O Sequestro escrita por Lívia Black


Capítulo 17
Capítulo 16 - O que não se pode esquecer.


Notas iniciais do capítulo

Oiii Gente!! Nem demorei tanto assim, né? FINALMENTE! Graças a Todos os Deuses! kk e Graças a Mari também, se não fosse ela para betar e corrigir minhas trapalhadas de tanta pressa de postar o capítulo ia sair uma confusão! Mas enfim, depois de muitos ajustes, saiu decente, infelizmente com a ausência de P. que torna tudo mais feliz e lindo, mas espero que vocês gostem mesmo assim. Aproveito para agradecer os reviews, tipo, que emoção *---* E ah, queria dizer algo tb, sobre caps grandes...to me esforçando para não fazê-los muito mais gigantescos, porém, sabe como é, eu leio mt e cada livro que leio o cap tem no mínimo 20 pags de word, então a gente se acostuma..mas enfim, beijitos e comentem ;DD



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Capítulo 16 – O que não se pode esquecer.

Tinha de haver um motivo. Qualquer um que fosse. Tinha de ter uma explicação para aquilo que tinha acontecido.

Atena buscava uma razão, enquanto parecia se perder num oceano de lágrimas. Queria levantar-se, lavar o rosto e esquecer as últimas horas. E os últimos dias. Mas não conseguia encontrar forças suficientes para fazê-lo, de modo que apenas ficou lá, na cama ,encolhida, derramando lágrimas infindáveis. E pensando.

Ela, provavelmente, pensara e formulara mais teorias do que já o fizera em toda a sua existência. Mas,a cada vez que achava uma que parecia razoável, ela era imediatamente derrubada por um simples motivo: completa falta de lógica. Ela buscava, desesperada, algum ponto sólido ao qual pudesse se ater, qualquer coisa que pudesse explicar o que acontecera. Mas não achava nada.

Ela não conseguia sequer pensar numa palavra que pudesse descrever coerentemente o estado em que se encontrava.

A única coisa à qual ela se associava era um náufrago.

E isso a lembrava de Poseidon.

E lembrar de Poseidon a fazia querer chorar ainda mais e esmurrar o travesseiro até que ele se reduzisse a pontinhos brancos. –O que não seria muito difícil, considerando a raiva que tinha de tudo e todos.

Obviamente, o cérebro perfeitamente organizado e racional de Atena tentou inúmeras vezes categorizar a situação em que ela se encontrava. A deusa sempre achava mais fácil entender qualquer coisa quando a separava em partes menores. A tática rotineira, porém, não funcionou dessa vez.

Realmente, não ajudava em NADA dividir o problema em partes para tentar organizar seus pensamentos quando essas partes se resumiam a “sequestro”, “prisão subaquática” e “presa à mercê de Poseidon”. E tudo só piorava quando se adicionava o fator “beijo” à mistura.

Se alguém, há uma semana atrás, dissesse que ela iria, algum dia,beijar Poseidon, ela faria questão de garantir que essa pessoa fosse imediatamente internada no manicômio mais próximo.

Agora, tudo o que podia fazer era amaldiçoá-la.

Ela beijara Poseidon.

BEIJARA.

B-E-I-J-A-R-A!

Tentar juntar esses fatos de modo que eles ficassem menos abomináveis era como montar um quebra-cabeças cuja última peça ainda não fora fabricada: potencialmente irritante, inútil e frustrante.

Ela não podia acreditar. Pior, ela não queria acreditar. Admitir para si mesma que o beijara ia contra todos os seus princípios, era quase uma violação do seu caráter. A deusa não queria nem imaginar que tipo de ser ela se tornara, porque fora capaz de beijar Poseidon. Contra todos os propósitos que a regiam, contra todas as partículas do que ela clamava ser. Ela quebrara seu juramento, sua promessa para si mesma. Ela proclamara, há muito tempo, sozinha, que iria fazer o que quer que fosse necessário para que aquela maldição jamais pesasse em seus ombros, e agora...

Agora, tudo que ela podia ver era esse voto se quebrando, cinematograficamente, como um cristal que se espatifa no chão.

E doía ainda mais por saber que não havia como remendá-lo.

