Possible love escrita por Sion Neblina


Capítulo 19
Abraços e despedidas


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos!

Perdoem alguns erros, capítulo revisado muito porcamente, confesso.

Ah, sim, é o penúltimo!

Boa leitura a todos!

Sion



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Abraços e despedidas

Capítulo 19

Mais uma vez, Shun não encontrou Angelo quando acordou, mas resolveu não pensar no que aquilo significava. Aprontou-se para cumprir sua função de cavaleiro e saiu. Tomou o café no banquete oferecido no grande galpão ao lado da arena. O lugar tornou-se uma espécie de restaurante gigantesco, onde era servida a comida para todos os visitantes. Geralmente, a elite do santuário comeria em outro ambiente, mas o clima era tão bom entre militares e civis que os cavaleiros abandonaram um pouco a sisudez da ordem.

Shun tomou o café da manhã, tentando não pensar muito nos problemas. Odiava brigas desnecessárias, discussões desnecessárias, e era isso que achava sua última conversa com o namorado. Angelo precisava aprender a confiar nele e em si mesmo. E era algo que ele precisava aprender sozinho.

— Oi.

— Oi. — Ele respondeu ao cumprimento de Afrodite que, sem cerimônias, sentou-se à sua frente. — Não esperava vê-lo aqui.

— Está nesse ambiente tão... popular, realmente não faz meu estilo, mas era o mais próximo da grande arena — falou o pisciano com desdém. — E a comida é saborosa.

Shun sorriu de lado. — Você não muda.

— Pra que mudar o que está perfeito?

O mais novo balançou levemente a cabeça.

— O que quer, Afrodite?

— Nada. Conversar, talvez. Ontem estive no templo de Câncer, à noite...

Shun o encarou, alerta, franzindo o cenho.

— O que fazia lá?

— Nada digno dos seus ciúmes, Piccoli... — o loiro piscou e bebeu do copo longo de suco. — Talvez reatar uma amizade antiga, abalada por vaidades.

— Que bom que reconhece isso.

— As vaidades não foram apenas minhas. — Afrodite retorquiu. — Contudo, fiquei preocupado com meu amigo. Ele parecia bastante abalado com seu reencontro com o cavaleiro de Cisne.

— Angelo tem seus fantasmas. Ele mesmo precisa resolver isso. Não posso ajudá-lo, já que não fiz nada de errado.

— Creio que já o ajudou muito, Shun — Afrodite sorriu. — De uma forma estranha, sua presença mudou muita coisa nesse Santuário. Muita coisa...

— Não entendo... — Shun o encarou confuso. — Como posso ter mudado coisas? Eu sou apenas um cavaleiro de bronze.

— Você mudou as coisas como deve ser: pelo exemplo — Afrodite se ergueu, fazendo seu manto esvoaçar com a brisa matinal. — Aproveite o café da manhã, vou para a arena.

Shun viu o cavaleiro se afastar com seus passos elegantes. Todos miravam Afrodite com admiração enquanto ele passava em sua armadura dourada. Como não olhar? Ele parecia um anjo vingador compenetrado e indiferente. Shun sorriu; aqueles olhares eram os geradores de toda aquela vaidade. Deveria ser solitário.

Andrômeda terminou de comer e foi para a arena juntar-se à elite da Tropa. Angelo já estava lá, eles se olharam, mas não disseram nada. O cavaleiro de Câncer permaneceu sério, observando as lutas, mas Shun se sentiu feliz ao vê-lo ao lado dos outros, vestido em sua armadura.

O dia claro abrigava a continuação das festividades. Apesar do clima de vigilância, não havia verdadeira tensão entre os guerreiros e guardas. Athena e Grande Mestre assistiam às disputas com interesse, aprovando o desempenho dos aspirantes treinados por seus cavaleiros. A disciplina militar era mantida, mas havia momentos de descontração até mesmo durante as batalhas na arena, e mesmo os cavaleiros de ouro aproveitavam-se do clima de descontração para perder um pouco da excessiva seriedade, como quando foi anunciada uma batalha entre aspirantes. Um menino de oito anos se posicionou na arena com o peito estufado, esperando o seu adversário e quase teve uma parada cardíaca quando viu sair do túnel ninguém menos que o gigante Aldebaran. O público aplaudiu, assoviou e riu muito quando o guerreiro simulou sua derrota para o pequeno, que, mesmo entendendo que era uma brincadeira, ficou cheio de si, saindo da arena ao lado do cavaleiro com maior força física entre os guerreiros de Athena.

Aquele foi o ritmo das atividades do dia. Saori não queria um clima ruim em sua festa. Havia a preocupação necessária, havia os que estavam cuidando disso, a Tropa e a Kripteia, os outros poderiam continuar a festa.

