Pra não Dizer que não Falei de Flores escrita por Moony


Capítulo 19
Presentes e algo mais




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Capítulo 19 - Presentes e algo mais

 


De repente, as semanas começaram a passar mais rápido e, quando eu dei por mim, as ruas já estavam lotadas de pessoas carregando sacolas. Isso significava que eu teria de comprar alguma coisa pros meus pais e pro Walter logo, pois o Natal estava chegando.

 

Fora isso, depois de uns dois finais de semana dedicados a repor o meu sono perdido, comecei a me acostumar melhor ao fato de ter que acordar estupidamente cedo pra ficar correndo naquele jornal. Bom, eu não sabia exatamente como servir café e tirar xerox podia me ajudar numa carreira futura, mas o que se há de fazer?

 

- Walter...

 

- Oi.

 

Almoço. Dezenas e dezenas de estudantes falando e comendo ao mesmo tempo. Um ambiente maravilhoso para se estar...

 

- Desde que eu entrei naquele jornal, eu me sinto cada vez mais deslocado.

 

- Deslocado como?

 

- Tipo... eu não combino com isso, sabe. Jornalismo. É frenético demais pra mim.

 

- Mas você não gostava, Rô?

 

- Gostava. Gosto, aliás. Parece realmente bom. Só que não parece o tipo de coisa em que eu possa me dar bem. Não consigo me imaginar escrevendo loucamente uma coisa que vai ser publicada em dez minutos, nem indo atrás de furos estranhos, ou coisas assim.

 

- Mas tudo tem ramos... Semestre que vem a gente vai ver Fotojornalismo. Vai ser legal. Se na metade do curso ‘cê ainda não gostar, vai atrás de outra coisa. Mas assim no começo... Sei lá. Daqui a pouco ‘ce acostuma com a rotina lá do jornal e vai achar legal.

 

- Se você diz... – respondi, sem acreditar muito.

 

- Vai por mim.

 

- Eu só não quero perder tempo numa coisa que pode não dar certo.

 

- Que pode não dar certo. Assim como também pode dar certo. Se não fosse Jornalismo, ‘cê ia fazer o quê?

 

- Bom... eu não sei. Letras, talvez.

 

- Olha aí, nem tem certeza. Melhor ficar com Jornalismo mesmo. Vai ser legal, você vai ver.

 

- x -

 

- Como estão as coisas? – perguntou a mesma mulher que me conduziu ao meu posto no primeiro dia do estágio, surgindo do nada bem na hora em que eu estava enchendo uma xícara de café. Quase derrubo tudo.

 

- Ah... Tudo bem. Eu acho.

 

- Não estão abusando, estão?

 

- Não, não.

 

- Hm, que bom. Qualquer coisa pode falar comigo. Qual o seu nome mesmo?

 

- Rodrigo.

 

- Ok, Rodrigo. O meu é Sônia. Até mais.

 

E sumiu por entre as mesinhas, apressada como sempre.

 

- Ela é legal, viu? – falou uma moça atrás de mim. Ela estendeu a mão. – Márcia. Eu sei, é Rodrigo, deu pra ouvir. – ela falou, antes que eu abrisse a boca pra dizer meu nome.

 

- Hm... Ela me assusta um pouco. – comentei com um sorrisinho amarelo.

 

- É assim mesmo. Depois você se acostuma.

 

- É, todo mundo diz isso. Deve ser verdade. – conversávamos andando em direção à sala onde eu costumava ficar. Entreguei o café a quem tinha pedido e a garota ainda estava do meu lado.

 

- Eu fico aqui também. – ela falou, se sentando de frente pro seu computador.

 

- Ah... é que eu nunca tinha te visto aqui.

 

- Normal, minha mesa fica bem atrás da coluna. Logo, logo você pega o ritmo disso aqui. – ela continuou falando, como se lesse meus pensamentos de socorro-eu-não-sou-daqui. – Porque geralmente acontecem duas coisas: ou a pessoa chega aqui achando que nasceu pra essa correria, ou ela fica deslocada achando que definitivamente não nasceu pra isso. Eu acho que ‘cê tá no segundo caso.

 

- Dá pra perceber, né. – falei, me jogando numa cadeira.

 

- É. Meio chato ficar ouvindo todo mundo dizer que um dia você vai acostumar e coisa e tal, mas é que é verdade. Quando eu cheguei aqui, pensava que era o máximo. Hoje acho até meio monótono.

 

- Monótono? – perguntei, assustado.

 

- É, cara. Depois que você se acostuma com alguma coisa, em pouco tempo ela fica chata. Então você tem que fazer coisas novas, entendeu? Todo dia sai uma edição, com as mesmas colunas e seções. As notícias são diferentes todo dia, mas mesmo assim são iguais, entende? Elas seguem um padrão. Tudo segue um padrão.

