Possible love escrita por Sion Neblina


Capítulo 20
A paz e o amor que mereço


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus queridos!

Enfim chegamos ao desfecho. Mais considerações ao final do capítulo.

Boa leitura a todos!

Sion Neblina



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A paz e o amor que mereço

Capítulo 20

Já era noite quando os noivos seguiram para a casa de Leão, mas a comemoração continuou enquanto eles aproveitavam as núpcias. Depois do dia quente, a suave brisa marítima beijava o santuário e parecia acalmar os ânimos.

Kanon voltou cedo para o templo de gêmeos, pois seu coração estava inquieto, embora nem mesmo ele soubesse o motivo. Conhecia Afrodite, sabia como ele era. Conhecia os seus sentimentos e suas convicções. O que esperar? De certa forma, dava até razão ao amante. Manter um relacionamento quando tudo que os esperava eram guerra e sofrimento não deveria ser visto como normal. Mas afinal, quais as certezas que tem o homem? Ouvira Shaka dizer a seus discípulos certa vez que todos os homens estão presos na roda cármica do sofrimento. Não há fuga e, se não há fuga, não há porque temer. Era nisso que Kanon acreditava. Era por isso que ele insistia.

Suspirou, sentindo o cosmo de Afrodite se aproximar. Sabia que a conversa teria início e não queria aquilo. Não mesmo. Preferia simplesmente ignorar os próprios sentimentos e manter a vida como estava, afinal, já esteve muito pior. Agora, ao menos, tinha-o na cama. Tinha aquilo que sempre cobiçou. O que o incomodava?

Incertezas. A incerteza de ser amado, de ser levado em conta. O medo de ser apenas um passatempo, de ser preterido, descartado. Era estranho para um cavaleiro vaidoso como ele. Ele, o homem capaz de enganar um deus, no final, era apenas e pateticamente humano. Cheio de medos, dúvidas e amor.

Os passos suaves se aproximavam, e Kanon se sentia cada vez mais incomodado. Quando o outro chegou perto o suficiente para que ele lhe sentisse o calor do cosmo, o cavaleiro de gêmeos não suportou, voltou-se e explodiu em palavras:

— Pode dizer que sou idiota! Sei que é isso que vai dizer! Mas não pode me impedir de sentir! Sei que sou um babaca sentimental, como você já me chamou várias vezes, mas é verdade! Eu te amo, seu filho da puta arrogante! e não consigo simplesmente esconder isso para que se sinta bem consigo mesmo! Então é melhor ir embora porque se decidir ficar será pra ouvir isso sempre que eu quiser! Foda-se se não sente o mesmo! Preciso ser sincero pelo menos comigo!

A explosão foi seguida pelo silêncio e o escuro, quebrados apenas pelo crepitar das chamas de um archote na subida da escadaria.

Afrodite permaneceu parado, sem adentrar o templo como um todo, também sem recuar e sair de vez, o que fazia o coração do grego bater cada vez mais forte numa dolorida expectativa.

Quando Peixe moveu-se e finalmente falou, sua voz permaneceu suave como o de costume, mas sem nenhuma nota do conhecido deboche tantas vezes utilizado.

— Bem, eu só vim trazer isso — ele disse, saindo das sombras e mostrando as duas coroas que tinha em mãos. — Não é importante pra mim, mas é importante para você, então... — As palavras eram ditas meio constrangidas, como alguém que evita um confronto, porém deseja manter o orgulho. — Não sei pedir desculpas, Kanon. Isso é o melhor que posso fazer. —o pisciano completou. Os olhos permaneciam nas tiras douradas da sandália que calçava.

Gêmeos engoliu em seco, ainda olhando para as coroas de flores nas mãos do cavaleiro de Peixes. Agora ele estava tão sem jeito quanto Afrodite.

— É... pra mim? — indagou, passando as mãos nos cabelos, fazendo o outro revirar os olhos e rir, tentando o velho sarcasmo.

— Não. É para enfeitar o quarto. Deixa de ser babaca, Kan, pega logo isso! — e arremessou a coroa para ele.

Kanon pegou o objeto no ar, rindo. — Você é mesmo um poço de romantismo, sueco.

— Parece que é disso que gosta, afinal — o loiro sorriu com o canto dos lábios. — Então? Que tal voltarmos para a festa? Imagino que queira exibi esses ornamentos ridículos. Eu usarei, se assim quiser.

