Amor De Gato escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 2
Saudades




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– Esse vai, esse aqui também... ai, esse não! Eu ainda adoro essa roupa! – ela falou pegando de volta a saia que tinha caído em cima do pobre Mingau, que estava deitado em cima da cama.


Magali estava separando algumas roupas velhas para serem doadas mais tarde. Seu armário estava lotado de roupas e muitas ela não usava mais por estarem fora de mora ou porque ficaram pequenas.


– O que acha, Mingau? Essa vai ou fica?


“Tanto faz.” O gato pensou com desinteresse. Por que humanos se preocupavam tanto com roupas? Ser gato era muito mais fácil. Ele vivia com a mesma pelagem com a qual tinha nascido e nunca precisava se preocupar com o que vestir.


– Hum... será que se reformar fica bom? Talvez uns botões coloridos... posso pintar um desenho bem bacana também. Vai ficar super descolado, não vai?

– Miau...

– Eu também acho. Essa fica!


Após tirar várias peças de roupas e guardar dentro de uma grande caixa de papelão, ela viu que seu armário também tinha várias coisas que também precisavam de uma revisão. Cadernos velhos, alguns bichos de pelúcia, cintos, duas bolsas... ela realmente precisava arrumar aquele armário.


Bem, não havia mais nada de interessante para fazer naquele dia. Mônica precisava tirar algumas duvidas em matemática e o Cebola a estava ajudando. Cascão estava praticando Parkour por aí. Pobre Cascuda... por que ela tinha que arrumar um namorado tão avoado? Suas outras amigas também estavam ocupadas, então não haveria problemas em gastar o sábado para arrumar aquele armário. Quem sabe, ao ver que tudo estava limpo e organizado, sua mãe não liberava uma verba para comprar roupas novas?


– Ué, e essa caixa aqui? – perguntou pegando uma pequena caixa, que estava envolvida em um laço vermelho. Não demorou muito, ela acabou se lembrando de onde tinha vindo aquela caixa.


Ao abrir, Magali viu seu conteúdo, que ela tinha guardado com muito carinho há alguns meses atrás. Era uma simples lata de conserva, com um barbante amarrado. Junto, tinha um bilhete.


“Você tem poder para cortar qualquer amarra do destino.

Felicius”


– Felicius... nossa, há quanto tempo! Como será que ele anda?

– Miau?

– O Felicius, Mingau. Eu falei sobre ele, não lembra?

– Miau... (“Sim, eu lembro. Você ficou falando dele por dias seguidos”).

– Engraçado... Desde aquele dia, nunca mais tive noticias dele e nem do reino dos gatos.


Ela ficou olhando o vazio. Aquele dia foi algo memorável. Primeiro confusão e medo ao ser retirada do aconchego da sua casa e arrastada pelas ruas por um sujeito misterioso que lhe puxava usando uma espécie de coleira. Aquilo sim foi assustador. Então veio a surpresa ao descobrir que naquele terreno baldio tinha um reino inteiro escondido. E no meio daquela confusão, veio Felicius dando uma bronca no guarda por tê-la capturado junto com os outros humanos. Foi difícil convencê-los a lhe dar uma chance de salvar seus amigos.


E aqueles desafios realmente a fizeram despertar um lado seu que até então ela desconhecia. E mesmo com tantos erros e tropeços, ela foi capaz de vencer os desafios e libertar seus amigos, apesar da má vontade e teimosia do Rei Gato.


Era muito bom se lembrar de todos comemorando, felizes por não terem mais de caçar ratos. Ela também ficou feliz e aliviada por ter conseguido salvar seus amigos. Foi tão assustador! Todos dependiam dela. Se ela falhasse, perderia todos seus amigos. Felizmente, tudo deu certo.


Naquele dia, ao se despedir, Felicius lhe dera aquele presente lhe pedindo que abrisse apenas quando chegasse em casa. Foi um presente simples, mas cheio de significados. Como uma simples latinha foi capaz de mudar sua vida daquela forma?


Magali também lembrou-se de que nos dias seguintes, sentiu uma espécie de melancolia, algo que ela não soube explicar.


“Não vai dizer que está com saudade.” Quim havia lhe dito naquele dia, sentindo-se enciumado por causa do príncipe gato. É claro que ela negou tudo na hora, mas pensando bem... teria ela ficado mesmo com saudade? Não, claro que não. Ou teria? Aquilo era difícil de dizer. E com o tempo, tudo foi voltando ao normal e Felicius junto com o reino dos gatos foi se tornando apenas uma lembrança e nada mais.


Mas aquela latinha parecia estar mexendo com ela. Ou será que ela já estava mexida e ainda não tinha se dado conta?


– Como será que ele está? Ah, deve estar muito bem, né? – ela falou afagando a cabeça de um dos seus gatinhos que brincava com as franjas de um lenço. – quer dizer, ele deve estar lá com o pai dele, sendo um príncipe. É até capaz que ele até tenha arrumado alguma princesa gata. É, acho que sim. Por que não?


