Possible love escrita por Sion Neblina


Capítulo 8
A noite dos proscritos, I parte – O vinho de Dioní


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos leitores,
Chegamos aos capítulos decisivo da fic e neles os pares oficiais de Possible Love começarão a se formar. Quais serão? Compensando o atraso, trago dois capítulos relativamente grandes! Espero compensá-los *cora*
Agradeço a todos que acompanham, que esperam, que mandam MP, que reclamam via facebook, que ameaçam a autora XD
Bem, não vou segurar vocês por aqui, só alguns lembretes:
Eu grafei o nome da deusa como Aphrodite com PH para diferenciar do cavaleiro. Essa história das pulseiras como dizia o meu velho amigo Padre Kevedo Non Exziste! Invenção minha para a fic.
No mais, boa leitura a todos, obrigada sempre o carinho e a atenção de vocês.
Sion Neblina



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A noite dos proscritos, I parte – O vinho de Dionísio

Capítulo 8



A manhã que se seguiu era a do último dia antes das festividades. Afrodite, assim como todos os cavaleiros, acordava cedo, mas naquela manhã, ele foi surpreendido por um chamado do grande mestre. O loiro sentiu algo mover-se em seu estômago. Saga não costumava chamá-lo tão cedo.


Atravessou seu jardim de rosas venenosas, era o único que podia fazer isso, e subiu a escada que o levaria ao décimo terceiro templo com a mesma imponência e desenvoltura de sempre.


Quando chegou ao grande salão, Saga estava sentado no trono. Ele não usava a máscara, mas estava sério como de costume. Sério e inexpressivo como sempre fora para o cavaleiro de peixes. Desde pequeno, Afrodite perdia-se examinando o rosto do grego discretamente. O geminiano sempre foi sério e calado, algo estranho para um geminiano. Saga sempre pareceu circunspecto e austero demais. Talvez até mais que Camus de Aquário, outro deus da seriedade. Anos depois, o enigma daquele olhar seria desvendado, a culpa, a dor e a perda marcavam a alma do defensor da terceira casa.


— Mandou-me chamar, Grande Mestre? — Perguntou o sueco ajoelhando-se e prestando reverência como era devido.


— Sim. Erga-se, Afrodite — o ex-cavaleiro de gêmeos ordenou, e Peixes o obedeceu. — Tenho uma missão muito importante para você amanhã à noite. — Completou Saga.


Afrodite franziu as sobrancelhas bem desenhadas. Era a maldita noite das festividades dos deuses. Por que justo ele seria incumbido de uma missão?


— Sim, mestre. Estou à disposição do santuário como sempre — replicou o sueco com o mesmo compromisso e seriedade que lhe eram característicos.


Saga deixou seu trono e caminhou até um grande armário de madeira de onde retirou uma caixa do mesmo material que era trancada por um forte cadeado.


— Preciso que no início da festa, você leve essa caixa até a deusa Aphrodite, quando todos os deuses estiverem reunidos.


O pisciano mirou a caixa por um tempo, sem demonstrar nada em seu semblante, e em seguida a segurou, tirando-as das mãos do grande mestre.


— Como queira — ele disse somente com frieza.


— Não vai perguntar o que há aí dentro?


— Não senhor. Não preciso saber. Apenas cumprir as ordens — ele respondeu parecendo achar um disparate aquela pergunta.


— Admiro sua rigidez militar, Afrodite, mas não é um evento militar o da próxima noite, creio que deveria relaxar um pouco.


Saga sorriu com o canto dos lábios, finalmente provocando alguma reação no sueco que entreabriu os seus numa expressão confusa.


— Mesmo os mais habilidosos e vigilantes guerreiros precisam se divertir de vez em quando, Peixes. Está dispensado, mas pense nisso. — Falou o mestre e deixou o salão.


Afrodite mirou mais uma vez a caixa e deixou o décimo terceiro templo, confuso. O grande mestre seguiu então até a ante-sala dos aposentos da deusa e encontrou Saori tomando o desjejum. A adolescente trazia um semblante triste e abatido e possuía olheiras, provando que não dormira muito bem à noite.


