O Sequestro escrita por Lívia Black


Capítulo 10
Capítulo 9 - Corações Trancados e Granadas de Mão.


Notas iniciais do capítulo

CARA, VOCÊS SÃO REALMENTE O MÁXIMO! O MÁXIMO DO MÁXIMO! OITO CAPÍTULOS POSTADOS E PRATICAMENTE 100 REVIEWS COM CINCO RECOMENDAÇÕES ~me gusta muchooo~ sério, vocês realmente sabem como fazer uma autora feliz. Diferente de mim, essa irresponsável totalmente responsável com a escola, que só pode escrever aos fds :C Mas para compensá-los eu escrevi esse capítulo mega-gigante! Não é um dos melhores, I guess...Mas acreditem...Paciência é uma dádiva! Sempre vale a pena esperar haha *-* Obrigada mesmo por acompanharem! Soltando fireworks here ^^



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/190247/chapter/10

Capítulo 9. - Corações Trancados e Granadas de Mão. 


"Nossos pensamentos mais importantes são os que contradizem nossos sentimentos." Paul Valéry


Quando Poseidon se deu conta de que a mulher que estava, assim, simplesmente sentada no seu colo, não era o tipo que deveria estar com todos os seus atributos insinuados em  seus locais estratégicos, e que muito menos era digna de seus descontroles, era tarde demais.

A merda de sua testosterona sabia que tinha uma mulher – muito gostosa, diga-se de passagem- sentada no seu colo, e não estava nem aí para a identidade dessa mulher. Só sabia que era irresistível demais, até mesmo para ele, que tentava pensar em meio aquele confuso caos que lhe fora imposto. Seu lado mais racional estava sendo sufocado pelo seu instinto, que o fazia querer –trágica e inevitavelmente – segurá-la pela cintura, jogá-la para o lado e se por em cima dela, prendendo-a com violência contra o chão. Morder seus lábios, com um desejo quase palpável, reprimido, vindo de algum lugar estúpido e sem nome. Um impulso ao sentir a pele e a textura de seus quadris, atiçando sua masculinidade.

Fechava os olhos só por dois segundos sentindo uma espécie indescritível de cheiro que vinha de pares de cachos dourados e a situação piorava.

Cachos dourados?

Ele só conseguia se lembrar de uma pessoa que tinha cachos dourados. Exatamente daquele tom. E é, ele acabou se lembrando também daquelas curvas, e de que sabia a quem elas pertenciam.

As coisas voltaram a fazer sentido, mais rápido do que o esperado. E ele acabou sendo sacudido violentamente para realidade de quem estava sentada em seu colo, após se lembrar o porquê de tudo aquilo.  E quando percebeu que estava a um fio de perder o autocontrole e se deixar ficar, ahn, excitado, provavelmente deixando o desejo primitivo em relação ÀQUELA PESSOA dominá-lo, ele tomou uma atitude precipitada, jogando-a para o lado, numa tentativa desesperada de acalmar seus anseios.

Ele não poderia permitir que uma coisa dessas acontecesse. Seria praticamente o fim do Universo, e ele jamais se perdoaria por não ter espancado aquele desejo estúpido que o levaria a uma quebra de seu orgulho em milhões de caquinhos.

Nem se preocupou em saber como ela estava (já que havia arremessado-a com pressa para o lado). Estava preocupado demais com o que quase acabara de acontecer para dar importância a isso. E irritado demais também.

Como seria sua vida se Atena,sua maior inimiga declarada, puritana chata e extremamente irritante, descobrisse que conseguia excitá-lo completamente só por sentar em seu colo? Ou melhor, tropeçar e cair acidentalmente ali? O fato de que isso quase aconteceu o deixava praticamente explodindo de tanto ódio. Porque não era para isso ser verdade. Não era para ela conseguir fazer essas coisas com ele!

Nunca!

Ele só se deu conta de que ainda não tinha se livrado de todos os riscos quando ouviu a familiar voz de irritação dela:

-Seu cretino, estúpido, idiota!!! –Atena estava mortalmente furiosa. Quer dizer, aquilo– cair ACIDENTALMENTE no colo da criatura mais desprezível da face da terra-  fora de longe, a situação mais constrangedora de sua existência! E estava mais do que óbvio que tinha sido unicamente culpa do bastardo subaquático, que ficara estrategicamente posicionado atrás dela, como se esperasse suas reações, e ansiasse pela terrível queda compartilhada. Mas o pior de tudo, é que não realmente isso que a deixava “p” da vida. E sim o fato de que ele se achou no direito de arremessa-la com força para o lado, como se ela fosse um saco de batatas ao invés de uma deusa. Em circunstâncias normais ela agradeceria a Zeus por ele ter feito isso, mas nesse caso sentiu-se incrivelmente ofendida, o que a fazia querer recomeçar a xingá-lo sem uma mínima partícula de dó.Pescador de quinta, mal-educado, intrometido, ridículo, arrogante, acéfal...