A maior vontade da deusa seria apagar completamente da memória aqueles malditos minutos, e não ficar com nenhum vestígio do que acontecera. Mas seus lábios ainda formigavam, e parecia que a cada segundo que se passava os detalhes ficavam mais nítidos, grudados à sua memória e nem um pouco dispostos a sair de lá.

Atena, completamente contra sua vontade, ficava cada vez mais e mais imersa nas lembranças. Não vendo outra saída que a permitisse esquecer, ela simplesmente cedeu. Não tinha forças para lutar também contra seu próprio cérebro. Se ele queria lembrar, que fosse. Ela não se importava nem um pouco. O beijo fora, afinal de contas, apenas mais uma atitude execrável de um ser humano (correção: deus) execrável e não-importante, o qual, se ela pudesse, mandaria diretamente para o Tártaro. Sem nem pensar duas vezes.

Você não parecia odiá-lo assim há pouco tempo atrás, atalhou sua consciência.

Ela sabia que não podia discutir com sua consciência.

E se odiava pelo que deixara acontecer.

Quer dizer ,a deusa deveria esperar uma atitude daquelas vinda de alguém como Poseidon. Ela deveria conhecer seus inimigos, não? Deveria saber que, para ele, era perfeitamente normal e plausível se utilizar de qualquer artifício para atingir seus objetivos. Ela sabia que ele jogava sujo. Qual maior prova, que não esse maldito sequestro?

A questão que martelava ainda, porém, era outra: Porque, afinal de contas,ela não o empurrara quando ele se aproximara demais?

Seria mais do que ridículo dizer que não o fizera porque ele era mais forte, ou porque estava sem poderes, ou porque fora pega de surpresa. A verdade estava lá, clara, para qualquer um que quisesse ver. Ele a beijara. Ela correspondera. Ela correra os dedos delicada e carinhosamente pelo seu cabelo. Ela não reagira quando ele a puxou mais para perto. Ela deixou ele enlaçar sua cintura. O pior de tudo, porém, não era que essas coisas tivessem acontecido, por mais horrendas e escabrosas que elas parecessem. O pior de tudo é que elas aconteceram com...Ele.

Poseidon.

A deusa mal conseguia pronunciar essas oito letrinhas sem crispar os lábios. Ele era seu pior inimigo, declarado, desde o começo dos tempos. Não havia dúvidas de que eles se odiavam, e sempre seria assim. Pelo Hades, ele tivera a audácia de sequestrá-la, de mantê-la presa ali, de mentir descaradamente, de humilhá-la. Tudo deveria ter gritado para que ela o empurrasse. Toda e cada minúscula partícula do seu ser. Ela deveria, pelo menos, ter corrido para o mais longe possível ao menor sinal de aproximação dele. Mas não.Ela o acolhera, quase como se quisesse beijá-lo. Quase como se desejasse o calor entre suas peles.

Atena sentia vontade de vomitar só por pensar assim.

Aquela conversa que eles haviam tido, ao invés de servir para acalmá-la, apenas a desesperara mais ainda. Devia tê-lo estapeado, fingido que ele abusara dela...Mas isso ia contra todos os seus propósitos. Não era de sua natureza mentir ou enganar, ou ela seria extremamente parecida com ele. Seu senso de honra a obrigava a aceitar o que havia acontecido. Por mais que isso lhe custasse tudo.

Pelo menos, a náiade tivera um senso involuntário de tempo extremamente oportuno,para interromper precisamente o maldito momento. Antes que alguma outra coisa pudesse acontecer. Atena sentia calafrios percorrerem toda a extensão de seu corpo só por cogitar a possibilidade, mas tinha de reconhecer que, naquele instante, sua mente já estava a tantos milhões de quilômetros distante, completamente inebriada, que ela já não era mais capaz de duvidar.

Finalmente cansada de se enroscar em si mesma pateticamente na cama, ela decidiu se levantar. Pelo menos, ela havia trocado os malditos lençóis. Se sentiria ainda pior – se é que isso era possível – se tivesse tido que lidar também com o cheiro dele impregnado no ambiente.

Ficar andando em círculos num espaço limitado como um quarto não parecia muito melhor do que a posição em que estava antes, mas pelo menos ela se sentia ocupada. A que ponto chegara: Atena, a deusa da sabedoria, dizendo que andar em círculos por um quarto era se manter ocupada. Sentia vergonha de si mesma. Naquele momento, daria tudo que tinha para apenas conseguir dormir, deixar, por alguns poucos momentos que fossem, aquele cárcere, mas o turbilhão em que sua cabeça se encontrava não a permitiria.