As festividades chegavam ao fim e como surpresa para os espectadores ilustres, havia políticos de todas as partes, empresários, além dos deuses, todos parceiros do Santuário na defesa da Terra, o Grande Mestre resolveu oferecer uma batalha corpo a corpo entre os cavaleiros da elite do Santuário. Era apenas uma apresentação, suas habilidades deveriam ser exibidas, ou seja, não era uma luta de fato.

Os primeiros a entrar na arena foram Aiolia e Milo, que fizeram uma apresentação simulada, digna da Luta livre norte-americana, arrancando gritos e aplausos dos espectadores, deixando a arena rindo e, em seguida, cumprimentando-se. Kanon e Aldebaran fizeram toras colossais de madeira se partirem como minúsculos pedaços, o que causava espanto, horror e admiração em todos. As apresentações finalizaram dessa forma.

Máscara da Morte torceu muito para que seu nome fosse sorteado para as apresentações. Queria que fosse junto com o de Hyoga, e com certeza não haveria simulação. Odiava profundamente o Cisne e o fuzilara com o olhar durante todo o dia, mas o desgraçado do filhote de aquário continuou indiferente ao seu olhar. Contudo, olhou e sorriu para Shun diversas vezes, o que deixava o italiano cada vez mais disposto a promover um encontro entre seu punho e a cara empoadinha da bailarina russa.

Remoeu aquilo o máximo que pôde e ficou extremamente decepcionado quando seu nome não foi sorteado para as lutas. Hyoga enfrentou o mestre, e eles chegaram mesmo a elevar seus cosmos, fazendo a temperatura, extremamente quente, da arena, cair a aproximadamente 10 graus, o que deixou o público estupefato e maravilhado, mas não trocaram um único golpe, aquilo foi o suficiente para que fossem aplaudidos de pé e deixassem a arena com o mesmo porte altivo e indiferente de sempre. Isso só fez aumentar o ódio do canceriano. Tinha vontade de esmagar aquela cara bonitinha do Cisne.

Mais duas horas de eventos se passaram até que Athena resolveu fazer seu discurso final, ao menos era isso que todos esperavam, mas o que foi feito pegou todos de surpresa e os deixou boquiabertos. Imponente em sua armadura dourada, a deusa direcionou seu discurso para algo completamente inusitado:

— Caros cavaleiros e convidados, como todos sabem As Panateneias são festividades dedicadas a mim, Athena, onde muitos bravos homens dão mostra de força e honra em jogos diversos. Este ano, não foi diferente. Todos os cavaleiros, guardas e aspirantes, nos honraram com apresentações irretocáveis, e eu precisava agradecer a cada um que fez dessa festa algo tão bonito.

A deusa foi aplaudida e por isso interrompeu um pouco seu discurso para voltar a falar, lançando um olhar ao Grande Mestre que assentiu levemente com a cabeça.

— Contudo, As Panateneias são, acima de tudo, festividades que prezam pela beleza e por um ideal. E nada poderia ser mais belo e idealista do que o verdadeiro amor...

Agora, os olhares já eram um tanto constrangidos e os cavaleiros mostraram-se desconfortáveis.

— Por isso, concedi a minha benção para que, ao final dos jogos de hoje, não acontecessem o banquete e a festa de sempre, mas que houvesse início uma festividade de casamento.

Um grande “oh” se espalhou entre os convidados, seguidos de aplausos entusiásticos que fizeram a deusa novamente pedir silêncio.

— Hoje, iniciaremos as celebrações da união de dois jovens muito especiais. Dois corajosos jovens que durante muitos anos estiveram separados, vivendo um amor clandestino devido a um decreto obsoleto, que fiz questão de revogar há pouco tempo. Por favor, saúdem os noivos!

Saori abriu os braços e os cavaleiros que estavam ao lado da escadaria que levava ao grande palanque em cascata em que ela se encontrava, moveram-se, formando um longo corredor. Nesse momento, vestido em uma toga como na antiguidade, Aiolia apareceu, passando entre seus irmãos da Tropa e recebendo as brincadeiras deles. Era muito evidente o embaraço do leonino naquela situação, mas foi um pedido da deusa, então ele aceitou que tudo acontecesse com aquela pompa.

Marin chegou pelo centro da arena, vestida numa longa toga branca e tendo nas mãos uma caixa com seus pertences  “de menina” e um tufo dos seus cabelos que entregaria à deusa Artémis, enrolado em um fuso de fiar, como mandava a tradição. A amazona estava tão bonita com os cabelos decorados com suaves flores lilases, o rosto sem a máscara, sereno, que as pessoas pareceram esquecer que há pouco uivavam com as lutas naquela mesma arena.

