Pra não Dizer que não Falei de Flores escrita por Moony


Capítulo 4
Dai-me rosas, rosas...




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Capítulo 3 – Dai-me rosas, rosas...



Walter me acordou às oito horas da manhã, disse que me esperaria na cozinha e foi-se embora. Aturdido, levantei e caminhei como um zumbi até o banheiro. Só depois de lavar o rosto foi que acordei de verdade e me dei conta, mais uma vez, que aquele não era meu banheiro e que eu não tinha nada pra escovar os dentes. Como em resposta ao meu desespero mudo, vi que tinha uma escova nova em cima da cama. Desembalei e usei, porque, afinal de contas, devia estar lá para mim.


Vesti as roupas da noite anterior e procurei meu celular. Ele estava na mesa do computador, carregando. Reparei também, surpreso, que na mesinha-de-cabeceira havia um vaso com algumas rosas. Eu nunca imaginaria que Walter gostasse de flores.

- Olá. – falei, quando descobri o caminho da cozinha e o encontrei lá.

- Senta aí.

Puxei uma cadeira e tomei o café que provavelmente tinha sido preparado por ele. Não era ruim. Assim que terminasse eu arranjaria um jeito de voltar pra casa.

- Não tem mais ninguém em casa? – perguntei depois de um tempo.

- Não. Minha mãe é médica e dá plantão de madrugada. Ela deve chegar daqui a pouco... Ontem quem tava aqui era a minha irmã, que faz questão de fazer o maior escândalo toda vez que chego tarde. Ela já deve ter saído pra fazer alguma inutilidade qualquer.

- Hm...

Não toquei mais no assunto. Ele nunca falava muito da família, então eu tinha que me contentar com os raros momentos em que o fazia. Como aquele.

- Meu pai é militar. – ele continuou, olhando pra xícara. – Por isso a gente vivia se mudando. Não era de bairro em bairro, como eu falei uma vez. Era de estado em estado. No máximo dois anos em cada um. Mas chegou uma hora que minha mãe não agüentou mais isso e resolveu ficar num lugar só, seguir a própria carreira e tudo o mais... E eles se separaram.

Não falei nada quando ele terminou. O que eu poderia dizer? Walter parecia ligeiramente constrangido por ter me contado tudo aquilo, e quando levantou os olhos eles pareciam querer saber qual era minha avaliação sobre tudo o que ele tinha dito.

- Bom... Essas coisas acontecem. Nem tudo dá maravilhosamente certo a vida toda... Talvez tenha sido melhor assim. – acrescentei, hesitante.

- É... Talvez tenha mesmo.

Continuamos a comer, em silêncio. Mas em cinco minutos ele voltou a falar.

- Acho que eu precisava contar isso pra você. Porque, sabe, eu nunca tive tempo de ter um amigo ... Um amigo de verdade, entende? Eu sempre ficava pensando “Não vou ficar aqui por muito tempo” e acabava não me envolvendo muito com as pessoas. E não achava ruim, mas só depois foi que eu fui perceber o quanto tinha perdido fazendo isso... Mas agora eu quero ficar aqui, e quero ter alguém que saiba como realmente me sinto e como eu realmente sou.

- Eu... nem sei o que dizer, Walter. – respondi, sinceramente.

- Não precisa.

Dito isso, ele levantou e recolheu os pratos e xícaras. E eu me despedi e voltei pra casa.


                                                      - x -

Passei o resto do domingo estudando e na segunda-feira fiz a bendita prova que quase me fez não ir pra calourada. Se ela tivesse conseguido eu estaria bem mais feliz...
Alguns minutos depois de eu ter terminado a prova, Walter também saiu da sala.

- E aí?

- Nada mal.

- Eu não disse que ia dar certo? A propósito, vai ter uma festa na casa d...

- Se você tem amor à vida, não se atreva a terminar essa frase! – falei, entre dentes.

- Você precisa melhorar essa sua aversão à sociedade...

- Estou muito bem com ela.

- Mudando de assunto... Por que você não manda um currículo pra alguns jornais? Eu já mandei o meu.

- Mas já? A gente ainda tá no primeiro semestre.

- Que é que tem? Não precisa ser um emprego no jornal em si. Talvez eles precisem de alguém pra fazer café e anotar recados... O importante é estar lá, sabe? No ambiente.

- É, faz sentido... Vou pensar.

O que eu sentia em relação a trabalhar era mais ou menos o mesmo que senti antes de entrar na faculdade. Por um lado, era uma chance de independência, e, por outro, me apavorava. Sempre achei que não seria capaz de fazer nada. Eu estava estudando pra ser jornalista, mas não conseguia me imaginar como um. Minha vida nunca passava da teoria.

- Walter... – chamei, querendo pensar em alguma besteira qualquer para afastar esses pensamentos apavorantes da cabeça

- Oi.

- Você não acha que Walter é um nome meio estranho?