— Athena... — ele fez a reverência e em seguida se sentou de frente a ela, mirando-a profundamente — O que a angustia, minha deusa?


— Ah, Saga... Há tanta tristeza no solo sagrado do santuário — ela disse baixinho. — Toda essa dor me machuca e parece que tudo que faço dar errado...


— Está falando de Andrômeda e Câncer? — deduziu o grande mestre com cuidado.


Os olhos da menina se voltaram para o rosto grave do homem grego.


— Pensei que aproximá-los seria de grande ajuda para ambos. Que um entenderia a dor do outro e que isso fosse ajudar a curar as feridas deles; mas nada deu certo! Sinto os dois ainda mais partidos com essa proximidade que eu os forcei.


Saga sorriu de lado. Atitudes típicas de uma adolescente. Saori era muito jovem e usava infantis estratégias para a realização das suas boas intenções.


— Não fique assim, Athena. Nem tudo está perdido. Acho que essa noite de festa será muito importante para todos nós.


— Por que diz isso?


— Uma festa que tem como patronos Afrodite e Dionísio não deixará nenhum sentimento em oculto. Essa será a noite, Athena. A noite em que muita coisa deixar as sombras.


— Mestre, eu não o entendo... — Saori disse confusa.


O ex-cavaleiro de gêmeos suspirou. — Será à noite em que todas as almas buscarão um pouco de alívio para seus fardos e que a virgem Artêmis se unirá a deusa das paixões para que não somente a luxúria tome conta dos corações, mas também a pureza do amor...


Saori assentiu com a cabeça baixando o olhar. Saga se ergueu e pousou a mão em seu ombro — Não quero vê-la tão solitária. Os cavaleiros estão retornando. Breve, o cavaleiro de Pégasus também estará aqui.


Os olhos grandes de Saori se voltaram para o mestre e suas bochechas ganharam um tom carmesim.


— Mestre... Eu... Eu...


— Não se acanhe. — Saga sorriu compreensivo — Até os deuses precisam de afeto. Com sua licença.


O mestre fez uma reverência respeitosa e a deixou.


“Todos precisam, meu bom Saga. Inclusive você”. Saori murmurou e resolveu terminar seu café. O dia seria cheio e ela precisaria de coragem e energia para enfrentá-lo.

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O dia era quente. As pessoas que viviam e trabalhavam no santuário estavam envolvidos demais com o evento para pensar em qualquer coisa que não fosse deixar tudo completamente impecável.


Máscara da morte acordou cedo, mas não saiu do seu templo. Sua mente estava trovejante e sua alma era um mar bravio. Não conseguia entender seus sentimentos, nunca conseguiu na verdade. Ele todo era uma mistura difusa de raiva, mágoa, desespero e carência e, em meio a tudo isso, não sobrava muito espaço para a razão. O cavaleiro de câncer sempre foi 100% instinto; uma massa de emoções contraditórias e violentas.


O italiano dormiu muito mal à noite após a briga com Andrômeda e Afrodite. Sentia-se péssimo. Era como se houvesse perdido seus únicos elos com a humanidade.


Shun e Afrodite... Eles eram tão diferentes. Não fisicamente, pois ambos possuíam belezas semelhantes. Rostos delicados, voz suave... Será que não estava procurando em Shun um pouco do que fora Afrodite no passado?


Lembrava-se da época de criança no santuário, quando todos chegaram de suas terras natais. Crianças assustadas com uma grande missão que não compreendiam. Talvez apenas Shaka de Virgem compreendesse. Ele sempre teve um jeito sério demais, compenetrado demais, desde a infância. Compenetração e seriedade que só eram quebradas por Aiolia de Leão, o único que conseguiu tornar-se amigo da distante criança indiana.


Afrodite era diferente, era tímido, muito tímido, e parecia assustado e indefeso. Logo eles se aproximaram. Foi o menino italiano quem deu o primeiro passo. Aproximou-se do loiro, entregando-lhe um pedaço de pão com geléia. Afrodite estava com fome e a rigidez do santuário não permitia refeições fora dos horários, ele precisou roubar na dispensa o que o sueco nunca faria.