Kanon ficou calado, encarando-o. Os olhos brilhando como as chamas dos archotes. Afrodite sorriu mais abertamente e estendeu a mão, convidando-o. O grego segurou-lhe a mão macia, mas em vez de segui-lo, puxou-o para si e o abraçou pela cintura, aproximando os corpos.

— Não preciso exibir. Não me importa que os outros saibam ou não. Só precisava saber o que você sente... Saber se é verdadeiro.

Os olhos claros do cavaleiro de Peixes examinaram o semblante sério do cavaleiro de Gêmeos e as mãos delicadas apoiaram-se em seus ombros.

— Eu sempre sou verdadeiro, Gêmeos. Pensei que soubesse disso... Sou verdadeiro até nos meus piores defeitos. O que sinto por você, por mais que tenha negado, não é mentira.

Kanon sorriu e tocou-lhe os lábios cheios, antes de beijá-lo de forma intensa e ao mesmo tempo delicada, para em seguida o erguer pelas pernas, sem parar o beijo, e depositá-lo com cuidado na imensa cama do quarto.

— Acho que fazemos uma festa melhor aqui dentro — ele falou, afastando-se um pouco para mirar o rosto do amado. — Então...

— Cala a boca — Afrodite disse, puxando-o para mais um beijo.

Kanon riu, obedecendo-o.  Lábios e mãos se tocavam com carinho e desejo, quando eles sentiram um cosmo se aproximando. Muito próximo.

Kanon afastou-se lentamente, e Afrodite olhou em direção à porta.

— Afrodite! — a voz forte de Máscara da Morte gritava o nome do cavaleiro de Peixes, sem pudor de invadir a casa de Gêmeos, até chegar ao quarto. Encarou os dois cavaleiros sobre a cama, sem disfarçar o sorrisinho de troça. — Excusas! Não queria atrapalhar — o italiano disse, provocador.

— O que quer na minha casa, Câncer! — Kanon ralhou, encarando o outro com olhos estreitos.

— Preciso da sua ajuda — ele disse, mirando Afrodite, que franziu as sobrancelhas e depois bufou, conformado.

— Seja breve!

— Afrodite! — Kanon reclamou, surpreso com a concordância do amante.

— Eu volto — o cavaleiro de Peixes disse com um sorriso doce, beijando os lábios do geminiano, delicadamente. — Não podemos abandonar um amigo em apuros — explicou e ergueu-se, seguindo o italiano, ouvindo-o com atenção.

Kanon jogou-se na cama, resmungando, mas depois riu. Não tinha motivos para reclamar. Afrodite o amava, ele agora sabia disso. Independente de palavras.

00**00

Após o casamento, um clima poético ainda pairava sob o por do sol do santuário. As pessoas das vilas vizinhas comemoravam com música, vinho e dança. As mulheres acenderam velas e archotes, espalhando-os pelas ruas e ruínas, levando luz aos espíritos que por elas vagassem. Era a comemoração solene dos mistérios, após a união. O clima fresco, a iluminação das velas e os cânticos tornavam romântica a noite grega.

Shaka, do jardim da casa de virgem, olhava a linha azulada e dourada que cobria o horizonte. Estava satisfeito com a energia que notava no santuário. Finalmente parecia que todas as guerras findavam e o mundo descansava em paz, embora ele soubesse não ser bem assim. As guerras humanas, os crimes e as desigualdades entre as pessoas nunca acabariam enquanto todas as almas não se libertassem da roda cármica. Mas, por enquanto, apenas por enquanto, ele se permitiria ter paz no coração e respirar fundo, deixando sair um leve sorriso dos lábios tão humanamente jovens, e da alma, tão espiritualmente antiga.

Ainda estava nesse estado de paz quando sentiu o cosmo quente se aproximar e seu corpo, tão humano, estremecer levemente. A brisa do Egeu lançava-se contra ele causando-lhe um frêmito, pois vestia apenas uma kasaya branca e fina, que cobria parcamente seu ombro esquerdo, peito e chegava-lhe aos pés calçados em sandálias simples de tecido. Pensou, por um instante, que tal arrepio se devesse ao vento, entretanto, logo esse argumento interno foi rechaçado por sua mente sagaz. Continuou mirando o por do sol, fechando os olhos e, ainda assim, percebendo quando uma flor foi-lhe oferecida. Tomou o lírio branco nas mãos e aspirou o perfume, ainda sem se voltar para encarar o visitante.