-Cala a boca, Atena! –Poseidon a cortou em um tom muito alto, quando perdeu a conta do número de adjetivos carinhosos que ela estava desesperadamente usando para descrevê-lo. A deusa não pareceu processar direito o xingamento, como se não conseguisse aceitar que ele o havia proferido daquela forma tão violenta, entre olhares penetrantes. –Porra, qual é seu problema, heim?!! Quer me ver fazendo na prática e ao vivo? Aí se jogou em cima de mim?!  - Ele ainda estava atordoado, e muito irritado, por sua pior inimiga ter o poder de exercer aquilo sobre ele. Seria capaz de lançar tsunamis contra ela, apenas para poder negar esse fato inaceitável. Sentia necessidade de transformar em mentira. Difamando-a. - Uma pena que seu planinho fajuto não funcionou, encenação de virgenzinha puritana.

Atena quis, quis muito mesmo, acreditar que ele não tivera a audácia de proferir aquelas palavras, mas o som de sua voz e a força de seu olhar quase sacudiam seu corpo. Foi dominada pela mesma quantidade de raiva que o atingia por alguma razão que ela não conseguia entender. Ele provavelmente deveria estar rindo.

Não que ela o conhecesse.

-Ahn?! –Isso foi quase uma chance de deixa-lo corrigir. Mas ele continuava fitando-a quase medonhamente, como se exigisse explicações. Hunf. A loira teve que respirar fundo para não sair berrando contra as baboseiras que ele aparentemente queria insinuar sobre a queda. – Olha aqui, o único motivo dessa calamidade ter acontecido foi eu ter tocado nesses seus lençóis nojentíssimos! Foi você que me fez cair, colocando-se intrometidamente atrás de mim e me fazendo perder o equilíbrio, projeção de criatura marinha, de massa cefálica inexistente! –Os contornos de deboche que decoravam a expressão dele não a ajudavam nem um pouco a se acalmar, de modo que ela estava ofegante antes do esperado. - E eu realmente não entendi que tipo de ofensa você quis insinuar sobre a minha conduta, muito menos sobre esse querer ver você fazendo sabe-se-lá-o-quê.

-Aham, é claro, o culpado das coisas sempre sou eu. –Ele concordava, sorrindo e balançando a cabeça com tanto sarcasmo que até fazia os olhos dela arderem. –É óbvio que você não estava esperando qualquer mínima oportunidade para poder se jogar em cima de mim.

-ECA! – O sarcasmo dele era tão óbvio que ela nem teve de pensar por dois segundos para saber que ele acreditava exatamente no oposto do que dizia. Ela ficou nitidamente indignada, cruzando os próprios braços com força. - Você é provavelmente o último homem da face da terra em que eu supostamente me jogaria, seu energúmeno truanesco!  E não desvie do assunto! Eu quero saber a que espécie de coisa de baixo nível você estava se referindo, ao me citar descaradamente.

Atena ficou satisfeita em ver revolta quando o rebaixou, afirmando com seu jeito excepcionalmente convincente. Mas satisfação nenhuma acalentava sua raiva dele, e muito menos sua irritação por ele ficar escondendo novamente as coisas que falava. Já era a segunda vez que ele fazia isso, e essas coisas eram capazes de deixar os nervos da deusa à flor da pele.

-O último? Aham, tá legal. mesmo acreditando em você, Ateninha. –Não parecia nem um pouco, e ele jamais admitiria, nem mesmo para si, que no fundo temia que ela pudesse estar sendo sincera. Sentiu prazer vendo os lábios dela se crisparem de ódio. -E é melhor você esquecer esse assunto.

Ele não contava que fosse deixa-la tão fula simplesmente por dizer isso. Atena se colocou de pé, em um gesto extremamente ágil, fazendo-o se sentir diminuído.

E ele quase podia sentir a pele formigar sob os olhos cinza tempestuosos. 