 

- Eu não quero ser chato, mas isso é uma tentativa de me animar?

 

- Claro – ela respondeu, rindo. As pessoas são estranhas. – Só estou te dizendo como as coisas podem ficar depois que você se acostuma. Você não precisa achar tudo uma merda, assim como não precisa se iludir achando que tudo vai ser uma maravilha, entendeu?

 

- Acho que sim.

 

- Tá. Quer fazer um favor pra mim?

 

- Claro. – respondi, solícito. Afinal, era pago pra isso.

 

- Me traz um pouco de café. Tô filosofando demais.

 

- x -

Enquanto as pessoas tentavam me fazer ver a profissão com outros olhos, eu pensava no que comprar pro Walter. Nunca tinha dado um presente a ele e não sabia o que fazer. Pior, não tinha ninguém pra me ajudar.

 

Eu não gostava de ganhar roupas e achava que talvez ele também não gostasse. Não dava pra escolher um cd porque Walter tinha um monte, de tudo o que queria. Nas lojinhas de presentes e outras miudezas tinham coisas lindas, mas que custavam os olhos da cara e mais um pouco.

 

Foi nessa hora que eu lamentei não ter uma amiga. Mulheres ajudam nessas horas, e eu não podia chamar a minha mãe pra esse serviço. Então pensei na Márcia, mas nós apenas conversávamos nos intervalos – raros - em que tínhamos cinco minutos livres. Não era intimidade o suficiente pra chamá-la pra sair comigo e me ajudar a comprar um presente pro meu namorado.

 

- Que cara é essa? – ela perguntou outro dia.

 

- Que cara?

 

- Essa cara de preocupação.

 

- Não é nada. Só to pensando no que comprar pra uma pessoa.

 

- Namorada? Mulheres gostam de livros.

 

- Não, não exatamente.

 

- Namorado? Homens gostam de sapatos.

 

- Não gostam, não. Ei!

 

- Rá! Sabia que ‘cê era gay.

 

- Fala baixo. Eu não disse nada.

 

- Claro que disse. Falar baixo pra quê? ‘Cê acha que metade desse prédio também não é?

 

- Deixa pra lá.

 

- Claro que não. O quê que ‘cê vai comprar pra ele?

 

- Eu acabei de dizer que não sabia.

 

- Ah, é verdade. – nessa hora o telefone dela tocou. – Só um minuto.

 

 Passou-se um minuto.

 

- Quer ajuda? Eu vou comprar os presentes no fim de semana, aí ‘cê vem comigo.

 

Ajuda caindo do céu. Dá até pra desconfiar.

 

- Sério? – falei, me entregando.

 

- Claro.

 

 

- x -

 

 

Com uma desculpa esfarrapada e uns minutos tentando fazer Walter acreditar nela, consegui um sábado para sair com a Márcia e comprar o bendito presente. Apesar de tudo ter sido absurdamente rápido, seria bom ter uma opinião feminina no fim das contas.

 

Ela mantinha fora do jornal quase a mesma agitação que era comum lá dentro. Apontava vitrines freneticamente no shopping, comprando na velocidade da luz coisas que eu às vezes nem tinha oportunidade de ver direito. Somente depois de umas três sacolinhas de lojas de bijouterias foi que ela deu total atenção ao meu pequeno problema.

 

- Então, o que você quer comprar?

 

- Mas não é exatamente esse o problema? Eu não sei o que comprar.

 

- Mas deve ter ao menos uma ideia, não?

 

- Eu só queria algo que fosse bom e que ele realmente gostasse.

 

- Vocês namoram há quanto tempo?

 

Ela perguntou enquanto procurava alguma coisa na bolsa. Aproveitei a distração dela para fingir que não tinha ouvido a pergunta. Não achava muito confortável ficar falando disso com alguém que eu mal conhecia, mas não podia negar que ela não era o tipo de pessoa que não inspirava confiança. Muito pelo contrário. Talvez só fosse um pouco mais elétrica que o comum.

 

- Hein? – ela insistiu, talvez achando que não tinha ouvido minha resposta. O barulho no shopping era infernal, e a toda hora esbarrávamos em alguém ou em alguma sacola sem nenhuma cerimônia.

 

- Ah... uns dois meses.

 

- Aaah, é muito pouco tempo. Não precisa dar nada muito elaborado. – ela falou, com um imenso gesto com a mão, como se a coisa não fosse tão importante quanto eu pensava. Lembrei do que Walter fez no meu aniversário; retribuir com algo não muito elaborado não seria lá muito justo. – Que tal roupa?

