Possible love escrita por Sion Neblina


Capítulo 16
Do fundo da minha alma


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores queridos, tudo bem?

Mais um capítulo. Obrigada a todos que continuam lendo e comentando. Peço desculpas se muitas vezes eu pareço apressada nas respostas às reviews, mas é que meu tempo é muito curto e se não respondo antes de postar, corro o risco de acumular e não responder nunca mais. Mas saibam que valorizo cada review e recomendação de vocês. Sinto imenso carinho por todos.

Bem, sem mais! Boa leitura!

Sion Neblina



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Do fundo da minha alma

Capitulo 16

Shun ficou estático. Inicialmente, não se sentiu inclinado a dizer mais nada, seus olhos encaravam o cavaleiro, mas pareciam não vê-lo. Seu coração batia desesperado no peito e seu estômago comprimia-se de maneira desconfortável. Havia esquecido completamente que com a chegada das panateneias as 88 armaduras precisavam estar no santuário, havia esquecido que seria obrigado a reencontrar Hyoga de Cisne, o homem que acabara com o que restara da sua vida há aproximadamente um ano. Vida que achou que seria capaz de resgatar com ele.

Onde estava Ikki para segurar sua mão agora como fizera daquela vez? Daquela vez que parecia tão distante? Onde estava Seiya para abraçá-lo e dizer que ficaria tudo bem? Onde estava Shiryu para simplesmente afagar seus cabelos e Saori para não conseguir conter as lágrimas? Naquele momento, o passado se fez vivo como ele já não esperava.

Mirou o outro com mais atenção, já que permanecia mudo; Hyoga estava mais alto e mais forte. Era um homem feito agora, completamente adulto, assim como ele, mesmo que seus traços e corpo anda continuassem suaves, bem diferente dele. Ele parecia tão mudado... Já não era o garoto por quem se apaixonara.

Na ausência de palavras do cavaleiro de Andrômeda, o cavaleiro de cisne pareceu desconfortável, deixou escapar um meio sorriso e passou a mão nos cabelos que estavam mais curtos também.

— Você parece muito bem, está mais alto, mais forte! — sorriu, dizendo do outro tudo que o outro pensava dele. — A Grécia te fez bem...

Shun engoliu em seco e tentou sorrir. Realmente estava mais alto, apesar de magro, ganhara músculos mais definidos, a pele estava corada e seus cabelos, ao contrário dos de Hyoga, estavam bem mais longos, chegando à cintura, e ele sempre os prendiam numa trança, durante os treinamentos.

— Você também. Shun disse e deixou de olhá-lo. Dirigiu-se aos aspirantes, que ainda estavam ali, e os dispensou; solicitando que estivessem prontos para a festa do dia seguinte.

Os meninos afastaram-se satisfeitos com vários “tchau, mestre Shun” e sorrisos. Hyoga observava tudo aquilo com certo interesse, mas distanciamento. Era uma das características dele que Shun mais admirava; sua capacidade de não se envolver rapidamente em questões emocionais. Por várias vezes, fora ele quem evitara que os outros cavaleiros de bronze entrassem em atrito, fazendo simplesmente uma observação lúcida e clara, mas que os outros, com os ânimos inflamados, eram incapazes de perceber. Andrômeda apaixonara-se por essa personalidade enigmática, centrada e ao mesmo tempo tão calorosa. Todavia, seu amor fora desprezado, incompreendido e descartado. Algo descartável; era como se sentia em relação a Cisne.

“Por que meu coração está batendo tão alto?” Shun indagou-se. Não esperava sentir aquilo, achou que já estivesse recuperado. Várias vezes pensou em como seria aquele encontro e em nenhum momento ponderou que ficaria como agora: com cara de pateta e pernas bambas! Hyoga estava ainda mais bonito do que ele se lembrava, mais másculo, mais maduro...

“Não, Shun, não! Você não pode reparar nessas coisas! Isso já não tem nenhuma importância!” Balançou a cabeça, negando ainda que o outro tivesse tanto impacto em si e sentindo-se leviano. O que Angelo pensaria se pudesse ler seus pensamentos? Era tão estúpido!

— Bom vê-lo, Hyoga — ele sorriu, perturbado, tentando disfarçar. — Preciso ir agora...