-Não me chame de Ateninha, Poseidon, há não ser que queira que eu esfole o seu adorável rosto em brasas quando conseguir sair daqui. –Ela não precisava gritar, e nem levantar uma plaquinha escrito “sarcasmo” para que ele entendesse toda a essência da frase. – E essa é uma das raras vezes em que concordamos. Você tem razão, não é o meu último, pois eu preferiria me jogar ao Tártaro do que em você. –Por mais que ele negasse, o comentário dela tinha uma lâmina tão afiada que conseguiu ferir seu ego, auxiliada pela forma que Atena desviava os olhos para baixo para encará-lo, coberta de desprezo. - E sobre esquecer, a resposta é: não, mil vezes não! Já é a segunda vez que você me pede para esquecer algo que você deixou implícito, então é melhor que desatine a falar de uma vez só!

Atena quase podia sentir ondas de poder rodando em torno de si, aos compassos de sua voz. E a cada revirar de olhos de Poseidon, isso parecia aumentar. Mas a raiva dele aumentava com ainda mais intensidade, e quando ele se ergueu do chão, rápida e infelizmente seu domínio pareceu ir se dissolvendo aos poucos.

-Quem você acha que é para me fazer ameaças?! –Ele não gritou furiosamente, nem nada do tipo, como ela imaginou que ele faria ao ver seus lábios tremendo. Parecia até estar se divertindo novamente. - Em primeiro lugar, elas são tão ridículas quanto o seu cabelo, e se você continuar assim, nunca mais vai sair daqui. Esqueceu que estamos no meio de um sequestro? –Atena quis berrar como uma criança, gritar que seu cabelo não era ridículo, mas quando a sobrancelha dele ergueu ao tom da palavra “sequestro”, houve um refluxo em sua voz, junto com arrepios em seu braço. - Esqueceu que eu sou o dono de tudo isso? –Talvez ela tivesse esquecido. E ela detestava, imensamente, ter de se lembrar. -E a propósito, eu nunca deixei nada implícito, você que tem sérios problemas de interpretação nessa sua mente que você diz ser bem-estruturada.

Demorou alguns longos segundos até que Atena pensasse em como iria revidar toda aquela avalanche de palavras amaldiçoadas. Sim, foram apenas segundos, e é de se pressupor que eles não tenham nada de longos, mas entre a troca de olhares e respirações que ocorriam no intervalo de um metro entre os dois deuses, cada segundo era como éons.

A loira pode sentir a voz voltar novamente, com um feixe de esperança e auto-confiança, e achou melhor falar antes que perdesse tudo que tinha para dizer.

-Quem eu acho que sou?! Atena. E caso você não se lembre, eu sou a filha, favorita, diga-se de passagem, de Zeus, o deus dos Deuses. –Ela definitivamente usava do título com incorruptível orgulho. –Acha mesmo que vai conseguir me manter aqui para sempre sem que o meu pai sinta a minha falta? – Na verdade, essa perspectiva era a única coisa que lhe trazia um pouco de coragem para contra-argumentar com ele, e seus 2 mil metros de profundidade. -A essa altura ele já deve estar me procurando. E você não é poderoso o suficiente para lidar com a ira dele quando descobrir. E, sem querer ser egocêntrica como você, mas minha mente é a mais bem-estruturada de todas as mentes do Olimpo. Entretanto, quando se trata de interpretar as baboseiras repulsivas que você vive falando, ela automaticamente se curva em modo off.

-Há! –A risadinha debochada se encaixou perfeitamente diante de tudo que lhe vinha ao olhar para Atena, impenetrável, de braços cruzados e olhar assassino. Suas palavras ameaçadoras, de fato o faziam ter vontade de rir. -Você acha que eu tenho medo de Zeus, certo? E acha que ele vai descobrir assim super facilmente que eu a sequestrei? –A deusa quase murmurou “e eu não estou certa?!”, mas nem precisava ser bom em dedução para saber que ele diria que não. - Eu cuidei de tudo, Atena. Absolutamente tudo. Você acha que eu sou idiota, não é? Então tenho novidades para você: As coisas não funcionam nem de longe do jeito que você pensa. –Atena hesitou. Tentou detectar qualquer rastro de mentira no brilho esverdeado da íris, mas teve de engolir em seco ao procurar e encontrar só seus próprios arrepios. - E já que você vai ficar ainda mais insuportável se continuar insistindo para que eu fale nesse assunto... Bem, eu quis insinuar que você é uma puta atirada que “caiu” em cima de mim na tentativa de me excitar. O que é extremamente patético, aliás.

