Amor De Gato escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 7
Toque de Luz




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Ela juntou em uma sacola alguns cobertores velhos e brinquedos que seus gatos não se interessavam mais. Junto, ela também tinha colocado um pacote de ração, apesar dos protestos do Mingau. Seu pai ia reclamar no fim do mês pelo desfalque, mas era por uma boa causa. Ela não podia ir para a Ame um Gato de mãos vazias.

- Não chegue muito tarde, viu?

- Pode deixar, mãe. Beijo, já vou!

Ao chegar à casa da Mônica, ela já lhe esperava em frente ao portão.

- Pronta?

- Pronta. E essas coisas aí?

- Estou levando para os gatinhos de lá. Melhor a gente correr, senão perde o ônibus.

O lugar era muito longe para elas irem a pé. De ônibus levaria poucos minutos, dependendo do transito. E em dia de semana, era meio difícil conseguir lugar para sentar. Ainda bem que a Mônica estava com ela para ajudar a carregar a sacola.

A sede do Ame um Gatinho era uma casa grande, embora não luxuosa. Havia uma grande placa com o logotipo da instituição e a porta da frente ficava constantemente aberta para receber os visitantes. Todos eram bem vindos.

- Hã... oi... a gente veio, er, trazer umas coisas e também...

- Ah, olá. Não se acanhem, podem ir entrando. – uma mulher simpática as atendeu.

- Não é muita coisa, mas acho que pode servir para os seus gatinhos.

- Qualquer ajuda é bem vinda. Podem olhar a vontade e também abraçar nossos lindinhos.

Foi engraçado ver a expressão da Magali diante de tantos gatos. Havia gatos no sofá, sobre as mesas, uns dormiam, outros brincavam com brinquedos e arranhadores e muitos apenas andavam por aí livremente.

- Ai, Mô! Olha quanto gatinho fofo!

- São mesmo uns amores. – embora preferisse coelhos, ela não pode deixar de ficar encantada com tantos gatos lindos. Havia gatos de todas as cores, tipos e idades.

À medida que elas andavam entre os gatos, todos eles olhavam diretamente para a Magali. Assim como aqueles gatos do pet shop, alguns acenavam, vários miavam e muitos outros se aproximaram dela querendo colo. Uma coisa ela tinha que admitir: havia algo estranho com sua amiga que atraia os gatos.

- Oi, vocês vieram ver os gatos?

- Sim. Eu adoro gatinhos e sempre tive vontade de conhecer esse lugar. Nossa, tem gato pra todo lado!

- Todos foram tirados das ruas e estão esperando por um bom lar. Você tem gatos?

- Tenho cinco lá em casa. Se meu pai não fosse alérgico, teria mais. Você deve ser a Ângela, né? Eu sou Magali e essa é minha amiga Mônica.

- Prazer. Eu cuido dos gatos junto com meus pais e mais alguns amigos que servem como voluntários. Oh, não pega nesse aí não que ele é bravo que só vendo! – ela alertou ao ver que Mônica ia se aproximar de um dos gatos mais bravos do local.

- Que pena... ele é tão bonito!

- O que ele tem de bonito, tem de bravo. Parece até uma onça! Ninguém consegue passar a mão na cabeça dele. O nome dele é Ranzinza.

- Que nome sugestivo!

O gato olhava para as humanas, assumindo uma postura defensiva, quando percebeu que na testa de uma delas tinha os olhos de gato. Talvez aquela ali pudesse ser confiável

- Ei, fofo, por que você é tão bravo? – Magali falou se aproximando lentamente. – ninguém aqui quer te fazer mal não...

- Sei não... humanos não são confiáveis e sempre penso que alguém vai me bater ou maltratar.

- Já fizeram isso antes?

- Sim. Comigo e com meus irmãos.

- Que triste...

Ângela viu, sem acreditar, que Magali podia fazer carinho naquele gato sem nenhum problema. Perto dela, ele parecia um gatinho fofo de família. Ele até lhe deixava coçar a barriga!

- Gente, eu estou vendo, mas não acredito! Parece que ele gostou de você!

- Bem, digamos que eu sei como falar com os gatos. – falou dando uma piscadela para Mônica.

- É... dá para ver.

- Olha, fofo, por que não dá mais uma chance para as pessoas?

- Uma chance?

- Sabe, você ainda pode encontrar uma boa família que te dê amor e carinho. Por que não tenta? Viver assim, jogado, sem ninguém para fazer cafuné é muito ruim.

- Agora que você falou, até que é bom ter alguém para coçar minha barriga...

- Se você deixar, vai ter sempre alguém para te fazer carinho.

Mesmo sendo uma amante dos gatos e também ter o habito de conversar com eles, Ângela não pode deixar de achar estranho aquela moça conversando com o gato daquele jeito. Pelo visto ele parecia estar entendendo.

- Por que você não tenta fazer carinho nele agora?

- Tem certeza?