- Acho... mas quando eu começo a pensar assim, digo pra mim mesmo: “Bom, se fosse Wagner seria bem pior” e aí me sinto melhor.

- Hm...

- Você é tão monossilábico...

- Você acha?

- Aham... Nunca te vi tagarelando. Você devia fazer isso; é bom.

- Acho que todas palavras de que eu preciso se concentram na minha mente.

- Nossa... Isso foi profundo. Tá vendo: quando você abre a boca sempre é pra dizer no máximo duas frases ou então algo profundo.

- Você não presta...

- Não mesmo.

- Walter... – chamei mais uma vez, depois de alguns minutos andando em silêncio.

- Você realmente adora meu nome...

- Porque tinha rosas na sua mesinha?

Que pergunta estranha!, pensei comigo mesmo depois de tê-la feito. Mas era algo que me atormentava desde o dia anterior, não sei nem por que. Afinal, o que tinha de errado em ter algumas flores no quarto?

- O que tem de errado com elas?

- Nada... Eu só... Sei lá, achei meio surreal.

- Eu gosto de flores. Tem tantas no jardim, que não custa nada tirar algumas e trazer pra casa, não é?

- Aham.

- Você não gosta de flores?

- Gosto... – respondi, pensando. – Gosto, sim.

- De quais?

- Bom, não sei... – porque estamos falando tanto de flores? – Nunca vi nenhuma que achasse feia. Nem nunca reparei muito em alguma que achasse mais bonita que as outras.

- Calma, deixa eu absorver isso... Você é meio complicado às vezes.

- Não sou, não. – falei rindo. A conversa se desviou pra outros assuntos e as flores foram esquecidas.


                                                    - x -

Na semana seguinte, durante uma aula de Português, achei uma pétala de rosa branca dentro do meu dicionário. Não devia ter sido colocada há muito tempo, porque eu tinha usado ele naquela mesma aula.

- Viu alguém mexer aqui? – perguntei a Walter, que estava do meu lado.

- Não. – ele respondeu, e voltou a prestar atenção no professor.

Olhei ao redor. Não, eu não tinha visto ninguém mexer nas minhas coisas. A única pessoa que teria uma chance real de colocar aquilo lá tão rápido que eu nem perceberia era o próprio Walter. Olhei mais uma vez para ele. Minha vontade era perguntar “Foi você?”, mas não fiz isso.


Por quê? Naquele momento eu tinha absoluta certeza de que tinha sido ele. Perguntaria apenas para confirmar. Mas o que eu faria se ele dissesse que realmente tinha colocado aquela pétala lá?


Achei melhor não dizer nada. Até porque também tinha certeza de que ele sabia que eu sabia. No fim das contas, podia ser apenas uma brincadeira qualquer. Algo pra me deixar nervoso e pensando que fosse alguma coisa realmente importante.


Tentei não pensar mais nisso.


                                                   - x -

Alguns dias depois achei outra pétala. Desta vez estava no meu caderno, e só vi quando cheguei em casa. Curiosamente, estava na página em que eu tinha anotado uns versos de Fernando Pessoa.

Dai–me rosas, rosas
E lírios também.


Guardei-a cuidadosamente dentro da Antologia Poética de Fernando Pessoa, onde a outra, já murcha, também estava.


Por que ele está fazendo isso comigo?, pensei. Não tem mais graça.


E o pior era que Walter agia como se nada estivesse acontecendo. Estava tudo tão normal que por vezes achei que aquelas pétalas eram uma alucinação minha. Às vezes até me pegava repassando mentalmente todas as pessoas que conhecia e avaliando qual delas faria isso.


Mas, no fundo, eu sempre soube, não é?


Eu também tinha de admitir que gostava daquilo. Tinha de admitir que achava romântico. Poético. E, quando pensava assim, me repreendia mentalmente por estar agindo como uma garotinha apaixonada e tentava me convencer de que aquelas pétalas não significavam nada.


Mas elas significavam, sim.


Até as férias recebi mais cinco delas. Todas brancas. Era uma pena que murchassem tão rápido... Mas eu não me atrevia a jogá-las fora. Ficavam lá, dentro do livro, mesmo secas e marrons.


Eu nem pensava mais na possibilidade de tocar no assunto com Walter. A simples idéia de que ele poderia responder já me aterrorizava. Resolvi deixar tudo como estava.
No último dia de aula nos despedimos como se estivéssemos indo pra guerra. Ele me fez prometer que passaria na sua casa. Mas eu não passei. Naquele mês de férias nos falamos apenas por telefone, e e-mail de vez em quando.


Senti falta das pétalas, mesmo sabendo que não as receberia enquanto não voltasse a vê-lo. Talvez tenha sido por isso que não fui na casa dele; eu estava com medo de que isso fosse a confirmação.


E se eu fosse lá e ele me confessasse tudo? Não, não podia correr esse risco. Tudo estava muito bem como estava. Eu já tinha certeza de que era ele.


Mas por quê?


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