Amor De Gato escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 5
Alma felina




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Ela não se lembrava daquela rua. Mesmo conhecendo bem o seu bairro, aquele local era totalmente desconhecido. E que lugar feio! As ruas eram tortas, estreitas e pareciam ser de terra batida. Nem asfalto tinha ali! E aquelas casas toscas? Eram umas casas que pareciam ser tortas, pequenas e não se via nenhuma luz em seu interior. Tudo estava escuro e também não havia postes de luz naquele lugar. Como ela tinha ido parar ali?


– Ai, credo, como eu saio daqui? – aquele lugar parecia um labirinto. Ela saia de uma rua e acabava em outra tão feia quanto a anterior. Se ao menos houvesse uma alma viva para lhe dar alguma informação!


Pensando bem, considerando o aspecto do lugar, talvez nem fosse bom esbarrar com alguém ali. E se fosse algum mau elemento? Após uma procura rápida, ela viu que estava sem seu celular. Sem chances de ligar para seus pais. Como ela foi esquecer o celular? Onde ela o esqueceu? Era pouco provável que ela fosse encontrar algum orelhão por ali. Se bem que ela não fazia a menor idéia de onde estava. Como dar aos seus pais instruções para ir buscá-la? Pelo visto, ela teria que sair daquela sozinha, para variar.


– Seu gato maldito, toma! – um grito de homem ecoou no ar, fazendo-a ficar em alerta. – você vai ver só uma coisa, seu desgraçado!


O miado de um gato se fez ouvir e Magali apertou o passo, tentando descobrir de onde vinham aqueles gritos. O que aquele maluco estava fazendo?


Ao entrar em um beco, ela ouviu os gritos novamente, seguidos de palavrões, barulhos de pancadas e miados desesperados de um gato sendo espancado. Era preciso fazer alguma coisa e ela ia fazer com certeza.


De tanto correr, ela acabou parando em uma rua sem saída e viu um homem enorme, grotesco e mal vestido acuando um gato no fim do beco. Era um gato amarelo... aquele gato amarelo que ela tinha visto no refeitório da escola? Como? O gato estava jogado no chão e parecia com dificuldades para se levantar. E o que era aquilo que o homem segurava? Parecia uma espécie de lata com algo fumegando dentro. Aquele maníaco ia jogar água quente no pobre do gato? Só por cima do seu cadáver!


– Ei, você! Pára com isso! – ela gritou para o sujeito, a plenos pulmões. – ficou louco?


O homem grunhiu alguma coisa sobre ela não se meter onde não era chamada e o gato encolheu-se mais ainda. Criando coragem, ela passou por ele e pegou o gato no colo. Ele parecia muito machucado, dava miados agonizantes e precisava de socorro imediato.


– Seu doido, você machucou o gato!

– Sai daí senão você vai ver só uma coisa!


Ela o encarou e ficou assustada com o seu aspecto. Aquilo era mesmo humano? Só se for alguém dos tempos das cavernas.

– Deixa o coitado em paz, o que ele te fez?


O homem não respondeu e fez um gesto de que ia jogar o conteúdo da lata em cima dos dois. Ela tentou sair dali correndo, mas o local parecia mais apertado do que antes e não havia saída. O corpo grande do homem bloqueava qualquer rota de fuga. Se o gato ao menos pudesse correr, ela ainda poderia distrair o sujeito, só que o felino estava muito machucado e mal se mexia.


– Sai daí agora!

– Não saio não, você não pode fazer isso com ele! – gritou, se encolhendo e tentando proteger o gato com o seu corpo. Que loucura! Aquele homem estava prestes a jogar água quente nos dois! Apesar disso, ela não pretendia sair dali sem o gato.

– Esse gato é meu, faço o que eu quiser com ele.

– Você não tem direito de fazer isso com nenhum ser vivo!

– Estou te avisando, sai agora!


O homem ergueu a lata e ela virou-se de costas para ele, tentando proteger o gato e também a si mesma. Algo muito quente atingiu suas costas e um grito de dor saiu da sua garganta. Pelo cheiro, ela pode ver que aquilo não era água, era óleo! Aquele louco tinha jogado óleo quente em suas costas?


Sua pele ardia muito e ela sentia bolhas se formando. Lagrimas corriam dos seus olhos e ela rangia os dentes por causa da dor.


– Quem mandou ficar no meio do caminho? Agora vai apanhar os dois! – ele gritou levantando um pedaço de pau.


Aquilo foi demais. Se aquele brucutu pensava que ela ia apanhar quieta, ele estava muito enganado! Mesmo não tendo a força da Mônica, ainda assim ela era capaz de encarar uma boa briga se o motivo fosse bom o suficiente.


Sem dizer mais nada, ela levantou-se e tentou investir contra o homem batendo nele usando o braço e o ombro, enquanto envolvia o gato tentando protegê-lo. Foi um golpe corporal fraco, mas suficiente para desestabilizar um pouco o neandertal. O homem cambaleou e acabou abrindo passagem para que ela saísse correndo. Correr era apenas forma de falar já que os ferimentos causados pelo óleo quente doíam demais para que ela conseguisse correr mais rápido. Aquilo com certeza ia deixar marcas.


