Quinn

As quatro garotas entraram na casa Lopez. Santana carregava Rachel, enquanto Brittany e Quinn vinham logo atrás. O pai da latina guiou-as até o quarto mais próximo a escada, era o quarto de Helena.

— Coloque-a sobre a cama com cuidado. — Santana fez o que o pai pediu. — Há quanto tempo ela está inconsciente?

— O tempo que demoramos pra levá-la até o carro e chegar aqui, cerca de vinte e cinco minutos, certo? — a latina olhou para as duas loiras em busca de confirmação. Britt assentiu, mas Quinn não prestava atenção. Ela não conseguia tirar os olhos de Rachel. A morena estava pálida e o ferimento não parava de sangrar. — Quinn? — Santana chamou tentando despertar a loira, mas não obteve sucesso. — Quinn? — tentou de novo.

— É melhor vocês esperarem lá em baixo com os outros. — o pai da latina aconselhou.

— Que outros? — Britt perguntou.

— Russel e alguns amigos estavam aqui quando Quinn ligou, eu contei a eles o que ela havia me dito. O que por sinal não foi muito — Sr. Lopez respondeu.

— Papai está aqui? — Quinn pediu aterrorizada. Até então a loira não havia notado nada, ela só tinha olhos pra morena.

— Sim, ele estava na sala quando vocês entraram — Ramon respondeu sem dar muita atenção. Ele começava a verificar o ombro de Rachel.

— Eu posso ficar? — a loira perguntou numa voz baixa. Quinn não sabia se o fazia por querer ficar com a morena ou por estar com medo de enfrentar o pai.

— Não. Eu preciso cuidar desse ferimento e isso não vai ser bonito — Dr. Lopez disse — Ela provavelmente vai acordar e eu não posso aplicar nada pra dor sem saber se ela é alérgica a algum medicamento.

— Então você vai precisar de alguém para acalmá-la, eu posso fazer isso — o médico ia recusar, mas Santana intercedeu pela amiga.

— Quinn é a companheira dela, papi.

— Santana, isso é impossível. Você sabe que o companheiro de Quinn será o Alfa Verdadeiro. — o doutor articulou. Foi aí que ele percebeu o cheiro no ar, estava enfraquecido devido ao estado de exaustão em que a morena se encontrava, mas agora que ele se concentrou nele, era impossível não reconhecer. — É ela. — Santana confirmou com um aceno de cabeça. — Certo, você pode ficar, Quinn. — Outra latina entrou no quarto trazendo uma bacia de água. — Ainda bem que você voltou, Helena. — Dr. Lopez falou. Depois acrescentou para a filha mais nova e sua companheira: — Vocês devem sair agora. — as duas obedeceram.

— Quinn, fique ao lado dela, quando ela acordar faça-a ficar parada — a loira assentiu. O doutor cortou a camisa de Rachel, depois o sutiã. A morena só despertou quando ele começou a limpar o ferimento.

Rachel acordou gritando. Quinn se desesperou, ela não sabia o que fazer para tranquilizar a morena. — Helena, segure-a ou ela vai acabar se machucando — Dr. Lopez pediu a filha mais velha. — Quinn, você está aqui para acalmá-la, faça isso.

— E-eu não sei como — a loira disse aflita.

— Converse com ela, toque-a. Você sabe que nós adoramos o conforto através do toque — Helena disse tentando achar uma posição pra segura a cantora como seu papi havia pedido.

Quinn deitou-se do lado direito de Rachel e a abraçou pela cintura. — Está tudo bem, eu estou aqui. Eu estou com você, Rachel. Está tudo bem — a loira sussurrava palavras de conforto no ouvido da morena. Os protestos de Rachel abrandaram. Era visível que a cantora ainda estava em dor, mas a presença de Quinn pacificou-a.

— Nós precisamos levantá-la pra terminar de enfaixar o ombro — Ramon declarou. Quinn ajudou Helena a sentar Rachel. A cantora começou a chorar e gritar de novo. Quinn chorou junto. Ela se sentia tão culpada. Rachel havia se ferido por culpa dela. Se ela não fosse tão egoísta nada disso teria acontecido. A loira puxou Rachel pela nuca e uniu suas testas.

— Perdão Rachel, perdão por ser tão covarde. Perdão por ter feito você se ferir. Perdão .— Quinn implorava baixinho, como uma oração. Os gritos da cantora pararam.