— Para os gregos, essas flores nasceram do leite jorrado pelos seios de Hera ao amamentar Hércules. Em outras mitologias, ela é tida como símbolo da pureza, o que é estranho, já que seu perfume é bem o contrário de um perfume casto; é uma mistura de mel e pimenta, alguma coisa de acre e adocicado, de fraco e de forte. Lembra-me a conserva afrodisíaca do Oriente e os confeitos eróticos da Índia. Um poeta francês escreveu que tal perfume canta os arrebatamentos dos espíritos e dos sentidos. — Shaka dizia como quem faz uma confissão íntima e analisa todos os significados num escape semiótico.

Mas Ikki apenas riu disso e o observou aspirar o perfume.

— Pensei apenas que ficaria bonita em seus cabelos — a voz grave, que a qualquer um pareceria segura, soou hesitante aos ouvidos do monge. Shaka sorriu, voltando-se para ele.

— A flor é pra isso?

— Também é um pedido de desculpas, eu... — Ikki ergueu os olhos — Sinto pelo que fiz.

— Eu mereci — Shaka sussurrou.

Fênix pigarreou, incomodado, passando a mão nos cabelos que sempre pareciam despenteados demais. Odiava pensar que na cegueira da ilusão poderia ter machucado alguém. Não adiantava Shaka dizer que merecia. Ainda assim, foi uma perigosa agressão, mesmo se tratando de cavaleiros de Athena. Tinha consciência de que mesmo surpreendido, Shaka fosse completamente capaz de se defender, mas isso não aliviava sua culpa. Descontrolou-se mais uma vez, devido a suas emoções. Todo aquele tempo de treinamento não fez com que aprendesse a controlar o ego. Como sempre disse o virginiano, o caminho da iluminação era longo e sofrível.

— Queria agradecer pelo que fez por mim e por meu irmão. Na época eu não entendi, mas entendo agora.

Shaka calou-se, acariciando as pétalas brancas, levemente.

— Não há motivos para gratidão, Ikki. Tudo que fiz foi o que um mestre faria.

— Sobre isso... — o moreno aproximou-se um pouco mais e tocou, com as pontas dos dedos, a mão clara que acariciava a flor, num afago delicado — A partir de hoje não sou mais seu discípulo — informou, encarando o rosto do homem mais velho.

Shaka abriu os olhos com aquela afirmação e uma pequena oscilação de vento pairou entre eles, movendo fios de cabelos e tecidos como num suspense sombrio.

— Claro. — O indiano disse tranquilamente, embora Fênix pudesse ouvir com clareza as batidas aceleradas do seu coração, assim como Ikki sabia que Shaka podia ouvir as suas.

O cavaleiro de Virgem pousou o lírio na amurada do jardim, antes de completar: — É um homem livre e creio que precisa trilhar seu caminho sozinho. Seja como quiser. Pode ir embora, o caminho está livre.

Ikki voltou a quebrar a distância que Virgem havia estabelecido.

— Não disse que vou embora.

— Não?

— Não.

— Entendo — o loiro ponderou, mas não voltou a se afastar. — Por um momento achei que o problema fosse o santuário, fosse o desejo de uma alma solitária de isolar-se, mas pelo visto... — e os olhos intensamente azuis e brilhantes encararam o cavaleiro mais novo — o problema sou eu.

Ikki o encarava também, mas demorou a falar alguma coisa, o que acelerava consideravelmente as batidas do coração do indiano.

— Sim, Shaka. O problema é você.

— Arranje outro mestre, não precisa ir embora só...

— Eu não quero outro mestre...

Shaka franziu as sobrancelhas, confuso, mas não se sobressaltou quando o moreno segurou-lhe a mão com carinho e deixou escapar um sorriso de canto de lábios, um sorriso ladino que o fazia parecer mais velho do que ele era.

— Não quero ser seu discípulo. Quero ser mais que isso e você sabe. Ainda aguardo uma resposta.

— Eu ainda não respondi? — o indiano indagou, mais para si mesmo, surpreso.

— Não. Eu disse que tinha um prazo, e ele se esgotou.

Shaka emudeceu, mas não rebateu o dito por Ikki, assim como também não fez nada para evitar que ele o beijasse naquele momento. Um beijo delicado e despretensioso, mais hesitante que erótico. Ikki tocou-lhe os lábios com os seus, provando levemente a boca do cavaleiro de virgem, afastando-se lentamente em seguida, mirando os olhos de Shaka, querendo perceber suas reações. Sorriu, convencido.

— Agora tenho minha resposta.

O cavaleiro de ouro lambeu os lábios e encarou o cavaleiro de bronze por um tempo, em silêncio, ambos estavam meio corados e com a respiração levemente irregular, embora o beijo tenha sido rápido e suave. Eram os sentimentos que faziam com que o corpo reagisse.

