmo o conhecendo por milênios, sempre parece que há algum item para incluir em minha lista de “Motivos para Odiar Poseidon Eternamente”.

-Eu não sabia que você tinha uma lista desse tipo... –Ele deu um sorriso, quase maroto, quase ilegal, que fez Atena ter vontade de, só para variar, esmurrá-lo até escorrer icor. –Hm. Desculpe-me Atena. Mas esse é um Jogo de Respostas, e não é como se mentir fosse uma alternativa, sabe...

-A questão não é você mentir ou não mentir! E sim ser desprezível a ponto de desconsiderar tanto assim cada pobre criatura que teve a infelicidade de te conhecer...

-Ei! Vê se pega leve, ok? Pode ter certeza de que os momentos que elas estiveram comigo foram os mais felizes e repletos de realizações que elas já tiveram em suas vidinhas tolas. Olhe para mim, Atena. Eu sou um Deus. –“Ah, você jura mesmo, Poseidon?” Ela poderia ter pensado, mas estava ocupada demais odiando a forma como ele enaltecia a si mesmo, o ego encostando-se às nuvens. –Que mulher em sã consciência não iria me desejar, nem que por uma noite só?

-EU! –A loira ergueu os braços com tanta rapidez e força de vontade, que por um momento, teve o mesmo efeito de holofotes brilhando sobre seu ser.

-Eu disse “em sã consciência”, Atena.

A deusa grunhiu, enquanto cerrava os punhos, tentando se lembrar de como era respirar fundo, para poder não pular no pescoço de Poseidon -e consequentemente corromper suas mãos puras com o toque torpe da pele dele.

-É você quem vai perder a consciência se ousar me insultar de novo, desse jeito, seu platelminto abjeto!

-Ah, estou tremendo de medo...

-Pois deveria! Se eu não estivesse enfraquecida por estar aqui, esse sorrisinho sarcástico não estaria decorando seu rosto, pode ter certeza...

-Você realmente acha que é párea para me enfrentar num combate singular, Palas Atena?

-Acho. –Atena sorriu vitoriosa, com orgulho de si mesma. Por um momento, havia ficado tão nervosa que quase levantara do tapete onde estavam ajeitados para dar as costas e não ter que encarar o rosto de Poseidon, mas sabia que a forma que havia arranjado de selar a discussão, era, sob muitos aspectos, bem mais perfeita, e bem menos birrenta. Independente de quantas vezes Poseidon bufasse ou debochasse dela. –Você acabou de fazer a sua pergunta, Cabeça de Alga. É minha vez...

O deus já ia protestar, quando notou que ela tinha razão. O cristal havia permanecido da mesma cor -o que indicava que Atena era bem mais audaciosa do que aparentava, para ser tão convicta de suas habilidades no campo de batalha. Odiava ter que “perder” uma discussão para ela, mas sabia que se continuassem discutindo, não poderiam chegar a lugar algum. Muito menos onde havia prometido para si mesmo que iria chegar...Em algum momento de insanidade. De muita insanidade.

Claro que Lans tinha a maior responsabilidade nisso, por afirmar que era a melhor forma de enfraquecer a deusa e destruí-la -ainda que Poseidon não quisesse chegar exatamente a esses fins. E também, quando parava para analisar, eles pareciam nem estar brigando tanto –até, por uma ocorrência estranha do destino haviam se beijado -mas depois dessas discussões, não podia negar que um planejamento para se aproximar e conquistar Atena era uma insanidade. Parecia-lhe tão eficaz quanto mamilos em uma placa de peito. Ainda nem sabia se ela havia lido aquelas malditas cartas e... Merda!, continuava tentando.

Ficou calado, e deixou-a usufruir de sua vez, para que pudessem continuar o Jogo.

Sem se “matarem” antes do fim -mínimo detalhe básico.

-Vou dar uma chance de você provar que não é tão desprezível quanto eu penso que é, Poseidon... –Atena arremessou seu cinza tempestade sobre ele, fitando-o tão intensamente que era como se o desafiasse, mudamente. –Quero saber se você já amou de verdade alguma dessas mulheres com quem você esteve. –Ergueu a cabeça, o cabelo loiro ricocheteando displicentemente contra o rosto, numa pose decisiva.

-Não. –Ele não se deixou hesitar. Sabia que, como ela mesma estava dizendo, isso o deixaria em maus –não, em péssimos – lençóis, ainda mais por dizer tão diretamente, diante daquele olhar tão incisivo dela. Mas seria ainda pior se fingisse que havia o sentimento lá, quando tudo o que havia era um grande vazio, que seria facilmente exposto pelo Cristal, como uma mentira. –Elas foram apenas isso para mim. Números. Eu as descartaria mais facilmente que mortais descartam embalagens usadas...

Atena não olhou para o Cristal para saber se era mesmo verdade.

