Ele já tinha ido embora há algum tempo e ela ainda estava sentada naquele banco no meio do parque e pensando em tudo o que tinha acontecido. Aquilo tinha mesmo acontecido? Pelo visto, sim.

Não foi nada de complicado, ele procurou ser breve e objetivo.

- Eu venci aquele concurso de confeitaria. Primeiro lugar.
- Sério? Nossa, parabéns! E qual é o prêmio?
- É sobre isso que eu quero lhe falar.

Em poucas palavras, ele explicou sobre sua situação. Dentro de uma semana, ele estaria embarcando para a França, onde ia morar, trabalhar e estudar por um ano. Com isso, não havia mais como continuar o namoro, já que para ele relacionamento a distância não dava certo. Era melhor acabar tudo e cada um seguir seu caminho.

Enquanto ele falava, ela olhava em seus olhos e de repente se deu conta de que não conhecia aquela pessoa que estava a sua frente. Não, aquele não era o namorado carinhoso e atencioso que ela tinha conhecido em sua infância. Não havia mais sentimento nos olhos dele, e ele a olhava como se ela nunca tivesse significado nada em sua vida. O que tinha acontecido com o sentimento dele?

- Quim... eu não vou te pedir para ficar nem mudar de idéia. Mas eu queria que você respondesse uma pergunta. Acho que depois de tudo o que passamos juntos, você me deve isso. Depois, você poderá seguir seu caminho e eu não vou te pedir mais nada.
- Se eu puder responder... – era um preço pequeno a se pagar para ficar livre daquele namoro sem drama e lágrimas.
- O que aconteceu? Aquilo que houve entre a gente não pode ter se acabado assim, do nada. Algum motivo deve ter e eu quero entender o que houve.

Ele pensou um pouco e por fim respondeu.

- Você ficou muito forte de repente.
- O que? Como assim?
- Desde aquele dia em que a gente esteve naquele reino dos gatos, você saiu de lá independente, confiante, segura... não era mais a garota frágil e indefesa que eu conheci.
- Quim, deixa disso, eu não mudei em nada com você!
- Não, mas deixou de ser a moça delicada de quem eu gostava.
- Por acaso você acha que eu fiquei bruta?
- Não, isso não! Quer dizer... ah, eu não sei explicar direito, só sei que você ficou... forte! Eu não quero uma garota forte e independente, quero alguém de quem eu possa cuidar, alguém que precise de mim e siga somente meu caminho. Parece que você tem um caminho próprio.
- E o que há de errado nisso? Eu nunca exigi esse tipo de coisa de você...
- Mas eu sou homem, ora! É a mulher quem deve acompanhar o homem, não o contrário. E você não estava me acompanhando, estava andando sozinha e isso eu não quero.

Aquilo fez seu estomago se contorcer. Que coisa mais ridícula! Ele tinha perdido o interesse porque ela não era uma tonta dependente que vivia pendurada nele?

- Uma pena você pensar assim. Bem, espero que você esteja certo do que quer e do caminho que escolheu. Eu prefiro continuar seguindo meu próprio caminho.
- Aí é que está o problema! Se eu quisesse uma garota forte e independente, namoraria a Mônica! Se eu te escolhi, era porque você sempre foi frágil, delicada e fácil de agradar.

Claro. Antigamente, era fácil agradá-la com comida. Se ela ficava aborrecida ou se eles brigavam, bastava ele levar uma bandeja de suspiros, pães de mel ou biscoitos de chocolate que tudo ficava bem de novo. Sem perguntas, sem cobranças e sem complicações. Com o tempo, ele percebeu que uma torta de morangos não era mais suficiente para agradá-la e começou a achar aquilo complicado. Se houvesse uma briga, ela queria conversar sobre o que tinha ocorrido ao invés de apenas sentar e comer uma bomba de chocolate. Ele não estava acostumado com aquilo.

- Seja como for, acho que é hora de dizer adeus. Boa sorte lá na França e que você consiga ser feliz.

Aquilo o deixou desconcertado. Não era para ela chorar e implorar para ele ficar? Parte dele não queria aquilo, mas seu ego parecia não se conformar com ela ter aceitado o fim tão facilmente.

- Er... bom... talvez não precise ser assim um final, quem sabe a gente não pode, tipo assim, manter contato e...
- Melhor cada um seguir seu caminho. O futuro a gente vê depois. Faça sua viagem, aproveite essa oportunidade e realize seu sonho. Eu também vou trabalhar para realizar os meus.

Depois que ele se foi, ela acabou sentindo uma sensação de alivio que não soube explicar. Até uns dias atrás, ela chorava aflita por medo de terminar aquele namoro e quando finalmente aconteceu, nenhuma lagrima foi derramada!

Mesmo depois de ele ter ido embora, ela ficou mais um pouco sentada no banco, respirando o ar fresco e admirando a paisagem. No fim, ele era apenas um sujeito inseguro que não conseguia lidar com o fato de ela ter crescido e se tornado forte. Ele não aceitava que ela tivesse uma vida própria alem dele, seus próprios sonhos e vontades. Quem ia imaginar que ele pudesse ser tão egoísta e infantil? Uma pessoa assim não ia lhe fazer nenhuma falta. Talvez fosse por isso que ela não sentia mais seu coração bater por ele como antes.

