Possible love escrita por Sion Neblina


Capítulo 9
A noite dos proscritos, II Parte – A pulseira de A




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A noite dos proscritos, II Parte – A pulseira de Afrodite

Capítulo 9

Shun estremeceu com o toque e espalmou a mão no peito forte do sueco, o afastando. O cavaleiro de peixes não insistiu; afastou-se, mas continuou a olhá-lo dentro dos olhos e a segurar o queixo delicado do homem mais jovem.

— Hum... Já não vejo aquele brilho de tristeza que inundava seu olhar quando você chegou aqui, Shun — Afrodite observou intrigado, seus olhos claríssimos deixam sua confusão muito evidente.

— Nada é para sempre — volveu Andrômeda e se afastou da mão macia do sueco, experimentando da taça de prata que segurava.

— Tem razão — sorriu Afrodite sem tirar os olhos dele — Nem mesmo a beleza, que é o que há de mais precioso nessa terra, é eterna. Aliás, ela é a coisa mais efêmera que existe. Penso que... quando eu começar a envelhecer, você ainda estará no auge de sua beleza, Shun... Talvez seja isso que o faça mais belo que eu... Sua beleza ainda durará uma década depois que a minha terminar...

— Isso é bobagem... — Shun riu encarando os olhos azuis do homem mais velho. Será que realmente era aquilo que fazia com que o sueco sentisse tanto ciúme? — A beleza é efêmera sim, mas acho que você ainda terá muitos anos de beleza pela frente, Afrodite, mesmo que isso não seja importante...

— Claro que é importante! — o loiro revirou os olhos. Somente uma pessoa muito simplória não daria importância à beleza. — Ninguém é atraído pelo grotesco, Shun. No final, tudo que a humanidade anseia é a perfeição. Você acha que atrairia tantas pessoas para você se não fosse tão... — direcionou um olhar que mesclava repulsa e dúvida para o garoto — Perfeitamente belo e atrativo?!

Shun corou, mas manteve um sorriso triste na face.

— Pensei que o que as pessoas gostassem em mim fosse o meu coração.

— Isso sim é bobagem — riu Afrodite incomodado com aquela conversa. Sua intenção era seduzir e não conversar com aquele garoto irritante. O que estava acontecendo consigo? Ele odiava Shun, simplesmente odiava toda aquela perfeição que via nele. Perfeição que já não possuía.

Shun provou mais do seu vinho e viu Afrodite experimentar o dele com uma expressão um tanto perturbada, lambendo lentamente os lábios rosados e carnudos. O garoto mais novo se aproximou dele até seus corpos estarem muito próximo o que fez o sueco erguer uma sobrancelha e encará-lo intrigado, como se estivesse na presença de um inimigo.

— Não adianta tanta beleza do lado de fora se não houver nada aqui — Shun tocou-lhe o peito com o indicador — É essa beleza que você tem que cultivar, cavaleiro. E sim, eu acredito que há muita beleza dentro de você, por mais que não acredite em si mesmo.

Afrodite sentiu-se estremecer e seus olhos brilharam ficando úmidos. Ele baixou o olhar, embora mantivesse a postura altiva de sempre. O que estava acontecendo consigo? Que noite maldita era aquela que o transformava em outra pessoa?

— Seu irmão disse certa vez, que eu era lindo por fora e podre por dentro — sorriu amargo — Ele tem razão, Shun... — deixou escapar com melancolia.

Andrômeda sorriu, percebendo que pela primeira vez o sueco estava sendo sincero com ele e não usava seu charme e beleza para seduzi-lo.

— Isso não é verdade. No final, você mostrou que tem uma alma boa, uma alma justa e generosa. Você se sacrificou pela humanidade...

— Foi estupidamente... Por Athena! — riu tentando evitar as lágrimas, erguendo a cabeça, mas ainda assim, o líquido transparente desceu por seu rosto, e Peixes o afastou rápido, colocando um sorriso falso nos lábios. — Foi apenas uma estupidez, Shun. Aquilo não valeu de nada.

— Valeu a vida de milhares de pessoas — o cavaleiro de bronze continuou a sorrir, e Afrodite o encarou um tanto perplexo.