Os noivos colocaram seus presentes na grande pira que ardia ao lado da arena, depois se prostraram diante da deusa e receberam sua bênção. Um coro de jovens chegou entoando uma música antiga e derramando sobre eles sementes de romãs. O aroma do incenso queimado dominou o santuário, era a benção das Moiras e de Hera àquela união.

Finalizado esse ritual, o noivo se afastou pela direita, seguido por seus amigos, e a noiva pela esquerda, seguida por suas amigas. Aquela era a primeira parte das festividades do casamento que seria consumado no dia seguinte.

Shun achou muito bonito tudo aquilo, o fogo, o cheiro de incenso, o clima; era tão perfeito. Estava feliz por Marin e Aiolia, eles faziam um lindo casal e se entendiam muito bem. Suspirou, parecia que somente ele e Angelo não conseguiam se entender. Queria falar com o namorado, esclarecer as coisas, mas sabia que aquele não era o momento certo, precisava ser paciente.

Depois da pequena cerimônia, o banquete da noite foi servido, sem os noivos que se preparariam para a grande festa no dia seguinte. Muito vinho e comida, risos e provocações. Shun achava aquilo divertido, mas estava cansado e resolveu recolher-se cedo, indo para o templo de Câncer, tomando um banho e deitando-se na cama, mirando o teto. Talvez fosse errado ficar ali o tempo todo. Athena e o Grande Mestre faziam vistas grossas, mas aquele lugar pertencia a um cavaleiro de ouro, não a ele. Algumas coisas precisavam mudar, pensava.

00**00

Um grupo de música local agitava a noite. As festividades continuariam no dia seguinte, mas todos pareciam felizes demais, embriagados pelo presente inusitado que era o casamento entre o cavaleiro de Leão e a amazona de Águia. Aquilo era um atestado concreto de que as antigas determinações haviam desaparecido.

Boa parte dos guerreiros já dormiam e os músicos já haviam caído ébrios quando Máscara da Morte resolveu encerrar a noite. Encerrar da maneira que imaginou, claro. Passara a noite inteira procurando o cavaleiro de Cisne com os olhos e agora tinha a oportunidade perfeita de estar com ele, sozinhos.

— Ei, Cisne, quero falar com você — aproximou-se quando Hyoga já deixava o local da festa, em direção aos dormitórios.

— Não é uma boa hora, Máscara da Morte. Está tarde — Hyoga tentou ser prudente.

— Escuta aqui, frangote,  volta aqui e fala comigo — rosnou o italiano.

O russo parou e se voltou para ele, um tanto surpreso, mas não intimidado.

— O que é tão urgente?

— Sua saída daqui — respondeu Câncer. — Eu quero que desapareça do Santuário e deixe Shun em paz. Não quero que fale com ele, que olhe pra ele, nem que respire o mesmo ar que ele, capito, bambino?

Hyoga riu, balançando a cabeça e revirando os olhos.

— Isso é ridículo. Conheço Shun há muito tempo para saber que ele nunca concordaria com um absurdo desses. Boa noite, Câncer —Cisne disse, virando-se e voltando a andar. Rapidamente, no entanto, o cavaleiro de ouro o atacou, derrubando-o contra o chão e o prendendo pelo peito com o pé.

— Se não entender por bem, vai entender por mal, filhote de aquário!

— O que você está fazendo?! — Hyoga assustou-se e elevou o cosmo, fazendo o canceriano se afastar.

Vile! — ele resmungou e, abrindo os braços, livrou-se da armadura, despachando-a para seu templo. — Não eleve o cosmo, vai atrair a atenção dos outros, bambola!

— Quê? Eu não vou brigar com você! enlouqueceu?! — Hyoga o encarava, chocado.

Voi escolhe, ganso, ou luta ou apanha, e calado! — disse, partindo para cima do outro. Estava com muita raiva e embora Hyoga fosse muito rápido em desviar-se dos golpes, logo o acertou, derrubando-o no chão com a boca sangrando.

— Levanta, Cisne, minha raiva ainda não acabou! — ele disse, rangendo os dentes.

Hyoga irritou-se, livrou-se da armadura também, e eles começaram uma luta selvagem, corpo a corpo, como dois gladiadores naquela arena.

— Se você chegar perto dele novamente, eu vou matá-lo! Vou acabar com você e jogar seu corpo inerte da colina do Yomotsu! — Angelo dizia entre os golpes que dava no mais novo. — Desgraçado! Tudo estava bem até você voltar! Como ousa aparecer depois de abandoná-lo, magoá-lo, fazê-lo chorar?! Eu quero beber seu sangue!