— Shun, espere... — a mão forte do russo se fechou em seu braço e isso pareceu fazer tudo ao redor congelar como vítima de um golpe do cavaleiro de gelo. Andrômeda foi incapaz de encará-lo, ficando na mesma posição enquanto ele continuava: — Preciso conversar com você. Muito. Podemos nos encontrar amanhã? Depois das Panateneias?

— Por que, Hyoga? — indagou, baixando a cabeça, a franja cobrindo seus olhos — Acho que não há mais nada a falar... Já faz tanto tempo...

— Não faz tanto tempo pra mim — Cisne disse de forma dolorida. — Ainda me sinto culpado por suas lágrimas...

— Pois não se sinta — Shun disse rápido e voltou-se para encará-lo. Seus olhos estavam úmidos, mas cheios de determinação. — Tudo que aconteceu foi exatamente como tinha que acontecer e não guardo mágoas — desvencilhou-se da mão que o prendia e seguiu seu caminho em direção às doze casas; o coração disparado, o estômago tão apertado que sentia ânsia de vômito, mas precisava prosseguir. Não estagnaria naquele momento ruim do passado, aquele momento revivido com a volta do seu antigo amante. Não. Passado. Apenas isso. Havia Angelo em seu presente...

Sorriu ao se lembrar do namorado. Ele não merecia seus medos, sua ansiedade, ele não merecia que sequer notasse Hyoga, embora soubesse que isso era impossível. Hyoga foi seu primeiro amor, foi muito importante em sua vida. O verbo apenas precisava continuar como estava; no passado.

Atravessou as primeiras casas e chegou ao templo de câncer, indo diretamente para o banheiro tomar um banho, livrar-se do suor e da poeira do dia quente. Naquela noite, o santuário estaria agitado com todos os cavaleiros presentes, mas Shun queria somente a calmaria. Estava perturbado com aquele encontro, não podia negar, mas não queria pensar em Hyoga. Acabou se recordando que nem mesmo tinha dado resposta a ele sobre conversarem. O que havia para ser conversado? Quis conversar quando ele partiu, e ele simplesmente fez o que achava certo. Que direito tinha de querer conversar agora?

Saiu do boxe e puxou uma toalha verde, começando a secar-se. Mirou-se no espelho e sorriu para sua própria imagem. Não era mais um garotinho, era um homem, um homem jovem com uma aparência delicada, mas já com suas marcas. Foi para o quarto, vestiu-se, penteou-se, perfumou-se, e ficou esperando o namorado. Seu homem. O único.

O passado que continuasse dormindo.

00**00

A movimentação no santuário era muita, pois não apenas os cavaleiros, mas também civis das cidades, próximas chegavam para a festa, muitos deles com oferendas à deusa. Saori, apesar de já familiarizada com sua condição, ainda se surpreendia algumas vezes e voltava a ser a adolescente, diante de tanta reverência à sua condição. Entretanto isso acontecia com cada vez menos frequência; a deusa da sabedoria submergia a jovem Kido na maior parte do tempo, desde que esta assumiu seu lugar no santuário.

Os cavaleiros de ouro estavam recolhidos às suas casas para aprontarem-se para o grande evento. Deveriam estar ao lado da deusa, todos eles, em seus trajes solenes, assim como os cavaleiros de prata e de bronze, que fariam uma fila mais à frente, representando com perfeição a elite bélica de Athena e demonstrando todo seu poder para os visitantes do Reino dos mares e do Hades.

Um clima de apreensão tomava conta da tropa com a chegada dos ilustres visitantes. Era a primeira vez que Hades e Poseidon estariam numa festa dedicada a outro deus. Os cavaleiros desconfiavam das intenções das duas divindades, Athena não. Achava natural que com a trégua firmada tais situações acontecessem. Hades possuía um novo hospedeiro para transitar pela terra quando bem quisesse, embora isso não parecesse interessar muito ao imperador do submundo, assim como Poseidon pouco reivindicava Julian Solo.

Apesar da apreensão dos soldados mais desconfiados, o clima era pacífico e agradável no grande santuário grego.