— Por que me beijou? — não era como se Shaka não soubesse, mas havia mais naquela pergunta. Algo mais profundo, escondido na frase óbvia demais, e Ikki sabia disso, contudo não deixaria as coisas tão fáceis para o outro. Estava farto de facilitar as coisas para ele.

— Porque você me beijou primeiro — declarou com um sorriso de triunfo convencido. Há muito tempo esperava por aquela revanche.

Shaka abriu mais os olhos e o rubor em seu rosto tornou-se mais intenso.

— Como se lembrou? — desviou o olhar, envergonhado. Não pelo ato, mas ferido em seu orgulho de cavaleiro.

— Achou mesmo que aquilo funcionaria comigo de novo? — Ikki riu, arrogante.

— Não, não é possível. Eu saberia se estivesse fingindo — Shaka voltou a encará-lo.

— Funcionou. Por uma hora — Ikki sorriu mais abertamente, o que fez Shaka franzir as sobrancelhas, incomodado. — Depois, lembrei tudo, mas... — suspirou — também estava confuso e achei melhor fingir que não sabia, quando voltei. Foi mais fácil pra você assim, não?

— Ora, Fênix — Shaka riu, desconfortável. — Você não é o tipo de pessoa que torna a vida dos outros mais fácil.

— Talvez não. Mas não quis deixar a sua mais difícil. Sei que não é fácil pra você, Shaka. Sei que também esteve lutando esse tempo todo, assim como eu.

Shaka desviou o olhar novamente. Ver o cavaleiro de bronze falar daquela forma consigo o incomodava. Era estranho ter uma conversa tão pessoal com ele, ou com qualquer pessoa. Mas, ao mesmo tempo, era acolhedor, quente... bom. Era uma mistura de tudo que temia e tudo que precisava.

— Eu mudei, Shaka. Você mudou. Tudo tem mudado, será que não vê? — Ikki observou, tirando momentaneamente os olhos do outro para mirar a paisagem do anoitecia. — Todos estão se dando chances, escolhas. Não precisamos mais nos esconder atrás das nossas armaduras.

— Sei disso. Mas as coisas estão mudando rápido demais, talvez não consiga acompanhar... — Shaka declarou, pensativo.

— Você gosta de mim. Sei que gosta — Ikki replicou, perdendo um pouco da forçada paciência que manteve até aquele momento. — Vi como ficou ao saber do meu passado. E não tente dizer que aquilo foi para me ensinar, você estava com raiva.

— Não. Eu estava decepcionado — Shaka desviou o olhar e voltaria a distanciar-se, mas Ikki o segurou pelo cotovelo, puxando-o novamente para encará-lo.

— E enciumado — deitou um sorriso de lado, aquele sorriso de troça que Shaka odiava e amava ao mesmo tempo.

— Não deveria me deixar levar por essas paixões.

— Você é um homem, antes de qualquer coisa. Todos nós temos sentimentos incontroláveis.

— Eu decido o que sou ou deixo de ser — o timbre era calmo, mas o cavaleiro de bronze notou certa insatisfação contida. Riu levemente, sem deixá-lo.

— Estou apaixonado por você.

Shaka estancou no que falava e o encarou, surpreso. Ikki ruborizou e desviou o olhar, resmungando: “Não acredito que disse isso...”, mas estava feito, e não era homem de se arrepender.

O cavaleiro de Virgem não soube o que dizer por um longo tempo, achava que nunca saberia. Aproximou-se do cavaleiro moreno e tocou-lhe o rosto numa carícia leve com as pontas dos dedos. Ikki fechou os olhos, respirou fundo e, em seguida, recebeu aquilo que esperava receber novamente desde que tivera a honra de conhecer aquela boca: um novo beijo. Um beijo intenso, um beijo como ele tanto fantasiou e nunca tivera coragem de confessar. Puxou o mais velho pela cintura, deixando-o preso ao seu corpo, sentindo seu calor, sentindo-se em paz. Sabia que aquela era a resposta definitiva de Shaka. Não precisava de mais palavras.

Depois que seus lábios separaram-se, o moreno beijou-lhe a testa delicadamente e afastou alguns fios dos cabelos dourados que caíam sobre o rosto do indiano, mirando-lhe os olhos bonitos. Ambos sorriam agora.

— Eu te amo... — Ikki afirmou, e Shaka cobriu-lhe os lábios com a mão, num gesto rápido, fazendo-o franzir as sobrancelhas.