Tornaram-se amigos desde então, companheiros de conversas, brincadeiras e aventuras. Mas com o tempo, Afrodite começou a mudar. A predileção de todos por sua beleza começou a criar um monstro vaidoso. Afrodite o belo, o bonitinho Afrodite. Uma fruta a mais de sobremesa, mais um cobertor à noite, beijos molhados na bochecha rosada... Afrodite mudou.


Ele tornou-se um vaidoso e achava que todos deveriam estar aos seus pés, todos. À medida que o tempo avançava, o sueco se tornava mais e mais arrogante e agora não apenas por sua beleza, mas também por sua força e crueldade. Foi então que seu mundo desabou, quando o grande mestre escolheu Shaka de Virgem para ser seu conselheiro pessoal e não a ele. Todos entendiam que o indiano era a escolha lógica, porém o cavaleiro de peixes não aceitou isso muito bem. Nenhum dos cavaleiros sabia o que Afrodite sabia; que o grande mestre Shion estava morto e que o atual mestre do santuário era Saga de Gêmeos, desde sempre, sua paixão secreta.


Ele, Máscara da morte, entrou na conspiração de Saga, a faxina moral da terra, como muitas vezes chamaram os planos do “grande mestre”, a convite do sueco. A convite do garotinho que um dia amou, mas que se perdeu completamente na jornada.


Suspirou cansado, voltando ao presente e andando de um lado a outro como um animal enjaulado. Sabia que deveria fazer algo, dizer algo, mas não sabia exatamente o quê.


Ele mirou a urna da armadura ao lado do trono de câncer e bufou frustrado. Resolveu deixar seu templo e fazer o que seu coração louco mandava, por mais que achasse que poderia se arrepender depois.


Shun pendurou o último arco de flor no caminho que levaria ao grande palco onde ficariam os tronos dos deuses. Sorriu, pois considerou a decoração muito bonita com as fitas cor-de-rosa e cachos de uvas e romãs misturados às flores.


Era uma decoração singela e ao mesmo tempo quente e sensual como deveria ser a festa noturna de Aphrodite. Durante o dia, aconteceriam os jogos e os duelos. À noite, seria o momento da dança, do vinho e do amor... Para alguns.


Um suspiro triste escapou dos seus lábios e não passou despercebido a Marin que lhe tocou o ombro, dando suaves tapinhas.


— Alegre-se, menino! Hoje é um dia de festa — disse a amazona.


Shun sorriu para ela. Ele percebia que a bela e jovem amazona também possuía uma alma marcada. Qual deles não possuía?


Um arrepio estranho subiu por seu corpo ao sentir um cosmo se aproximando. Shun fechou o semblante imediatamente e enrijeceu o corpo. Marin, que também percebeu o cosmo e a reação do rapaz, franziu as sobrancelhas, confusa.


A figura imponente do cavaleiro de câncer apareceu, e a amazona deu um jeito de deixá-los sozinhos, alegando que cuidaria das crianças. Máscara da morte chegou muito perto de Shun, seus olhos encarando o olhar esverdeado do cavaleiro de bronze.


Scusa... — ele pediu sem desviar o olhar — Eu sou mesmo um bruto idiota.


Depois dessas palavras, o cavaleiro de bronze relaxou o semblante e deixou um meio sorriso escapar do canto dos lábios. Sabia que era bobo, mas não conseguiu manter a mágoa ao ouvir as desculpas do cavaleiro mais velho.


— Tudo bem. Eu nunca consigo ficar com raiva das pessoas mesmo — falou dando de ombros.


Máscara da morte se sentiu desconfortável com aquele comentário. Era estranho, mas ele achava que deveria ser mais importante para Andrômeda do que qualquer outra pessoa. Queria que o garoto o perdoasse porque o considerasse importante, mas não era bem isso que acontecia.


Mordeu os lábios se sentindo estúpido com os próprios sentimentos. Shun perdoava a todos, era lógico que o perdoaria! Ele conseguiu perdoar até mesmo o homem que matou seu mestre.


— Bem... era só isso. Io... preciso ir — disse derrotado.


