Ela me analisou por alguns segundos. Quero dizer, ela realmente me analisou. Mediu meus olhos, olhou pra minha boca, observou meus nariz e meu peito. Ela parecia estar medindo minhas reações.

“Você realmente não sabe quem eu sou, não é?” perguntou. Não estava debochando.

Eu lhe olhei então. Os cabelos escuros, os olhos escuros, a boca fina demais, o nariz proporcional... Não, eu não tinha a menor ideia de quem ela era.

“Não.”

“Eu sou a Lara.”

“Ah... Hahahahaaaaaa-“ e eu desmaiei.

Capítulo 2 – Ex-tressante.

É, foi desse jeito aí que eu conheci a criatura. Na minha humilde opinião, não foi uma boa maneira de se apresentar. Quero dizer, ela me assustou e me fez desmaiar. Tenho pressão baixa, queridos, realizem!

Enfim, desde então ela me assombra diariamente.  Ela não respeita privacidades, me enche o saco enquanto eu durmo e não tem mãe de santo que a tire de perto de mim. De acordo com as várias mães dinás que eu fui, ela é um espirito muito teimoso. Ela nunca me deixa descansar, não existe horas de paz para ela e ela definitivamente não quer ir pra luz do fim do túnel.

Quando eu pergunto por que ela faz isso comigo, sua resposta é sempre a mesma: “Você merece bem mais.”

Eu não gosto muito de falar com ela, para ser bem sincera. Eu prefiro ignorar. Entretanto, além de tudo, a criatura é terrivelmente carente! Ela não suporta não ter atenção, da última vez que eu a ignorei os vidros da janela do meu quarto voaram sobre mim. Claro que isso foi depois de muito tempo e foi demais pra mim! Eu fui na mesma hora num centro espírita. Metade da galera de lá não enxergava a fantasma que me perseguia, na verdade, falavam com ela olhando pra esquerda quando ela estava na direita o tempo inteiro.

E isso realmente me encheu o saco.

Pesquisei vários meios de exorcizar a tal da Lara da minha vida, mas não teve jeito. E o pior, ela, de uns dias para cá, por ter sido tão ignorada resolveu tocar num assunto que não tinha como ignorar: meu namorado.

“Sabia que ele sente muitas cócegas?” perguntou.

Ignorei. Eu estava lendo, cara! E é óbvio que eu sei que o MEU namorado sente cócegas, em todos os lugares possíveis.

“E ele odeia que debochem dele...” disse também.

Eu lhe dei uma olhada. Ela me olhava com aquele sorriso insuportável de ‘eu te avisei’. Meu namorado e eu havíamos brigado ontem porque eu debochei dele. Eu sou naturalmente debochada, que eu posso fazer?

“Assim como ele odeia que fiquem falando com ele enquanto ele olha jogos de futebol.”

“Todo garoto é assim.” Rebati.

Ela deu de ombros e eu retornei a minha leitura.

“Sabe do que isso me lembrou?” era uma pergunta retórica, mas eu respondi imediatamente:

“Não me conte!”

“Uma vez nós fomos assistir um jogo do time dele.” Ela seguiu sem se importar com o que falávamos. “Mas não vimos uma jogada, ficamos o tempo inteiro nos beijando.”

Dessa eu tive que rir. “Querida, sonha! Homem nenhum troca doze jogadores e uma bola por você.” Levantei e fui buscar coisas para o meu banho.

“Ah não é? Ele já trocou coisas muito interessantes por mim se quer saber.” Ela disse. “Tipo jogos de computador, amigos, amigas...” ela passou as unhas contra a roupa e completou: “Acampamentos da faculdade.”

Paralisei. 

“Isso não é verdade...”

“É sim.” Ela sorriu, vitoriosa enquanto eu ia direto pro celular.

Ele havia ido acampar duas vezes enquanto namorávamos e não teve chantagem emocional que bastasse para ele ficar comigo em casa. Eu fiquei possessa na hora, mas eu tive que deixar. Eu não era uma namorada chata – inclusive essa foi a frase que eu repeti para mim mesma bilhões de vezes – e ele me ama. Não faria nada com as colegas dele. MAS A LARA FEZ ELE FICAR EM CASA!!!!!!!!!