Hyoga não estava interessado no que ele tinha a dizer, desviava dos golpes e contra-atacava com toda sua força. Embora Máscara da Morte fosse mais forte, ele era mais rápido, sem o uso de suas habilidades especiais. Acertou o queixo e depois o abdômen do italiano seguidas vezes, mas ele era muito forte, não parecia muito abalado. Hyoga, contudo, recebeu um soco no maxilar que o deixou completamente tonto e exposto para uma sucessão de golpes que tirou sangue do seu nariz e supercílio, fazendo-o cair, quase desacordado.

Angelo o puxou pela camisa, encarando-o. — Você vai sumir daqui, entendeu?

— Não. Eu não vou a lugar nenhum, seu louco psicótico! Se quiser, me mata agora!

Máscara da Morte chegou a erguer o punho, mas acabou desistindo, soltando Hyoga, que caiu com as costas no chão. O que estava fazendo? Batendo num garoto? Não importava que ele fosse um cavaleiro, era apenas um garoto, e ele não tinha aquele direito. Estava passando dos limites novamente, por ciúmes, por insensatez, por vileza. Passou as mãos nos cabelos, respirando fundo, querendo se livrar daquela angústia. Pelos deuses, o que tinha feito?

Mirou o russo que, sentado no chão, cuspia sangue.

Io... Io... — não achou palavras para dizer o quanto lamentava aquilo. A raiva começava a arrefecer e com isso, ele percebia o estrago que estava fazendo em sua vida. Shun nunca o perdoaria. Aproximou-se do russo e estendeu-lhe a mão. — Venha, Io voi levá-lo à enfermaria, Cisne.

Hyoga estava tonto e por isso aceitou a mão do outro, embora ainda sentisse vontade de socá-lo. Não acreditava que Shun tinha se envolvido com aquele psicopata.

Câncer passou um braço pela cintura do loiro e atravessou o braço dele em seu ombro, guiando-o para a enfermaria. O que diria quando chegassem lá? Que ele caiu? Riu, amargo, estava muito encrencado.

— Shun é louco por estar com você.

— Cala a boca!

— O que a Tropa achará disso?

— Nada, porque você não vai dizer nada.

— E por que eu faria isso?

— Porque se disser, morre.

Hyoga riu e cuspiu o sangue novamente. Eles chegaram ao pequeno posto de saúde dentro de santuário e, rapidamente, os enfermeiros começaram a cuidar dos ferimentos do loiro, nada demais, alguns pontos e costelas fraturadas que estariam recuperadas no dia seguinte. Não era nada para um cavaleiro de Athena. Angelo permaneceu ao lado dele, em silêncio. Passada toda a adrenalina do momento, ele experimentava a ressaca moral dos seus atos. Estava perdido. Não sabia que caminho tomar.

— Ainda acha que tenho medo de você? — Hyoga riu. — Olha, eu não direi nada porque por algum motivo estranho, Shun gosta de você, e eu não quero vê-lo triste.

— Não fale dele, cáspita... — Angelo disse, entre dentes — Estou tentando te manter vivo, ragazzo, mas se você continuar falando dele...

— Ele te ama, seu animal! — Hyoga se irritou, e a enfermeira pediu que ele ficasse quieto, para que ela saturasse seu supercílio. — Ele foi bem claro nisso. Somos apenas amigos e isso não vai mudar por causa dos seus ciúmes idiotas!

Câncer ainda fervia de raiva, e sua raiva só aumentava com as palavras de Hyoga. Sua vontade era carregá-lo para a colina o yomotsu e arremessá-lo de lá, depois de quebrar cada osso daquela cara bonitinha dele. Contudo, um fio tênue de razão lhe dizia que ele já havia feito merda demais e que aquilo renderia punições terríveis e lançaria na lama qualquer resquício de prestígio que suas ações no dia anterior lhe devolvesse junto à Tropa. Respirou fundo, calou-se, esperou.

Depois que a enfermeira terminou o trabalho, Hyoga desceu da maca, caminhando para a saída do posto médico.

— Cisne...

Ele se voltou quando ouviu a voz grave, baixa e constrangida do cavaleiro de ouro.

— Não se preocupe, não vou dizer nada a ele. Shun merece o melhor, Câncer — o loiro disse e saiu.

Máscara da Morte permaneceu no mesmo lugar. Embora tenha sido Hyoga o ferido, era ele quem parecia machucado por suas próprias ações. Saiu dali e foi para aquele lugar isolado entre as ruínas, onde descarregou sua frustração destruindo pedras. Quando voltou ao Santuário, já era quase dia.