— Vamos devagar, cavaleiro — ele disse, sentindo o coração disparar no peito e mantendo o sorriso nos lábios. — Por hoje, pensemos que... começamos. Depois cuidamos do que sentimos, antes de deixar as palavras saírem.

Quando ele retirou a mão lentamente, Ikki pensou em dizer que sabia exatamente o que sentia, e que daria tempo para que ele aceitasse os próprios sentimentos. Aprendera com seu irmão, o homem que amava e as circunstâncias da vida que muitas vezes era melhor esperar o momento certo. Estava em paz, finalmente.

Beijou a mão de dedos longos e magros, percebendo que eram mais frias que as suas e macias demais para pertencer a um guerreiro. Shaka levou a mão livre ao seu rosto, e ele assentiu com a cabeça. Paciência, eis algo que faltava ao cavaleiro de Fênix, mas precisaria muito dela dali por diante, afinal, quem cortejava era sagrado do céu ao inferno e do inferno ao céu. Teria que ter calma, se quisesse estar do lado de alguém tão inacessível e tão querido.

— Ok, devagar — Ikki disse com um sorriso amplo, tão raro, que o fazia ainda mais jovem.

Shaka anuiu. Sentia algo quente no peito, talvez fosse isso que a deusa quisesse ao dizer que ele teria que aprender a ser humano. Errar, angustiar-se, duvidar, isso tudo fazia parta da difícil missão a ele confiada. A missão de simplesmente amar, sem se preocupar com explicações. Sentir. Apenas sentir.  

Abraçaram-se, respirando fundo. Um tocou o rosto do outro, Ikki voltou a beijar a testa do indiano e assim ficaram por um longo tempo até que sentiram um cosmo agitado aproximando-se. Afastaram-se minimamente e encararam-se confusos.

— Virgem?! Vem cá, preciso falar com... É Fênix quem está aí com você? — o cavaleiro visitante interrogou, parecendo hesitante com aquela descoberta, de início, e depois deixando escapar um risinho malicioso.

— Vou ver o que ele quer — Shaka suspirou, afastando-se do namorado e saindo do jardim. Encontrou Máscara da Morte parado no meio do templo com um sorriso meio malicioso, meio encabulado.

— Eh, desculpe... Preciso de algo seu, per favore!

00***00

Shun estranhou ao chegar. O templo cheirava a incenso e rosas, desde a entrada. Ele havia ido à Rodório buscar algumas coisas suas, já que tinha certeza de que passaria ainda mais tempo no Santuário. À medida que entrava, percebia que os incensos e o cheiro de rosas faziam parte de uma decoração que combinava velas e pétalas numa trilha que ia do grande salão até a parte interna da casa. Franziu a testa por um tempo e depois riu de leve, percebendo que havia também uma música baixa tocando.

— Angelo? — chamou o nome do namorado, entrando na casa e procurando com os olhos. Chegou ao quarto decorado também por rosas, incensos e velas. Parou de frente à cama, vendo as duas coroas, a do italiano e a sua, que havia deixado ali mais cedo, sobre os travesseiros, e então ouviu a porta bater. Voltou-se e encarou o namorado.

Ele vestia uma calça preta de malha fina apenas, deixando exposto o peito definido coberto levemente por pelos escuros. Seus cabelos estavam úmidos e deles emanava um cheiro bom de xampu que se unia ao odor cítrico do sabonete.

— Estava esperando per ti, piccoli — Angelo sorriu. —

Shun sorriu também em resposta e aproximou-se, levando a mão ao rosto recém-barbeado do italiano.

— Estou aqui — murmurou.

Angelo sorriu e puxou-o para si pela cintura. Shun pousou a cabeça em seu peito, e ele suspirou, afagando-o os cabelos macios.

— Gostou? Pensei numa noite especial — Angelo disse, beijando os cabelos dele.

— Está maravilhoso. Só não entendo como conseguiu fazer isso em tão pouco tempo — Shun falou, encarando-o com olhos ansiosos.

Máscara da morte riu, levando a mão aos cabelos úmidos.

— Pedi ajuda a... uns vizinhos — confessou, fazendo o amado rir. — Não sou muito bom com... coisas românticas.

— Pois eu achei tudo ótimo. Está perfeito.

O canceriano sorriu e ergueu o queixo do cavaleiro de bronze para tomar-lhe a boca num beijo delicado. Quando se afastou, ainda sem tirar os olhos dele, Angelo perguntou:

— Shun, você me ama?