— Você é ingênuo, Shun. No final, tudo não passou de vaidade, só vaidade.—

O guardião do décimo segundo templo o segurou pelos ombros, olhando bem dentro dos seus olhos — A noite é sua, criança, delicie-se com essa ilusão antes de os anos retire de você a inocência. — disse e desceu a boca sobre a do garoto, sugando o lábio inferior dele, retirando uma gotícula do vinho doce que havia ficado ali. Depois, em silêncio, deu-lhe as costas e se afastou.

Shun lambeu os lábios com uma expressão triste, observando o corpo elegante de Afrodite sumir nas sombras.

“Ah, meu belo Afrodite, isso já foi tirado de mim, já foi arrancado violentamente de mim...” Uma lágrima desceu por seu rosto e ele a colheu com os dedos.

Piccoli...

Ouviu a voz grave e seu coração retumbou dentro do peito. Ele se virou com os olhos arregalados pela surpresa e quase perdeu ao ar ao vê-lo. O cavaleiro vestia uma toga grega também, mas a alça estava um tanto caída, expondo completamente o peito forte que possuía finos pelos escuros, que o deixavam ainda mais sensual, e a barriga rija e marcada. Seus cabelos revoltos bailavam ao vento da noite, e a lua iluminava suas feições duras. Shun não pôde evitar apreciá-lo completamente, descendo o olhar por todo o seu corpo, percorrendo as pernas tenras e musculosas e chegando aos pés cobertos por sandálias gregas.

O cavaleiro de bronze corou ao fazer tal análise e percebeu que o outro o encarava intrigado. Câncer também segurava uma taça de prata e trazia um semblante preocupado e confuso.

— Qual o problema? — Máscara da morte perguntou — Onde está Afrodite, eu senti o cosmo dele próximo a você. Próximo demais. — Sua voz traiu o ciúme, mas Shun já o conhecia o suficiente para entender o quão passional era alma daquele italiano.

— Ele já foi... — respondeu meio tonto. — Que bom que está aqui.

— É — Câncer deu de ombro fazendo pouco caso. — Vocês fazem muito barulho, não consigo dormir!

O mais jovem riu sentindo uma felicidade profunda por tê-lo junto a si. Uma felicidade como há muito não experimentava.

— Que bom! — comemorou sem conseguir parar de sorrir.

O cavaleiro mais velho coçou os cabelos sem jeito. Também sentia o coração bater forte e não conseguia parar de olhar o outro.

— O que faz aqui sozinho? — perguntou para disfarçar os próprios sentimentos.

— Só observando a festa, mas agora que tenho companhia, que tal irmos nos servir de algumas guloseimas? — piscou Shun sapeca. Ele não parava de sorrir.

Câncer deu de ombro novamente, desviando o olhar do garoto como um menino tímido. Shun corou com isso, sentindo também o clima estranho e íntimo que os envolvia. Era assustador e ao mesmo tempo, quente e acolhedor.

Estendeu a mão e Máscara da morte não hesitou em tomá-la. Seus olhos se encontraram e eles seguiram de mãos dadas em direção às comemorações.

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Afrodite encontrou um local tranqüilo para beber sozinho. Sentia algo estranho em seu íntimo, algo que as palavras de Andrômeda só fizeram mover. Seu incômodo permanente. Era assim que ele classificava aquela chaga que estava escondida no lado mais obscuro de sua alma.

O sueco tinha medo de se tornar aquilo, porque sabia que aquele era o seu verdadeiro Eu. O Eu que ele sempre fez questão de ocultar na frivolidade de suas idéias sobre inteligência e vaidade. Um Eu que o envergonhava, pois era fraco, frágil e vulnerável como uma bela boneca de porcelana.

Era o Eu que ele deixava sair quando ia visitar o bairro cerâmico e pedia alento nos braços de uma velha prostituta. Nunca fazia sexo, nunca. Ainda era completamente virgem. Nunca se permitiu aquilo com medo de se tornar mais podre do que já era de fato e também porque... O único a quem achou digno de tocar em si, nunca o quis.

Sorveu do vinho doce, antes, fazendo um brinde irônico com a lua, e rezou para que ele tornasse seu íntimo menos amargo.

— Chamam essa noite de A noite dos proscritos...