Adentrou o templo, a ressaca moral se intensificava a cada passo, foi até o quarto encontrando Shun adormecido entre os lençóis. Ele parecia mesmo um anjo, mas ele não era um anjo como não cansava de dizer. Era um homem, um homem que sabia o que queria. E Shun o queria e não ao Cisne. Por que havia duvidado disso? Por que simplesmente não conseguia acreditar em mais nada?

Não acreditava nem em si mesmo. Foi a conclusão que chegou, e aquilo teria que terminar. Ele encerraria aqueles sentimentos naquela noite. Que se danasse Hyoga, não magoaria mais seu namorado. Nunca mais.

Tomou um demorado banho, limpando o sangue de alguns ferimentos causados pelos golpes de defesa de Hyoga. Respirou fundo, amargurado, lavando-se. Saiu do banheiro, vestiu-se numa calça leve e deitou-se devagar ao lado de Shun, o dia já clareava.

O mais jovem se moveu um pouco, aconchegando em seus braços. Câncer beijou-lhe os cabelos e fechou os olhos, tinha pouco mais de uma hora para estar de pé novamente.

00**00

Fazia alguns dias que a rotina era a mesma, Afrodite dormia no templo de Gêmeos e se retirava no meio da madrugada para o seu. Ainda tinha seus pudores, não queria que outros cavaleiros o encontrassem ali, tão cedo. Não era segredo, já que não havia mais proibições, vale lembrar que um cavaleiro e uma amazona se casariam naquele dia, mas ele gostava de discrição, ao menos sobre aqueles assuntos. Mas como ser discreto, quando seu amante adora fazer barulho quando você tenta ir embora da sua casa?

— Kanon, me solta! — Afrodite dizia irritado, enquanto era erguido pela cintura para logo depois ser arremessado na cama.

— Não, ainda não, está cedo, fica mais um pouquinho! — o cavaleiro de Gêmeos pediu, montando no quadril dele.

— Não quero que me vejam saindo daqui.

— Todo mundo sabe que a gente transa, seu babaca! Isso não tem a menor importância agora e nem é da conta de ninguém — Kanon disse, prendendo os pulsos dele contra a cama e mordendo de leve os lábios carnudos do amante.

— Mas importa pra mim. Somos cavaleiro de ouro, temos que manter nossa reputação.

— Foda-se a reputação... — Kanon disse, roçando o corpo no dele e o beijando.

Afrodite riu, tentando escapar do beijo, vendo o dia já claro pela janela.

— Kanon..., eu preciso ir, vamos nos atrasar pra cerimônia!

— A cerimônia, hoje, é mais tarde! É o casamento daqueles malas! — Kanon sorriu, sedutor, soltando os pulsos de Afrodite, mas continuando em cima dele. — Não fica nem se eu ficar aqui, mexendo em cima de você?

Peixes riu alto, batendo na perna musculosa do amante.

— Vai, levanta!

Kanon soltou um muxoxo, mas o obedeceu. Afrodite ergueu-se e terminou de vestir a túnica e se sentou para amarrar as sandálias. Kanon se sentou ao lado dele e observou a manhã clara pela janela.

— A gente podia casar hoje, aproveitar a festa de Marin e Aiolia.

Afrodite revirou os olhos. — E quem, por Vênus, disse que  quero me casar com você?

— Sei que quer. Vem todos os dias dormir comigo...

— Sexo não é amor e muito menos relacionamento.

Kanon o encarou, e ele estava estranhamente sério. Afrodite o encarou, também sério.

— Somos cavaleiros. Uma relação assim não dá certo no Santuário — explicou, sem jeito por perceber certa mágoa no olhar do amante.

— Aiolia vai continuar sendo o cavaleiro de Leão.

— Mas ele casou com uma amazona, não com outro cavaleiro de ouro que tem um templo para defender! Não seja ridículo, Kanon! Prefiro acreditar que está brincando!

—Acredite então — Kanon suspirou. — Mas é uma bobagem ficar se escondendo quando isso não é mais necessário.

— Não estamos nos escondendo, estamos sendo discretos como pedem nossas posições — Afrodite falou, revirando os olhos. — Não banca o romântico agora, por Athena.

— Tudo bem, seja como vossa majestade, o cavaleiro de Peixes, queira! — ergueu-se da cama, indo para o banheiro.

Afrodite mordeu os lábios e soltou o ar pela boca em seguida, erguendo-se da cama e chegando à porta do banheiro, vendo o grego no chuveiro.

— Nos encontramos na festa de encerramento, então?

— Certo — Kanon respondeu, lacônico.