Atena detestava lágrimas, com todas as forças de seu ser.Para a deusa,e las demonstravam toda a fraqueza que alguém podia ter, toda a falta de controle, numa linguagem que não era nem ao menos verbal. Sim, porque as lágrimas nada mais eram do que a prova concreta de que a pessoa falhara em manter-se composta, em isolar todo e qualquer sentimento controverso que pudesse existir. E Atena odiava ser fraca. Mas, por mais que tentasse, não conseguia conter a enxurrada que insistia em cair por suas pálpebras. Não entendia porque chorava – quer dizer, na verdade, até entendia, mas não era como se já não tivesse desperdiçado lágrimas suficientes por causa daquilo. Ela, porém, fazia questão de enxugar cada uma delas, uma por uma, de um jeito tão brusco que parecia estar querendo descontar sua ira nas pequenas gotas. Simultaneamente, ziguezagueava pelo quarto trilhões de vezes, em busca de algum conforto espiritual. Mas só conseguia se sentir mais nervosa, e com mais vontade de chorar.

Depois do que lhe pareceram mais de duas horas desde que ficara sozinha naquele quarto, a angústia parecia quase tangível. Não era nenhuma novidade que Atena sempre amara a paz que a envolvia quando estava sozinha, emaranhada em seus próprios pensamentos, mas naquele caso... Talvez algumas palavras de consolo de Ártemis e também um abraço pudessem ajudar. Pelo menos um pouco. A deusa da lua a perdoaria, ela tinha certeza, e até a ajudaria a entender o que havia acontecido. Na ausência de Ártemis, até Afrodite serviria. Por mais que estivesse com vontade de esganar a deusa do amor, por tudo que lhe fizera, poder brigar com ela talvez lhe acalmasse os ânimos. Ou brigar com Ares. Às vezes forjavam duelos para testar suas habilidades em guerra. Lutar e armar estratégias sem dúvida a distrairiam um pouco. Poderia montar um plano para escapar daquela maldita bolha, mas sabia que falharia, e isso só ajudaria a desanimá-la. Também queria poder, de repente, conversar com Hermes, que sempre estava sabendo de tudo.Talvez ele pudesse ter alguma coisa útil para ela. Comentaria com Hefesto vários assuntos sobre os quais concordavam a respeito ou debateriam sobre as novas da TV. Sorriria. E gargalharia, esquecendo-se de seus tormentos, se Apolo recitasse algum daqueles seus haicais egocêntricos, que entediavam a todos, menos a ela, e aconselharia o irmão a retirar pelo menos uns cinco ‘eu sou lindo’ dos versos. Um bom tinto de Dionísio poderia facilmente alegrá-la, mesmo que não fosse fã de bebidas,e facilmente a faria pensar que tudo fora um pesadelo. Hera a divertiria com seus ciúmes de Zeus, que por sua vez, era de quem Atena mais sentia falta. Seu pai. Que sempre cuidava dela, e a protegia, não importando-se em evidenciar para todos o quanto gostava dela, e o quanto precisava tê-la ao seu lado. É, mas dessa vez, você não conseguiu me proteger, não é papai? Ela pensou, silenciosamente. Deixou que seu irmão me enfiasse as garras. Se Zeus soubesse o que havia acontecido naquele quarto, haveria naquela noite uma tempestade de raios. O mar e os céus duelariam até os fins dos tempos. Até que não restasse nada que não destruição. Mas ela nunca deixaria que ninguém soubesse o que acontecera. Passaria uma borracha naquilo.

Mas somente voltar ao Olimpo poderia ajudá-la a fazer isso. Ela queria ter todos os deuses perto de si, até mesmo Hades, mas a verdade era que não podia. Ali, ela não era mais do que uma donzela, não tão mais inocente, cativa e enfraquecida. E o único deus que poderia ter ao seu lado, era Poseidon. O único dos doze que ela recusaria com muito prazer a companhia. Queria não ter de vê-lo nunca mais.

Porque nós nos beijamos.

O que poderia ser pior do que beijar Poseidon?!