De repente, num paradoxo, Atena perdeu toda sua lógica e linha de raciocínio. Sua mente apenas se fixou no “você” mais “puta atirada”  que estavam na mesma frase, em sua direção, ditos de forma natural, semi-debochada, naquela postura estúpida de “sou o máximo” que Poseidon tinha. De fato, num paradoxo, Atena não conseguiu acalmar seus ânimos, ou encontrar de novo a racionalidade, depois da ofensa ter sido colocada daquela forma. Ela não conseguiu suportar. Tudo que pode sentir foi raiva, em sua forma mais concreta, e mal conseguia pensar quando suas mãos criaram vida própria, avançando para estapeá-lo, enquanto as palavras eram balbuciadas terrivelmente pelo encerro da boca:

-NUNCA...MAIS...OUSE...USAR...ESSES...ADJETIVOS...PARA...ME...DESCREVER! ENERGÚMENO...ACEFÁLO...MALDITO! –Atena, involuntariamente, deixou o melhor tapa para o final, que foi quando sua mão direita se chocou com a lateral esquerda do rosto dele, com tanta “delicadeza” que, se ele não fosse um deus, teria certeza de que os cinco dedos ficariam marcados por semanas em seu rosto. E se não fosse tão orgulhoso, provavelmente teria soltado um uivo com a ardência.

Ele, com certeza, podia afirmar, com uma dose experimental, que não era exatamente legal levar um tapa de Palas Atena.

Mas só para provoca-la, não fez o que ela esperava, como deixar escapar um gemido, ou esfregar o rosto. Segurou seu pulso com uma força quase equivalente à dela, e fez com que ela ficasse perto o suficiente para sentir as palavras batendo contra seus lábios.

-Eu não dei permissão para você me bater, Atena.

Ela ficou irada de raiva com a amostra de tranquilidade e deboche do tom dele, e se retorceu sobre o toque violento que ele fazia em seu pulso, aproximando-os.

 -Eu não tenho que pedir nada para você, seu estúpido malacafento!

Ele não discordou. Só deu seu sorrisinho de canto habitual.

-Você é minha empregada. –Ele usou as palavras como um coringa.

-Não, eu não sou! Isso é o preço de uma aposta! –Atena protestou, e ele até se surpreendeu por ela não estar pedindo insistentemente por liberdade, apenas prolongando a discussão como se nada tivesse acontecido. - E você não tinha o direito de me torturar dessa forma tão incrivelmente preenchida por maldade, com esses seus instintos perversos nojentos, e essa sua mente doen...

-Cale a sua boca, Atena. –Era a segunda vez que ele dizia isso, e dessa vez ele usou mais força no tom de voz. Apertou o pulso dela, e em seguida o soltou, empurrando-a para longe, com um pouco de agressividade. Ela se desequilibrou, e fez uma cara muito, muito feia, mas, por alguma razão, não continuou seu discurso. - Você quase consegue ser irritante.

A cara feia que Atena estava fazendo foi convertida em um sorriso de satisfação, e aos poucos ela começou a perceber que até conseguia ser divertido brigar com ele. Se vencesse no final, vale acrescentar.

-Deixa os lençóis para lá, vai. Tenho algo mais sacrificante que você deve fazer. – Ele não olhou para ela, e repentinamente tomou uma caminhada que ia rumo a porta dupla. Ela ficou o observando prosseguir indiferente. Um pouco imóvel com a tranquilidade recém-adquirida dele (afinal, mesmo satisfeita ela ainda estava “p” da vida), e também estática pelos efeitos da palavra “sacrificante” (o que poderia ser mais sacrificante que tocar nos lençóis usados de Poseidon???!!)

Mas o que a deixou mais desconcertada mesmo foi o que ele fez ao caminhar. Com um simples estalar de dedos, sua cama de dossel se refez, novinha em folha, com edredons macios e perfumados, recolocados e alinhados perfeitamente.

Um grunhido alto tomou conta do local. Não foi algo que ela pode evitar.

Quer dizer, não é como se ela não soubesse que ele poderia fazer isso, o tempo todo. Afinal, se não estivesse a 2 mil metros de profundidade, ela também poderia fazer, com ainda mais capricho se desejasse. É que era angustiante se sentir tão incapaz, que ela preferia rejeitar a ideia, fingir que não sabia. Só que vê-lo humilhá-la daquele jeito, a obrigava a enfrentar os fatos.

-Poseidon. –Ela se pegou chamando-o, simplesmente, enquanto fazia seu próprio percurso até a porta. Ele franziu uma sobrancelha, e quando ela chegou perto da passagem, educadamente abriu para que ela passasse.

Atena revirou os olhos para seu cavalheirismo, e ele simplesmente ignorou-a, junto com o fato de ela ter dito seu nome firmemente segundos atrás. Fechou a porta as suas costas e ambos começaram a andar pelo corredor, ela se afastando dele voluntariamente.