— Quinn? — Rachel chamou e a loira a olhou nos olhos, as testas ainda unidas — Não chore, por favor. Está tudo bem, eu estou bem.

— Era eu quem devia estar te consolando — Quinn disse com um sorriso triste.

— Você não precisa — Rachel assegurou. — eu estou ótima. — Quinn viu que a morena tentava esconder a dor e isso a fez sentir ainda pior.

— Nós acabamos aqui. — Dr. Lopez anunciou depois de algum tempo. Quinn não saberia dizer quanto havia demorado. Rachel e ela ficaram presas num mundo só delas desde que a morena falou. A loira tinha se perdido naqueles olhos castanhos-chocolates.

— Eu estou com sono. — Rachel sussurrou a Quinn em tom de segredo.

— Você pode dormir — Quinn respondeu ajudando a morena a deitar.

— Você fica comigo? — Rachel pediu. A loira hesitou, mas concordou.

Os dois Lopez recolheram tudo e saíram, deixando as duas sozinhas no quarto. Quinn ficou contando a respiração de Rachel enquanto a morena dormia. Ela parecia tão serena. Elas ficaram assim até que a loira ouviu um alvoroço vindo do andar de baixo. Ela sabia que outros lobos haviam chegado a casa, ela podia sentir o cheiro e a presença deles. A loira imaginava que a essa hora toda a alcatéia já sabia o que aconteceu. Ela queria ficar aqui com Rachel nesse santuário de paz, mas sabia que não podia. A loira tinha medo que se demorasse mais seu pai viria buscá-la pessoalmente. Por isso levantou-se devagar tentando não desperta a morena. Rachel resmungou em seu sono quando sentiu falta do calor da loira. Foi a coisa mais bonitinha que Quinn já vira. A loira sorriu para a cena, depois tomou fôlego e saiu pra enfrentar o que estava por vir.

Quinn desceu as escadas e Santana e Brittany correram pra ela.

— Você está bem Q? E Rachel, como ela está fazendo? — Britt perguntou. Até então ninguém tinha se dado conta da presença da loira, estavam todos ocupados discutindo as implicações do surgimento de Rachel. Mas agora que Britt chamou a atenção pra elas, todos as observavam. Antes que Quinn pudesse responder as perguntas da amiga seu pai a chamou. Ela foi até ele.

— Ela é o Alfa Verdadeiro? Você sentiu a ligação entre companheiros? — Russel perguntou já sabendo a resposta.

— Sim, sinto muito papai — Quinn respondeu com uma voz fraca e ainda de cabeça baixa.

Depois da resposta da loira os conselheiros na sala começaram a falar mais alto. Os outros presentes estavam calados, absorvendo a noticia. Aquele que Quinn queria ouvir ainda não havia dito nada. Não aguentando mais o suspense, a líder de torcida levantou a cabeça e sufocou quando encarou os olhos cheios de tristeza do pai. Ela queria sair correndo, mas se deteve, assim como os outros quando perceberam Rachel despertando no andar de cima. O cheiro da morena ficou mais forte e havia nele um toque de confusão. Quinn pensou que precisava ensiná-la a disfarçar suas emoções.

— Quinn, você gostaria de subir e explicar tudo a ela? — Dr. Lopez perguntou à loira — Como você pode perceber, ela está confusa e é provável que tenha esquecido parte do que aconteceu. As coisas devem estar borradas em sua mente.

— Não, obrigada. — Quinn respondeu contrariando o que queria.

Surpresa geral tomou a sala diante da resposta. Quinn olhou novamente para o pai e ele tinha uma expressão de desgosto. Ninguém mais teria notado, ele é ainda melhor que ela em esconder seus sentimentos. Mas ela aprendeu a lê-lo como ninguém, Russel sempre lhe disse isso.

— Eu vou, papai — Helena se ofereceu. Quinn não gostou. Ela viu como a garota olhava pra Rachel. A latina parecia uma criança que ganhara o presente que queria na manhã de natal. Mas Quinn não disse nada. A loira não percebeu que seu pai dava um sorrisinho de canto de boca.

* * *

Russel

Russel estava em uma reunião de amigos na casa Lopez quando Ramon precisou se retirar para atender a um telefonema. Alguns minutos depois o latino voltou com a notícia de que Quinn, Santana e Brittany estavam trazendo um lobo ferido. Elas não deram muitos detalhes sobre o ocorrido e Russel decidiu ficar pra saber o que aconteceu e ver se sua filha estava bem.