O pisciano resolveu não insistir. Deixou o templo de Gêmeos, esperando poder resolver aquela pequena rusga no decorrer do dia. Era incrível que um cavaleiro que passou por tantas coisas difíceis ainda conseguisse achar espaço dentro de si para romantismo antiquado — Afrodite pensava enquanto subia as escadas em direção ao seu templo.

00**00

As últimas apresentações e disputas seriam naquela manhã e em seguida aconteceria o casamento. A casa de Leão e o alojamento das amazonas já estavam completamente decorados com flores e folhas de parreira, e os noivos, naquele momento, tomavam o banho de purificação e fertilidade, com água e essências reservadas em vasos especiais. Depois os dois seriam vestidos para a cerimônia, o noivo apenas com uma túnica de lã. A noiva, por sua vez, seria adornada com uma coroa, perfumada com óleo de mirra e vestida ricamente. Os aromas e adornos tinham como intenção propiciar fertilidade e seduzir o noivo, já que eram afrodisíacos. Seguinte aos preparativos, aconteceria o casamento que seria comemorado pelos quatros cantos do Santuário.

Os cavaleiros haviam cumprido suas obrigações matinais e depois do almoço estavam livres para participar da festa com tranquilidade. Shun trocou as roupas que vestia por um toga, assim como fariam todos os que participariam da cerimônia de encerramento e de casamento. As amazonas já cantavam alegremente, alguns músicos tocavam flautas, o clima era de tranquilidade e felicidade.

As crianças corriam, brincando com folhas de oliveira ou com espadas de madeira, imitando golpes e gritos de guerra. O banquete já estava pronto e o aroma se espalhava pela rua que seguia dos alojamentos às doze casas. Vinho, cerveja, sucos diversos, bolos de mel e gergelim, carnes, peixes e queijos. Tentava-se reconstruir o mesmo cenário dos antigos casamentos gregos, mesmo que na antiguidade, o casamento se restringisse a algo mais familiar. Para a deusa Athena, entretanto, todo o Santuário era uma grande família e por isso o rito seria para todos.

Os cavaleiros vestiam togas simples e curtas, semelhantes a do noivo. As amazonas vestiam-se com vestidos de um ombro só e usavam braceletes dourados, mas não usavam ornamentos nos cabelos, algo que somente a noiva deveria fazer. Algumas mantinham o costume das máscaras, outras não. Agora eram livres para escolher.

Athena e o Grande Mestre carregariam a tocha do cortejo que não demorava a começar e por isso eles andavam calmamente em direção ao alojamento das amazonas, onde deveria estar a noiva. Alguns cavaleiros os acompanhavam. Shaka, Mu, Milo e Máscara da Morte, enquanto outros fariam companhia a Aiolia quando ele finalmente saísse de sua casa para buscar a prometida.

Shun observava o cortejo, sentado num pequeno outeiro próximo ao caminho. Percebia a expressão sisuda e pensativa do namorado e se perguntava o que ele pensava e o que ele esperava. A hesitação de Angelo em tornar o namoro algo mais íntimo o inquietava, não por questões físicas, mas emocionais.

— Oi. –Shun ergueu a cabeça e franziu a testa quando Hyoga se sentou ao seu lado. – É uma linda cerimônia, não é?

— O que aconteceu com o seu rosto? — Shun indagou, percebendo as escoriações e hematomas que ainda havia ali. Não que fossem muitos, um cavaleiro se curava numa velocidade inimaginável, mas havia algumas marcas.

— Uma briga de bêbados, ontem à noite – o russo sorriu de leve. — Estou bem, não se preocupe.

Shun era perspicaz demais para engolir aquilo— Angelo? — Ele sabia que Hyoga não ficaria machucado por uma simples briga de bêbado. — Ele bateu em você?

O loiro riu, ainda olhando o cortejo, um tanto envergonhado.

— Não foi nada. Já resolvemos as coisas. Ele é um idiota, mas te ama.

— Hyoga... Eu acho...

— Me ouça — o russo voltou-se para encarar os olhos de Shun. — Ele nunca faria o que fiz a você.

O cavaleiro mais jovem franziu a testa, confuso. O que estava havendo? Hyoga brigava com Angelo, tinha uma epifania e descobria aquilo?

—↨ Não estou entendendo, Hyoga...

— Você tem razão, Shun. Eu fugi, fui fraco e o magoei. Voltei aqui pensando que talvez pudesse resgatar algo, mas você me mostrou que era tolice — ele ergueu a mão e passou o polegar no rosto do mais novo. — Sabe, algumas características das nossas constelações estão tão vivas em nós que quase sentimos cada estrela no grande vazio do espaço... — a voz de Hyoga era calma e analítica.

— Ainda não entendo o que quer dizer.