“COMO ASSIM VOCÊ FICOU EM CAASA POR CAUSA DA LARA E COMIGO VOCÊ FOI ACAMPARRRR?” foi minha frase inicial.

E isso acarretou uma briga de vinte minutos com direito a desligar o telefone na cara dele e retornar cinco minutos depois, ainda furiosa, para xingar e ser xingada por mais trinta minutos. Se não bastasse brigar com ele, ensandecida de ciúmes, a vadia de beira de estrada ainda ficava rindo de mim.

Desgostosa e extremamente irritada, desliguei o telefone e chorei por horas. Acordei no outro dia furiosa comigo mesma. Havia entrado no seu jogo. E pior, eu estava perdendo! Isso estava muito errado, eu já havia perdido horas da minha vida enquanto ela era viva me descabelando e imaginando o que eles podiam estar fazendo, agora eu passei dessa fase. Qual é! Eu sou ciumenta, sou mesmo, não tenho vergonha de admitir, mas cair no papo furado de um fantasma é ri-dí-cu-lo!

Passei a mão no meu cabelo, pulei da cama e olhei ao meu redor. Cinco minutos de paz! Ela havia desaparecido, eu sei que ela voltaria, ela sempre sai quando eu durmo. Às vezes suspeito que ela seja algum tipo de alucinação terrível da minha mente por causa disso, mas depois dela quebrar meus vidros decidi que ela definitivamente era real.               

Enfim.  Naquele dia, eu sabia que tinha que dar um jeito. Ok, ela gosta do meu namorado, e é um fantasma, e eu não gosto nada dela.

O que eu posso fazer para ela desaparecer ou para ela ficar bem irritada, pelo menos?

“Argh aquela-“ ela apareceu, louca da vida, do nada.

Meu coração foi às alturas! Sério, como assim invade meu quarto enquanto eu conspiro contra ela? Vaca louca.

“Argh! Eu não posso acreditar!” seguiu ela, batendo pés. Ela andava de um lado pro outro enquanto reclamava. Louquíssima. “Eu sempre soube! Sempre soube!”

“Eiii!” resolvi me pronunciar. “Que houve?”

Ela seguiu andando de um lado pro outro. Furiosa. “Eu vou assombrar ela! Vou arrebentar ela em duas, vou puxar seus pés a noite. Ela me paga! Eu vou-vou-vou.. Argh!!”

Gente, alguém acordou com o pé esquerdo.

“Eiii! Lara, o que aconteceu?” quis saber.

Ela se virou bruscamente para mim, ensandecida. Seu rosto estava totalmente desfigurado, ela estava louca de ódio. E sabe o que é o melhor? Ela me fez voar contra o espelho do meu quarto.

Maravilha!

“Ai, sua ignorante!” me mexi, furiosa. “Por que fez isso? Estupida!”

“Ah, meu deus!” ela pareceu arrependida, enquanto vinha me ajudar a levantar. “Desculpe! Eu não queria...” sua mão intocável atravessou a minha na intenção de me ajudar a levantar. Ela rapidamente segurou seu braço contra o corpo e seu rosto tornou-se rancoroso. “Desculpe.” Disse, e foi quase um sussurro.

Eu levantei sozinha, e toquei ligeiramente minha cabeça. Havia doído e eu estava surpresa: ela nunca havia feito nada assim antes. Eu, na realidade, nem sabia que podia. 

“Mas-“ pigarreei. “Que houve?”

Sua aura ficou vermelha e ela esbravejou. “Aquela desgraçada atacou de novo!”

Hm. Ok.

“Ahn...” comecei a formular uma frase, mas ela seguiu.

“Você tem que me ajudar!” ela apontou. “Prefiro você a ela!”

Eu enruguei meu cenho. Se ela preferia a mim, a outra opção certamente não iria me agradar.