- Tenho sim. Claro que vai levar algum tempo até ele aprender a confiar totalmente, mas com paciência e bastante carinho, ele vai conseguir.

Mesmo desconfiada, a jovem começou a passar a mão na cabeça do gato que para sua surpresa não rosnou. Ao ver que ele não reagia, ela começou a passar a mão ao longo do corpo dele e até coçou sua barriga. Seus pais não iam acreditar naquilo.

- Nossaaaa! Você tem jeito com gatos, heim? Ele está aqui a um tempão e ninguém podia pegar nele. Você só ficou uns minutos e olha como ele mudou!

- Gatos podem mudar, é só ter paciência com eles.

Aquilo até que estava bom, mas elas ainda precisavam encontrar um gato que estivesse necessitando de algum tratamento.

- E aquela sala ali?

- Ali é onde ficam os gatinhos machucados ou doentes.

- São muitos?

- Um monte, viu? Tem muita gente ruim pelo mundo afora. É cada caso que aparece, dá até vontade de chorar. Vem que eu mostro para vocês.

Ângela tinha razão. O estado de alguns gatos era tão deplorável que Magali não conteve as lagrimas. Mônica era mais durona e ainda assim teve que se esforçar para não chorar.

- Como uma pessoa pode fazer isso com eles, quanta judiação!

- Nem me fale. São casos de atropelamento, ataque de cães, alguns são envenenados, outros sofrem maus tratos dos donos... olha essa aqui. Eu não sei o que fizeram, mas a pata dela está tão ruim que é bem capaz de precisar amputar.

Elas chegaram perto de uma gata branca com manchas pretas, que estava deitada em um cesto. Sua pata estava toda enfaixada e elas puderam ver o quanto a pobrezinha estava judiada. Se elas queriam um gato para ajudar, já tinham um. Bastava arrumar uma forma de distrair Ângela para que Magali pudesse tentar alguma coisa.

Felizmente, elas tiveram ajuda. Como que obedecendo a um comando invisível, um grupo de gatos começou a miar na sala, fazendo uma espécie de coral felino. Aquilo fez Ângela tremer e suar de medo.

- Ai, o que deu nesses gatos?

- Vai ver estão assustados com alguma coisa.

- Esperem aqui que eu vou lá ver.

Ela saiu dali correndo, deixando Mônica e Magali sozinhas por uns instantes.

- Beleza, Magá. Agora é a sua deixa.

- Eu só não sei como fazer isso...

- E essa agora! A tal Gatolina não falou que depende do poder da sua vontade? Então deseje curar a gata e pronto. Anda logo que daqui a pouco a Ângela volta.

- Apenas toque em mim e concentre-se um pouco. – a gata instruiu. 

Magali seguiu o que a gata disse, tocando-a levemente com as duas mãos e se concentrou um pouco, desejando curá-la. Mônica, que estava prestando atenção aos seus movimentos, percebeu que algo brilhou na testa dela e uma espécie de luz verde brilhante saiu das suas mãos envolvendo o corpo da gata. Foi tudo rápido, durou somente alguns segundos e a gata ficou totalmente curada.

Alguns ferimentos que ela tinha pelo corpo desapareceram e sua pata ficou boa.

- Você me curou, nossa! Obrigada! – ela agradeceu ficando de pé.

- De nada. Agora fica quietinha, tá? Assim eles só vão ver quando trocarem seu curativo.

- Vamos ver a Ângela. Parece que ela ficou muito assustada quando os gatos começaram a miar.

Elas foram até a sala e viram e a moça parecia assustada, olhando para os lados. Pelo menos os gatos tinham parado de miar feito loucos.

- Está tudo bem?

- Sim, acho que não foi nada não... ai, quando os gatos começam a miar muito e a rosnar, eu fico com um pouco de medo. Vocês devem achar bobagem, né?

- Não, eu não acho. Houve uma noite em que meu gato ficou miando e rosnando muito e aparentemente não tinha nada no meu quarto.

- E depois, aconteceu alguma coisa? – ela perguntou, cuidadosamente.

- Acho que aconteceu comigo o mesmo que aconteceu com você e um monte de gente.

Elas sentaram-se um pouco, já que Ângela mal conseguia se equilibrar nas duas pernas.

- Então não foi sonho.

- Não. Aconteceu comigo e com a Mônica também.

- É verdade. Eles entraram no meu quarto e me levaram até aquela cidade cheia de homens-gatos.

- Nossa... eu até cheguei a pensar que fosse um pesadelo... então não foi?

Elas continuaram conversando sobre o que tinha acontecido naquela noite e Ângela falou sobre seu medo de não poder voltar para casa a tempo de alimentar alguns filhotes que estavam sob seus cuidados.