Shaka abriu os olhos e a luminosidade da tarde o obrigou a fechá-los novamente. Seu cosmo estava latente, controlado, e por isso não havia perigo em abri-los depois de tantos dias de meditação. Ergueu-se devagar, sentindo os músculos reclamarem pelo excesso de tempo numa única postura; apesar de tudo, seu corpo era humano. Esticou os braços e depois se pôs de pé. Precisava de um banho.

Saiu do jardim e rumou para sua casa, enchendo a banheira com a água quente, deixando que seu corpo absorvesse o calor que o vapor espalhava pelo cômodo. Despiu-se e mergulhou na água, provendo-se de esponja e sabonete, esfregando o corpo com sofreguidão, limpando-se, sentindo-se revigorado; a mente novamente equilibrada, depois de descer às instâncias mais profundas do inferno. Finalmente era capaz de entender, chegar ao supremo entendimento.

O cavaleiro de virgem terminou seu banho, escovou os dentes, penteou os cabelos, enfim, fez tudo que as pessoas normalmente fazem quando acordam de um descanso merecido. Vestiu-se com um Kurta branco de seda, bordado na gola e nos punhos com detalhes azuis, e resolveu buscar algo para comer enquanto ainda fosse cedo. A casa estava impecável como sempre, os servos não negligenciariam a limpeza, sabendo que cedo ou tarde o mestre retornaria. Contudo, não havia comida pronta, ele teria que providenciar algo.

Deixou o quarto e, ao passar pela sala, sentiu um cosmo poderoso vindo do jardim em sua direção. Aiolia parou quando estava a alguns passos dele, não sorriu, pelo contrário, estava terrivelmente sério, quase zangado.

— Enfim terminou a palhaçada — ele disse com a insolência que somente o cavaleiro de Leão conseguia ter.

— Palhaçada? — Shaka sorriu com o canto dos lábios e balançou a cabeça, seguindo para a cozinha, estava com fome.

Aiolia o seguiu, aproximando-se mais.

— Claro que sim. Será que nunca pode meditar sem se colocar em perigo, Virgem? Olhe pra você!, está parecendo uma caveira de tão magro, mais de um mês meditando está fora de cogitação! E eu só não parei com aquela palhaçada porque o Mestre disse...

— Que poderia me matar, eu sei — Shaka continuou calmo, sem nenhuma mostra de perturbação com as palavras do amigo.

Aiolia bufou, puxou uma cadeira e sentou-se enquanto o indiano mexia na geladeira.

— Espero que ao menos tenha dado algum resultado.

— Como assim?

O líder da tropa riu de leve.

— Tem que admitir que andava meio psicótico. Nunca o vi assim...

As palavras de Aiolia demonstravam que ele queria dizer algo mais, porém não tinha coragem; então esperava que o cavaleiro de virgem lesse as entrelinhas. O asceta pensou que se Aiolia dizia aquilo era porque todos os cavaleiros, o Grande Mestre e Athena, perceberam sua perturbação. Sentiu-se um tanto mal com isso, mas não quis dar vazão ao orgulho naquele momento. Não adiantava mais negar para si; não adiantaria negar para os outros.

— Mas isso acabou — Shaka disse, tirando alguns legumes da geladeira, prepararia uma sopa. — Estou bem, Aiolia.

— Ótimo! — os olhos verdes do leonino encararam os azuis do virginiano por um longo tempo — Olha só, Shaka... — começou hesitante — Amanhã acontecerá algo muito importante e sabe..., eu quero que você esteja bem pra isso, quero vê-lo lá, entendeu? É importante.

Shaka franziu as sobrancelhas, confuso.

— Do que está falando, Aiolia?

O leonino sorriu, coçando os cabelos rebeldes meio sem jeito, parecia ser ainda mais jovem naquele momento.

— É que...

E ele foi contando o que aconteceria, enquanto o cavaleiro de virgem simplesmente prestava atenção, um tanto surpreendido, mas não achou absurdo. Já era tempo de algumas coisas mudarem no santuário de Athena.

00**00

Fazia mais de um mês que havia deixado aquele lugar, e durante esse tempo esteve em muitos locais, mas ainda se sentia um forasteiro em todos. Talvez o único local que tivesse mesmo como lar fosse a velha Ilha Canhão e o ninho da fênix que lá havia construído.