Gostar do beijo. A resposta lhe ocorreu na hora. Mas eu não gostei. Eu detestei. Não queria beijá-lo, recusaria se pudesse voltar, eu...NÃO. Pelos céus. Eu estou mentindo. Mas eu não posso estar mentindo! Simplesmente NÃO POSSO!

Atena batia a cabeça na parede enquanto perguntava a si mesma o que lhe estaria acontecendo. Beijar Poseidon não podia ser algo além de repulsivo, mas ao que se parecia,havia uma irritante outra parte dela que não achava que as coisas funcionavam assim. Era o fim do mundo.Definitivamente.

Como ela fora mesmo capaz de fazer aquilo?!

Ao menos, o energúmeno acéfalo irritante não beija bem. Mas mal afirmou aquilo mentalmente, e o detector de mentiras de seu cérebro começou a apitar.Outra vez.

Por que pelos infernos ela tinha de ser imortal?! A dúvida pairava onipresente nas últimas horas.E não parecia que a deusa conseguiria se livrar dela tão cedo.

O fato é que Atena não sabia dizer se Poseidon beijava bem ou não, afinal, ela não era nem um pouco experiente em relação àquilo. Mas desde quando a qualidade dos movimentos labiais dele importava em algum aspecto? Ela deveria se internar em um hospício – com urgência - por estar debatendo internamente a respeito daquilo.

Argh. Àquela altura do jogo, o ego de Poseidon provavelmente estava do tamanho do Universo. Aquilo não fora um mero troféu, fora uma vitória que ele faria questão de esfregar em sua cara enquanto vivessem –ou seja, eternamente.

Estava se perguntando como poderia suportá-lo depois daquilo, quando ouviu o barulho de batidas na porta,e tentou se recompor,mas mesmo assim o “Pode entrar” que respondera fora muito fraco. Esperava encontrar o pseudo-peixe imodesto hediondamente néscio e brioso diante da porta – num dos seus surtos raríssimos de educação -, mas quem enxergou foi a figura ruiva da náiade, Alana, que hesitava no batente, mordendo os cantos dos lábios.

-Senhora Atena?

-Olá. –Soou idiotamente estúpido para o gosto de Atena, mas foi o que achou sensato dizer.

-Posso incomodá-la?

-Não é incômodo algum. –A loira abriu um sorriso que ia de orelha a orelha quando ouviu a palavra ‘posso’ ao invés de ‘podemos’, e de repente a náiade pareceu tão legal que ficou com vontade de abraçá-la. – Fique à vontade.

A mulher assentiu, retribuindo o sorriso de Atena, e adentrando no recinto, sem se esquecer de fechar suavemente a porta.

A deusa sentou-se na cama, quando de súbito percebeu que suas pernas estavam cansadas de tanto rodopiar pelo aposento enquanto refletia sobre sua tragédia pessoal.

Alana começou a caminhar em sua direção, timidamente, quase como se tivesse medo de se aproximar dela.

-Mesmo assim, peço perdão por invadir seu espaço, Senhora. Lorde Poseidon teve de se ausentar, e me pediu para lhe fazer companhia.

-Não é meu espaço! É o quarto de Poseidon, eu que deveria pedir desculpas por estar aqui. –Atena exaltou-se, depois de se sentir aristocrática demais com as cortesias de Alana. Queria poder deixar à vontade a pessoa que havia lhe salvado. - Embora, é claro, não esteja por minha própria vontade.  –Lembrou-se de ressaltar, num último instante,numa voz estranhamente fraca.

A náiade sentou-se no confortável banco que havia do lado direito da cama, não antes sem fazer uma longa e elegante reverência para Atena,curvando exageradamente a cintura.

-Lamento por isso, Senhora. –Ela parecia realmente sentida, Atena pôde perceber pela forma com que as linhas de seu rosto se puxavam e por um acumulo de água nada habitual em seus olhos amarelos de ninfa. - Meu amado senhor é tão cruelmente teimoso. Tentei persuadi-lo, mas ele insiste em mantê-la aqui como sua prisioneira.

Atena balançou os pés, olhando para eles e para o chão enquanto ouvia.

-Não é sua culpa. – Disse.

Seu coração se apertou. Incrível como ainda tinha esperança de que de alguma forma, a náiade pudesse ajudá-la a sair dali, mas a pobrezinha era óbvia e totalmente devota a Poseidon, era possível ver pelo jeito que falava dele, com os olhos brilhando. Apesar de tudo, parecia admirar a deusa também, de alguma forma.