Caminharam bastante e lentamente, até a deusa ter garra suficiente para dizer aquilo que a estava sufocando. Pigarreou, quebrando o silêncio.

 -Eu quero meus poderes de volta. -Seu tom adquiriu uma longa nota de exigência instintiva.

-Haha, é claro, vai sonhando.

-É sério, Poseidon. – A deusa, incomodada por seu deboche, parou de caminhar, obrigando-o a parar também e prestar atenção em suas palavras. - É frustrante demais! Eu me sinto como uma mortal, uma criança de cinco anos incompetente. Você não tem o direito de fazer isso comigo.

De fato, ela se sentia uma criança de cinco anos birrenta, fazendo um estúpido biquinho de revolta apelativo.

-E daí?

A indiferença dele fazia-a querer sucumbir a tentação de voltar a estapeá-lo.

-Grr, e daí que Tios costumam ser amáveis com as suas sobrinhas!

Por alguma razão, algo no que ela disse atraiu a atenção de Poseidon. Ele não a estava mais olhando com aquele deboche específico. Parecia interessado.

-Esses tios a quem você se refere não tem uma sobrinha como você. – Atena perdeu a resposta que estava na ponta da língua ao perceber que ele estava certo. Talvez (é claro que ela jamais iria admitir isso) não fosse exatamente fácil tê-la como sobrinha. Ela sabia que ambos tinham um ódio mútuo incomensurável. E isso a fez pensar que, se as coisas fossem diferentes, ela não estaria ali, trancafiada. –Você queria mesmo que eu fosse amável com você, Atena?

Ela mal prestou atenção nele, até ele fazer aquela pergunta digna de reflexões, e se surpreendeu ao notar, que ele parecia estar mais perto. Mas ela nem refletiu muito sobre a pergunta. A resposta saiu num ímpeto instantâneo.

-Sim.

Poseidon sorriu com aquela resposta. Um sorriso largo, prazeroso. Mas por que diabo ele sorriria por ouvir isso? E por que ele está mais perto de mim do que deveria?, ela pensou, desconfiada. 

-Hm...Mas se eu te tratasse bem, você me trataria bem também? Não seríamos mais inimigos mortais que amam de paixão ver o outro se ferrando?

A resposta veio tão fácil quanto a primeira.

-Não. É óbvio que não. Vamos sempre ser inimigos. Você sempre vai ser um energúmeno acéfalo detestável.

É claro que ela imaginava que ele estaria esperando por isso, e ele parecia mesmo indiferente, mas Atena imaginou ter visto um certo desapontamento na postura dele. Logo, ele já não estava mais tão perto. Não havia aquele cheiro delicioso de brisa marítima bem a sua altura. Delicioso? Não, ela quis pensar irritante, é claro.

-Então não temos nada feito, pirralhinha insuportável.

-Pois é, está bem longe o dia em que passarei disto para sobrinha amável para você. Quer dizer, você é apenas um irritante. E eu só citei nossa condição para obter liberdade. 

-É, e não funcionou. Eu nem de longe te vejo como uma sobrinha, Atena. –Ele queria pensar que o principal motivo de não fazer a associação, era detestá-la e repudiá-la tanto, mas a primeira coisa que veio em sua mente infecciosa foi que tios que se prezem não acham suas sobrinhas, ahn, gostosas. Mesmo negando isso constantemente.

Poseidon retomou a caminhada, pensando no tempo que eles estavam perdendo, e ela não teve escolha senão acompanha-lo de braços cruzados.

-Além disso, estou refletindo muito sobre a sua liberdade. A cada dia parece menos provável você merecer sair daqui. Você ainda tem que sofrer por tudo que me fez passar.

-Mais sofrimento do que bancar sua empregadinha por um dia? O que é, quer me fazer virar um peixe e me por num aquário, literalmente?? -Ele quase riu, afirmando que essa seria de fato, uma boa opção, mas ela prosseguiu sem dar a ele tempo de falar: -E o que você me fez passar durante todos esses éons? Sem dúvidas, equivale a todos os sofrimentos que eu causei, com muito prazer, a você. Houve milhares de motivos para eu começar a detestá-lo tanto. Começando pelo fato de você ser, naturalmente, um oferecido desprezível.

-Eu não sou um oferecido desprezível. E mesmo que fosse, de que forma isso poderia te afetar? Isso não é nem de longe, uma afronta contra você e você sabe que deve pagar por todas as suas provocações.

-É óbvio que não. Se eu te provoquei, é porque você merece, porque sim, você é um oferecido desprezível.