As condições em que havia deixado o Santuário fizeram com que permanecesse longe por mais tempo do que de fato gostaria. Precisava expurgar alguns fantasmas, fantasmas novos, adquiridos ali, fantasmas de mágoas geradas por novos sentimentos inconfessáveis e cruéis. Suspirou enquanto avançava pela escadaria, levando a arca da armadura de fênix nas costas. Sentia-se revigorado pelo tempo no vulcão, mas não só o corpo, a mente também. Talvez, finalmente estivesse se curando das muitas feridas que carregava.

Adentrou o templo de virgem, sentindo o cosmo do seu guardião dentro da casa, acompanhado por outro cosmo tão poderoso quanto. Ikki franziu as sobrancelhas espessas, deixou a armadura no grande salão e rumou para dentro da casa do seu ex-mestre, sem fazer cerimônias.

Shaka e Aiolia ainda conversavam na cozinha, e ambos já haviam notado o cosmo do cavaleiro de bronze. Aiolia sorriu com o canto dos lábios quando Ikki apareceu com cara de poucos amigos.

— Seja bem vindo, Fênix — ele disse, erguendo-se da cadeira onde estava para deixar o templo do indiano. — Parece que todos resolveram voltar hoje — completou com um olhar insinuante para Shaka, que continuava com sua expressão de paisagem no rosto, antes de deixar o lugar, passando pelo cavaleiro mais novo, sem nenhuma expressão extra de cordialidade.

Ikki encarou Shaka por um tempo. Tinha muitas coisas a falar, mas naquele momento, e depois de encontrar Aiolia ali, a única coisa que conseguiu foi dar vazão ao seu gênio ciumento e perguntar:

— O que ele estava fazendo aqui?

Shaka não respondeu por um longo tempo, permanecendo com a mesma expressão de paisagem, enquanto era confrontado pelo cavaleiro mais jovem.

— Seja bem-vindo, cavaleiro de Fênix — foi o que ele disse depois de todo aquele silêncio e ajuntou, um tanto sarcástico: — Pensei que depois de tanto tempo fora do santuário seus modos melhorariam, mas vejo que falhei mais do que tinha ideia como mestre.

— Ah, não vamos começar com esse papo! — dessa vez, Ikki bufou e soltou um muxoxo, parecendo realmente um garoto de 20 anos, algo que era bem raro naquele cavaleiro — Sério, louro, eu tô cansado disso!

— Disso o quê? — Shaka indagou, suprimindo um sorriso e voltando a se concentrar nos legumes que distribuía sobre uma tábua de madeira, tencionando cortá-los para a sopa.

— De você me tratar assim... — as palavras foram resmungos e ele fez um gesto de mão como alguém que desiste de conversar — Posso ficar aqui esses dias?

Shaka observou o outro rapaz por um longo tempo como sempre fazia e, como sempre, deixou Ikki um tanto exasperado.

— Por que voltou? — ele indagou, e Ikki franziu as sobrancelhas, estranhando aquela pergunta descontextualizada.

— Por que Aiolia estava aqui? — interrogou novamente, porque assim fugia de responder o que não queria.

— Aiolia é um cavaleiro de ouro e tem autorização de ir e vir dentro do santuário, fora isso...

— Fora isso?

— Ele é meu amigo.

Ikki já possuía aquela informação, embora admitisse não gostar nada dela. Shaka era um dos cavaleiros mais reservados dos que conhecia um pouco melhor. Possuía um humor ácido e arredio, embora fosse muito calmo e paciente. Era o chamado antissocial, mas não de forma misantropa, era mais como se ele fosse um sábio eremita que não gostasse de compartilhar a humanidade com os outros. Preferia ficar observando de sua caverna, aprendendo, para ser útil sempre que necessário. Por isso, Ikki sempre estranhou aquela amizade com Aiolia, mesmo que reconhecesse que, assim como ele, o Leão não fosse de pedir permissão para nada; ele simplesmente arrombava portas, e deveria ter sido assim também em relação a Shaka. Reconhecer isso, todavia, não aplacava seu desconforto quanto àquela amizade.

— Amigo... — Fênix resmungou, e Shaka esforçou-se para não rir do seu becinho enfezado de menino.

— Seu quarto continua limpo, pode ficar o tempo que quiser. Quer me ajudar a fazer o jantar? — mudou de assunto.

