Já era de madrugada, e Izaya tomava cuidado para não tropeçar em algum móvel ou fazer algum tipo de barulho para acordar Shizuo e o gatinho, que dormiam pesadamente – Shizuo no sofá, já que se recusava a dormir na mesma cama que Izaya, e o gatinho na cama do loiro.

O Orihara estava decidido a fazer algo em retorno a Shizuo. O que ele estava fazendo era uma demonstração de puro altruísmo, sem contar que fazia mais do que o necessário, como fazer ele mesmo uma roupa nova para o menino-gato.

Apesar de pensar que nada que fizesse seria o suficiente para agradecer – o que em si só já assustava Izaya - , o moreno queria se esforçar ao máximo para tornar sua estadia o menos desconfortável possível.

Começando por um café da manhã super especial com direito a cereais, torradas e mel, frutas picadas em cubos perfeitos, suco fresquinho de maçã e café expresso para que Shizuo escolhesse seu preferido e, para finalizar, uma bela margarida num vaso fino para decorar a mesa.

...só torcia para que o vizinho não percebesse uma flor faltando em seu jardim.

Depois de finalizar cada detalhe da mesa, Izaya viu que o sol já estava numa boa altura no céu e o relógio lia mais de oito horas.

Ansioso para que o companheiro loiro visse sua obra prima, o pequeno Izaya correu até a sala; as mangas de sua camisa ainda arregaçadas enquanto ele tentava subir no sofá com alguma dificuldade. Quando finalmente completou a façanha, sentou-se no abdômen de Shizuo, com um enorme sorriso no rosto.

Estava prestes a chacoalhar os ombros do maior quando olhou o rosto do mesmo. Ficou observando por alguns segundos sem expressão alguma, até que finalmente começou a corar um pouco – não tinha parado para pensar nisso antes, mas Shizuo era muito bonito.

Dormindo, suas feições ficavam muito mais suaves, e não assustadoras como de costume – ele estava realmente relaxado, e não ameaçando alguém de morte com os olhos.

Izaya chacoalhou sua cabeça de um lado ao outro; não deveria ficar pensando em coisas esquisitas como essa logo de manhã.

Pôs-se a acordar Shizuo cutucando sua bochecha com um dos dedos. – Shizu-chan~! Quando não recebeu resposta, começou a puxar as bochechas do maior com suas duas mãos. – Shizu-chan, Shizu-chan, hora de acordar!

Porém, o Heiwajima não cedia – continuava dormindo tão pesado quanto antes; no máximo grunhia baixinho. – Shizu-chaaan! – Izaya estava começando a perder a paciência. Segurou firme a camisa do maior e começou a chacoalhar. – Shizu-chan! Shizu-chan! Shizu-chan! - , insistia.

Shizuo finalmente abriu os olhos, bem devagar. Sentia sua cabeça pender para trás e levantou-a um pouco, enxergando Izaya com as bochechas infladas – ele parecia um tanto impaciente. – Ehh, seu sono é bem pesado! Pensei que não fosse acordar mais. - , disse o moreno enquanto o soltava.

O Heiwajima começou a se sentar e a esfregar os olhos, bocejando baixinho. Izaya desceu de seu colo, tropeçando um pouco mas recuperando seu balanço, e inclinou-se com suas duas mãos juntas, ansioso para mostrar a mesa de café para Shizuo. – Shizu-chan, eu preparei o café!

Shizuo se espantou um pouco com a euforia de Izaya mas resolveu segui-lo até a cozinha, espreguiçando seus braços bem alto numa tentativa de acordar completamente. Ao alcançar o cômodo, o Heiwajima quase perdeu o fôlego. A mesa estava muito bem organizada; com certeza havia dado um bocado de trabalho arrumá-la daquela forma.

- Nee, Shizu-chan, que tal? - , perguntou Izaya com um brilho um tanto orgulhoso em seus olhos, enquanto observava o loiro que jazia sem expressão identificável no meio da cozinha. – Você fez isso tudo? - , perguntou.

- Sim!

- Bom... eu confesso que é surpreendente pensar que você... fez isso.

- Ah... tem várias coisas que você não sabe sobre mim, Shizu-chan. - , disse Izaya enquanto piscava com um dos olhos. Estava feliz, muito feliz com a reação de Shizuo, que agora se dirigia até o banheiro para escovar os dentes.

O Orihara abriu um sorriso um tanto alegre enquanto se sentava numa das cadeiras, observando o sol saindo lá fora. Adorava ver o sol depois da chuva – ficava ainda mais bonito.