A voz grave o sobressaltou e fez um arrepio tomar seu corpo. Como não percebeu cosmo tão poderoso se aproximar? A falta de batalhas o estava deixando desatento com certeza ou... O cavaleiro se ocultara intencionalmente.

— ...porque nessa noite, os desejos mais íntimos e primitivos dos seres humanos pedem para serem saciados. — concluiu o cavaleiro nas sombras.

Afrodite sorriu com o canto dos lábios.

— Não diga! — falou sem humor — Devo supor então que sua velha vontade de “dominar o mundo” esteja retornando, Kanon de Dragão Marinho... — falou o nome com todo o seu desprezo.

O cavaleiro que estava recostado numa das pilastras daquelas ruínas sorriu com o canto dos lábios sem olhar o pisciano. Continuou com os braços cruzados e os olhos baixos.

— Há muito essa minha vontade se arrefeceu. E há muito também não sou um Marina de Posêidon — mirou Afrodite nos olhos agora — Sou Kanon de Gêmeos, defensor da terceira casa e servo fiel da deusa Athena.

— Uau! — Afrodite ironizou, deixando a taça no degrau e batendo palmas — Com um discurso desses, você impressionaria até o próprio Hades!

— Com certeza não o impressionaria mais do que sua beleza — o cavaleiro mais velho sorriu — Por que a flor mais bela do santuário de Athena parece tão triste que sai para beber sozinho pelas ruínas?

— Ah, cavaleiro, vamos parar com essas lisonjas — falou o loiro levemente irritado e encarou os olhos verdes profundos do ex-marina — O que quer de mim?

Kanon sorriu daquela forma maliciosa que já era bem conhecida.

— Somos dois proscritos, Peixes. Então que tal aproveitarmos a noite juntos? Amanhã nem precisamos nos cumprimentar. Essa é a noite de Aphrodite, apenas uma ilusão como todos sabem.

Os olhos azul-piscina do sueco examinaram o outro cavaleiro detalhadamente.

— Deveria saber que eu não me submeto a ilusões e não aproveito noites com ninguém — devolveu. — Meu sangue é venenoso, Gêmeos, tudo que se aproxima de mim, inevitavelmente, morre.

— Isso não me assusta. O dragão marinho também é uma serpente venenosa dos mares, e eu por muito tempo usei suas escamas — sorriu sem modéstia.

— O que quer comigo? — o sueco perguntou desconfiado. Não entendia aquela aproximação inédita do irmão de Saga e tentava não cair na ilusão das aparências. Ele não era Saga e nunca seria.

Kanon saiu de onde estava e estendeu algo para Afrodite que franziu ainda mais a testa.

— Eu lhe ofereço essa noite. Apenas essa noite — o grego sorriu ainda com o braço esticado oferecendo um presente.

Era a pulseira de Aphrodite. Ela era feita com ramos de figueira e sementes de romã. O cavaleiro mais novo ficou um tempo sem saber o que dizer ou pensar.

— Aceite, Afrodite. É só por essa noite, a noite dos proscritos.

O loiro pegou a pulseira e a mirou por um tempo sem nada dizer. Então sentiu as mãos calejadas do cavaleiro de gêmeos tirá-la de sua mão e prendê-la em seu pulso com um nó delicado.

O sueco mirou a pulseira, percebendo o nome que havia nela: Kanon. Cada pessoa que pegava a pulseira da deusa deveria escrever seu nome numa pequena folha de romã que era banhada pelo cosmo da deusa. Era um ritual, por mais que aquele cavaleiro não levasse a sério e havia um significado naquilo.

— Eu não disse sim — falou encarando o outro nos olhos seriamente.

— Quem cala consente, disse o ditado — sorriu o ex-marina.

— Eu não tenho nenhuma pulseira...para te oferecer... — murmurou Peixes confuso.

Gêmeos sorriu com o canto dos lábios.

— Venha. Vamos voltar à festa. Lá você consegue uma pulseira para mim.

Ele estendeu a mão que foi aceita pelo sueco. Afrodite estava confuso e não entendia o que acontecia, mas deixou-se levar. Estava cansado de beber sozinho.

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A noite estava quente e animada. O sisudo santuário deixou de ser uma área militar e transformou-se num palco de alegria, beleza e luxúria...