— Espera! — Andrômeda pediu quando ele lhe deu as costas — Eu... — respirou fundo, era difícil — Você poderia me ajudar com isso aqui?


O garoto apontou para um emaranhado de fitas e flores e a expressão de horror que isso causou no italiano o fez rir de verdade.


Io non! Nem sei o que é isso, piccoli, pela deusa! — exclamou Máscara da morte como se falasse de um monstro.


— Ora, não é tão difícil! Você só precisa segurar de um lado e amarrar naquelas pilastras que eu farei o mesmo. — Explicou paciente.


Mesmo se lastimando e resmungando o tempo todo, Máscara da morte fez o que o pequeno pedira. Para ele era fácil dar nós naquele tecido fino, o restante ficou a cargo de Shun, que parecia muito satisfeito em fazer aquele trabalho estúpido que Câncer simplesmente estava odiando.


Eles ficaram pelo menos vinte muitos nessa tarefa e quando já estavam no último laço, o cavaleiro de Andrômeda achou dificuldade, pois o local era muito alto para ele. Pulou uma, duas, três vezes! E já estava disposto a usar seu cosmo, quando sentiu as mãos fortes do cavaleiro de câncer em sua cintura, tirando-o do chão com facilidade.


Shun finalmente alcançou o local e deu o último laço no tecido fino da decoração. Câncer o fez voltar ao solo devagar e o virou para si quando os pés de Andrômeda tocaram o chão.


Eles ficaram mudos. O tempo pareceu parar. Seus corpos estavam muito próximos e seus olhares conectados. O mais novo sentiu o rosto pegar fogo e desviou o olhar assim que percebeu a intimidade que compartilhava com o outro cavaleiro.


— O-Obrigado... — gaguejou.


— Por que você e a amazona estão perdendo tempo fazendo um trabalho que deveria ser dos servos? — o italiano perguntou tentando não demonstrar que aquele contato também o perturbou; afastando-se rápido do mais jovem.


— Porque queríamos que ficasse tudo perfeito. — Explicou Shun — E na verdade, se você quer mesmo saber... Eu não me sinto mais um cavaleiro.


— Como non? Você foi treinado para isso! Viveu para isso! — Máscara da morte não conseguia entender as palavras de Andrômeda e elas de alguma forma o chocavam.


— Eu nunca gostei da vida de cavaleiro. Eu fui forçado a aceitá-la e agora não a quero mais — murmurou Shun envergonhado. — Sei que você pode julgar isso como fraqueza, mas não me importo.


Câncer segurou o queixo do garoto num leve afago, pousando a mão no rosto macio do rapaz. Shun ergueu os olhos para ele, mirando o olhar escuro do cavaleiro mais velho.


— Eu não julgo, piccoli. — Falou simplesmente.


— Obrigado — disse o garoto num sorriso que foi correspondido por Câncer.


— Eu tenho que ir agora — falou o italiano recolhendo a mão e dando as costas ao cavaleiro de bronze.


— Certo. Até a noite. — murmurou o mais novo colocando a mão onde antes estivera a do cavaleiro de câncer e sorrindo timidamente ruborizado.


O mais velho saiu como chegou, andando tranqüilamente, e Shun nunca poderia imaginar como a alma dele estava mais leve depois daquela conversa. Máscara da morte pensava que estava irremediavelmente cativado por aquele moleque de bronze insosso.


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Ele estava sentado num dos morros que cercavam o santuário. Em posição de lótus, concentrava seu cosmo tentando expandi-lo ao máximo e ao mesmo tempo controlá-lo para que ele não se tornasse perigoso. Por mais que seu orgulho lhe afirmasse que a força e controle que adquirira nos últimos meses eram frutos do seu trabalho ardo, Ikki admitia que o treinamento com o cavaleiro de virgem estava ajudando-o bastante nesse processo.


Fênix sabia que poucos cavaleiros possuíam um cosmo tão poderoso quanto o seu e sabia também que seu temperamento explosivo o prejudicava na evolução como cavaleiro. Somente por isso, aceitara treinar com o cavaleiro de virgem. Entendia que precisava de uma profunda disciplina, para conseguir domar o ódio visceral que carregava na alma e também que ninguém seria mais adequado para ajudá-lo nisso que Shaka, um iluminado.