-É tão ruim assim, Senhora Atena? –Ela piscou seus olhos amarelos, com uma voz um pouco mais confiante que de outrora. -Entendo que a sensação de viver embaixo d’água, para quem não está acostumado, pode ser bem ruim inicialmente. Eu, por exemplo, não me imagino vivendo fora dela. Mas a senhora está com Poseidon. Ele é capaz de controlar tudo isso aqui, e muito mais. O poder dele chega a dar uma sensação de bem estar que a senhora não pode nem imaginar. –De repente, ela fitou o vazio, como se estivesse concluindo alguma coisa. - Ou melhor, pode sim. Vocês pareciam estar fazendo as pazes quando, bem, fui idiota e os atrapalh...

-Não! Você não foi idiota! Aquilo...- Ela enrubesceu, cheia de vergonha e pesar. Sabia que a náiade, em sua tagarelice empolgada, não tivera a intenção de colocá-la frente a frente com a verdade, mas não podia evitar de detestar o fato. –Olha, nós definitivamente não fizemos as pazes. Eu sei que pareceu outra coisa, mas nós estávamos brigando no momento em que você entrou. Você tem razão, Poseidon é mesmo teimoso, assim como eu, e nós nos odiamos, nunca vai ser diferente.

Mal Atena tinha terminado de se explicar, e os lábios de Alana se retorceram, no que pareceu ser um biquinho de ressentimento.

-Vocês estavam se beijando. Ele me contou. Eu vi. Por favor, minha deusa, não negue isso para mim. Você não sabe o quanto ansiaria por vê-los juntos, esquecendo essa coisa de inimigos mortais que vocês gostam tanto de sustentar. Vocês são os meus dois deuses preferidos! –Ela fez uma exclamação, com um tom de voz tão alegre e infantil que Atena teve de sorrir, pelo menos de leve. –Se fossem um casal...Ah, seria tão perfeito...

Pobre e inocente criança. A náiade não tinha nada de criança, além da aparente inocência, mas para alguém como Atena, cuja vida se resumia a éons, qualquer um com menos de um milênio de existência era uma criança. Se ao menos fosse tão simples assim. Deixar de detestar e de ser inimiga de Poseidon. Ele era simplesmente o ser mais execrável da face da Terra. E eles nunca, em hipótese alguma, seriam um casal. Atena iria alugar um lugar no Tártaro e ir para lá dando pulinhos de alegria antes disso. Afinal, havia seu juramento, e todo o fato de Poseidon ser repulsivo e tê-la sequestrado vingativamente, como se ela fosse um objeto. Um beijo não significa nada, criança. Nada.

-Agradeço muito a preferência, e entendo o seu ponto de vista, embora não consiga encontrar nenhum motivo de porque alguém iria adorar, com todo o respeito, o ser acéfalo e oco que Poseidon é. Mas enfim. Tudo bem. Foi um beijo. Mas foi no meio de uma briga, então meio que não conta. Ele só fez isso para que eu ficasse quieta. Pode ter certeza.

Depois que falou aquilo, Atena se sentiu subitamente mais leve. Não haveria outro motivo para Poseidon silenciá-la com os lábios. Ela só estava gritando alto demais, e ele só não aguentava mais os gritos. Só isso.

A ruiva não conseguiu evitar balançar a cabeça de um lado para o outro, e rir, como se a situação drástica da vida de Atena, sob algum ângulo que ela não conseguia ver, fosse engraçada e divertida.

-Não precisa se justificar, Senhora Atena. Eu admiro a sua coragem, e sei que jamais desonraria seu juramento de ser eternamente uma donzela. Mas, não se acanhe. Eu compreendo. Ele é simplesmente irresistível demais.

-Ele quem? – Atena franziu a testa, não entendendo aonde a náiade queria chegar.

-Poseidon, oras. –Ela deu um risinho de canto de lábio, jogando os cabelos para trás. – O Deus dos Mares e Oceanos.

A deusa franziu o rosto em asco, em seu lapso de compreensão.

-Aquele acéfalo enfatuado?  -Arregalou os olhos. –Me diga, quem não foi capaz de resistir àquilo? –A loira acrescentou uma boa dose de nojo no tom da palavra. –Você? – A súbita curiosidade tomou conta de Atena antes que ela considerasse ser sensato ou não perguntar.