 

- Não, roupas são coisas tão sem graça.

 

- Não são, não!


- Bom, pra mim são. E acho que pro Walter também seria.

 

- Walter, hein? Que belo nome. – ela falou, com um toque de ironia que eu não deixei de notar. Ainda rindo um pouco, continuou: - Um CD, DVD, livro? Coisas de rapazes intelectuais.

 

- Ele tem tantos. Eu teria que gerar um gosto novo nele pra poder comprar algo assim, porque do que ele gosta já tem. Ficaria chato se eu acabasse comprando algo repetido ou desinteressante.

 

- Tá, tá. Que cara complicado que você arranjou. É da faculdade?

 

- É, sim.

 

- Aaah, olha isso aqui.

 

Paramos numa vitrine de uma loja pequena de presentes. A maioria das coisas poderia ser comprada sem problemas para uma mulher, mas não era esse o caso. Uma parte da vitrine estava reservada para uns artigos de aspecto elegante; chaveiros de metal brilhante, canivetes em estojos de veludo, as típicas peças de xadrez em vidro fosco, e algumas pequenas estátuas de metal retorcido representado homenzinhos tocando instrumentos. Eram essas estatuetas que Márcia apontava.

 

- Lindas, não são?

 

- São, sim. Deve custar metade do meu salário.

 

- Nossa, como você é dramático! Vem, vamos entrar.

 

- Dramático? Você não conhece o Walter. – reclamei, entrando e evitando o olhar solícito da vendedora.

 

Realmente, não custava metade do meu salário, mas que era caro, isso era. Achei um pouco demais pedir quase oitenta reais por uma coisa que até eu, num momento de inspiração suprema, poderia fazer com um alicate e uns arames grossos. Era um argumento idiota, mas a única coisa que pude pensar na hora. Havia umas maiores, outras médias e, finalmente, as pequenas, mais ou menos do tamanho de uma mão. Ficariam ótimas na mesa dele.

 

- Olha, essas pequenininhas são razoáveis, não são? – Márcia falou, olhando as etiquetas dos preços.

 

- É, são. – falei, distraído, escolhendo os mais bonitinhos.

 

- Ei, não leva agora, não. Vamos dar mais uma volta e ver se a gente acha algo melhor. Se não, voltamos.

 

- Isso vai levar horas. – comentei, desanimado. – Eu achei uma coisa legal, por que não levar?

 

- Porque você tem que escolher as coisas, oras. Ter uma noção do quadro geral pra depois saber se aquilo é o melhor ou não.

 

- Você mesma disse que não precisava de algo muito elaborado.

 

- Até as lembrancinhas mais idiotas têm que ser bem escolhidas. Imagina então um presente de Natal pro namorado! Aí é que a coisa pega mesmo. Vamos, não seja impaciente. Onde você deixou o seu lado feminino?

 

- x -

 

Levou cerca de uma hora para que ela se convencesse de que não havia algo mais interessante do que as estatuetas de metal polido. Voltamos à lojinha, e em pouco tempo eu saía de lá carregando uma sacola com três homenzinhos, um com um guitarra, outro com um saxofone e o maior deles sentado em um banquinho com uma bateria à sua frente. Uma graça.

 

- Acho que ele vai gostar. – comentei, feliz comigo mesmo.

 

- Claro que vai.

 

Por fim, paramos na absurdamente lotada praça de alimentação e ficamos conversando sobre a vida enquanto aumentávamos nossos níveis de colesterol com fast food.

 

- Country? Sério, eu não conheço muita gente que goste. Na verdade, não conheço ninguém. E olha que eu não posso dizer que conheça poucas pessoas. – ela falou, comentando maldosamente o meu gosto musical.

 

- Eu não gosto só de country, é só uma das coisas que eu gosto. E não há tão poucas pessoas assim, o Walter também gosta.

 

- Perfeito.

 

- Pois é. Valeu pela ajuda. Mesmo.

 

- Ora, nem foi difícil. Você teria conseguido sem mim.

 

- Talvez. Mas acho que isso aqui – falei, apontando para a sacola apoiada na outra cadeira da mesa – não estava na vitrine da última vez que vim aqui.

 

- Devia estar. Você que não olhou direito.

 

- Não sei, não...

 

Ela gostava de discordar de mim, ou pelo menos assim me parecia, e gastávamos uns bons minutos discutindo essas pequenas coisinhas. No fim das contas, foi um dia bom e eu não precisei gastar metade do meu salário e dos meus neurônios na árdua tarefa de comprar um presente pro Walter.

 

- x -

 

 

- Te liguei ontem e ‘cê tinha saído. – Walter comentou, não tão despretensiosamente quando deveria.