Protegido pelos cosmos de quatro deuses, seria impossível a algum inimigo invadi-lo e até o mais sisudo dos cavaleiros puderam aproveitar a festa. Era o que fazia o guardião do sexto templo que estava parado próximo a escadaria apenas observando. Já havia meditado muito e agora era difícil dormir com todo aquele barulho. As festas gregas eram ruidosas e licenciosas, ele sabia. Desde criança, sempre evitara participar daqueles festins, resguardando sua alma dos prazeres carnais exalados durante tais eventos.

— Um iluminado não deveria estar aqui fora.

Shaka sorriu ao ouvir a voz grave e insolente atrás de si.

— Seja bem vindo, Fênix. Achou as respostas que precisava dentro daquela caverna?

O cavaleiro mais jovem sorriu com o canto dos lábios.

— Não. Mas pelo menos agora já sei quais sãos as perguntas.

— Isso é ótimo — continuou o mestre tranquilamente. — São as perguntas que nos guiam à iluminação.

— Não, mestre. No meu caso, não desejo a iluminação. Eu nunca a alcançaria — devolveu Fênix — Eu desejo somente descobrir quem sou.

Shaka, que mantinha os olhos fechados, sorriu se voltando para o discípulo.

— Creio que esse retiro nas cavernas lhe trouxe mais do que todos os nossos meses de treinamento.

Ikki encarou o rosto sereno do mestre.

— Sim. Porque durante esse tempo eu tentei me transformar em outra pessoa e hoje eu descobri que não posso fazer isso e que na verdade o que preciso é descobrir a mim mesmo.

— Há algo que falta você descobrir, Ikki. Algo muito importante — volveu Shaka e o mais novo franziu a testa. — A capacidade de se perdoar. Mas pensaremos isso em outro momento. Venha, me acompanhe, vamos dar uma olhada na festa.

— Você pode fazer isso? — indagou curioso, e o mestre abriu os olhos o mirando como se indagasse: essa pergunta é mesmo séria?

Ikki respondeu apenas com um erguer de ombros. O indiano se adiantou descendo os degraus com sua postura de monge, segurando o rosário entre as mãos. O cavaleiro de fênix o seguiu, pensando em suas palavras.

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Shun e Máscara da morte bebiam vinho junto a Mu e Aldebaran, que fizeram questão de brindar com eles quando os viram. O cavaleiro de bronze ficou feliz com isso, embora Câncer parecesse desconfortável. Ele não tinha o costume de se aproximar de outros cavaleiros.

Eles viram Kanon e Afrodite conversando um tanto distante da festa. Máscara da morte estranhou aquilo. O cavaleiro de gêmeos era um tanto recluso. Quase nunca era visto, e Afrodite, geralmente, não falava com ninguém, preferia ficar sozinho ou... Com ele, Câncer.

O italiano desviou o olhar, traindo um pouco de tristeza ao pensar no amigo. Shun percebeu e também baixou o olhar um tanto triste.

— Pulseiras de romã, cavaleiros? — duas servas vestidas de ninfas ofereceram.

— Não, obriga-

— Não seja tímido, Shun — falou o cavaleiro de Áries com um sorriso terno, pegando uma pulseira do cesto que a menina carregava — Essas pulseiras são feitas com sementes de romã e simbolizam a pureza dos verdadeiros sentimentos. — E declarando isso, Mu mirou o cavaleiro de touro e prendeu a pulseira, na qual havia escrito seu nome, no poderoso braço do brasileiro.

Shun engoliu em seco, corando com aquela demonstração inédita de afeto entre dois dos mais poderosos guardiões de Athena. Aldebaran também pegou uma pulseira e, pondo seu nome nela, envolveu o pulso delicado do ariano que baixou o olhar corando.

Shun mirou a pulseira no próprio pulso, um tanto pensativo, pois em realidade não sabia seu significado quando a pegou. A quem poderia dar uma pulseira que representasse os sentimentos verdadeiros sem causar maus entendidos? Somente a Ikki, mas seu irmão não estava no santuário, era o que ele pensava.

