Amor De Gato escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 8
Encontro marcado




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– Ajudar gatos de abrigo? Mas você já não tem cinco gatos dentro de casa para cuidar?

– Eles estão bem cuidados, pai. Aqueles gatinhos precisam de muita ajuda. Ah, deixa, vai!!! – ela fez aqueles olhos brilhantes e fofos, que derretiam o coração de qualquer um.

– Olha, se fosse aqui perto de casa, tudo bem. Só que você vai ter que pegar ônibus para ir e voltar.

– Não precisa ser todos os dias. Pode tipo ser umas duas ou três vezes por semana.

– Sei não, você ainda tem seus estudos. Não quero que seja prejudicada na escola só para cuidar de gatos.

– Ah, mãe, você não tem pena deles, tadinhos!

– Tenho sim, filha, mas precisamos pensar em você primeiro.

Não adiantou argumentar. Seus pais não queriam que sua filha ficasse andando de ônibus todos os dias para ir a um lugar afastado e voltar tarde para casa. No entanto, eles deixaram claro que se ela encontrasse outra alternativa, eles iam pensar no caso.

***

– Eles não deixaram? Que pena...

– Pois é. Agora eu vou ter que pensar em outra coisa.

– Amanhã vamos conversar com os meninos. O Cebola pode ter alguma boa idéia.

– Nossa, essa coisa de mediar a relação entre humanos e gatos vai dar trabalho, viu?

– No que a gente puder ajudar, a gente ajuda. Quem disse que você precisa fazer tudo sozinha?

– Valeu, Mô. Acho que vou precisar de ajuda mesmo.

Elas conversaram mais um pouco e Magali desligou o telefone, sentindo-se mais calma. Com isso ela pode ter mais cabeça para estudar um pouco antes de dormir. Naquele dia ela não tinha prestado nenhuma atenção às aulas e era preciso se esforçar para tirar boas notas e mostrar aos seus pais que ajudar os gatos não ia atrapalhar seus estudos.

***

O guarda corria silenciosamente pelas ruas desertas. Aquele bairro costumava ser tranqüilo e depois de certa hora, quase não havia movimento nas ruas. Mesmo que houvesse, ele era especialista em passar desapercebido. Afinal, ele era um gato.

Ele não precisou correr muito para avistar a casa da humana a quem ele tinha que buscar. As ordens do rei foram bem específicas.

– Vá até onde a humana mora e traga-a para cá. Meu filho, o príncipe, quer vê-la.

– Eu devo usar de força, majestade?

– Não. Trate-a bem e seja gentil. Diga que meu filho precisa vê-la imediatamente e se ela não quiser vir, não insista. – aquilo era uma forma de saber se ela também se importava com Felicius. – isso será suficiente.

– Sim senhor.

Pelos seus cálculos, os moradores da casa já deviam ter se recolhido. Humanos não eram seres noturnos. Seria chato fazê-la acordar para acompanhá-lo. Paciência. Fazer isso de dia seria mais trabalhoso.

***



Depois de estudar, ela resolveu ler algumas revistas para ver se conseguia ficar com sono. Havia certo medo de dormir e ter outro sonho maluco.

– Que foi, está sem sono?

– Estou. Acho que vou custar a dormir.

– Você precisa dormir, amanhã tem aula. Coisa chata ter que ir para a escola todos os dias. Os gatos não precisam disso.

– É, mas os humanos precisam. Por isso eu tenho que estudar bastante para meus pais não terem motivos para reclamar.

– Só que você também não pode exagerar. Relaxa, tente não levar tudo muito a sério.

***

A maioria das janelas da casa estava com as luzes apagadas, exceto pelo quarto dela. Se ela estivesse acordada, seria mais fácil para ele. Sem fazer nenhum barulho, ele entrou na casa por uma janela que tinha ficado aberta. Tão fácil que nem teve graça.

A casa estava escura, indicando que os moradores já tinham se recolhido. Somente a luz que vinha do quarto da humana estava acesa.

***

– Hum... – o gato ficou em alerta, com o olhar perdido.

– Que foi, Mingau?

– Tem um homem-gato dentro de casa.

O coração dela disparou na mesma hora e suas mãos começaram a suar. O que ele estaria fazendo em sua casa naquela hora? Estaria ali para raptá-la outra vez? O que fazer?

Ela pensou em gritar, pular a janela para fugir, esconder debaixo da cama e no fim continuou parada no mesmo lugar. Embora não pudesse ouvir os passos dele, ela sentiu que ele estava no corredor, indo em direção ao seu quarto. Talvez trancar a porta? Não ia fazer diferença. Aquilo só o atrasaria por alguns segundos e nada mais.