Todavia, já há algum tempo, seus sentimentos em relação ao mestre começaram a se tornar intensos e conflitantes, o perturbando de maneira íntima e inconfessável. Carregava uma profunda raiva cada vez que mirava o rosto sereno ou que recebia o olhar arrogante de Shaka, e até mesmo a voz sempre calma e distante, mas que carregava, na maioria das vezes, palavras ferinas o irritava. Começava a pensar que o melhor seria desfazer aquela forçada relação, pois era evidente que o cavaleiro de virgem não estava feliz em ser seu mestre e ele, Ikki, também não estava satisfeito com a condição de discípulo.


Passara todo o dia em treinamento e meditação, simplesmente porque não gostava de comemorações. Sua alma arredia não se sentia bem no meio de muitas pessoas. Ajudara no que pudera antes das festividades, mas quando elas de fato começaram, resolvera se afastar. Passaria a noite em Rodório, longe da agitação que as homenagens aos deuses causavam.


— Pensei que não conseguiria falar com você antes da noite.


A voz plácida do mestre falou assim que ele abriu os olhos. Ficou de pé e mirou Shaka que estava sentado calmamente sobre uma pedra, com os olhos fechados.


— Poderia me chamar se quisesse. Eu estava por perto. — Respondeu Ikki de mau humor.


— Fênix, precisamos conversar e essa sua postura não vai ajudar em nada — o indiano abriu os olhos — O que o incomoda tanto?


— Nada me incomoda — respondeu seco. — De onde tirou isso?


Shaka suspirou. Nunca foi fácil lidar com aquele cavaleiro, mas agora, a coisa parecia ainda pior.


— Você costumava me ouvir. O que fiz para que isso mudasse? — foi direto, não era homem de rodeios.


“Tornou-se meu mestre e acha que pode mandar em mim!” Ikki pensou em dizer, mas mordeu a boca e se calou. Encarou o indiano nos olhos de forma inflamada.


— Você não fez nada, mestre. E eu estou te ouvindo nesse momento. — A resposta foi tão agressiva quanto baixa e entredentes.


Shaka encarou o olhar flamejante do cavaleiro mais novo. Era um olhar que cintilava tanto quanto sua alma e seu cosmo.


— Eu posso ver sua dor, Ikki — ele falou sem desviar o olhar e com um semblante sério, mas calmo. — Você não é tão invisível quanto pensa. Eu posso vê-lo e sei dos seus medos. Talvez os demais não possam, mas eu sou Shaka de virgem.


A mão do indiano se ergueu e ele tencionou tocar o rosto do rapaz, mas seu pulso foi segurado no ar por um Ikki mais que furioso.


— Não leia minha mente... — ele exigiu revoltado. Era inadmissível que Shaka entendesse tão bem o que sentia sem usar seus poderes psíquicos, e o cavaleiro de bronze se recusava a ser um fantoche do indiano.


Shaka puxou o braço se libertando. Seu semblante que era tranqüilo tornou-se decepcionado. O azul-claro dos seus olhos evidenciava a surpresa que o gesto do pupilo lhe causou.


— Eu nunca faria isso. — O cavaleiro mais velho disse com firmeza — Não sem a sua permissão.


— Eu nunca vou permitir! — grunhiu o cavaleiro mais jovem, os olhos soltando faíscas de ira.


— Você que sabe. Se deseja continuar se escondendo de si mesmo é um direito seu. Eu posso apenas treiná-lo e ensiná-lo formas de fazer as feridas cicatrizarem, mas só se você quiser.


O loiro deu as costas ao outro cavaleiro e começou a se afastar.


— Shaka...


A voz grave do mais jovem o chamou, e Virgem se virou tranquilamente para olhá-lo.


— As minhas não têm cura. — O moreno discorreu com uma firmeza amarga.


— Todas têm. — declarou o discípulo de Buda — Acontece que muitas vezes, lambemos nossas feridas para cultivá-las e não sará-las, Fênix.