Mu e Aldebaran se afastaram com a desculpa de que voltariam para suas casas, deixando Máscara da morte e Shun sozinhos. O italiano ficou surpreso e confuso com aquela descoberta. Descoberta não seria a palavra correta, porque todos sabiam que um sentimento de amizade profunda unia a primeira e a segunda casa zodiacal, mas... Seria apenas amizade? Ainda assim, era a primeira vez que eles demonstravam isso abertamente. Antes, nunca se viu entre eles nada que fosse diferente da amizade entre dois homens fortes que se estimavam e respeitavam.

Algo se moveu dentro do italiano, e ele mirou mais adiante, vendo Kanon e Afrodite que continuavam juntos, bebendo o vinho de Dionísio.

Piccoli... — ele chamou a atenção de Shun que parecia perdido mirando a própria pulseira. Máscara da morte também tinha pegado uma delas e escrito seu próprio nome na folha de romã, embora estivesse confuso com a possibilidade de entregá-la a alguém. Aquilo era um ritual, tinha um simbolismo todo especial naquela noite de lua, e ele não poderia se arriscar a errar.

Os olhos verdes intensos de Shun se ergueram para mirar o rosto do canceriano. Suas miradas se prenderam e tudo ao redor perdeu a importância e a consistência.

— Você aceita usar minha pulseira? — Câncer perguntou sentindo o estômago se retorcer, mas seus gestos não demonstravam isso.

Andrômeda sentiu-se estremecer e seu coração disparou. Sua vontade foi dizer que sim e seus olhos teimosos e tolos se emocionaram com as palavras do cavaleiro mais velho. Todavia, há minutos, ele percebera o olhar que o italiano lançara ao cavaleiro de peixes, e a tristeza evidente que Câncer sentiu ao encontrá-lo acompanhado. Isso feriu Shun profundamente, por mais que lutasse para não admitir.

— Eu-Eu me sinto lisonjeado, Máscara da morte — falou com sinceridade, sentindo lágrimas fugitivas escorrerem por seu rosto. Limpou-as rapidamente com as costas da mão — Mas acho que você deve guardar isso... para alguém especial... Não para mim...

O italiano ficou um tempo o olhando sem dizer nada, o que tornava a mágoa de Shun ainda maior. Ele estava trêmulo e se esforçava muito para não chorar. Estava doendo... Não podia mais negar.

— Claro! Como Io sou estúpido! — riu Câncer sentindo o rosto queimar de vergonha e desprezo próprio — Como non imaginei que non sou digno, bambino! — cuspiu experimentando mais uma dose da sua velha e letal companheira: a rejeição.

— N-Não é isso, eu só acho!...

— Cala a boca! — Máscara da morte gritou, e Shun estremeceu inteiro e as lágrimas caírem sem que pele pudesse evitar — Io cheguei a acreditar em você sabia? Mas... Aproveite a festa! Divirta-se com o fantasma de Cisne! Vai ver você bem mereceu o que ele fez!

Câncer jogou a pulseira no chão e saiu quase que na velocidade da luz de perto de Shun. A sensação de humilhação, a raiva e a dor se mesclavam dentro dele de uma forma que ele não conseguia conter. Sua vontade era apenas matar alguém, matar alguém, arrancar sua cabeça e beber seu sangue, só assim aquela sensação dolorida em seu peito seria curada. A velha companheira estava ali novamente, ao seu lado... Lembrando-o do quanto ele era ignóbil...

Todos os que ele amou na vida o rejeitaram; o pai que nem ao menos quis saber da sua existência. A mãe que o deixou num convento assim que ele nasceu... Afrodite, seu único amigo e amor de juventude que nunca o quis. Agora... Agora havia aquele menino de olhos puros e voz doce... Aquele menino que o cativou como pensou que nunca seria possível.

Stupido, squallido, sporco, miserabile! Gritava contra si mesmo, enquanto subia as escadas em direção ao seu templo. Foi um grande idiota, desde o momento que resolveu sair naquela noite.

Shun ficou parado por um tempo, as lágrimas molhando seu rosto, sem que ele pudesse as conter. Sentiu uma mão em seu ombro e ao virar o rosto na direção da pessoa que o tocava, deu de cara com o cavaleiro de virgem que o encarava, embora permanecesse de olhos fechados.

– Oi, Shaka... — tratou de enxugar o rosto, envergonhado.

— Oi, Shun. Eu vi o que aconteceu — declarou direto o virginiano.