Ikki se ergueu da cadeira e aproximou-se do outro, olhando-o de perto, o que fez Shaka também encarar seus olhos. O cavaleiro de bronze sorriu, lembrando-se de algo totalmente aleatório ao que foi ali falar. Shaka franziu a testa, estranhando aquele sorriso.

— O que foi?

— Percebi que agora sou mais alto que você.

— Hã?

— Mais alto.

— Por Buda, você não tem mais 15 anos, Ikki! Óbvio que cresceu...

— Shaka... — seu nome, chamado de forma suave, fez o indiano interromper-se. Ikki agora estava ainda mais perto dele e isso lhe causava um sobressalto interno, depois de tudo que havia acontecido entre os dois e que, graças aos deuses!, o cavaleiro de bronze não se recordava.

O loiro engoliu em seco e encarou os olhos índigos, apreensivo. Mas Ikki pareceu desistir do que diria, todavia, não recuou, ergueu a mão e tocou o rosto do outro, parecendo procurar algo bastante importante no semblante dele.

— Ikki... — Shaka protestou, desviando o olhar, mas não conseguindo manter a fleuma. Chegou mesmo a afastar-se de leve, incomodado com aquele contato.

— Não finja que não sabe o que sinto por você... — e só os deuses saberiam o quanto o coração do cavaleiro de bronze disparava no peito ao dar vazão àquelas palavras tão profundamente escondidas dentro de si. Não era fácil se confessar, nunca foi. Sempre preferiu viver com todos os seus sentimentos trancados e amordaçados dentro de si, dentro da sua inviolável solidão; cultuada solidão que o fazia avesso à invasões sentimentais. Tentou trancar todas as emoções contraditórias, para não se perder. Assim, trancafiou o amor por Esmeralda, assim trancafiou por anos o amor por seu irmão e amigos. Depois de tudo, deixara sair um pouco das afeições que achava seguras: seu amor por Shun e pelos amigos; todo o resto continuou trancado num recôndito escuro da sua alma.

Shaka de virgem, todavia, não era uma afeição esperada, até porque se sentia um tanto anestesiado para novas afeições. Não era que não gostasse dos companheiros de armas. Sim, gostava e sentiria a morte de qualquer um deles, e os vingaria, caso algum caísse em combate, mas... era diferente. Não esperava as emoções vividas ao lado do cavaleiro de virgem. Não esperava gostar tanto do seu semblante sempre sério e distante e sonhar com seu raro sorriso. Shaka o invadiu e com toda a suavidade que tinha, mesmo sendo tão seco, muitas vezes, simplesmente liquefez as trancas do quarto escuro onde o cavaleiro de bronze guardava seus sentimentos mais profundos. Sem nenhum esforço, aquele homem invadiu seu castelo sombrio e acendeu um candelabro.

Depois disso, como dizem, é história. Já estava preso ao sentimento mais contraditório da sua vida e, dessa vez, ao contrário de tudo que já havia acontecido, ele tinha vontade de viver esse sentimento, de tentar... Embora fosse o sentimento mais impossível já vivido também. Shaka era um asceta, Shaka era um deus, um deus confinado num corpo mortal, mas ainda assim um deus. Não havia chance, ao menos ele achava que não havia chance até que...

— Ikki, acho melhor você ir dormir — o cavaleiro de virgem levou a mão ao ombro do cavaleiro de bronze, afastando-o delicadamente e indo para o outro lado da mesa. Seria cômico em outra ocasião ver um cavaleiro de ouro fugindo desse jeito, mas naquele momento, era desolador para Fênix. Ikki sentiu-se tão profundamente rejeitado que foi tomado por uma raiva sem limites e seu cosmo explodiu.

— Porra, você ouviu o que eu disse?! — ele gritou, fazendo Shaka fechar os olhos, como defesa. Sim, ele havia passado 32 dias em meditação profunda para ir das estâncias superiores às inferiores da existência e finalmente entender seus próprios sentimentos. Mas ainda não estava preparado para aquilo. Não, não estava. A dúvida novamente tomava o discípulo de Buda e ele precisou fechar os olhos para buscar o equilíbrio ou faria uma grande bobagem mais uma vez. Contudo, sabia que não poderia continuar fugindo, já conseguia entender o que sentia e compreendia que isso independia de quem era. Abriu os olhos e sorriu de leve para o outro cavaleiro.