Poseidon rolou os olhos, enquanto ambos desciam as escadas para o andar debaixo, ponderando até que ponto aquela nova discussão iria chegar. 

-Oferecido como?

-Ora, jogando indiretas maliciosas estúpidas para qualquer ser que esteja usando saia. Isso é ridiculamente abominável.

Ela até se sacudiu um pouco, como se a ideia lhe causasse repulsa. Ele só conseguia formar um sorriso bobo.

-Por quê? Por acaso você sente ciúmes?

Atena ensaiou uma risadinha sarcástica, cruzando os braços de maneira ainda mais forte.

-Não seja ridículo, Poseidon. Eu sei que é um pedido extremamente complexo para você, mas tente fazer um esforço, ok?

-Você está errada. – Ele disse, decidido, ignorando todas as baboseiras que ela estava dizendo para ofendê-lo.

-Hã? –Ela franziu a testa, soando quase inteiramente confusa com o tom determinado dele dizer aquilo. –Em relação à quê?

-Eu não dou em cima de qualquer ser que use saia. Tipo, fora de cogitação eu tentar qualquer coisa com aqueles caras escoceses, por exemplo.

A deusa teve que se segurar para não rir, apenas por ser orgulhosa demais para provar que havia raros momentos em que ele a divertia.

-Não são saias, Poseidon. O nome da veste é kilt. E não há nada de feminino nisso, como esse seu tom de deboche quis insinuar. Vem de uma longa tradição escocesa adorável de ser estudada.

-Aham, tenho certeza de que são adoráveis, mas eu sinceramente prefiro deixar o estudar pra você. –É lógico que ele colocou sarcasmo no “adoráveis”, apenas para irritá-la. - E pra mim, se não separa as pernas, o negócio é uma saia.

-É claro, porque sua mente danificada não consegue distinguir as diferenças de um para o outro.

-Não, é por que isso realmente não me interessa. O que me interessa, é ver você cumprindo sua próxima tarefa. – Atena estremeceu com a mudança de assunto. Suas tarefas era algo que ela preferia adiar para o resto da eternidade. Haviam descido todos os degraus e estavam perto da esplêndida cristaleira da Sala de Estar quando ele anunciou. :-Lustrar as minhas lindas taças da República Tcheca.

O tom apaixonado e ao mesmo tempo maldoso dele, foi o suficiente para fazê-la, em um átimo, protestar.

-Lustrar taças?! Ah, Poseidon, isso é um insulto. Basta você estalar os dedos e essas coisas vão ficar reluzentes sem que eu tenha que perder o meu tempo nelas. –Ela se sentiu até resmungona por usar um tom tão triste e cansado na voz, afinal, aquela era apenas sua terceira tarefa e com certeza não era nem de longe tão ruim quanto fora a anterior, mas o fato é que ela sempre detestaria ter que bancar a escrava dele. E lustrar taças era uma atividade realmente muito idiota e chata.

-Ahn, pelo que eu saiba a empregada é você, e você obedece o que eu mando. –Ele disse as cinco últimas palavras com um sorriso tão imenso e brilhante quanto o de Apolo. -E eu quero essas taças limpinhas e brilhantes, uma por uma. –Ela olhou com tédio para as orbes esmeralda do deus, sem se mover. –Vamos, é pra já!

A loira suspirou, enquanto ele se afastava somente um pouco para pegar uma confortável cadeira da enorme mesa de jantar, e arrastá-la alinhando-a perto e na direção de Atena. Se acomodou nela de forma relaxada, feliz, como se vê-la desempenhando aquela atividade com aquela cara de frustração fosse ser uma verdadeira distração.

Atena abriu a portinhola da cristaleira, e observou com insatisfação incontida um verdadeiro incontável número de diferentes belas taças, levemente empoeiradas, que estavam prontas para serem lustradas. Como se as consequências acompanhassem seus pensamentos, de repente um tecido muito suave se materializou na grande copa ao lado da Cristaleira, junto com um produto que prometia auxiliar na limpeza.

Atena bocejou, deixando claro o seu pesar, e começou a manusear o tecido, e pegou a primeira taça ornamentada e hiper-delicada a seu alcance na imensa cristaleira, começando a lustrá-la.

Poseidon se preparava para diversão.

Ela suspirava a cada cinco segundos, percebendo que a mão-de-obra era mais chata e entediante do que o esperando.

-Eu te odeio, Poseidon. –Ela murmurou, de forma entrecortada, sem nem ao menos desviar o olhar para a figura despojada há apenas alguns metros. 

-Uau. Essa vai sair em todos os jornais.