Quando as garotas entraram, Russel viu Santana carregando uma morena pequena nos braços, a garota tinha um ferimento sangrando no ombro. Assim que as meninas cruzaram a porta e Russel verificou que Quinn estava bem, ele foi atingido pelo cheiro, estava fraco, mas podia ser reconhecido. Russel precisava de uma confirmação e não precisou esperar muito, foi só observar a filha pra saber que estava certo. O jeito como Quinn olhava era de partir o coração, ela estava apavorada.

Quinn nunca foi de expor suas emoções e Russel sabia que a culpa era dele. Seu pai o ensinou que sentimentalismo é para os fracos e ele passou a lição para as filhas. Seu pai morreu acreditando nisso e provavelmente esse teria sido seu destino se no ano passado ele não tivesse quase perdido a esposa pelas mãos dos “Almas Perdidas”.

Há lobos que não conseguem se adaptar as regras de uma alcatéia. Alguns por não gostarem de viver em sociedade, os chamados lobos solitários. Outros, por não aceitarem a convivência pacífica com humanos; esses normalmente se acham superiores ou são apenas cruéis e gostam de se divertir matando. E há ainda aqueles que se julgam injustiçados por alguma decisão que a alcatéia tomou. Todos esses tipos costumavam sair a esmo e provocar alguns problemas. Não era difícil caçá-los se eles fizessem algo realmente errado. No entanto, há 30 anos um lobo mudou tudo isso. Ele os uniu e tornou-se seu líder, prometendo um lugar onde todos seriam aceitos e poderiam seguir suas próprias regras. De quebra, eles poderiam se vingar das alcatéias que tentaram controlá-los. Eles se intitularam os “Almas Perdidas”.

Por treze anos, os “Almas Perdidas” foram o pior pesadelo das alcatéias. Emboscavam outros lobos, caçavam humanos. Foi muito difícil manter sua existência em segredo durante aqueles tempos. Até que em uma batalha, o líder morreu. Depois disso o movimento enfraqueceu. Mas ainda restam ramificações e estas promovem alguns ataques esporádicos.

Judy havia ido para Cleveland passar alguns dias com a mãe doente. Quando foi ao supermercado e se viu emboscada por três lobos. Eles a machucaram muito. Brincaram com ela arrastando-a de um lado a outro, e, de certa forma, foi isso que a salvou. Os irmãos de Judy se preocuparam com sua demora e tentaram contatá-la no celular, mas ela não respondia. Por isso eles saíram a sua procura. Quando chegaram perto do supermercado sentiram o cheiro de sangue e correram em seu auxilio. Os “Almas Perdidas” estavam tão entretidos na tortura que não notaram sua aproximação e assim eles puderam salvar a irmã. Mas o incidente deixou sequelas. Judy puxa a perna direita quando anda e seu corpo ficou cheio de cicatrizes.

Russel nunca havia sentindo tanto medo em sua vida. Enquanto aguardava noticias na sala de espera, ele chorou por cada vez que não disse eu te amo à esposa, por cada vez que se controlou pra não dizer o quanto ela é linda, por todas as vezes que não agradeceu quando ela serviu o jantar. Ele prometeu a Deus que faria diferente se ganhasse uma segunda chance, e Deus o abençoou com essa graça. Desde então ele é uma pessoa diferente. Ele nunca vai ganhar o prêmio de homem mais afetuoso do ano, mas ele agora é um bom marido e um pai mais atencioso. Russel se aproximou de suas filhas e tentou mostrar que as ama e que sempre estará lá para elas. Ele sabe que não dá pra compensar uma vida inteira de erros em um ano de arrependimento, mas ele tem feito seu melhor e está disposto a provar isso agora que Quinn vai precisar dele. Russel sabe que a filha deve estar morrendo de medo de sua reação. Se isso ocorresse no ano passado ele estaria furioso, jamais aceitaria uma de suas garotinhas vivendo em pecado. Mas agora ele aprendeu que o presente mais bonito que Deus deu à humanidade foi o amor, ele aprendeu que devemos deixar esse sentimento nos guiar em nossas vidas. E como Russel poderia alegar que a relação das duas é antinatural se foi a própria natureza que resolveu uni-las? Não, ele vai estar lá para a filha e sua companheira.