— Ouvi sim. Só não consigo responder agora, preciso pensar — confessou. — Há muitas coisas em questão além de uma simples resposta, Fênix.

Ikki, que havia adquirido uma postura mais tensa, relaxou os ombros com aquelas palavras.

— Você tem até o final das Panateneias, louro — disse, lançando um olhar enviesado ao outro, antes de deixar a cozinha.

Shaka respirou fundo, aliviado por ele haver desistido, voltando para o preparo de sua sopa, ainda estava com fome.

00**00

A noite caiu com um céu cravado de estrela, era uma homenagem dos deuses à deusa da sabedoria. Máscara da morte, exausto depois de um dia inteiro de trabalho burocrático ao lado de Shura e Aiolia, coisa que parecia cansar mais que o trabalho de guerreiro, adentrou seu templo.

Embora sentisse o cosmo de Shun na casa, não o viu, e foi direto para o banheiro tomar um banho que relaxasse seus músculos e sua mente levemente irritada. Saiu alguns minutos depois e vestiu-se, indo atrás do namorado, passando pelo centro do templo e mirando a caixa da armadura defronte ao trono. Engoliu em seco, o dia seguinte seria o grande dia, e seu coração estava especialmente receoso. E se acontecesse novamente? E se simplesmente não conseguisse?

— Vai dar tudo certo sim — a voz de Shun o surpreendeu. O garoto se aproximou dele com um sorriso e uma rosa vermelha nas mãos.

— Oi... — Câncer disse sem jeito — Onde estava?

— Na escada lateral, olhando a noite que está muito bonita, não quer olhar as estrelas comigo?

— Quero sim, mas depois de comer alguma coisa, estou morrendo de fome, piccoli — ele riu, levemente incomodado. — O que é isso? Andou visitando a casa de peixes? — brincou, referindo-se à flor na mão do amado.

— Não! — Shun riu, aproximando-se mais dele. O salão principal era iluminado apenas por archotes, o que deixava-os numa acolhedora penumbra. — É do jardim próximo à escada lateral, trouxe pra você — ele aproximou-se do namorado e colocou a rosa entre seus cabelos, fazendo Angelo rir.

— Acho que fica mais bonita nos seus cabelos, bambino — recolheu a flor e aspirou seu perfume — ou podemos colocá-la num vaso.

Shun assentiu com a cabeça e segurou a mão do namorado, entrando novamente na casa.

— Tem medo de vestir a armadura, Angelo? — Andrômeda foi direto. Era uma característica sua, em algumas questões, que Máscara da morte começava a habituar-se.

— Não seria medo. Tenho receio de que não dê certo, de que ela se recuse...Bem, que se recuse novamente...

— Isso não vai acontecer. Athena o aceitou de volta, a armadura com certeza o aceitou também.

Angelo gostaria de acreditar naquilo, mas não tinha certeza. Já ouvira o mesmo de Athena, mais ainda sentia-se inseguro em relação à própria armadura. Fora rejeitado uma vez e, mesmo que o motivo tenha sido ele abraçar o mal e que tenha expurgado essa maldade destruindo-se contra o Muro das lamentações, no fundo de sua alma, ainda se considerava indigno de ser um cavaleiro de Athena. Acreditava que a armadura o aceitara naquele momento por simples necessidade, a destruição dos muros das lamentações, e não por um perdão real das suas condutas malignas. Angelo, o Máscara da morte de câncer, o cavaleiro de ouro, possuía como maior fraqueza a incapacidade de perdoar seus próprios erros. Nem mesmo a deusa fora capaz de convencê-lo verdadeiramente de que ele era outra vez um cavaleiro de ouro e não um espectro perdido numa pós-vida estranha e imerecida. Não conseguia perdoar-se e, muitas vezes, tinha vontade de partir do santuário, de deixar que alguém mais íntegro assumisse a armadura de câncer. Talvez sua armadura quisesse o mesmo.

Isso tudo, entretanto, o cavaleiro de ouro guardava para si. Não aborreceria seu garoto. Shun se preocupava demais e não o queria triste. Melhor respirar fundo e tentar fingir que estava tudo bem, que era o homem forte, destemido e impiedoso que todos conheciam; Máscara da morte de câncer.