Ela quase podia sentir o sorriso e o sarcasmo dele, esvoaçando em sua direção feito uma brisa. Uma brisa muito desconfortável, por sinal.

Somente bufou e deu os ombros para ele, e prosseguiu em sua monótona e estúpida tarefa, sem mais dirigir a palavra a Poseidon, ou sequer observá-lo, irritantemente, à sua direita.

Decidiu usar aquele tempo de silêncio e trabalho para pensar.

Pensar, seriamente mesmo, em suas condições. Elas eram tão terríveis e sufocantes que Atena mal se permitia refletir sobre elas. Quer dizer, não estar no Olimpo, e ter seus poderes reduzidos à nada, era mais que uma mudança radical. Era uma mudança que faria qualquer um em seu lugar querer ficar chorando feito uma criancinha. Além disso, ela nunca havia ficado assim, tão sozinha com ele. Ele, à sua maneira, conseguia ser assustador às vezes. Não que ela fosse confessar. E não que ela realmente se sentisse intimidada. Mas era muito incômodo ficar impotente, naquela situação. E ficar bancando a empregada dele.

Era horrendo.

...

10 taças. 20 taças. 30 taças. Longas, finas, chiques, simples, decoradas. Não havia fim naquela mão de obra, e Atena estava enjoada, mas não estava determinada a reclamar mais. Não daria esse gostinho a Poseidon.

Voltou a pensar sobre estar ali. E involuntariamente, sobre a sua péssima atividade anterior. Eca. Eca. Eca. Eca. Aquilo fora um perfeito desgosto. E ela ainda não tinha lavado as mãos, argh. No que ela poderia ter tocado???!

Merda. Ele mesmo confessara que fizera aquilo, enquanto pensava em alguma vadia loira que saia do banho enrolada em uma toalha e...

As entranhas de Atena congelaram de repente. Assim como o resto de seu corpo. Na verdade, ela até se esqueceu de respirar, e se não fosse uma deusa, morreria asfixiada. Seus olhos perderam o foco, e de repente, aquela suave taça que seus dedos prendiam pareceu pesar uma tonelada, e simplesmente deslizou por entre sua mão.

Atena estava pasma.

Havia acabado de tirar a conclusão mais arrebatadora do Universo, e de fato, não conseguia acreditar.

Só mostrou uma reação natural quando se esquivou do cristal sendo partido em trilhões de pedacinhos, produzindo um estrépito nada agradável.

-EI, ATENA! – Ela ouviu o som da voz de Poseidon protestar, no mundo real. –Eu não dei permissão para você quebrar as minhas queridas taças! Elas são da República Tcheca! Cada uma delas custa mais de 800 dólares!

De fato, ele parecia estar realmente frustrado com a taça estatelada. Coisa que, para Atena, não tinha nem a mínima importância. Ela havia feito uma associação incrivelmente assustadora, e precisava ter certeza de que não estava delirando.

-Poseidon... – Ela falou, se virando lentamente para ele. Ele havia levantado da cadeira, e olhava com raiva em direção. Mal percebeu o quanto ela parecia tonta. – Você, por acaso, estava pensando em mim, ontem quando fez, aquelas, ahn....coisas?

Ela se auto-impressionou por ter sido tão direta, sem ao menos hesitar. E impressionou muito mais a ele, que foi pego de surpresa com a questão, mal conseguindo interpretá-la a principio.

Quando conseguiu entender, mal acreditou no fato de Atena perguntar isso tão claramente, que não pode evitar de abrir um sorriso largo (e safado). De repente, a taça da República Tcheca já não pareceu ter tanta importância. Ele apenas olhou para a deusa, toda atordoada, mas continuou fingindo que não tinha se tocado que ela finalmente fizera a maldita associação.

-Hm...Que coisas, Atena?

A deusa corou, quase imperceptivelmente, sem saber se ele estava ou não fazendo de propósito.

-Ah, você sabe. Aquilo

-Aquilo o quê? – Ele franziu o cenho, tentando não rir do embaraçamento dela.

-Ai, aquilo! Aquela coisa nojenta que os homens fazem quando estão sozinhos e entediados.  –Ela disse, achando que não poderia ser mais baixa e explícita. Não era exatamente o forte da deusa explicar ou até mesmo nomear esse tipo de coisa.

-Que coisa? – ele interrogou, tentando camuflar sua óbvia diversão, e deixando-a louca.

-Aaaaaaaah, para de se fazer de idiota e responda à minha pergunta!

-Eu realmente não sei do que você está falando, Atena.