— Estava pensando ontem sobre Máscara da morte... Depois de tudo... Um canceriano nunca deixa de amar, é o que dizem. Às vezes o sentimento se transforma, mas nunca abandona o coração. Por isso eles são rancorosos, presos ao passado... É algo que pode ter seu lado bom...

— E o que isso tem a ver com a gente?

O russo sorriu e encarou o olhar confuso de Shun.

— Ele nunca o deixará, Shun. Nunca será indiferente ou distante a ponto de magoá-lo. Ele sempre estará com você. Fica bem. Eu vou torcer por vocês — inclinou-se e beijou a testa de Andrômeda.

Shun fechou os olhos com força, enquanto Hyoga se erguia e afastava-se. Não disse nada. Deixou que ele fosse, sentindo uma emoção pesada no peito. Ele percebia o peso daquelas palavras e sabia que seu melhor amigo não voltaria. Era uma sensação estranha de alívio e também de pesar. Amava-o. Sempre amaria, pois Hyoga era antes de tudo seu amigo, seu irmão, e um grande homem.

Ergueu-se e sacudiu a roupa. Logo o ritual começaria e ele queria estar por perto. A cantoria se fez mais forte e então ele enxergou o cortejo do noivo descendo as escadarias e resolveu se unir a ele.

Aiolia estava ainda mais sério que o normal, deveria estar nervoso. O noivo vestia-se de lã tão fina que brilhava; na cabeça era utilizada uma coroa com folhas —fertilidade — e no corpo ele usava um óleo perfumado de mirra. Usava uma capa, onde fora bordada a face feroz de um leão — noivo, mas ainda o cavaleiro de ouro da quinta casa. Ele era acompanhando por outros cavaleiros, ouro, prata e alguns guarda que cantavam, querendo manter a tradição.

A noiva saiu acompanhada de suas damas, Marin usava um vestido bordado com pequenas pedras, que formavam o desenho esplendoroso e branco de uma águia, assim como a tiara que utilizava, evidenciando sua constelação protetora. As sandálias prateadas deixavam expostos os pés delicados e nenhuma máscara cobria mais o seu rosto, agora havia apenas o fino véu, do qual seria despida no momento certo.

Aiolia tomou-lhe o braço e a conduziu para o local do banquete. A festa apenas começava.

00**00

A alegria estava presente nos cânticos e nos risos. Afrodite andava com uma taça de vinho. Desfilava sua beleza quase divina sem se incomodar com os mortais que o olhavam com espanto. Para o povo da vila e até alguns guardas, sua beleza era chocante, mesmo despida do ouro da armadura, vestido na toga curta, e tendo as pernas musculosas cobertas pelas tiras da tiara. O povo esperava colossos como Aldebaran, Kanon e Aiolia, estavam preparados para a visão bela e atlética daqueles guerreiros, mas despreparados para a delicadeza feroz do cavaleiro de Peixes e, por isso, demonstravam espanto. Tanto espanto quanto sentiam ao ver o cavaleiro de virgem destoando de toda aquela massa festiva, vestindo sua kasaya laranja e tendo entre os dedos seu rosário. Andando de olhos fechados como se flutuasse em um mundo transcendental, bem distante do rito mundano do casamento. Não que ele fosse contra. Pensava que era um segmento do Karma e deveria ser respeitado, só não abandonaria seus preceitos por preceitos de outrem. Nunca se rendeu às tradições gregas.

— Mestre Shaka! — uma voz infantil chamou-lhe o nome, fazendo-o parar. Ao virar-se, percebeu três pequenos seres que tinham as mãos cheias de flores. — Podemos enfeitar seus cabelos?

Shaka entreabriu os lábios e pensou em negar e dizer que aquilo era no mínimo desrespeitoso, mas, nesse momento, Afrodite parou ao seu lado e deixou escapar seu risinho arrogante.

— Vamos lá. Isso não fará de você menos chato — ele disse, fazendo o indiano franzir a testa. Nunca se deram bem, desde a infância. Na maior parte do tempo se ignoravam apenas, mas às vezes, muito raramente, o cavaleiro de Peixes o provocava.

Shaka se agachou levemente, deixando que os pequenos prendessem as flores em seus cabelos, trançando os fios. Não fez aquilo pelo comentário provocador, mas porque não viu mal momentâneo em agradar aquelas crianças.

Afrodite sorriu de lado e ia se afastando quando foi impedido.

— O seu também, mestre Afrodite! — disse uma garotinha, fazendo-o parar. Shaka se ergueu, os cabelos trançados e enfeitados por delicadas flores de jasmim. Abriu os olhos e mirou o cavaleiro de Peixes.