Não demorou muito e a figura grande e imponente do guarda apareceu diante dos seus olhos. Seu corpo tremia como vara verde e ela mal conseguia respirar, quanto mais perguntar o que estava acontecendo.

Mingau olhava o guarda atentamente, com sua cauda balançando de maneira nervosa. Se aquele sujeito tentasse algo contra Magali...

– Não precisa ter medo, humana. Eu venho em paz.

– Em paz? Sério? – seu corpo foi parando de tremer aos poucos. Pensando bem, se ele quisesse pegá-la, já teria feito.

– Eu preciso que venha comigo. O príncipe precisa vê-la com urgência.

– O Felicius? Ele quer me ver?

– Sim. Agora mesmo.

– Ele está com problemas?

– Saberá quando chegarmos ao palácio. Apresse-se.

– Tá bom, deixa só eu trocar de roupa.

– Eu espero.

Ela ficou olhado para o guarda durante alguns segundos e nada dele se mexer.

– Então?

– Tipo assim, eu não posso trocar de roupa com você aí me olhando, né?

– Esperarei lá fora. Não demore.

O guarda saiu pela janela e imediatamente ela fechou as cortinas.

– Você vai mesmo com ele?

– Eu preciso. O Felicius deve estar com algum problema.

A idéia de poder ver seu amigo novamente fez com que ela se apressasse para trocar de roupa. Nada muito complicado. Uma calça jeans, uma blusa de manga comprida e com vários corações na parte da frente e um par de tênis. Ela não quis demorar muito para escolher as roupas com medo de o guarda invadir o quarto, pegá-la usando somente calcinha e sutiã e levá-la desse jeito para o Reino dos Gatos. Como seus cabelos ainda estavam presos, ela não se preocupou com eles.

– Esperem aqui, volto assim que puder, viu?

– Cuidado.

– Pode deixar.

Sair pela porta da frente ou dos fundos podia ser arriscado. Se um dos seus pais acordasse, ia ser um problemão explicar que ela tinha de sair para ir a um reino de gatos. Assim ela pulou a janela tomando cuidado para não fazer nenhum barulho. O guarda estava em pé no meio do jardim lhe esperando.

– A gente já pode ir.

Sem dizer nada, ele a pegou, colocou sobre um ombro e saiu correndo.

– Ai, que é isso?

– Temos que andar depressa.

Que situação! Ainda bem que ela não tinha colocado minissaia ou um vestido curto. Teria sido muito mais constrangedor. O guarda corria muito rápido, dando grandes saltos e em pouco tempo tinham chegado ao muro do terreno baldio, que era a entrada para o reino dos gatos.

Para seu espanto, ela viu o reino imediatamente, diferente da ultima vez em que foi preciso que o guarda fizesse o local visível para eles entrarem. Então ela também podia ver coisas ocultas pela magia felina!

***

– Já foram buscá-la?

– Sim. Eu enviei um emissário para trazê-la até aqui. Eles já devem estar a caminho.

– Como eu estou?

– Não se preocupe com isso agora. Você está doente e ela terá que entender isso.

Seu pai estava certo. Considerando seu estado de saúde, não dava para esperar que sua aparência estivesse muito boa. Ainda assim ele queria ficar o mais apresentável possível. Ele havia mandado os criados escovarem seu pelo, colocou roupas limpas também mandou que arrumassem bem seu quarto para recebê-la. Como ela ia reagir ao vê-lo depois de tanto tempo?

– Eles estão demorando, meu pai. E se ela não vir?

– Significa então que ela não se importa com você. Sendo assim, não valerá a pena continuar desperdiçando seu afeto com essa humana.

Ele ficou em silêncio. Pelo pouco que ele conhecia dela, era claro que ela não deixaria de ir vê-lo.

***

O lugar parecia do mesmo jeito que ela se lembrava, embora a atmosfera ali parecesse meio carregada. Algo errado estava acontecendo ali, embora ela não soubesse dizer o que era. Mais tarde perguntaria ao Felicius.

O tempo transcorrido desde que eles entraram na cidade até alcançarem o palácio pareceu uma eternidade para ela. Os outros guardas os deixaram passar sem nenhuma pergunta. Já sabiam que a presença da humana tinha sido requisitada pelo rei.

Finalmente eles chegaram ao local que parecia ser o quarto de Felicius. Um guarda vigiava do lado de fora.

– Avise ao rei que a humana está aqui, conforme ele ordenou.