O mais novo sorriu, os olhos verdes aquosos encarando o olhar escuro do outro. Sabia que a pergunta não advinha da falta de confiança em seus sentimentos, mas da alegria de escutar saber-se amado.

— Com toda a minha alma. — Foi o que o jovem cavaleiro de bronze respondeu, mirando-o dentro dos olhos, com olhos úmidos e apaixonados.

Angelo, então, voltou a beijá-lo, tomando-o nos braços, sentindo-o com precisão contra si e notando mais uma vez a diferença entre eles. Shun parecia tão frágil, o corpo dele era delgado e tão diferente da rudeza do seu que, às vezes, Máscara da Morte tinha receio de quebrá-lo. E ao mesmo tempo, o namorado ele era tão terrivelmente desejável, atraente, exótico, que ele tinha vontade de enterrar-se nele, sem contenção, para fazer parte dele de uma maneira muito mais profunda que o físico.

Caminhou com ele em direção à cama. — Deuses, Shun... — murmurou, ora beijando, ora mordendo, ora sugando os lábios macios do cavaleiro de bronze, sentindo, vendo-os tornarem-se vermelhos e inchados — Estou perdendo o controle...

Shun sorriu entre aquela sucessão alucinada de beijos e levou as mãos ao peito forte do cavaleiro mais velho, acariciando-o sem receios. — Perca, meu amor... Perca-se... — ele incentivou.

Angelo deitou-o na cama com cuidado, mirando o rosto levemente corado do cavaleiro de bronze, que exibia um sorriso doce. Shun apoiou-se nos cotovelos e sentou-se na cama, tirando a própria camisa, os cabelos castanhos dançando agora pelos ombros definidos, magros e brancos. Máscara da Morte observo-o por um tempo até que seus dedos correram pelo pescoço dele, chegando ao rosto. Shun era todo suavidade, parecia mesmo um anjo. Todavia, não estava ali para endeusá-lo, mas para torna-lo seu... para sempre.

Não havia mais lugar para hesitações. Ambos ansiaram aquilo durante muito tempo e, assim, pele exigiu pele, beijos, carícias sôfregas dos dedos, da boca, da língua. O cavaleiro de Câncer entregava-se àquele momento como nunca se entregou a nada e nem a ninguém. Percebia que até então, todas as relações que mantivera foram mecânicas, uma busca rude pela satisfação do corpo, apenas isso.

Câncer contornava o corpo delgado de Shun com as mãos ávidas de desejo, descia os lábios em lambidas e mordidas nos mamilos róseos, deixando-os adoravelmente rígidos, arrancando suspiros e gemidos do mais jovem, que se entregava com a mesma ânsia, com o mesmo desejo, estremecendo a cada passagem da língua quente por seu corpo, pescoço, peito, umbigo, as mãos buscando conhecer também o corpo do outro, conquistando espaço, ousando percorrê-lo, ansiosas e hábeis.

Estavam no limite quando Angelo entrelaçou os dedos nos de Shun e com um gemido baixo, entrou no corpo dele. Ambos soltaram um grito rouco, trêmulo, sequioso, e Shun apertou as mãos do amante, sorrindo, sentindo-se vivo, completo.

A brisa morna da noite grega cantava pelos corredores do Santuário, movendo as chamas, sussurrando pelas portas e janelas, unindo-se aos gemidos, sussurros e confissões de amor que cada amante fazia naquele momento. Livres do medo, das lembranças, da dor, prontos para um futuro onde confiança, liberdade e autoconhecimento seriam a base dos relacionamentos.

O frenesi da carne os tomou como uma estrela que nasce, explode em cores e prazer e morre lentamente, deixando, contudo, os resquícios do seu brilho no espaço. E então eles adormeceram abraçados.

Já era alta madrugada quando Shun despertou. O quarto estava iluminado pela tênue luz de um abajur. Somente o salão principal seguia com a antiga iluminação dos archotes, as casas possuíam energia elétrica como o restante do Santuário. Ele observou o amante que dormia com uma expressão tranquila, como se apenas bons sonhos ocupassem seu repouso. Sorriu, deslizando os dedos pelos lábios carnudos e sussurrando um “eu te amo” que embora fosse um mísero sussurro era uma afirmação de todos os sentimentos maravilhosos que cultivou durante aquele tempo que deveria ser um período de exílio para curar suas feridas, mas que foi muito mais que isso, foi um tempo em que descobriu o que era o verdadeiro amor. Um tempo em que amadureceu como pessoa e como cavaleiro, um tempo maravilhoso, cheio de descobertas, o tempo em que descobriu um homem apaixonante por trás de uma assassino.