Andrômeda olhou por cima do ombro do loiro e viu Ikki um pouco afastado dele. O irmão parecia impaciente. Com certeza o mestre o obrigara a ficar longe.

— Eu... — Shun não sabia o que dizer — Eu não sei o que fazer, Shaka! — confessou dolorido.

O indiano bateu de leve no ombro do virginiano mais novo.

— Shun, você sabe o significado das contas de romã nessa pulseira?

— Simbolizam o amor... Mu e Aldebaran disseram — respondeu o mais novo.

Shaka sorriu e balançou a cabeça. — Sim. Simboliza o amor. — Declarou sério — Você sabe o que significa receber uma pulseira como essa?

— Sei. Mais ou menos... — respondeu confuso.

— As romãs de Aphrodite simbolizam a paixão, o sexo e o desejo, e aquele que puser a pulseira no braço do outro, garantirá ao menos por uma noite, o outro como sua companhia. Mas também há uma simbologia oculta no gesto de entregar a pulseira.

— Qual seria? — perguntou chocado.

— É algo que está além da luxúria das festas afrodisíacas. Simboliza a vontade de estar com alguém por muito tempo, e quando isso acontece, não se dá um laço na pulseira. O laço é símbolo do efêmero, do que pode ser desfeito. Nesse caso, se dá um nó, símbolo de um enlace perpétuo. Por acaso não presenciou alguém dando um nó numa das pulseiras?

Shun corou e balançou a cabeça positivamente. Mu e Aldebaran deram nós em suas pulseiras.

— Creio que quando o cavaleiro de câncer lhe ofereceu a pulseira, ele tencionava dar um nó e não um laço — Shaka sorriu compreensivo, e Shun ergueu os olhos para ele, assustado.

— C-Como você sabe de tudo isso...? — gaguejou envergonhado.

— Não importa. O que importa é que ele quis lhe dizer o que sentia, e você por um ciúme infundado o rejeitou. Câncer não é um homem muito aberto, você deve saber. Não foi fácil para ele dizer o que lhe disse, e eu pude sentir as forças lutando dentro dele para que ele recuasse, mas ele não recuou. É um homem de coragem e não teve medo de ousar ser feliz como você está tendo agora, Shun.

— Shaka, eu...

— Pare de chorar e enfrente seus sentimentos não como um menino, mas como o homem que já se tornou, Shun de Andrômeda. — O cavaleiro de virgem foi firme e não permitiu que ele respondesse. Deu-lhe as coisas e voltou pelo mesmo caminho, chegando perto de Ikki que o aguardava irritado.

— O que estava falando com o meu irmão que eu não poderia ouvir?! — indagou Fênix aborrecido e preocupado — Está acontecendo alguma coisa com Shun? Se for isso, precisa me dizer!

Shaka riu irônico com o canto dos lábios.

— Quando irá entender que você não pode mais controlar a vida do seu irmão? Que seu irmão cresceu, Fênix?

— Quando ele for inteligente o bastante para ficar longe de filhos da puta como Hyoga de Cisne e Máscara da morte de Câncer! — grunhiu o moreno.

Shaka pôs as mãos nos ombros dele e entoou um mantra baixo. Seu cosmo se expandiu e circundou o corpo do cavaleiro mais novo. Ikki sentiu como se toda a paz do mundo começasse a invadi-lo de repente e a irritação que sentia sumiu.

— O-O que você fez? — perguntou espantado.

— Só toquei sua alma e pedi que ela se abrandasse. É uma noite de festa e não devemos esquecer que estamos homenageando os deuses.Vamos voltar à festa e, por favor, não me questione mais — suavemente, Shaka ordenou.

Confuso, Ikki coçou os cabelos, ainda sentindo aquela sensação boa que o cosmo do indiano deixou em seu corpo. Nesse momento, as sacerdotisas passaram com as cestas de pulseiras oferecendo a eles. Shaka dispensou com um sorriso, mas Ikki pegou uma, logo escrevendo seu nome nela.

— Na antiguidade não havia esse ritual de escrever o nome. Isso é invenção da modernidade — falou Shaka enquanto o mais novo devolvia o pequeno pedaço de carvão. O indiano sentiu algo estranho em ver Fênix pegar a pulseira, mas achou melhor ignorar aquilo.