O outro entrou imediatamente e anunciou após fazer uma reverencia ao rei.

– Majestade, alteza, a humana está aqui.

– Finalmente! – os olhos do jovem brilharam. – o que está esperando? Faça-a entrar!

– Senhor?

– Faça a humana entrar, guarda. – o rei confirmou a ordem.

Ele abriu a porta e ela logo entrou, hesitante. Não fosse sua fraqueza, ele teria saltado da cama, corrido até ela e lhe dado um grande abraço.

– Magali! Você veio!

– Felicius? O que aconteceu com você? - Apesar de um tanto inibida por causa da presença do rei, ela correu para o lado da cama onde ele estava.

– Ah, Magali! Há quanto tempo! – ele falou segurando suas mãos e fazendo-a sentar-se na beirada da cama.

– Minha nossa, o que houve? Você está doente?

– Não se preocupe, eu vou ficar bem. Só queria te ver.

– Mesmo?

O rei tentou manter sua melhor pose de durão, mas não pode deixar de ficar comovido com o reencontro dos dois. Pelo jeito que a humana tinha ficado emocionada, ele acabou acreditando que ela se importava com seu filho. Talvez aquele encontro ajude a recuperar a saúde dele e pensando nisso, ele resolveu se retirar para deixá-los mais a vontade.

– Ei, por que está chorando? – ele perguntou, risonho, enxugando uma lagrima que corria dos olhos dela com um dedo.

– Porque eu estou feliz, né? E você? – também havia lagrimas nos olhos dele, embora ele tentasse disfarçar.

– Eu também. Há tempos queria te ver novamente.

– E por que não me procurou?

O rosto dele entristeceu um pouco e ela entendeu que ele não a tinha procurado por causa do pai.

– Bom, mas agora tudo mudou e ele disse que não se importa mais se nós nos vermos. Você poderá vir aqui sempre que quiser.

– Mesmo? Nossa, que bom! Tanta coisa aconteceu que você nem imagina!

– Por que não me conta? Eu vou adorar saber! – de repente, o corpo dele tremeu e uma tosse muito forte saiu do seu peito, deixando-a preocupada.

– Felicius? Precisa de alguma coisa? Quer que eu chame alguém?

– Não, está tudo bem...

Apesar dos esforços do rapaz, as coisas não estavam nada bem para ele e as tosses aumentaram a ponto de começar a sair respingos de sangue da sua boca. Ele estava muito mais doente do que ela imaginava.

– Eu vou chamar o seu pai, não demoro.

– Por favor, não! Se fizer isso, ele fará com que você saia do quarto!

– Você precisa de cuidados médicos agora!

– Isso vai passar.

Mas não passou e pareceu até piorar, deixando-a angustiada. Se ela ao menos pudesse ajudá-lo... espere! Ela podia ajudar sim! Quer dizer, ele era um felino, não era? E Wyn havia lhe dito que ela podia curar qualquer felino. Aquilo podia funcionar, tinha que funcionar.

– Calma, eu vou te ajudar.

– Como?

– Relaxe, tudo vai ficar bem.

Ela colocou as mãos sobre seu peito e concentrou-se da melhor forma que pode, com todas as suas forças.

– O que você está fazendo? Magali, isso em sua testa é...

Antes que ele terminasse a frase, os olhos de gato em sua testa brilharam e uma luz verde saiu das suas mãos, espalhando sobre seu corpo. Não demorou muito e as dores do seu peito cessaram, suas forças começaram a voltar e ele podia respirar sem nenhum problema. Ele se sentia forte, cheio de energia e como se nunca tivesse estado doente.

– Estou curado? Eu estou curado! Céus, não acredito!

Ele saiu da cama e começou a pular e a dar cambalhotas pelo quarto, enquanto ela assistia e dava risadas.

***

– O que está acontecendo lá dentro? – o rei perguntou ao ouvir a gritaria que vinha do quarto e resolveu entrar imediatamente imaginando que aquela moça estava aprontando algo com seu filho.

Ao entrar no quarto e ver seu filho de pé, saltando e pulando como um filhote de gato o deixou totalmente atônito e sem palavras.

– Felicius? O que pensa que está fazendo?

– Eu estou curado, meu pai! Veja! – ele respirou bem fundo, mostrando que seu nariz estava desentupido. – viu? Totalmente curado!

O queixo do seu pai caiu na hora. Olhando melhor, ele viu que o príncipe estava em boa forma, olhos e pelos brilhantes, cheio de energia e disposição. Como aquilo era possível sendo que até alguns minutos atrás, ele estava em um estado quase moribundo?