Desceu da cama e cobriu-se com uma calça fina de pijama e um roupão. A brisa tépida da noite continuava a soprar enquanto ele atravessava os corredores em direção ao jardim.  Recostou-se na mureta e ficou observando a noite estrelada. Estava ali há pouco mais de um ano e sempre se surpreendia com a beleza da noite grega.

Como o céu podia ser tão lindo? Como nunca percebeu tanta beleza antes?

Pensou que há pouco mais de um ano estava chorando em desespero a dor de um amor perdido e agradeceu a Hyoga, pois foram as atitudes dele que o levaram até ali. E riu ao pensar que se lembrar do ex-amor já não doía, ao contrário, seu carinho pelo russo seria eterno e imenso. Amava Hyoga do fundo do seu coração, amá-lo-ia para sempre, como companheiro, irmão e amigo. Mas agora tinha certeza de quem era o verdadeiro amor da sua vida.

Que fosse eterno.

— Mestre Shun.

A vozinha de Acaio o libertou de sua reflexão, e ele voltou-se para encarar os olhos grandes e brilhantes do garoto.

— Acaio, o que faz aqui tão tarde? — estranhou a presença da criança.

— Estive na forja com o Kiki e o mestre Mu durante toda a noite — ele falou e Shun percebeu o sorriso do garoto, mesmo em seu semblante cansado. — Queríamos fazer um presente para o senhor e o Mestre Câncer. O garotinho estendeu uma caixinha. — Mestre Mu fez rápido. Ele é muito habilidoso e já havia feito as alianças dos noivos. São feitas de ouro, mas há nelas um fio de oricalco e pó de estrelas, vinda das armaduras de Andrômeda e Câncer, recolhidos por ele quando teve que consertá-las, algumas vezes.

Shun segurou a caixinha, surpreso, abrindo e vendo dois anéis dourados, cobertos por duas linhas negras. Entre as linhas, podia-se enxergar o desenho do caranguejo em um e de uma mulher, Andrômeda, em outro.

Os olhos de Shun encheram-se de lágrimas e ele mirava das joias para o garoto, completamente confuso.

Acaio sorriu.

— Mestre Mu percebeu que o senhor e mestre Câncer mereciam alianças especiais. Mas não foi uma iniciativa dele e nem minha, especificamente. Foi um pedido da própria Athena, que ele sentiu-se honrado em atender.

Shun deixou as lágrimas caírem, puxou a criança para seus braços e beijou sua testa.

— Obrigado. Não sei o que dizer.

O garoto fez uma reverência sem jeito, depois que ele o soltou.

— Não precisa agradecer. É a bênção da deusa e o voto de felicidade de todos os cavaleiros e servos do Santuário. Estamos todos muito felizes pelo senhor, por ter curado o seu coração, e o do mestre Câncer também. Esperamos o casamento — ele disse, fez uma nova reverência, e saiu, ruborizado, mas com um sorriso de orelha a orelha.

Shun olhou as alianças novamente e depois mirou a noite. Grato demais por tudo que acontecia. Enxugou as lágrimas que molhavam seu rosto, não conseguia parar de sorrir e chorar pela felicidade intensa que sentia naquele momento.

 Entrou no quarto e fechou a porta atrás de si. Um sorriso ocupou os seus lábios ao mirar o amante deitado na cama. Apoiou-se na porta e fechou os olhos, respirando o cheiro do amor que haviam feito e que ainda estava no local. Sorriu novamente, tendo a certeza que era ali que deveria estar. Que aquele era o único lugar ao qual pertencia. Deixou escapar um suspirou profundo de deleite. Era maravilhoso! E ele só conseguia sorrir, sorrir e sorrir.  Já havia se passado tempo suficiente para ter a certeza de que vivia em total felicidade. Sentia-se mais bonito, mais capaz, completamente cônscio de quem era, do próprio valor, do que queria, amava, e de onde ficaria.

Deslizou os pés lentamente pelas pedras do quarto até chegar à cama, onde o amado dormia. Não conseguia se controlar, precisava ficar perto dele, tocá-lo mais uma vez. Ouviu-o murmurar alguma coisa no sono e abrir os olhos levemente. Shun mirava-o com um sorriso, enquanto Angelo apoiava as costas melhor nos travesseiros e deixava escapar outro. O mundo atrás da porta não importava mais. Apenas os dois existiam naquele momento.