Só pela forma com que seus olhos estavam entrelaçados naquele combate, e pelo tom decidido e claro que ele usou para dizer, ela soube, ou melhor, era sentiu que era sincero.

E ao contrário do que Poseidon premeditou, não a viu dar um sorriso metidinho de “eu sabia que você era mesmo um canalha que não vale a pena nem se desprezar”

Atena...Supreendentemente...Fechou os olhos e assentiu.

Um de seus lábios estava mordido.

Ele nunca poderia saber o que ela pensou naquelas frações de segundos. Mas quase poderia jurar que ela estava triste.

Pelo que, era outra coisa que nunca poderia saber...

-Por que você fez o seu voto, Atena?

Os olhos da deusa, que até então estavam semi-cerrados, ainda naquela conformidade melancólica e inesperada, subitamente ficaram abertos – e até um pouco arregalados-, ao passo que ela permitiu-se demonstrar o susto – o impacto de uma das perguntas mais arriscadas, seu mártir pessoal, algo que ela mais teria de refletir por para conseguir explicar sem dizer nada que não podia, e para não acabar mentindo no processo. Mas, meio que como numa ironia do destino, Atena acabou notando que a resposta, diferente de muitas outras naquele jogo, estava na ponta de sua língua. Ela precisou fazer apenas o mínimo dos esforços para verbalizá-la...

- Apaixonar-se e amar alguém, embora seja uma das melhores sensações que devem existir, é uma fraqueza. E eu não posso ser fraca, Poseidon. Eu não poderia ser derrotada...

O cristal nem sequer nublou.

O jeito que as palavras eram murmuradas, transportadas até ele, claras e embebidas de inexpressividade, poderiam até sugerir uma frieza e insensibilidade que não seria o que muitos esperariam de uma deusa como Atena.

Mas ela verdadeiramente não se importava.

Claro que não era apenas isso, o motivo de seu juramento, o motivo de ela ter decidido se privar de tudo aquilo, luxúria, paixão ou amor. Mas basicamente, o que dissera era algo inerente a quem ela era.

E pelo que ele podia enxergar, ainda que sua visão tivesse ficado turva durante todos aqueles milênios, era inerente a Poseidon também.

Por mais que eles fossem dois rivais -duas criaturas tão diametralmente opostas- aquela perspectiva de vida, aquela filosofia involuntária à qual ambos se apegavam loucamente era como um laço que unia seus propósitos em um só, e em meio ao ódio e a inimizade, eles se viam.

Por trás das máscaras, eles se enxergavam.

De uma forma que ninguém mais faria.

Porque Poseidon poderia ter todas as mulheres que quisesse, mas ainda assim, o vazio que estava dentro dele era tão notável quanto o de Atena.

Os dois o cultivavam, porque acreditavam que se ele estivesse preenchido, isso os enfraqueceria. Ainda que ela só tivesse percebido –e ficado ligeiramente triste- quando ele afirmara que, dentre todas aquelas inúmeras mulheres nunca havia sido capaz de amar nenhuma. O que era de uma frieza tão grande –ou até pior- quanto a que Atena julgava possuir.

E algo que a assustava, um pouco.

Por isso decidiu apenas relevar, e embutir em sua cabeça, que mesmo compreendendo, seu desprezo permanecia o mesmo. Assim como sua rivalidade. E seu desejo de espanca-lo por ele sempre conseguir ser um perfeito babaca.

Claro que a frase dele que se seguiu colaborou –e muito- nesse processo...

-Não importaria se você estivesse no auge da sua força, eu ainda poderia derrotar você, Atena.

-Ah, é? –A loira se empertigou. -Então, já que é minha vez de perguntar, posso saber por que você me sequestrou, Poseidon, se poderia ter feito simplesmente isso e me dado uma lição? Convenhamos que te pouparia de muito trabalho...E de árduos dias de convivência comigo...

-Será que nunca passou por essa sua cabeça oxigenada que o que eu quero, justamente, é poder conviver com você, Atena?

Um segundo.

Dois.

Três.

Tempo esgotado para a deusa continuar achando que, apesar de Poseidon ter usado um tom de voz ligeiramente mais rouco e arrastado –diferente do habitual- ele havia desejado insinuar o que sua mente milagrosamente (ou melhor, sem milagrosamente, ela não tinha Síndrome de Asperger!) havia interpretado como uma descarada indireta.

Aquilo, com certeza, era uma estratégia para debochar de sua cara.

Atena tinha convicção.

-Não se pode responder uma pergunta com outra, Poseidon. É contra as regras do jogo. –Protestou, enquanto inevitavelmente empinava seu nariz. -E meus cabelos são totalmente naturais, hmpf.