— Vamos lá. Isso não fará de você menos presunçoso — disse, afastando-se tranquilamente, as mãos unidas segurando o rosário.

Afrodite suspirou e percebeu alguma movimentação na grande arena, local do banquete de comemoração do casamento. Era a deusa e o Grande Mestre que tomavam a palavra.

— Queridos cavaleiros, amazonas e cidadãos do Santuário, hoje estamos aqui para comemorar a união de dois queridos irmãos, amigos e leais cavaleiros. Aiolia e Marin se unirão em matrimônio como prova do amor e da abolição das antigas e desproporcionais leis marciais que há muito tempo imperavam entre nós. Que a união dos dois seja o símbolo de um novo tempo, um tempo em que o amor não mais precise ser escondido, um tempo de respeito mútuo entre todos os homens e mulheres que estejam sob a proteção de Athena e do Santuário.

A deusa foi aplaudida e nesse momento algumas servas saíram pelos portões da arena e começaram a jogar ervas, sementes torradas e incenso, ao redor; um ritual de prosperidade, amor e fertilidade. Algumas delas traziam coroas de romãs e flores. Tais coroas deveriam ser dadas àqueles que quisessem uma união duradoura como as dos noivos, e deveriam ser trocadas como alianças em uma espécie de prévia de noivado.

As sacerdotisas de Hera dançavam entre os presentes, oferecendo as coroas que eram dispensadas ou aceitas, e recebiam moedas de volta, como presentes, em seus cestos, doações para o templo.

Shun observava a festa, sentando um tanto distante. Sentia certa melancolia, embora estivesse achando tudo muito bonito, então apenas observava, tentando imaginar onde Angelo tinha se metido a manhã inteira.

— Olá.

— Olá de novo, Afrodite — ele respondeu, desanimado, ao cavaleiro que se sentou ao seu lado.

— Não o vi com o Máscara da Morte hoje. Por que estão tão distantes?

— Não sei. Angelo está distante. Parece que... que hesita em tudo — Shun sorriu levemente, meio sem jeito por estar conversando sobre aquilo com Afrodite.

O cavaleiro de ouro suspirou.

— Angelo tem problemas com rejeição. Ele hesita porque tem medo de estar enganado, tem medo de errar, mas isso só acontece com coisas que ele ama. A armadura e agora você. — Afrodite encarou os olhos de Shun. — Mas acho que ele já tomou uma decisão.

Peixes se ergueu. Shun o encarou e depois mirou o local para o qual ele olhava. Máscara da morte estava parado tendo as duas coroas de romãs e flores nas mãos, olhava-o. O cavaleiro de bronze sorriu e se ergueu, passando por Afrodite e se aproximando dele.

— Angelo, você...

— São como alianças. Cada coroa está decorada com fitas douradas. Simbolizam fertilidade, prosperidade e também uma união duradoura.

Shun observou os ramos trançados e decorados com a fita e as flores.

— Você tem certeza?

— Shun, eu nunca duvidei, eu só...

— Só?

— Eu precisava me encontrar. Precisava ter certeza de que... De que eu realmente havia mudado. Mudado pra você...

— E essa certeza foi quebrar a cara do Hyoga? — o mais novo perguntou, sorrindo, embora sua voz tivesse um leve tom de censura.

— Foi um erro. Me perdoe. Não vai acontecer novamente.

— Está tudo bem. Mas espero que tenhamos paz agora. Não suporto mais essa incerteza, Angelo. Você me quer ou não?  — encarou os olhos violeta, firme.

Máscara da Morte sorriu, tocando o queixo de Shun com carinho.

— É tudo que mais quero na vida, Piccoli. Io te amo...

Shun sorriu, antes de ter os lábios cobertos pelos dele. Estavam na arena, próximo a todos, e não sentiram nenhum receio daquele ato, finalmente, não sentiam mais medo de nada.

Houve olhares, exclamações, assovios, suspiros. Mas eles não ouviam e nem viam mais nada. Apenas sentiam toda enormidade do que guardavam dentro do peito.

Afrodite sorriu com o canto dos lábios e soltou um muxoxo antes de dizer:

— Não se tem mais respeito por aqui — e saiu, satisfeito por finalmente aqueles dois parecerem se entender. Agora era sua vez de se entender com alguém, já que parecia que isso seria uma regra do santuário dali para frente.

“Era tão mais fácil quando só precisávamos lutar. Isso de conviver é complicado demais para cavaleiros!”, pensou, jogando os cabelos para trás e seguindo em direção às doze casas, local onde sentia o cosmo do cavaleiro de gêmeos.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada a todos que leram, aos que comentam, aos que vierem a comentar.

Até o próximo!

Sion