A humana estava sentada na beirada da cama, olhando tudo em siêencio. Por acaso ela teria algo a ver com isso?

– Alguém pode me explicar o que está acontecendo? Eu quero respostas já!

– Eu posso explicar, majestade... – ela falou timidamente.

– Então comece.

– Meu pai, ela acabou de me curar! Isso não basta? – por que seu pai tinha que ser tão cabeça dura?

O rei tentou acalmar-se um pouco. Seu filho estava curado e por enquanto, era aquilo que importava. O resto viria depois. Ele olhou novamente para o rosto da moça e então percebeu que havia algo muito diferente nela.

– O que é isso em sua testa? Deixe-me ver... os olhos de gato? Você recebeu os olhos de gato? Como?

– Isso foi há pouco tempo, senhor.

Felicius voltou a sentar-se do seu lado e segurou sua mão para lhe dar coragem. Enfrentar seu pai não era nada fácil e ele não queria que ela pensasse que estava sozinha.

Ela começou hesitante e aos poucos foi se sentindo mais segura. O melhor era não ocultar nenhum detalhe e ela contou a eles sobre o sonho que tivera, o teste e tudo o que aconteceu depois, desde poder falar com gatos até ser capaz de curar um.

O povo gato conhecia aquela entidade. De vez em quando ela escolhia um humano para representá-la na terra. Eles sabiam que aquilo era muito raro porque ela não escolhia qualquer pessoa. Nisso ela era muito exigente e não abria mão de nada. Seus testes eram sempre muito difíceis e tinham como objetivo testar o amor da pessoa pelos gatos. O rei ficou impressionado com a coragem da moça a ponto de proteger um gato com o próprio corpo, mesmo sendo queimada com óleo quente.

– Agora tudo faz sentido. Sim, sim... – ele foi falando enquanto segurava seus bigodes de gato com os dedos. Pensando bem, ela já tinha mostrado se importar muito com os gatos ao ajudar Felicius. E também mostrou que humanos podiam ser como gatos ao vencer os desafios. Então não era exatamente uma grande surpresa a intermediadora escolhê-la para aquela missão.

Será que ela teria condições para ajudar o restante do povo gato? Eram muitos os doentes, um grande número de pessoas. O problema era deixar seu orgulho de lado e lhe pedir ajuda. Era muita humilhação ter que depender de uma humana, embora ela não fosse uma qualquer.

– Felicius, quando eu entrei nesse reino, percebi que alguma coisa estava errada.

– E está. Uma epidemia muito grave está tomando conta do nosso povo e muitos já morreram por causa dessa doença. Por pouco eu não entro nas estatísticas.

– Que doença? É algum tipo de gripe?

– Algo assim. Nossos médicos e cientistas não conseguem encontrar a cura para isso. Se você não tivesse usado seu poder de cura eu...

– Ai, nem fale uma coisa dessas!

Ele apertou um pouco a mão dela. Era tão bom saber que ela se importava!

O rei lançou para o filho um olhar, querendo dizer algo e o jovem entendeu. Seu pai era muito orgulhoso para pedir aquilo, então cabia a ele tomar a iniciativa.

– Magali... eu estou muito grato por você ter me curado, mas ainda estou muito preocupado com o meu povo.

– Eu entendo. Muitas pessoas estão sofrendo, não é?

– Sim.

– Então pode contar com a minha ajuda. O que eu puder fazer, farei.

“Interessante... ela aceitou ajudar com muita facilidade.” O rei pensou com seus bigodes. Ele esperava que ela hesitasse, negasse a ajudar ou só fizesse tal coisa em troca de algum tipo de recompensa. A lenda estava certa. A intermediadora só dava os olhos de gato para quem os merecesse de verdade.

Já que estava ali, ela resolveu ajudar quantas pessoas pudesse. Seus pais geralmente não acordavam no meio da noite e quando acontecia, não tinham o costume de ir até seu quarto. Pelo menos era o que ela esperava. Talvez não houvesse problemas em ficar mais algum tempo. Era por uma boa causa.

Enquanto ela esteve ali, Felicius não saiu do seu lado, apesar do receio que seu pai tinha de ele ficar entre os doentes e ser contaminado novamente. Ele ainda não sabia se a cura proporcionada pela humana também conferia algum tipo de imunidade. Mas falar era inútil, só lhe restava esperar pelo melhor.

Ainda assim ele não pode deixar de ficar espantado em encontrar tanta compaixão e generosidade em um ser humano.


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