Para seu azar, ele não parecia disposto a desistir do gato e correu em sua direção sacudindo o pedaço de pau.


– Deixe esse gato aí e vai embora! Ele é meu!

– Vai embora você! Deixa a gente em paz, não está satisfeito com o que fez?


Ele ergueu o pedaço de pau, que era grande e grosso e preparou-se para dar um golpe nela. Suas pernas pareciam feitas de chumbo e ela não conseguia se mover. Aquilo era uma loucura. Ainda assim, Magali não soltou o gato. Se fizesse isso, o pobrezinho não ia ter nenhuma chance. Ela encolheu-se o máximo que pode e esperou pelo golpe, que não demoraria a vir.


– Bem, acho que agora já chega. – ela ouviu uma voz de mulher e uma brisa suave soprou sobre seu corpo.


As dores cessaram na hora, o óleo que cobria seu corpo desapareceu e o chão que estava sob ela pareceu ter se dissolvido. Ela olhou ao redor, muito assustada e viu que toda a paisagem ao seu redor estava se desmanchando, sendo substituída por um grande espaço branco e vazio. O espaço não era totalmente branco, já que alguns suaves flashes coloridos de luzes apareciam aqui e ali.


Uma mulher foi se materializando na sua frente, fazendo-a arregalar os olhos. Não era uma mulher comum. Era uma mulher gato? Ela era parecida com as mulheres que ela tinha visto no Reino dos gatos, mas sua pelagem era totalmente branca, parecida com a do mingau. Ela tinha uma longa cauda, que balançava no ar de forma displicente e usava um vestido que parecia uma espécie de casaco de pele, também branco. Somente seus olhos verdes e brilhantes se destacavam no meio de toda aquela brancura.


– Você já pode me soltar agora, menina. – o gato falou, mostrando que estava vivo e muito bem. – obrigado por ter se importado em me defender, foi muita valentia da sua parte.

– Como é que é?

– Parabéns, você passou no teste! – a mulher falou alegremente, saudando a moça com um abraço.

– Teste, que teste? O que está havendo aqui?

– Ai... humanos são tão lentos... vamos começar do inicio: meu nome é Wyn e sou uma espécie de entidade responsável pela ligação entre humanos e felinos. E esse aqui é Melyn, meu amigo e conselheiro.

– Você é uma fada-gato?

– Er... se isso facilita sua compreensão, pode-se dizer que sim. Mas vou logo avisando que não transformo abóboras em carruagens e não dou sapatos de cristal para ninguém. Aliás, como alguém conseguiria usar aquelas coisas duras e desajeitadas? Os humanos têm cada uma... bem, isso não vem ao caso. Eu não dou essas coisas, mas vou te dar algo muito melhor como prêmio por ter passado no teste.

– Olha, tudo está confuso demais para mim! Que teste é esse? Por que você estava me testando?

– Hum... você pelo menos entendeu a parte em que digo ser a “fada” que liga os humanos aos gatos?

– Sim... acho que sim.

– Bom. Vamos para frente. Eu sou encarregada de manter humanos e gatos em harmonia. De vez em quando, escolho um humano muito especial para me representar na terra e ajudar a unir humanos e felinos. Vou logo avisando que eu não escolho qualquer boboca, isso não! A pessoa tem que se mostrar muito digna e para isso eu faço testes como esse, que são muito difíceis.

– Jogar olho fervente nas pessoas faz parte do teste?

– Na verdade não... para ser sincera, eu não esperava que você fosse proteger o gato com o seu próprio corpo. Normalmente as pessoas tentam afastar o agressor ou coisa parecida. Você deve amar os gatos com muita intensidade para fazer esse tipo de coisa!

– Isso é verdade. Não sei como alguém teria coragem para maltratar esses fofuchos.

– Nem eu. Vai entender os humanos... pois então: você passou no teste e agora será a minha representante na terra. Sua missão será harmonizar a relação entre gatos e humanos, que anda meio desequilibrada ultimamente.

– Nossa! Parece muita responsabilidade... será que você não escolheu a pessoa errada?

– Deixa eu ver... por acaso você não é aquela garota que foi até o Reino dos Gatos e conseguiu convencer aquele cabeça dura do rei a lhe dar uma chance de salvar seus amigos?

– Sim, mas...

– E também conseguiu vencer os desafios que surgiram à sua frente apesar das tentativas de trapaças daqueles gatos?

– ...

– Ué, então não tem engano nenhum. É você mesma quem eu procuro.

– E você quer que eu... harmonize a relação entre gatos e humanos? Como eu vou fazer isso? Acha mesmo que eu tenho capacidade para uma responsabilidade dessas?

– Ô garota de pouca fé! Acha que eu teria escolhido uma pamonha molenga para uma missão dessas?

– Ela tem razão. – o gato entrou na conversa. – No seu lugar, eu confiava em sua capacidade de julgamento. Não se preocupe. Apesar das aparências, Wyn não é uma avoada cabeça de vento. Ela sabe o que faz.