Seria impressão sua ou aquilo estava incomodando? Que bobagem! Eles eram apenas amigos e ela nunca tivera nenhum outro tipo de intenção para com ele. Por que aquilo deveria incomodar? Não, não estava incomodando. Ou estava? Mais uma vez, sua cabeça ficou confusa. Por que tanta dificuldade para entender seus sentimentos? Aquilo nunca foi problema para ela, que sempre foi tão sensível e conectada com suas emoções.


– Ah, quer saber? Vamos terminar isso logo! Eu não quero ficar aqui o dia inteiro separando roupas, né Mingau? O Felicius deve estar muito bem, obrigada. Então, tudo numa boa!


***


Um triste par de olhos azuis contemplava a paisagem pela janela do seu quarto. A respiração estava um pouco difícil e de vez em quando seu corpo sacudia com uma tosse. A tarde estava bonita, talvez ideal para um passeio. Saltar de telhado em telhado era muito divertido. Ou então apenas se acomodar em um prédio alto e apreciar o por do sol. Infelizmente, as dores do seu corpo impediam qualquer movimento mais ousado. Além do mais, fazer tudo isso sozinho não teria a menor graça.


Há muito tempo ele não tinha noticias dela. Mais do que ele podia suportar.


Felicius deu uma outra tosse e sentiu seu peito doer. A dor da doença era ruim, mas a dor da saudade parecia ser pior.


Ao se despedir dela, ele tentou demonstrar calma e descontração. De que adiantava ficar triste? Ela não poderia ficar e com certeza iria embora chateada por vê-lo tão triste. O melhor então foi se despedir com um sorriso no rosto. As lágrimas tiveram que ficar encerradas em seu coração.


Desde então ele passou a fugir da vigilância do seu pai para ir vê-la secretamente. Era muito fácil e ela não percebia nada. Ele observava sua rotina, quando ela passeava com os amigos e com aquele balofo do namorado. Às vezes ele a observava dentro do seu quarto, embora fosse mais difícil porque os gatos dela pareciam perceber sua presença.


De longe, olhando através da janela, ele a via pegando seus gatos no colo, abraçando e até beijando e um sentimento de inveja tomava conta dele.


Seu pai ficava zangado, mas não fazia nada alem de lhe dar broncas. Não adiantava nada, entrava por um ouvido e saia pelo outro. Depois de um tempo, ele fazia tudo de novo, e de novo. Aquilo foi se repetindo durante algum tempo até seu corpo ser acometido por aquela maldita gripe felina. Então foi ficando cada vez mais difícil sair e suas visitas secretas foram espaçando. Desde então, fazia alguns meses que ele não ia visitá-la. Que coisa chata!


– Magali... será que ela pensa em mim ou já me esqueceu? Humpt! Com aquele gorducho em volta dela o tempo todo, é bem capaz de ela já ter me esquecido...


Chateado com esse pensamento, ele apoiou a testa no vidro da janela e ficou olhando o exterior com o olhar perdido. Por que ele não tentou passar mais tempo com ela? Bem, os desafios não deixaram e quando tudo acabou, seu namorado ficou marcando em cima e não lhes deu muito tempo para ficarem a sós. Sujeito mais irritante!


– Felicius, você não devia estar na cama? – uma voz grave chamou sua atenção. Era seu pai que tinha acabado de entrar em seu quarto, com a fisionomia preocupada.

– Eu não gosto de ficar deitado o dia inteiro, meu pai. É tão chato!

– Sei disso, mas você precisa descansar.

– E o senhor deveria estar usando uma máscara.

– Eu não vou usar uma máscara diante do meu próprio filho.

– E se o senhor ficar doente? Nosso povo precisa do rei...


Ele deu de ombros.


– Eu já vivi minha vida, mas você ainda é jovem e irá assumir o trono um dia. Sua vida é mais importante, por isso quero que se cuide.

– Não sei se isso irá adiantar. Nós sabemos que essa doença não tem cura. É um milagre eu ainda estar vivo.

– Bem, é por isso que eu ainda tenho esperanças. Você está resistindo muito bem.

– É... eu estou...


Seus olhos voltaram a contemplar o lado de fora do quarto, vazios e perdidos. O Rei Gato sabia muito bem no que seu filho estava pensando. Por que ele não conseguia esquecer aquela humana? Céus, quanta fixação! A moça o havia salvo, libertando-o e permitindo que ele voltasse ao reino. Sentir gratidão era compreensível, mas aquilo que seu filho sentia parecia beirar a obsessão.

Ele sabia muito bem das suas escapadas para ficar observando a moça. Suas broncas pareciam não fazer nenhum efeito. Vigiar também não. Como todo bom gato, ele sempre arrumava um jeito de escapar.


– Melhor você voltar para a cama.

– Mas...

– Não tem “mas”. É preciso que você descanse. O médico irá vê-lo daqui a pouco. É uma ordem.


O rapaz estava muito desanimado para continuar discutindo e achou mais fácil obedecer. Ficar ali em pé também não ia lhe adiantar de nada.


“Magali... por favor, pelo menos não me esqueça...” foi seu ultimo pensamento antes de cair no sono.


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