 

- Pois é. – era domingo e estávamos confortavelmente abraçados no sofá da casa dele, assistindo um filme idiota qualquer.

 

- E pra onde você tinha ido? – ele continuou, definitivamente me interrogando.

 

- Pro shopping. Já é quase Natal, você sabe.

 

- Ora, você podia ter ido comigo!

 

- Não podia, não. Como eu ia comprar alguma coisa pra você?

 

- Ah. É. – ele falou, ligeiramente envergonhado. – Não tinha pensado nisso.

 

- Você é genial.

 

- Ah, obrigado. Me sinto melhor agora.

 

- De nada.

 

- Por falar em Natal...

 

- Não, ainda não falei com eles. Mas falo ainda essa semana.

 

- Tá. – ele falou, perigosamente perto do meu ouvido. – Esse filme tá chato, né?

 

- Demais.

 

- Tem coisas mais interessantes pra se fazer lá em cima.

 

- Você acha?

 

- Aham.

 

- Bom, tente me convencer.

 

Ele riu e mordeu minha orelha, e imediatamente o calor começou a se espalhar pelo meu corpo a partir dali. Walter já tinha me demonstrado que sabia usar a língua muito bem no que ele se propusesse a fazer com ela. Eu só não esperava que ele de repente me empurrasse para o assento do sofá, me deitando lá.

 

- Não íamos subir?

 

- Achei que era exatamente isso que estávamos fazendo. – ele respondeu, rouco e malicioso, pondo a mão na minha calça para ilustrar seu comentário. Com a outra mão, pegou o controle e desligou a televisão.

 

Eu não duvido que tenhamos passado uma boa meia hora nos beijando. Walter era um amante paciente e gentil, e, até o momento, o único que eu tivera e pretendia ter. Eu não conseguia deixar de pensar em como eu tinha sorte por tê-lo ali comigo, enquanto ele se movia lentamente dentro de mim e pontuava cada entrada com um ou dois comentários maliciosos que me fariam desviar o rosto se a situação fosse outra. Alguma parte da minha mente registrava vagamente que aquele sofá de couro era extremamente quente pr’aquele tipo de atividade.

 

Como se isso realmente importasse.

 

- x -

 

- ...eu só sei que, quando chegar em casa com esse cabelo molhado e com essa cara de quem acabou de tomar banho, minha mãe vai ter um chilique. – comentei com Walter, que secava o pé com uma toalha, sentado na cama.

 

- Não sei por quê. Você é maior de idade e é homem. Tem todo o direito de aparecer em casa com cara de orgasmo...

 

- Eu tinha dito “banho”, sabe.

 

- Quase a mesma coisa.

 

- Com certeza.

 

- Pois é. E você não vai embora agora, dá tempo de secar e voltar com cara de ônibus mesmo.

 

- Eu não estava com cara de ônibus quando cheguei. E é claro que eu vou agora, tá anoitecendo.

 

- Grande coisa! – Walter exclamou, decididamente chateado. – Você já saiu daqui bem mais tarde do que isso. Aliás, você até já dormiu aqui. E devia fazer isso mais vezes.

 

- É, mas eu quero evitar conflitos. Principalmente porque quero te levar pra lá no Natal, lembra? Me deixe ser um bom rapaz nestas épocas de festa. E, além do mais, nós dois precisamos acordar cedo amanhã.

 

- Mas, Rô... – ele começou, fazendo manha. – Fica, sei lá, até a metade do Fantástico.

 

- Sem condições.

 

- Vou dormir infeliz hoje.

 

- Você supera. Sei que é capaz.

 

- É sofrimento demais pra mim.

 

Não pude resistir a isso e, rindo, lhe concedi um beijo de despedida particularmente demorado.

 

- x -

 

Com um pouco mais de relutância do que eu esperava, minha mãe disse que eu poderia trazer o Walter para a ceia de Natal. Quando o meu pai começou a achar isso estranho e desnecessário, ela rebateu com a mesma história que eu tinha lhe contado: a do melhor amigo que não ia ter família para dividir uma noite tão... familiar.

 

Já faltando uma semana para o Natal, nossas aulas terminaram e passamos gloriosamente em todas as matérias. Em mais ou menos um mês seríamos alunos do S3.

 

E de repente já era dia 23.


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Notas finais do capítulo

N.A.: Olha eu aqui de novo :D
Bom, parece que este capítulo saiu um pouco maior do que o costume, e era isso mesmo o que eu pretendi fazer daqui pra frente: capítulos maiores pra coisa andar melhor.
E, olha só, Rodrigo interagindo com alguém além do Walter e do Lucas. Finalmente uma amiga, não?
Até mais e digam o que acharam :D