Jantaram, esquecendo temporariamente aquele assunto, era como o Angelo queria. Shun não quis falar sobre seu encontro com Hyoga. Não se sentia preparado, simplesmente porque pensar no ex-amante ainda o confundia e não queria que Angelo percebesse essa inquietação. Recriminava-se por o cavaleiro de Cisne ainda ter algum efeito sobre si, mas não era algo que pudesse controlar, talvez com o tempo, acabasse acostumando-se com a presença dele e aquela sensação de “borboletas no estômago” acabasse se dissipando.

Então, naquela noite, ambos decidiram em tácito acordo, a não compartilhar dramas profundos. Preferiram os beijos, o carinho, o riso fácil que camuflava as dores. Alimentaram-se do amor que sentiam e deixaram os problemas para o dia seguinte, quando seria inevitável o confronto.

00**00

Fazia dias que os cavaleiros de ouro não tinham tempo para pensar nos próprios dramas e isso não era diferente com Afrodite. Todavia, não era apenas a movimentação intensa com a chegada das Panateneias que deixava um clima estranho no santuário. O defensor do 12º templo percebia que Athena e o Grande mestre estavam inquietos, excitados com algo que mantinham em segredo. Era provável que os demais não tenham notado, ah, isso sempre acontecia; mas naquele momento, essa ignorância o intrigava. Até porque era ele o mais próximo à deusa nos últimos dias, já que estava encarregado de ajudá-la com alguns processos aos quais Athena, que deveria estar além de qualquer trabalho, insistiu em ajudar. Queria entender o que acontecia, a curiosidade o incomodava e a razão,ao mesmo tempo dizia que não era de sua conta.

Apesar do dia quente, a noite estava fresca, e Afrodite, do seu jardim, mirava a escadaria que o levaria até gêmeos. Deveria? Não. Não. O que andava fazendo era loucura, não era digno de um cavaleiro comum, muito menos dele. Por que não conseguia ignorá-lo? Por que sentia aquela necessidade de estar perto dele, de sucumbir ao seu corpo forte, a seu hálito, ao sabor de sua boca? Mantivera-se casto por tanto tempo para isso? Para simplesmente sucumbir à luxúria de um cavaleiro indigno?

No fundo de sua alma, uma voz que tentava não ouvir, dizia a Afrodite que Kanon era um cavaleiro digno, forte e íntegro. Que assim como ele, o geminiano fora purificado no Hades e estava apto a ser um santo guerreiro de Athena. Entretanto, ele tentava abafar essa voz com todas as afirmações pejorativas possíveis em relação ao outro. Tentava se proteger; proteger-se de algo ao qual... já estava rendido.

Athena e o Grande mestre autorizaram. Por que não?

Passou as mãos nos cabelos volumosos e encaminhou-se para seu quarto, mas parou no meio do caminho ao sentir o cosmo que se aproximava. Seu coração bateu forte no peito e ele foi até o salão principal, encontrando o cavaleiro de gêmeos.

Kanon vestia uma toga curta, semelhante a que Afrodite usava, e seu olhar era receoso, embora ele tentasse mostrar determinação.

— Senti que estava acordado — ele disse.

Afrodite franziu as sobrancelhas. Ele nunca tinha ido antes à sua casa. Nunca havia o procurado até aquele momento. Será que pensava o mesmo que ele?

— Por que veio? — foi direto enquanto Kanon se aproximava, ficando a alguns centímetros do cavaleiro de Peixes.

— Por que eu não viria?

O sueco bufou, nervoso.

— Kanon, eu não suporto seus joguinhos — reclamou, impaciente.

O cavaleiro de gêmeos sorriu, sentindo o coração aquecer. Rompeu a distância que havia entre os dois e levou a mão à cintura do cavaleiro de peixes.

Afrodite ergueu o queixo para encarar os olhos do outro, pois Kanon era alguns centímetros mais alto que ele. Queria um beijo, precisava de um beijo, mas esperaria o que ele tinha a dizer.

— Bom.

— Bom? — Peixes estava realmente ficando nervoso com aquelas palavras inconclusivas e se afastaria, caso o outro não o puxasse para mais perto.

