Pra não Dizer que não Falei de Flores escrita por Moony


Capítulo 8
Vergonha




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Capítulo 7 – Vergonha

 

Ele estancou, com a mão ainda dentro da minha mochila, com a típica expressão de quem foi pego no ato. Minha única atitude foi correr até lá e arrancar a mochila da mão dele, que ficou parado no mesmo lugar, me olhando. Conferi minhas coisas, pra ver se nada faltava. Bom, faltar não faltava; na verdade sobrava.

Lá estava, dentro do caderno. Uma pétala, dessa vez cor-de-rosa, e um bilhete. Ambos estavam um pouco amassados; talvez Lucas os tivesse apertado na hora do susto. O fato é que estavam lá. Olhei pra ele, com as “provas” na mão. Não sei que expressão eu tinha, mas o sentimento era um misto de decepção e confusão. Eu nunca tinha falado com aquele cara. Nunca tinha sequer reparado nele antes da festa. E Walter? Onde ficava nessa história?

Nesse momento ele entrou na sala. Deve ter achado muito estranho nos ver lá, parados, um olhando pro outro, sem reação. Passei por eles sem olhá-los nos olhos. Ainda com a pétala e o bilhete na mão.

 

- Ei! O que aconteceu? – ouvi Walter gritar da porta.

 

Fui até um banco afastado dali. Sentei, ofegante, ainda meio confuso com aquilo. Porque ele? A pétala na minha mão estava toda amassada e feia. Joguei fora, com raiva. Não era quem eu pensava ser. Com que cara eu olharia pro Walter agora? Sempre tinha achado que era ele. Sempre.

Abri o bilhete.

 

Eu sempre reparei em você, desde o começo.

 

Que coisa mais idiota de se escrever! Que começo? A minha entrada na faculdade? Um maluco que nem sequer me conhecia, isso é o que ele era.

Ouvi passos; era Walter que me encontrara. Ele sempre sabia onde eu estava... Não adiantava me esconder.

 

- O que aconteceu?

 

Não olhei pra ele. Não poderia. Todo o tempo que passei achando que ele me mandava aquelas pétalas... Todo o tempo que achei que não era apenas meu amigo. Me senti enganado. Cruelmente enganado. E o pior: fui eu mesmo que me enganei, que me iludi.

 

- Ei... Rô. Acorda! – Walter chamou, passando a mão diante dos meus olhos. Por um segundo senti que ia chorar. Realmente, ótimo, depois de tudo aquilo ainda ter que chorar por um motivo que eu não poderia dizer a ele qual era!

 

Mas não teve jeito. Uma lágrima caiu discreta e silenciosamente. Depois outra. E mais outra, até que eu estivesse aos prantos, com a cabeça entre as mãos. Walter não sabia o que dizer, mas reparou no bilhete que eu segurava. Ele o puxou e leu.

 

- Foi ele que escreveu?

 

- Foi. – respondi, entre os soluços. Chorava de vergonha.

 

- Eu não sabia que... Bom, qual foi o problema, exatamente?

 

Não respondi, mas ele também não insistiu mais. Devia ter percebido que eu não estava nem um pouco afim de contar. Walter passou um braço pelos meus ombros, me consolando, mas me desvencilhei dele. Contato era a última coisa que eu queria naquele momento. Na verdade, meu único desejo era ser tragado pela terra e nunca mais voltar à superfície.

 

- Vai embora. – eu falei, de repente, contra minha própria vontade. A presença dele piorava as coisas, mas também que ele descobrisse por que.

 

- Cara, o que foi? – ele falou, confuso, tentando olhar pro meu rosto, que eu escondia nas mãos.

 

- Vai embora!

 

Walter ainda tentou falar alguma coisa, mas desistiu. Suspirou resignado e foi embora, me deixando só com a minha confusão. Era tudo tão decepcionante que chegava a doer. Devo ter chorado por muito tempo, porque quando levantei dali já estava quase anoitecendo. Fui até o corredor da minha sala, esperei a aula acabar e todos saírem, e peguei minha mochila. Quando me virei pra sair, dei de cara com Walter me esperando na porta.

 

- Não vai ser livrar de mim tão fácil. – ele falou, sorrindo. Ao menos não tinha ficado chateado comigo. Já era alguma coisa.

 

- Walter, eu... O problema não é com você, mas eu queria ficar sozinho, por enquanto.

 

- O que esse cara fez pra te deixar assim? – ele continuou, como se não tivesse me ouvido. – Olha só pra você, tá com os olhos inchados.

 

- Eu tô bem. – falei, com a voz fraca. Era ridículo, mas tinha voltado a chorar. Estar tão perto dele me angustiava.

 

- Não fica assim...

 

Dito isso, Walter me abraçou e enxugou uma lágrima que teimava em cair pelo meu rosto. Devo ter estremecido, não sei.  Era tão confortável ficar ali, encostado a ele, como se nada mais no mundo existisse.

Esse momento deve ter durado uns cinco minutos, senão menos. Ele me soltou, passou a mão pelo meu cabelo, e sorriu mais uma vez. Walter era mais alto e forte que eu. O cabelo, mais comprido e um tanto cacheado, era preto. Os olhos, profundos, eram de um castanho bem escuro, e o nariz comprido e reto. Eu nunca tinha reparado muito nesses detalhes. Pra mim, Walter sempre foi algo que transcendia os aspectos físicos, e pela primeira vez eu estava reparando direito neles. Ele se assustou quando comecei a rir de repente.

 

- Eu não te entendo, cara. – ele reclamou, revirando os olhos e apagando a luz da sala. Fomos embora.

 

- x -

 

No dia seguinte eu estava curiosamente mais leve. A vergonha do dia anterior tinha se tornado uma espécie de alívio. Por quê? Eu não sabia. Mas foi o que aconteceu. De repente, passei a aproveitar mais a presença de Walter, sem ficar pensando no que ele fez ou deixou de fazer. Simplesmente era melhor não ter mais a dúvida.

Quanto ao cara do S5, devo tê-lo visto umas duas vezes naquela manhã, sempre me espreitando. Eu só queria distância daquele Lucas. Nem o conhecia, talvez fosse até um cara legal, mas nada naquele momento me convenceria disso.

Por enquanto, a única coisa que eu queria era esquecer tudo o que tinha acontecido. Cheguei até a pensar em jogar fora todas as pétalas guardadas, mas tive pena delas. Pareciam os resquícios de um passado perdido, morto... Mas ainda assim não consegui jogá-las no lixo. Deixei elas lá, dentro da Antologia Poética de Fernando Pessoa, até decidir o que fazer.

Contei ao Walter todo o acontecido, sem mencionar, claro, que eu achava que era ele quem me enviava as pétalas. Pra minha surpresa, ele permaneceu sério durante todo o meu “relato”. Por fim, olhou pra mim com uma certa hesitação que eu não estava acostumado a ver.

Então abriu o caderno e mostrou pra mim um saquinho transparente, com uma pétala amarela dentro.

 

- É pra você.


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