Alana curvou os ombros, parecendo envergonhada, mas sustentou o olhar de Atena, mesmo com o rosa das bochechas já se espalhando pelo resto do rosto.

-Todas nós. –A ruiva anuiu. Atena parou por um momento, estática, sentindo-se  mal à menção do “todas nós”. A resposta da náiade implantara de imediato na cabeça da deusa a quem esse “todas” poderia se referir. –Porém, não fique com ciúmes, minha cara deusa. - Por mínimas frações de segundo, Atena cogitara a possibilidade de que o que ela sentira pudesse ser realmente ciúmes. Pouquíssimo depois, porém, ela convenceu-se de que sua reação fora provocada apenas pela repugnância.  -Isso foi bem antes de Lorde Poseidon perceber que estava apaixonado pela senhora.

A gargalhada que escapou por seus lábios foi tão inevitável que quando saiu parecia ter estado em sua garganta a séculos. Era algo meio insano e nervoso, mas aquilo que a náiade lhe dissera, só poderia lhe causar um ataque de risos junto com a incredulidade.

Alana assistiu-a se contorcer, movendo a cabeça da esquerda para direita, e apenas quando conseguiu respirar novamente é que conseguiu dizer alguma coisa para se explicar.

-Alana...

-Me chame de Lans, Senhora. Ou de Lana,tanto faz. – a náiade disse, um sorriso infantil no rosto.

-Lans...-Atena se corrigiu, ainda com um semi-riso, como se achasse a moça uma coitada. –Em primeiro lugar, eu jamais ficaria com ciúmes de Poseidon. Eu o abomino. Muito. E em segundo lugar...De onde você tirou uma baboseira tão grande como esta?! –Ela parecia em dúvida se gargalhava de novo, ou se se indignava. -Poseidon...Apaixonado por mim?! Isso é o mesmo que falar que está chovendo chocolate quente na Terra!

-Peço, perdão, minha senhora Atena, mas temo então que esteja chovendo o tal chocolate neste exato momento. Porque ele realmente está perdido de amores pela senhora.

Atena estava prestes a recomeçar a rir, e era o que faria, se a seriedade da náiade não a chocasse tanto.

-Isso é um absurdo, Lans. – A deusa proclamou, agindo mais régia e seriamente também. –Por que você acha isso? Todos sabem que Poseidon me odeia!

-Mas isso é apenas o que ele diz sentir por você. O máximo que pode possuir é uma frustração por você conseguir, muito frequentemente, derrotá-lo, com toda a sua glória e inteligência, mas o fato é que ele sente totalmente o oposto, minha Senhora. Basta somente ligar as evidências.

-Que evidências!?

Àquela altura da conversa, o assunto tinha ficado tão arquitetado e sério que Atena mal se importou em notar o quanto era patético insistir na discussão. A curiosidade entrava dentro dela, tão silenciosa e fatal como o medo de alguma parcela daquilo poder ser verdade.

-Não as percebe, minha deusa? –Alana disfarçava, mas parecia desapontada. –As brigas. As coisas que ele lhe pede para fazer. O sorriso glorioso que surgiu nos lábios dele assim que atravessou aquelas portas minutos depois de beijá-la. Tudo isso aqui. – Ela fez um gesto com as mãos, abrangendo o quarto e todo o resto. –O Sequestro. Acha que ele o elaborou apenas para se vingar, Atena? –Até os títulos de cordialidade haviam sido esquecidos, depois que Alana notou o quão pasma e incrédula a deusa estava, por perceber que havia sentido em sua fala. –Ele quer, na verdade, ficar a sós com você. Quer conquistá-la, e isso não cessará enquanto não conseguir. –A vontade de rir de antes agora lhe soava tão idiota que, se fosse material, Atena a chutaria. Suas mãos começaram a tremer, e sua garganta parecia lutar para permanecer intacta, mas o fato é que não conseguia desviar a atenção de Alana, e de suas palavras. De repente, o que era impossível, já não soava mais tão impossível assim.  –Ele me mataria se me ouvisse confessando para você, mas eu não consigo me segurar. Poseidon a ama, Atena. Está na hora de você encarar os fatos.


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Notas finais do capítulo

Reviews = gasolina kk