Descansou seu rosto em suas pequenas mãos enquanto seus cotovelos se apoiavam na mesa; seus olhos ainda concentrados na paisagem por trás da janela. Observando o sol daquela forma, até que lembrava bastante Shizuo.

Mas acho que Shizu-chan se parece mais com o sol de fim da tarde, bem vivo e brilhante., pensou com um pequeno sorriso que logo foi embora – ele realmente precisava parar de pensar naquelas coisas.

–

Shizuo estava contente que Tom havia lhe dado o dia de folga – obviamente por causa de Izaya. O loiro estava física e mentalmente exausto; precisava de um dia para se sentar e assistir um pouco de televisão, talvez ler alguma revista aleatória.

Escolheu a TV. Após pegar um refresco da geladeira, foi até a sala e sentou-se no sofá; o controle remoto logo pulando de canal em canal.

Não muito depois, pôde ouvir o som dos passinhos de Izaya enquanto o mesmo corria segurando um fio com um pedaço de algodão na ponta; o pequeno gatinho amarelo correndo atrás com um brilho bastante brincalhão nos olhos.

O bichano já estava ficando um pouco cansado, então sentou-se no chão com os olhinhos se fechando um pouco e miou durante um bocejo, chamando a atenção do Orihara que havia parado de correr. – Hora de descansar. - , disse.

Segurou o pequeno gato em seus braços e andou até o sofá; colocou o bichano sobre ele enquanto tentava subir – ia ficando mais fácil cada vez que ele fazia isso, mas ainda tinha alguma dificuldade devido ao seu tamanho reduzido. Quando finalmente conseguiu, encostou-se nas costas do sofá e suspirou contente.

- Você parece feliz. - , disse Shizuo depois de algum tempo. Izaya olhou-o um pouco confuso; não havia percebido isso. Quem sabe fosse por causa das duas ótimas companhias das quais ele desfrutava agora; quem sabe fosse por não ter que pensar tanto em seu trabalho.

De qualquer forma, estava começando a gostar dessa vida de gato. Havia sido pouco mais de um dia, mas Shizuo certamente estava cuidando bem dele.

Quando não recebeu resposta, o loiro puxou suas pernas para cima do sofá e cruzou-as. – E então... já pensou num nome pra ele? -, disse Shizuo enquanto apontava para a bola de pêlos amarela que tomava banho ao lado de Izaya. O moreno levou uma das pequenas mãos ao queixo enquanto pensava. - ...ainda não.

Nenhum deles precisou falar – sabiam que os dois estavam pensando num nome para o gato. – Ele é amarelo como um nacho. - , disse Izaya. – Não! Caramelo... cacau! Isso, ele é amarelo como um cacau.

Shizuo preferiu não discutir as escolhas “exóticas” do moreno. Já sabia que, vindo de Izaya, o bichano teria um nome um tanto esquisito, e na verdade, desde que não fosse “nacho” ele concordaria.

- Nee, Shizu-chan... acha que Cacau é um bom nome? Nós poderíamos encontrar um irmão marrom pra ele e chamá-lo de Chocolate. Acho que ele pode ficar solitário sendo o único gato da família.

Shizuo ficou tenso por um segundo. Família? Izaya havia dito aquilo tão normalmente...

Mas observando bem, eles até que lembravam o núcleo bagunçado de uma família. Estavam sempre brigando, mas no fim nunca se separavam – ainda que não pudessem enxergar, certamente havia um laço entre os dois que nunca deixava que estivessem totalmente afastados.

Claro, nunca estiveram cem por cento do tempo juntos, mas de alguma forma suas mentes sempre estiveram conectadas – um estava sempre pensando no outro, e, ainda que não fosse por algo doce ou romântico, algo dentro deles sentia a necessidade de ter o outro por perto, nem que fosse uma vez ao ano; nem que fosse para lutarem até a morte.

Pensando em tudo que estava acontecendo agora, Shizuo se perguntava se conseguiria, realmente, tirar a vida de Izaya, ou se suas mãos ficariam tremendo tanto quanto tremeram ao ver o Orihara inconsciente e todo coberto de sangue. O Heiwajima havia, realmente, sentido muito medo naquela hora, quase como se fosse ele no lugar de Izaya.

- Shizu-chan? - , perguntou o moreno, que havia ficado sem resposta. Shizuo, que estava divagando até aquele momento, virou seu rosto para o pequeno menino-gato enquanto este lhe olhava apreensivo. – A- ah... são ótimos nomes. - , disse enquanto virava o rosto de volta para a televisão, sentindo-se um pouco fraco.

- Shizu-chan, você está pálido. – Izaya subiu no colo do loiro e colocou suas mãozinhas dos dois lados do rosto de Shizuo, enquanto virava-o um pouco tentando descobrir o que havia de errado. – O café da manhã não te fez bem?