Russel não foi o único a perceber quem a garota ferida era. Irina, esposa de Ramon, também notou e decidiu informar ao resto da alcatéia. Russel pensou em impedi-la, mas ela já havia ligado para outros membros do conselho quando receberam o telefonema de que um lobo havia sido ferido e logo eles estariam aqui pra averiguar o que aconteceu. Era inútil tentar parar, a roda já estava em movimento e em breve metade da alcatéia estaria aqui.

Santana e Brittany desceram as escadas e Russel viu Irina tentando arrancar informações das duas, mas Santana manteve-se firme em não dizer nada e não permitiu que a mãe pressionasse Brittany. Russel aprovou a atitude da melhor amiga da filha. Ele costumava não gostar muito das duas meninas, não só porque elas são emparelhadas, mas porque a latina é muito esquentada e atrevida; e a loira parece meio burrinha. Mas ele aprendeu a ver as qualidades das duas. Ele sabia que Santana era uma amiga leal e seria uma defensora voraz de sua filha quando ela precisasse. E Brittany não é burra, ela tem apenas um jeito especial de ver as coisas, sem falar que as visões que a garota tem cobram seu preço.

As previsões de Russel foram confirmadas quando algum tempo depois a sala de visitas dos Lopez encontrava-se com mais de trinta lobos. Russel ficou surpreso ao encontrar ali alguns ômegas. Eles tentam manter-se afastados de lugares onde há muitos lobos dominantes.

Dr. Lopez e sua filha Helena desceram as escadas. Eles foram assaltados por perguntas. Todos queriam saber se a garota era mesmo o Alfa Verdadeiro e se ela ia ficar bem. A alcatéia ainda tinha traumas da morte de seu último Alfa.

— O sigilo médico/paciente me impede de fornecer qualquer informação a quem não for um membro da família. — Dr. Lopez declarou aos presentes na sala.

— Você sabe que isso não se aplica a alcatéia, Ramon — um senhor de cabelos brancos argumentou.

— A alcatéia não tem direitos sobre o lobo até a primeira metamorfose. — o médico respondeu.

— Mas ela já está apresentando os sintomas da mudança — alguém na multidão contra-argumentou. — Amanhã é a primeira noite de lua cheia. É uma questão de horas até a transformação — os outros balançaram a cabeça em concordância.

— Você tem razão John, mas até lá eu não posso fornecer qualquer informação. — o médico disse.

— Você pode pelo menos confirmar se é ela ou não? — o senhor de cabelos brancos pediu derrotado.

— Esse papel não cabe a mim — Ramon declarou finalizando o interrogatório.

Apesar da negativa do doutor em responder qualquer coisa, os outros não se retiraram. Eles ficaram lá discutindo hipóteses e as mudanças que haveria se a garota fosse de fato quem eles esperavam. Pouco tempo depois que as vozes ficaram mais estridentes, Russel viu Quinn descendo as escadas. Ela tinha uma expressão preocupada. Ele viu as amigas correndo em direção a filha e ficou feliz por Quinn tê-las. Ele viu os outros se preparando para inquirir a filha e resolveu tomar a tarefa nas mãos.

— Quinn — Russel chamou e ela veio andando até ele com passos hesitantes e cabeça baixa. — Ela é o Alfa Verdadeiro? Você sentiu a ligação entre companheiros?

— Sim. Sinto muito papai — Quinn respondeu com uma voz fraca sem fitar os olhos do pai. Isso entristeceu Russel. Ele sabia que a filha temia a sua reação, mas ainda doía vê-la sem sequer poder encará-lo.

Houve uma agitação na sala, todos perceberam Rachel despertando no andar de cima. O cheiro dela ficou mais forte e com um toque de confusão. “Alguém precisa ensiná-la a disfarçar suas emoções”, pensou Russel.

— Quinn, você gostaria de subir e explicar tudo a ela? — Dr. Lopez perguntou à loira. — Como você pode perceber, ela está confusa e é provável que tenha esquecido parte do que aconteceu. As coisas devem estar borradas em sua mente.

— Não, obrigada. — Quinn respondeu e surpresa geral tomou a sala. Russel ficou desgostoso com a atitude da filha. Não se deve abandonar um companheiro, muito menos se ele estiver debilitado. Ele a havia ensinado melhor que isso.

— Eu vou, papai — Helena se ofereceu. Russel percebeu que a filha ficou com ciúmes e não conseguiu conter um sorrisinho. “Ainda há esperanças pra você garota”, ele pensou olhando para Quinn.