-Tudo bem então. Então, vamos lá: Eu a sequestrei porque não queria somente te dar uma lição, queria poder conviver com você... –Ela não queria demonstrar, mas aquele tom de voz que o deus estava utilizando, além do olhar que a violava mais do que um toque de uma de suas ilícitas mãos, e também o fato do cristal não ter se alterado... Simplesmente a fizeram perder todo o controle de sua expressão. E foi nesse exato segundo que Poseidon caiu na risada, quase se contorcendo no chão, logo depois. –Ah, é claro que eu não terminei. Conviver para poder te humilhar e torturar gradualmente, além de fazê-la ser submissa a mim. Se apenas te derrotasse, perderia simplesmente toda a graça...

E foi nesse instante que Poseidon sentiu o tapa.

Os risos que lhe acometiam foram ultrapassados por cinco dedos violentamente impostos em sua cara, num golpe que fez todo o humor se desfazer com gosto de cinzas em sua boca, para poder repousar no brilho vívido de satisfação dos olhos de Atena –que sem ele nem perceber, havia engatinhado até ficar a centímetros de onde ele estava, pronto para atacá-lo. Sabia que deveria ter ficado quieto, quando ela estava quase acreditando naquela frase cheia de segundas, terceiras, quartas, e até quintas intenções, mas simplesmente não pôde conter o riso sob a expressão de pavor dela.  Que além de denunciá-lo, o fizera facilmente querer chutar o balde.

Mas os risos não viriam tão cedo, agora.

Segurou o pulso de Atena, da mão que ela havia ousado descer em seu rosto, e deixou que o brilho satisfeito dela confrontasse o seu, de extrema e profunda irritação.

-O que achou dessa, Poseidon? Hm? Por que parou de rir? Vai me dizer que não consegui ser engraçada o suficiente para você...? –Ele provavelmente nunca vira um sorriso tão repleto de escárnio nos lábios dela.

E é claro que isso não o deixou exatamente feliz. Planos de contra-ataque logo iam se tecendo em sua mente inescrupulosa.

Ela provavelmente não se dera conta ainda, mas estavam realmente próximos agora...

-Você não tinha o direito de me bater, Atena.

-Você não sabe nada dos meus direitos, cretino. Acho que estarei eternamente presa nesse sequestro, porque eu nunca seria submissa a você. Nunca poderia sequer respeitar alguém como você. E muito menos sentir algo por você, qualquer coisa diferente de desprezo...

Os planos de contra-ataque físico se desfizeram da mente de Poseidon, em menos de um segundo, depois que Atena cuspiu essas palavras em sua cara, domada pela raiva que sentia.

 O tapa fora terrível, sim, mas aquilo...Aquelas palavras...Era simplesmente imperdoável. A ponto de Poseidon nem compreender o que era aquilo que parecia se retorcer incessantemente dentro dele, uma necessidade de provar que ela estava errada, não importava o preço que pagasse.

-Você acha tudo isso mesmo?

-Tenho certeza!

-É...Então, você precisa parar de ser tão convencida de si mesma, Atena. Agora vou ter que provar que você está errada...E posso fazê-lo com uma única pergunta. –A voz dele tinha se transformado em um sussurro quase ameaçador agora, mas Atena não sentia medo daquelas palavras... Na verdade, queria confrontá-las. E tampouco admitiria em voz alta que ele a estava machucando com os dedos firmados em seu pulso. Iria jogar até o final...E vencer. Vencer direitinho.

-Que pergun-

-O meu beijo. –Ele a interrompeu, num timbre autoritário e sério, ainda que um começo de sorriso brincasse no canto de seus lábios. –Foi a melhor sensação que você já experimentou, não foi...?

Atena teve uma crise histérica.

Quando as palavras chegaram aos seus ouvidos ela não foi capaz de permanecer quieta. Começou a dar tantos risos quanto Poseidon dera antes dela, debochando tanto da questão, quanto da forma nitidamente séria que ele a fizera, com as sobrancelhas encurvadas e olhar penetrante a sondando.

-Você só pode estar brincando, né? Aquilo foi horrível. Nojento. Desprezível. Eu acho que preferia perder a imortalidade ao sentir aquela sensação de novo...

Estava tudo bem, tudo correndo perfeita e lindamente bem –Atena desempenhando um papel de escárnio como nunca desempenhara antes na vida, rindo da forma mais convincente possível e fazendo até si própria acreditar- até que subitamente, uma recordação resolveu brincar com os pensamentos dela, alertando-a de que ela havia esquecido de um detalhe.

Um único, mas definitivamente decisivo detalhe.

Ou melhor, um certo cristal, que mudava de cor, quando alguém estava mentindo...

E que, só para o delírio de Atena, não cultivava mais sua cor turquesa habitual...

Ele estava dourado.


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Notas finais do capítulo

Boas Notícias: Acho que vocês vão gostar do próximo capítulo.
Más Notícias: Ele provavelmente vai demorar mucho para sair e.e
Mas reviews sempre ajudam na escrita, lalalala...*-*
Apareçam, fantasmas, please? *fazcarinhadogatinhodoshrek*