– Nhé, obrigada seu bobão!

– De nada. Agora continue e tente não confundir mais ainda a cabeça da moça.

– Eu já estou confusa.

– Então deixe que EU explico. Você fala demais e diz pouca coisa.


A mulher mostrou a língua para o gato e ficou calada para que ele tentasse explicar a situação para aquela moça.


– Sabe, menina, muitas pessoas tem afinidades com os gatos, mas existem umas poucas (muito poucas) que tem uma parte felina em sua alma. É o seu caso. É essa parte felina que servirá de ponte entre os dois mundos.

– Alma felina? Nunca ouvi falar disso...

– Pois existe.

– E por que ela não pode fazer isso?

– Porque ela não pode atuar no mundo material. É preciso que um humano faça isso.

– Olha, não é má vontade minha não, tá? Acontece que eu não sei como fazer isso!

– Por acaso você sabia como ia superar aqueles desafios?

– Não...

– E ainda assim conseguiu vencer, não foi?

– Foi...

– Pois bem. Nesse caso, será a mesma coisa. Com o tempo você saberá o que fazer. Não subestime sua capacidade, criança. Você pode mais do que pensa.

– E agora tem a melhor parte! Deixa eu falar, deixa! – a gata disparou batendo palmas.

– Mesmo que eu não deixe, você fala do mesmo jeito. Vá lá, pode dizer a ela.

– E qual seria essa melhor parte? – Magali também estava curiosa. Talvez aquilo não fosse tão ruim afinal de contas.

– Olhe os meus dois dedinhos... – ela falou mostrando para ela os dedos indicador e médio, tocando a testa da moça com eles. – pronto... agora é seu.


Magali sentiu uma eletricidade começando em sua testa e espalhando pelo seu corpo. Um zumbido forte ecoou em sua cabeça e seus sentidos pareciam embaralhados. Aos poucos, ela foi tomando mais controle de si e pode finalmente perguntar o que tinha acontecido.


– Magia felina, ué!

– Magia felina? Como assim? Agora eu tenho poderes de gato?

– Ain... por que todo mundo pergunta isso? São poderes especiais que você agora tem para interagir com os felinos. O primeiro deles é a comunicação.

– Agora eu vou poder falar com os gatos?

– Gatos, onças, tigres, jaguatiricas... qualquer tipo de felino irá te entender e você poderá entendê-los também. Ué, você não vive conversando com o seu gato? Agora os dois poderão bater altos papos!


Ela deu uma risada sonora e depois continuou.


– O segundo poder é um dos mais importantes, então fique de olho! É o poder de cura. Não importa o quanto um felino esteja doente ou machucado. Com o poder da sua vontade, você poderá deixá-lo novinho em folha. Não é fantástico?

– Quer dizer que eu posso curar qualquer gato? Qualquer problema?

– Foi isso que eu acabei de dizer, não foi? Ah! E você também tem visão felina agora. Tudo o que estiver invisível, agora você poderá ver. Inclusive o Reino dos Gatos. Bom, né? E nem vai precisar se pendurar naquele muro e esfolar suas mãos para poder dar uma olhada lá dentro.

– Escuta, por acaso vocês ficaram me espionando?

– Hã? Quem? Nós? Imagina, que é isso? Não, fia, a gente só estava brincando de BBB. E você é a vencedora do momento.


Até ela acabou dando uma risada. Aquela mulher gato era mesmo uma figuraça!


– Céus... você enrola demais! Não podemos ficar aqui pelo resto da eternidade, criatura! – Melyn interrompeu novamente, já perdendo a paciência – olha, menina, você irá descobrir seus poderes com o tempo, certo? Não se estresse com isso. Seu poder sempre será algo relacionado com gatos, lembre sempre desse detalhe. Se tem a ver com gatos, tem a ver com você. É com esses poderes que você unirá as duas espécies.

– Gente... isso é... é...

– Fantástico, não é? Eu sei, fofa! Todos ficam mudos e sem palavras com tudo isso. Liga não, com o tempo você acostuma. De vez em quando eu apareço para te dar uma dica ou duas, mas você precisa aprender a se virar sozinha, né? Agora é hora de ir. Eu tenho hora marcada na manicure.

– O que? Olha, eu ainda tenho muita pergunta para fazer...

– Plim-plim-plim! Tempo esgotado!

– Não se preocupe, criança. Apenas siga seus instintos, eles lhe dirão o que fazer. Agora você tem instintos de gato e saberá o que fazer com eles.

– Não... esperem... – seus olhos foram ficando cada vez mais pesados e seu corpo amoleceu totalmente. Mesmo se esforçando para ficar acordada, ela acabou adormecendo profundamente e tudo ficou escuro. Nenhum som, nenhum cheiro e nenhuma outra sensação a não ser uma calma que foi tomando conta do seu corpo.


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Notas finais do capítulo

Wyn não é uma fada gato. Como Magali estava com dificuldade para entender, então ela deixou que a moça pensasse assim para melhor compreensão.