Ele cruzou os braços, impassível, fazendo a deusa bufar de ódio.

-Transar. Com a sua mão. –Ela pronunciou as palavras lentamente e entre pausas para engolir em seco, fazendo uma careta, como se odiasse ter que dizê-las, e então Poseidon perdeu o fôlego e irrompeu em uma gargalhada sem fim, só pela forma que ela tinha descrito o ato.

-Ah... –Ela disse, entre uma gargalhada e outra, enquanto Atena permanecia séria e intocável. – Isso. – Ele olhou maliciosamente para ela, só para ter o prazer de vê-la corando como um pimentão. –É óbvio que eu não estava pensando em você quando estava ... Qual é o termo mesmo?!...Ah... “ Transando com a minha mão” ...- E dito isso ele explodiu em mais uma gargalhada interminável.  – O que te faz pensar que eu faria isso pensando em você?!

Atena estava se sentindo patética, ridícula, humilhada, e quase se arrependendo de ter dito aquilo de uma vez para ele, mas então resolveu aderir uma postura firme e confrontá-lo.

-É bem óbvio, sabe. Eu sou loira. Eu saí de toalha do banho e fiquei me escondendo. Você usou esses termos para descrever a pessoa que você estava pensando. –Ela o acusou, totalmente preparada para acusá-lo novamente.

Mas não foi necessário.

-E daí?  -Poseidon deu de ombros, com um sorriso maroto, andando em passos muito vagarosos para mais perto dela. –Você acha mesmo que eu escolheria você pra dominar minha mente nesses momentos?

Sob o olhar de confronto dele, Atena ficou temporariamente sem voz. Ela não sabia o que dizer, afinal, não fazia nenhum sentido, mas já que havia começado aquilo não podia se deixar perder ou ficaria ainda mais ridícula.

-E por que você não escolheria? –Sem dúvidas, não era a melhor coisa que poderia dizer, mas de repente ela só pode dizer isso.

E de fato, ele foi pego desprevenido com a pergunta e ficou estranhamente calado por alguns instantes.

-Não é como se você fosse gostosa e eu quisesse transar com você toda vez que eu olho para suas coxas...

-Eu não disse isso.

A loira engoliu em seco, e percebeu que era semi-impossível não ruborizar em toda pele alcançável quando estavam falando sobre aquilo. E principalmente quando o assunto a envolvia. Se houvesse duas coisas no mundo que definitivamente não deveriam se juntar, era falar sobre aquele assunto e ainda por cima com Poseidon.

-Tá, mas para eu pensar em você quando estou fazendo aquilo, precisaria ser assim e...

-E ainda bem que não é!!! O que eu menos preciso é que meu pior inimigo fique pensando em mim enquanto faz essas coisas nojentas.

Dessa vez foi Poseidon quem engoliu em seco, disfarçadamente. Não era como se ele tivesse mesmo feito aquilo ontem a noite, talvez ele só tivesse colocado iogurte de graviola nos lençóis para irritá-la, mas mesmo assim, ele a achava gostosa, e sentia vontade de transar com ela quando olhava para suas coxas. Ah, e é claro, ela também era sua pior inimiga.

-É claro que eu não pensaria em uma magrela metida, loira-aguada-oxigenada e sem sal. –Ele mentiu, dando graças a ele mesmo por ser um bom ator. E dando ainda mais graças por Atena não ter a capacidade de ler seus pensamentos.

Atena reprimiu um rosnado.

-Eu não sou nada disso. Você que é um acéfalo ridículo com problemas de visão!

-Hm, nah, não tenho problema nenhum não...Consigo enxergar muito bem os caquinhos da minha taça que você deixou cair no chão. –essa era a hora mais que exata para uma mudança estratégica de assunto - Que tal recolhê-los, han? Já está determinada a sua próxima tarefa. Limpar, varrer e encerar o chão. –Ele deu um sorriso que seria capaz de fazê-la esmurrá-lo até a morte, mas tudo que ela conseguiu mesmo fazer foi cerrar os punhos e respirar fundo, para não perder o controle, e continuar com aquela discussão pseudo-constrangedora com ele. Um dia, ela não sabia como, iria provar que ela não era nada do que ele a havia ofendido. Não sabia quando, nem como, mas iria.

Infelizmente, a única coisa que sabia naquele momento é que ainda estava em sua terceira tarefa como empregada, mega mal-concluída. E o pior de tudo: Restava um longo dia pela frente.

Mais longo do que a espera de Cronos no Tártaro. E com certeza muito mais desconfortável e assustador.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Reviews? *-*



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Sequestro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.