- Não, não é nada. - , reafirmou o Heiwajima. – Já decidiu o nome?

- Já, sim! – O moreno sentou-se de volta em seu lugar enquanto olhava Shizuo, ainda curioso com o que havia lhe deixado tão pálido. – Ele vai se chamar Ruruka-chan, e nós vamos adotar um gatinho marrom pra ser o Chocora-chan.

Shizuo soltou um pequeno sorriso – Izaya conseguia pensar em nomes para gatos tão esquisitos quanto Kasuka. – Podemos ir ao abrigo de animais depois do almoço. - , disse o loiro calmamente.

Izaya sorriu e encostou-se no braço de Shizuo, suspirando baixinho; devia estar cansado depois de brincar tanto com Ruruka. Fechou os olhos devagar enquanto seus músculos relaxavam; estava com bastante sono já que havia acordado tão cedo para preparar o café.

Porém, o que mais contribuiu para o relaxamento de Izaya foi o calor constante que emanava de Shizuo.

–

Mais tarde naquele dia, haviam ido ao abrigo de animais, como Shizuo prometeu. Claro que os empregados do local acharam muito esquisito um menino-gato ir adotar um animal, mas quando Shizuo insistiu que era apenas um cosplay, deixaram passar.

Passaram por alguns corredores com gatinhos de todos os tipos, cores e tamanhos, mas nenhum chamava a atenção do pequeno Izaya.

Isso se seguiu até o moreno encontrar, mais ao fundo, um pequeno gato com um cor profunda de chocolate, e uma das orelhas bem branquinha. Ele tinha, praticamente, o mesmo tamanho de Ruruka; talvez até seus pêlos tivessem o mesmo tamanho.

O olhar vazio do gatinho tocava fundo a alma de Izaya; o bichano parecia um pouco receoso com a presença do Orihara e tinha uma das patas enfaixada. – O que aconteceu com ele? - , perguntou baixinho.

- Ele estava com os irmãos numa caixa de papelão no meio da rua, quando um caminhão passou... só ele sobreviveu.

Izaya sentiu algo palpitar dentro de seu coração – já sabia de onde aquele olhar vazio vinha. – Shizu-chan... podemos ficar com ele? - , perguntou, sem nunca tirar os olhos do felino. – Claro.

Shizuo achava desnecessário que Izaya lhe pedisse permissão, mas pelo menos naquele momento, ele não estava em posição para dizer algo a respeito – Izaya parecia ter sentido muita empatia pelo bichinho; que mal faria ficar quieto?

Assinaram os papéis necessários e logo voltavam para casa; o pequeno Chorora dormindo profundamente nos braços de Izaya.

Ao chegarem ao seu destino, Ruruka corria rapidamente até a porta para receber os dois, miando alegremente. Ao ver o novo gatinho nos braços de seu dono, se afastou um pouco, assustado, mas aos poucos foi chegando perto para conhecer o novo amigo.

Shizuo e Izaya deixaram os dois se conhecendo um pouco e se sentaram no sofá; Shizuo pegando uma revista para ler enquanto Izaya bocejava baixinho, sonolento. Haviam demorado bastante no abrigo, e parecia que vivendo como um gato, o Orihara estava sentindo tanto sono quanto um.

Deitou-se no colo de Shizuo, que quase derrubou a revista de susto, e encolheu-se até ficar bem confortável. Como não haviam trocado nenhuma palavra desde a adoção, o Heiwajima havia ficado um pouco preocupado com Izaya; talvez o moreno estivesse se sentindo um pouco mal, então talvez não fosse assim tão ruim deixá-lo dormir em seu colo.

–

Já passavam das quatro e meia e Izaya ainda não havia acordado. Shizuo levantou seus braços bem alto, espreguiçando, e levantou o Orihara antes de levantar a si próprio.

Segurou o moreno com cuidado em seus braços e levou-o até seu quarto, para deixá-lo dormir mais confortavelmente na cama. Assim que foi colocado lá, Izaya abriu um pouco os olhos, ainda enxergando tudo borrado e provavelmente apenas meio acordado.

Olhou Shizuo com uma expressão preguiçosa no rosto; a luz do pôr-do-sol batia graciosamente no loiro, que lhe olhava de volta com uma expressão serena. – Shizu-chan... você é bonito que nem o sol. - , disse baixinho antes de fechar os olhos novamente, dormindo.

O Heiwajima sentiu suas bochechas corando, mas deu um sorriso pequeno.

Izaya era realmente uma pessoa estranha.