***

- Então ele terminou tudo... como você está agora?
- Melhor do que eu esperava. Estranho... eu tinha tanto medo de sofrer, chorar, ficar arrasada e nada disso aconteceu.
- Talvez porque você não o amasse, no fim das contas.
- É... deve ser isso. De qualquer forma, acabou e daqui a pouco ele vai embora para a Europa.
- Sujeito idiota... qual o problema em você ser forte e independente? Será que ele queria uma garota boba e fraca ao seu lado?
- Acho que sim. Alguns homens preferem mulheres mais dependentes, o que não é meu caso. Principalmente depois que você me ensinou a ser mais forte e confiar em mim.
- Fiz isso porque estava preocupado com o seu bem estar. Se ele importasse mesmo com você, teria feito a mesma coisa e não o contrário.
- Só fico triste por causa da historia que vivemos juntos. Como deixar tudo isso de lado? Como esquecer? Foram muitos anos de namoro, desde crianças!

Ele colocou um braço ao redor dos ombros dela, fazendo com e ela pousasse a cabeça em seu ombro. O coração dela disparou e seu corpo começou a tremer.

- Magali – ele falou suavemente enquanto afagava seus cabelos com os dedos. – eu sei que vocês viveram uma historia bonita juntos e você não precisa deixar tudo isso de lado.
- Felicius...
- No entanto, não esqueça de que você sempre poderá ter novas histórias tão ou mais bonitas quanto a que você viveu com ele. De um tempo a si mesma, se achar necessário reflita sobre o que aconteceu, guarde o que for bom para si e o que não servir mais, procure esquecer. Tenho certeza de que depois disso você sairá fortalecida.
- Acha mesmo?
- Claro! Eu sempre confiei em sua força. Talvez até mais do que você mesma. Você é como uma gatinha, esqueceu? Pequena e frágil por fora, mas...
- Com uma grande garra aqui dentro.
- Exato!

Ela deu um sorriso e se aconchegou um pouco mais junto a ele. Seu corpo era quente e a fazia sentir-se protegida. Ele apoiava o rosto sobre sua cabeça e ronronava suavemente. Era um ronronar bem mais baixo do que o dos seus gatos e que lhe dava uma sensação gostosa de relaxamento. 

Para ele, aquilo era o paraíso. Tudo parecia perfeito. Os dois, sozinhos, sentados em um banco num belo jardim e sem ninguém por perto. Ele procurava manter a postura respeitosa para não parecer que estava tentando se aproveitar da sua fragilidade. Nada disso, ele não era nenhum cafajeste. Ainda assim, ele não pode resistir a vontade de poder sentir o cheiro bom dos seus cabelos. Tão macios... o rosto dela estava bem perto do seu e se pudesse, ele teria lhe dado uma lambida para poder sentir o gosto da sua pele. Aquilo ia ter que esperar.

- Ah, os pombinhos... – uma voz desagradável fez com que eles voltassem à realidade. – Olá, querido sobrinho. Estava passando por aqui e resolvi dizer “oi”. Então essa é a sua... amiga?

A postura de Felicius mudou imediatamente. Ele levantou-se e ficou encarando o tio com um olhar ameaçador. Suas orelhas ficaram para trás, o que era típico em gatos que assumiam uma postura de ataque e um rosnado se fez ouvir.

- Ora, vamos, relaxe. O que a mocinha vai pensar a meu respeito? Não ligue para ele, minha jovem. Deixe-me apresentar. Lord Teigr, a seu dispor. – ele fez uma reverência que lhe pareceu um tanto zombeteira – Eu sou o irmão do rei Fidélius. Ah, você não sabia? Claro, ele não fala muito a meu respeito, não é Felicius?

Magali viu que aquele sujeito não era boa pessoa e procurou manter distância. Por que ele olhava tanto para ela? Corrigindo, por que ele olhava tanto para a sua testa? Claro, os olhos de gato.

- Então esses são os olhos de gato? Fascinante! É um grande poder, não acha?

Teria sido impressão sua ou ele olhava para os olhos de gato como se quisesse arrancá-los da sua testa? Aquele homem gato era mesmo assustador!

- Se nos der licença, estamos de saída.
- Fiquem à vontade.

Teigr acompanhou os dois com os olhos até perdê-los de vista.

“Isso, seus pirralhos. Aproveitem o quanto podem. Não vai durar muito.”

***

- Sinto muito pelo meu tio. Ele não consegue ser agradável nem quando tenta.
- Tudo bem. Eu não sabia que seu pai tinha um irmão.
- Ele não é um assunto agradável de se falar. Melhor você ficar longe dele.
- Claro. Também não fui com a cara dele. Agora eu preciso ir, obrigada por tudo.
- Imagine, foi um prazer. Espero que você fique bem logo.
- E vou ficar bem sim, pode deixar. Até mais.
- Até mais. Volte logo, estarei esperando.

Ela ficou com o rosto corado, mas não disse nada. Eles se despediram mais uma vez e ela foi embora sentindo-se bem melhor do que quando tinha chegado. A companhia dele sempre melhorava seu humor.

“Não se abaixe para pegar uma moeda de prata que caiu, pois lá na frente pode ter uma de ouro lhe esperando.” Em algum lugar ela tinha lido aquela frase e de repente aquilo veio a sua mente. Curioso... até que fazia sentido. Alguma coisa lhe dizia que havia uma boa moeda de ouro lhe esperando.