— Olá, bambino...

— Oi — Shun falou, subindo lentamente na cama e escalado o corpo dele, até estar sentado em seu quadril. — Ganhamos presentes...

Máscara da Morte sentou-se, apoiando-se nas pernas do namorado, franzindo as sobrancelhas e observando a caixinha de veludo.

— A deusa deseja abençoar nossa união — Shun disse, tirando a aliança, cujas imagens talhadas era de Andrômeda, e pegando a mão do namorado, colocando lentamente a joia em seu anelar. Não havia perguntas. Perguntas para quê? Ele tinha certeza.

Mesmo confuso, Angelo fez o mesmo, percebendo que as alianças cabiam com perfeição nos dedos de ambos. “Athena”, ele pensou, e viu uma luz suave emergir da joia em seu dedo e também da joia que brilhava no dedo do noivo. Uma pequena porção dos cosmos ali depositados.

— Para sempre? — Angelo indagou, mirando o pequeno cavaleiro de bronze dentro dos olhos. Pequeno? Frágil? Não. Shun era um gigante. Shun era um homem maravilhoso e inesquecível.

— Para sempre — o cavaleiro mais novo respondeu e tomou-lhe os lábios em um beijo intenso.

Voltaram a se amar naquela noite com todo desejo do mundo, sentindo na pele a intensidade maravilhosa do que era amar e ser amado, deixando que o calor do cosmo de um envolvesse o outro assim como envolvia as alianças.

No templo de gêmeos, no templo de virgem, no templo de leão, em todos os templos e habitações do santuário, as pessoas se sentiam finalmente livres. Afinal, a terra não poderia ser considerada livre se aqueles que por ela lutavam não tivessem liberdade para fazer o que era de mais importante no mundo: amar.

Athena mirou a noite estrelada e sorriu, satisfeita com a energia que sentia em seu santuário.

— Parece feliz, minha deusa — a voz de Dohko disse suavemente, aproximando-se dela e também mirando as estrelas no céu.

Shion e Saga também se aproximaram. Todos eles sentiam as boas vibrações e os cosmos que repousavam em paz no santuário.

— Parece que sinto algo como um cosmo morno envolvendo as 12 casas — Shion comentou. — Algo bom e suave... como...

— Também sou capaz de sentir — Saga disse, mirando as luzes dos archotes que iluminavam o templo de Gêmeos. — Há um sentimento de paz e tranquilidade... Algo muito raro em qualquer lugar da Terra.

— Eirene está aqui essa noite. É um bom presságio para um lugar que já viveu tantas guerras — Saori disse, suavemente. — Sinto que finalmente meus guerreiros estão em paz e por isso eu também estou.

A deusa mirou o infinito e pôde ver todas as constelações, mesmo as mais distantes. Sorriu com a certeza de que todos os seus cavaleiros estavam bem.

Uma bela manhã se fez no santuário. Máscara da morte acordou sentindo o peso de Shun em seu peito. Sorriu e fechou os olhos novamente. Resolveu que voltaria a dormir, aproveitando o descanso que merecia, aproveitando, sim, o amor e a paz que merecia.

FIM

Eirene é a deusa grega da paz.

POSSIBLE LOVE

INICIADA EM 22/12/2011

FINALIZADA EM 16/07/2016


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Notas finais do capítulo

Olá de novo, pessoas lindas!

Espero que tenham gostado do final. Tentei fazer algo condizente com o clima da história, espero que tenha ficado ok.
Então “Possible love” chega ao fim. Foram cinco longos e gostosos anos, 20 capítulos, 385 comentários, até aqui, e 9 lindas recomendações. Eu não tenho palavras para agradecer tanta generosidade, tanto carinho e tanta atenção.
Muito obrigada a todos que leram, comentaram, curtiram, cobraram. Sério, vocês me fizeram muito feliz com a aceitação a esse casal tão improvável. Eu realmente não esperava esse abraço maravilhoso e pensar nisso sempre me emociona. Fic com crack ship, sem nenhum lemon – esse do final nem sei se posso chamar de lemon XD – e ainda assim tão curtida. Isso me leva a gritar algo que já sei há muito tempo:

EU TENHO OS LEITORES MAIS FODÁSTICOS DO UNIVERSO!!
MUITO OBRIGADA!!!

ATÉ A PRÓXIMA EXPERIÊNCIA, AMO DEMAIS VOCÊS!!!

SION

P.S. TEREMOS UM BREVE EPÍLOGO ;)