— Modernidade seria escrever com uma esferográfica — resmungou Fênix e, sem pedir licença, segurou o pulso do mestre, prendendo a pulseira, para depois se afastar e sorrir para ele que não teve nenhuma reação a não ser abrir os olhos, surpreso, e encará-lo.

O cavaleiro mais jovem sorriu com o canto dos lábios vendo a dúvida e a surpresa no olhar do indiano e terminando de dar o nó na pulseira que agora adornava o pulso delgado.

— Pare de me olhar e me acompanhe, Shaka. Hoje é uma noite de festa e como você mesmo disse, aqui não somos nem mestre e nem discípulo. Você será meu companheiro nessa noite. Eu vou beber e você não vai reclamar e nem dar sermões, certo?

Nisso, o rapaz passou a mão por seus ombros e o obrigou a andar com ele. Shaka apertou mais forte o rosário que levava entre as mãos. Será que aquele moleque tinha noção do que aquela pulseira significava? Não. Com certeza não.

Ao chegar a essa conclusão, o santo de virgem relaxou os músculos e se deixou levar pelo braço de Fênix de forma despreocupada.

— Não abuse, ou eu farei questão de mandá-lo para um dos seis mundos e dessa vez não farei questão nenhuma de trazê-lo de volta.

Ikki riu, e os dois caminharam em direção à festa.

**00**00**00**

A casa de câncer estava escura quando Shun entrou. Ele estava amedrontado, mas seguro do que queria fazer. Seu coração retumbava forte no peito a cada passo que ele dava pelo salão.

— Máscara da morte? — ele chamou o italiano, adentrando o corredor, levando a mão à pulseira, que estava em seu pulso esquerdo, por instinto. Passou pela porta talhada com o símbolo zodiacal, adentrando o jardim que era banhado intensamente pela lua cheia.

— O que veio fazer aqui? — a voz grave e hostil perguntou.

O cavaleiro de câncer estava de costas com as mãos apoiadas na mureta do jardim, e sua voz soou irritada e cansada ao mesmo tempo.

— Desculpe pelo que disse! Eu não imaginava... — Shun engoliu em seco nervoso — Eu... eu juro que pensei que você quisesse ficar essa noite com... com o Afrodite... Eu achei... Eu achei que... Talvez... estivesse ao meu lado por piedade...

Câncer suspirou pesadamente — Eu fui um idiota — e resmungou ainda sem olhá-lo.

Shun se aproximou dele e tocou-lhe o braço. O contato da mão macia e fria em sua pele quente fez com que Máscara da morte virasse o pescoço para encará-lo.

— Não foi. O idiota fui eu — O homem mais jovem falou mirando o outro profundamente dentro dos olhos. O olhar do cavaleiro de câncer se perdeu no verde-mar dos olhos de Shun e depois desceram para seus lábios molhados e trêmulos. — Eu... Eu pensei que você queria dar a pulseira a ele e não a mim. Pensei que você quisesse estar com ele e não comigo...

A sinceridade ingênua do garoto tocou algo fundo no cavaleiro mais velho. Ele virou o corpo em direção ao rapaz, o que fez com que Shun automaticamente soltasse seu braço.

Io nunca daria aquela pulseira a Afrodite. — Ele disse — Desde que ouvi as palavras de Áries, io pensei em dá-la a você, Piccoli. Somente a você...

Shun engoliu em seco sentindo o coração disparar como um trator desgovernado. Seus olhos úmidos não deixavam os de Câncer e ele imaginava o quanto seu rosto deveria estar enrubescido.

Non dirá nada? — indagou o italiano franzindo as sobrancelhas sem paciência.

— É que... É-É... Eu...Eu que-

Câncer suspirou e revirou os olhos.

Dio! Ma como gagueja! — volveu antes de puxar o cavaleiro de bronze para si e selar seus lábios com um beijo violento.


Continua...




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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Não me matem por parar aí, ou não tem continuação *cora*
Amores da Sion,
O tempo não me deixam colocar aqui o nome de todos como geralmente faço, mas deixo aqui o meu mais sincero agradecimento àqueles que estão acompanhando e comentando.
Beijos e até o próximo.
Sion Neblina