Shaka de virgem partiu. Ikki deu o treinamento por encerrado e voltou para Rodório, mente e alma em ebulição.


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Artêmis enviou uma lua gigantesca que precedeu o grande dia de festa. Shun chegou tarde a Rodório e encontrou o irmão vendo TV com uma expressão fechada que ele conhecia bem. Ela sempre acontecia quando Ikki estava com os pensamentos agitados e não queria que ninguém os desvendassem.


O irmão mais velho já carregava uma expressão fechada na maior parte do tempo, e quando ele estava daquele jeito, com as sobrancelhas unidas de tanto que sua testa se franzia, era porque seu humor extrapolava a barreira do péssimo.


O mais jovem andou sorrateiramente até ele e se sentou ao seu lado. Ikki não se moveu, então Shun resolveu falar:


— Boa noite. Eu não te vi o dia inteiro, o que aconteceu?


— Estava treinando, só isso — respondeu Fênix e desligou a TV se erguendo — Vou dormir. Amanhã não me espere, eu não vou ao santuário.


— Por que não? — indagou Andrômeda decepcionado.


— Não gosto dessas coisas. — Respondeu seco.


— Saori ficará triste.


Foda-se a Saori — resmungou desaparecendo pela porta.


Shun suspirou e torceu as mãos. Não sabia mais o que fazer para ajudar Ikki. Sentia a ferida profunda que marcava a alma dele, e sabia da dor e da culpa que ele carregava, mas o que fazer para que a fênix se libertasse? O irmão era como um cão ferido e raivoso que não permitia a aproximação de ninguém. Talvez... Apenas a de Shaka. Admitia que o cavaleiro de virgem fosse uma das poucas pessoas em quem Ikki confiasse e admirasse. O irmão era anárquico, questionador e não lidava muito bem com lideranças. Mas o cavaleiro da sexta casa conseguia com seu jeito calmo e sutil fazer com que a fênix o ouvisse na maioria das vezes, mesmo que não fosse sempre.Todavia, Shun notava que mesmo por trás da calma e sabedoria, Shaka não era uma pessoa de gênio fácil e que havia polidos atritos entre ele e o irmão. O que fazer? Não achava saída.


Foi difícil para Andrômeda dormir naquela noite com tantos pensamentos. Ikki, Máscara da morte, Afrodite, a falta que ainda sentia de Hyoga, às vezes. Mas quando conseguiu, mergulhou em um sono sem sonhos, acordando na manhã seguinte feliz e disposto.


Ikki já não estava na casa. Shun suspirou verificando o armário onde ficava a mochila e a caixa da armadura do irmão. A mochila havia desaparecido, mas se a caixa da armadura estava ali era sinal de que Fênix não tinha ido longe. Deveria estar em umas das grutas ao redor do santuário, recolhendo-se à própria solidão.


Andrômeda suspirou triste e foi para o banheiro. Tomou um banho rápido e se vestiu apropriadamente para a festa. Inicialmente precisaria vestir a armadura para participar da solenidade, mas depois, poderia ficar à paisana, então vestiu uma calça jeans e uma camisa verde água de tecido fino. À noite, todos vestiriam as togas gregas de um ombro só e sandálias de tira, como mandava a tradição.


A solenidade começou muito cedo. Os cavaleiros estavam postados ao lado do grande tapete que formava uma linha reta até os tronos. Aphrodite, Posêidon e Dionísio, em seus corpos mortais, seguiram ao lado de Athena e tomaram seus lugares. Shun, mesmo na postura séria que mantinha, sorriu quando as crianças passaram vestidas em togas, tendo coroas de louro nos cabelos e cestas nas mãos. Elas espalharam pétalas de rosas sobre o tapete vermelho por onde os deuses passaram.


O cavaleiro de ouro de peixes foi quem entregou à deusa do amor as contas de romã com as quais seriam feitas as pulseiras banhadas pelo cosmo de Aphrodite.


Os olhares se desviaram da deusa da beleza quando o cavaleiro loiro desfilou pelo tapete com seu olhar sério e seu queixo erguido e arrogante. Era como se ele rivalizasse com a belíssima mulher que seria saudada. Naquele momento, todos entenderam a escolha de Saori e Saga. Afrodite de Peixes era a oferenda perfeita à deusa mais bela do Olimpo.