Aquele lugar era também a casa de Ângela e seus pais. Eles moravam no andar de cima e os gatos ficavam no andar de baixo. Naquela noite ela estava sozinha e de repente os gatos começaram a rosnar e a miar feito loucos, deixando-a assustada. Foi quando um homem enorme vestindo uma máscara com orelhas de gato e uma capa longa e preta apareceu, colocou uma espécie de coleira em seu pescoço e saiu lhe arrastando pela rua.

Ao chegar naquele lugar estranho, ela tinha sido forçada a caçar ratos por um tempo até todos serem libertados. Então ela pode voltar para casa e alimentar seus filhotes. Ela nunca chegou a comentar aquilo com os pais. Ninguém ia acreditar mesmo. Foi a primeira vez que ela encontrou alguém que teve a mesma experiência. E também foi bom poder falar sobre aquilo com alguém.

***

- Que foi? Você está tão pensativa...

- Estou pensando nos outros gatinhos que também estavam precisando de cuidados. eu só ajudei uma única gata.

- Não dava para você fazer nada com a Ângela ali perto. Acho que quanto menos pessoas souberem, melhor.

- Isso é verdade, só que eu queria tanto poder ajudar aqueles gatos...

- Você pode trabalhar ali como voluntária de vez em quando. A Ângela falou que eles sempre precisam de ajuda.

- Vou fazer isso. Ah, e quando a gente vai falar para os meninos?

- Amanhã. Agora a gente tem que voltar para casa, senão levamos bronca.

- Acha que vão acreditar?

- Ai deles se não acreditarem! – elas deram uma risada. Mônica era mesmo incorrigível.

***

- E então? – o rei perguntou, aflito. Seu filho tinha piorado muito e a qualquer momento ele esperava ouvir a notícia da sua morte.

- Ele está muito mal, senhor. E agora está delirando.

- Delirando?

- Sim, ele não para de falar coisas enquanto dorme...

O rei entrou no quarto, ignorando as recomendações do médico. Felicius estava deitado na cama, aparentemente desacordado. Após alguns minutos de silencio, ele começou a balbuciar alguma coisa.

- M-Magali...

“Então é isso... ele está chamando pela humana...” ele pensou, exasperado. Nem mesmo à beira da morte seu filho esquecia aquela garota! Aquilo era de partir seu coração.

- Filho, vamos, resista.

Ao ouvir a voz do pai, ele abriu os olhos com dificuldade.

- Pai...

- Você estava falando o nome daquela humana...

- Magali...

- Ela mesma. Seja sincero, você gosta mesmo dela, não é?
- Muito...

- Estou vendo.

- Mas eu nunca mais poderei vê-la novamente...

- É isso que lhe aflige?

- Sim...

A situação estava começando a ficar desesperadora para ele.

- Pai... eu acho que não vou agüentar muito.

- Não diga bobagens. Você é meu filho e tem a minha força.

- Minha força acabou.

- Já disse para não falar bobagens.

- Estou falando a verdade, meu pai. Eu só queria pedir uma ultima coisa...

- Uma ultima coisa? Isso não existe. Você vai superar essa doença e se curar! – ele se recusava a deixar seu filho desistir da sua vida. Aquilo era inaceitável.

- Eu quero ver a Magali...

- A humana? Quer que eu traga a humana para nosso reino?

- Ela não é uma humana qualquer, meu pai. E eu só quero vê-la mais uma vez, só mais uma vez.

Ele deu um longo suspiro. Situações desesperadas exigiam medidas desesperadas. Se ele tivesse que fazer aquilo para que seu filho melhorasse, então ele faria sem pestanejar e sem reclamar.

- Filho, por que não fazemos um trato?

- Que trato?

- Se você ficar bom, eu permitirei que você veja essa moça humana quando e quanto quiser.

- Está falando sério?

- Como rei do povo gato, eu dou a minha palavra. Se você for curado dessa doença, se sobreviver, eu permitirei que essa moça venha ao nosso reino sempre que ela quiser e você... bem... poderá...

- Eu poderei ficar com ela?

- Er.. sim, sim... – aquilo ainda lhe era desagradável. Seu filho com uma garota humana? O mundo estava mesmo perdido! – se você sarar, estará livre para ficar com ela.

- Então eu irei sarar. Mas ainda assim, por favor...

- Está certo, farei isso. Essa noite enviarei um emissário para trazê-la ao nosso reino para te ver. Se isso te fizer melhorar, mandarei trazê-la aqui outras vezes.

Não fosse a sua fraqueza, ele teria saltado da cama e dado cambalhotas de alegria. Então havia uma esperança? Se fosse assim, então ele ia lutar com todas as suas forças para vencer aquela doença.

- O senhor está falando sério? – o medico quis saber depois que eles saíram do quarto.

- Sim. A recuperação do meu filho é mais importante do que tudo. Além do mais, aquela moça não é tão asquerosa quanto os outros humanos. Pelo menos demonstrou compaixão quando viu meu filho em dificuldades. Enviarei um emissário hoje à noite, quando todos estiverem dormindo, e ela virá visitar Felicius.


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