— Me chamou de Kanon, isso é bom — sorriu o cavaleiro mais velho e o sorriso dele era tão lindo que o mais novo esforçou-se a não corresponder.

— Eu não...

— Nunca me chamou por meu nome — ele não permitiu que Afrodite continuasse. — Acho que avançamos aqui, não?

Afrodite acabou sorrindo com o canto dos lábios, antes de puxar o outro pela nuca e beijá-lo, matando sua vontade. Kanon o enlaçou pela cintura, aprofundando o beijo, que era lento, cuidadoso, buscando conhecer, acariciar, demonstrar muito mais do que a relação foi até aquele momento. Separaram-se alguns minutos depois, buscando ar. Gêmeos riu de leve e beijou os cabelos cheirosos de Peixes; uma carícia singela que fez Afrodite fechar os olhos e o abraçar mais forte.

Talvez nenhum deles fosse bom com palavras e declarações, mas entendiam que o relacionamento passava a outro nível naquele momento. Talvez o decreto de Athena os deixasse mais livres e por isso aquela estranha relação, de ofensas, dúvidas e uma atração física inegável, ganhasse uma chance de evoluir para algo novo, alcançando o patamar de romance, finalmente.

— Vamos? — Kanon segurou a mão de Afrodite, convidando. E Peixes o levou para o seu quarto.

00**00

A madrugada avançava, mas Máscara da morte não conseguia dormir. No centro do salão, ele mirava a armadura dourada que reluzia à luz dos archotes. Não havia como evitar; o dia seguinte seria decisivo para a relação que desenvolvia com aquele ser inerte no meio do salão. Inerte, mas vivo e pulsante, e por que não dizer... pensante?

Aquele mesmo ser que agora repousava no meio do seu salão, todavia, o abandonara uma vez. Uma vez, quando seus propósitos tornaram-se indignos, embora ele achasse que fossem dignos. A paz no mundo valeria o sacrifício de alguns e a crueldade cega, era o que ele pensou no passado.

“Dizem que a armadura só aceitam como cavaleiros aqueles que possuem um grande coração. Apenas força não faz de ninguém um cavaleiro de Athena.” As palavras de Shion ditas quando ele deveria contar apenas uns oito ou nove anos, e também não acreditava ser possível defender à deusa, seguiam vivas em sua memória. Ele não podia defender a deusa. Não ele, um menino das ruas da Sicília, que já havia roubado e matado, muito antes de saber qualquer coisa relativa à honra e lealdade. Mas Shion o escolheu, segundo o Grande Mestre, a deusa o havia escolhido mesmo antes de ele nascer. Shion o acolheu e ao final... Ele aliou-se ao homem que o havia assassinado.

Passou as mãos pelo rosto e mirou em direção à entrada interna da casa. Pensou em Shun, que dormia placidamente em sua cama. Não o merecia. Não merecia estar ali entre os cavaleiros. A verdade era que nunca possuiu um coração de cavaleiro.

Voltou para o quarto; Shun ainda dormia e, assim, suas feições tornavam-se ainda mais infantis.

“Perdoe-me, Piccoli, Io não consigo...” murmurou e deu-lhe um delicado beijo na testa. Depois voltou para o centro do salão, pegou a urna da armadura, pondo-a nas costas e saiu... Enquanto o dia clareava.

Saori abriu os olhos ao pressentir o cosmo do cavaleiro de ouro se afastando rapidamente em direção a...

— Angelo... — ela murmurou, sentindo imediatamente a dor e a dúvida do seu santo guerreiro. Levou a mão ao peito e fechou os olhos num clamor íntimo e depois, descansada, voltou a fechar os olhos e adormecer.


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Notas finais do capítulo

Gente, e esse Hyoga supersexy mexendo o Shunzinho todo desse jeito? E o Shaka percebendo que a meditação não resolve tudo? (hahaha adoro!) e o Afrodite parando de fazer cu doce? Sabe o que isso tem? cheiro de final hehehehehhe ESTÁ PERTO!!!

E FINALMENTE: PRA ONDE ESSE ITALIANO MALUCO FOI???

Beijos no coração de tdos que passaram por aqui!

Postado em 23.07.2015

Sion Neblina