Depois que o pequeno baú foi entregue, Athena fez um discurso e Aphrodite cortou a faixa azul que dava início as competições. Os deuses se recolheram para as arquibancadas de honra na grande arena, interessados em observar os combates.


Shun sentiu a falta de Máscara da morte durante o evento. Ele realmente não participaria da festa. Suspirou; tanto o italiano quanto o irmão possuíam feridas profundas demais que os impediam de se divertirem.


As competições continuaram durante todo o dia, com seus troféus e ganhadores, até que foram encerradas por Aiolia, ao cair da noite. O ato seguinte seria a comemoração à deusa do amor e a Dionísio, Deus do vinho e das festas.


Shun se olhou no grande espelho do templo de virgem. Sentia-se um pouco estranho com a toga curta que deixava seu peito magro e pálido exposto, assim como as pernas.


— Temos mesmo que usar isso? — ele interrogou o cavaleiro de virgem que gentilmente cedera seu templo para que ele se trocasse.


— É a tradição — falou Shaka mirando a lua cheia no céu.


Shun olhou para o indiano que mantinha a kasaya vermelha presa ao ombro e estava com seu rosário entre as mãos.


— Você não vai se trocar?


O loiro sorriu com o canto dos lábios.


— Digamos que eu não participo da tradição grega. Prefiro me recolher e meditar.


— Ah, entendo! — o virginiano mais novo coçou os cabelos sem jeito. — Bem, estou indo, boa noite e obrigado, Shaka.


— Boa noite, Shun, divirta-se.


O cavaleiro de Andrômeda saiu do templo de virgem e mirou a enorme lua no céu. Sorriu, ouvindo a música que ressoava no ambiente. Um odor diferente dominava o santuário, e ele concluiu que ele pertencia às flores de Aphrodite.


Alguns servos, vestidos a caráter, distribuíam as pulseiras feitas com as sementes de romã. Shun pegou a pulseira e pôs no braço sorrindo. Ela era delicada e perfumada, e o jovem oriental percebeu que todos faziam o mesmo gesto: colocar a pulseira nos pulsos, após escreverem seus nomes, com um pequeno pedaço de carvão, na pequena e delicada folha de romã que a adornava.


O consumo de vinho também era ritualístico e abundante, e o cavaleiro de bronze teve uma idéia dos motivos para que alguns cavaleiros de ouro se mantivessem distantes da festa. Era uma festa extremamente mundana. Não era o lugar que deveriam estar os santos de Athena. Todavia, os santos eram tão carnais quanto qualquer ser humano — ele pensava.


Canto, riso, vinho, muito vinho! A noite avançava...


Shun se recostou numa pilastra um tanto escondida e ficou mirando a festa, desejando não ser percebido, mas isso foi em vão. Logo alguns cavaleiros de prata, muito bêbados, vieram falar com ele. Não foram ofensivos ou abusados, somente convidavam o jovem a participar da comemoração, coisa que ele negava com a cabeça.


— Permanecerá a noite inteira isolado? — a voz um tanto rouca e calma fez com que ele se sobressaltasse, e o cavaleiro de bronze se virou para mirar quem falava com ele.


Deuses! Ele vestia uma toga também, deixando o peito pálido e bem trabalhado exposto. Os cabelos levemente cacheados estavam presos numa trança frouxa, permitindo que o rosto perfeito fosse visto por completo, assim como a linha do pescoço e do queixo delicado. Shun sorriu, aceitando a taça que Afrodite lhe oferecia.

— Um brinde, Afrodite!— falou com entusiasmo.


O sueco se aproximou felinamente dele e tocou-lhe o queixo, mirando dentro dos olhos brilhantes do garoto. Shun havia bebido um pouco de vinho e, se não estava bêbado, também não estava totalmente sóbrio. Ele sorriu, admirando o rosto lindo do cavaleiro loiro. Afrodite sorriu de volta com malícia e desceu o rosto, roçando seus lábios carnudos nos lábios finos e macios do cavaleiro mais novo...







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