Saigo Ni, Shiawase! escrita por Shiroyuki


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Depois que eu terminei de ler Shugo Chara, fiquei sentindo falta de um 'algo mais' com o Nagihiko e a Rima, e como eu amo esse casal, resolvi escrever o/
A história é baseada no capítulo do Encore, mas acho que dá pra entender bem mesmo sem ter lido!
Espero que gostem~



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/174780/chapter/1

Sem gritos, sem brigas, sem ruídos de vidro quebrando.

Aquele silêncio parecia desajustado, fora de lugar.

Era estranho.

Errado…

Não, pelo contrário. Pela primeira vez, estava tudo certo naquela casa.

Os pais de Rima haviam se separado há alguns meses, e ela agora vivia somente com a mãe. Elas passavam quase todo o tempo livre juntas. Seu pai vinha nos fins de semana, e eles dois iam ao parque ou ao shopping. O fato era que todos eles pareciam muito mais com uma família depois da separação.

Rima estava na escola ginasial, assim como todos os antigos guardiões do Seiyo. O uniforme da nova escola era bonito e caia realmente bem nela, mesmo que ela permanecesse com o tamanho de uma criança do fundamental.

Ela estava deitada no sofá – algo que era inaceitável em outros tempos – e lia um mangá, com Kusu-kusu flutuando ao lado da sua cabeça. Estava com o seu vestido favorito, vermelho e rodado, e a meia calça branca mais confortável. Kusu-kusu parecia chateada, pois o mangá que Rima havia pedido para sua mãe comprar não era de comédia. Era um romance. Rima parou de ler, deixando-o de lado, e fitou o teto, com um olhar perdido e um mínimo sorriso nos lábios.

— Ei! Rima! Do que você está rindo? É alguma piada? – Kusu-kusu avançou, pairando em frente aos olhos da garota.

— Eu só estava pensando. – Rima respondeu, com ar divertido. Há muito tempo aquela áurea de superioridade e frieza havia a abandonado – As coisas realmente mudaram por aqui, não foi?

A sua mãe estava agora na cozinha, preparando um pudim. Rima não gostava de pudim, mas iria comer esse com muito prazer. Perguntava-se de que modo sua mãe arrumava mais tempo se continuava trabalhando as mesmas muitas horas que antes, até que a constatação óbvia surgiu na sua mente. Esse era o tempo que antes ela gastava com as brigas e discussões.

— Querida! – a voz da sua mãe ressoou da cozinha. Aquela palavra parecia muito mais doce quando não vinha carregada de sarcasmo, como nas vezes em que ela se dirigia ao ex-marido – Você pode me fazer um favor?

Rima colocou as pantufas de coelhinho e foi prontamente até a cozinha, sem conseguir disfarçar sua alegria. Porém, ao fitar sua mãe, que estava sorrindo enquanto procurava por algo nos armários, vestindo aquele antigo avental amarelo que havia sido presente de dia das mães de muitos anos atrás, sentiu um vazio estranho, na região do peito, que parecia inflar. Seu coração se apertou, como se lutasse para bater mais forte. Como se aquela felicidade não fosse para ela. Ou como se ela ainda não estivesse completa ainda…

— Pode ir até o mercado comprar leite para mim? Está faltando para o pudim. – a mãe disse, balançando o vidro de leite vazio para ilustrar seu problema. Sorria de uma maneira que Rima nunca havia vislumbrado antes, e talvez isso se devesse aqueles telefonemas e encontros no meio da noite que ela sempre tentava a todo custo esconder – E também, traga um pouco de calda de chocolate, eu estou pensando em fazer algumas daquelas panquecas americanas…

— Ir ao mercado? – Rima repetiu incrédula. Era a primeira vez que sua mãe pedia que ela fizesse algo relacionado a tarefas de casa ou qualquer outra coisa. Também era uma primeira vez ela sugerir que Rima saísse sozinha de toda forma. O que estava acontecendo?

— Você não quer?

— Não! Quer dizer, eu quero! – Rima apressou-se em dizer, agitada - Eu já vou!

Ela saiu correndo pela sala, tão rápido quanto podia, pois temia que sua mãe mudasse de ideia repentinamente, parando apenas quando Kusu-kusu apareceu na sua frente, pulando no ar.

— Aonde você vai Rima?

— No mercado – ela respondeu trêmula pela excitação – Você acredita nisso? Eu vou ao mercado. Sozinha! Venha junto!

— Não. – a pequena cruzou os braços – Eu vou ao seu quarto ler algum mangá de verdade, já que você só lê aquelas coisas melosas cheias de “eu te amo” e “vou te proteger” ultimamente. – ela bufou, voando corredor à dentro.

A garota riu sozinha, colocando as sapatilhas pretas e lustrosas que estavam na entrada e saindo pela porta como um raio. Depois de tropeçar algumas vezes no caminho, ela desistiu de correr e pegou o elevador normalmente. Seu coração ainda estava agitado com a ideia de sair sozinha. Sua mãe estava realmente confiando nela! Saiu rapidamente porta a fora, quando o elevador parou, sentindo a brisa do final da tarde de outono no rosto. Aquela era a hora favorita de Rima, quando o Sol já não aparecia, e o céu avermelhado emoldurava as árvores que perdiam suas folhas nessa época do ano.

Começou a andar em alguma direção aleatória, imaginando que deveria haver mercados em algum lugar por ali. E o dinheiro? Bem, Rima não queria retornar para casa, pois ainda tinha a impressão de que se desse à sua mãe a mais remota chance de voltar atrás ela não deixaria que ela saísse mais. Ah, certo, deveria haver algumas notas no bolso do vestido, remanescentes do mangá que ela havia pedido para sua mãe comprar mais cedo…

Continuou com passo firme pela rua, prestando atenção em cada pessoa que passava por ela, nos passarinhos que buscavam refúgio da noite na copa das árvores, e nas folhas secas que cobriam cada centímetro da rua. Mesmo que esse fosse um cenário comum, quase tudo era novidade para a pequena garota que apreciava tudo calmamente, com olhar perdido e curioso. Chegou até uma esquina onde encontrou uma loja de conveniência. Em um lugar assim era provável que houvesse calda de chocolate. Avançou para o estabelecimento, vendo a porta automática abrir-se quando ela se aproximou, fazendo um barulho de campainha.

Confusa, Rima olhou para todas as prateleiras. Tinha tanta coisa pra vender ali! Comida congelada, comida pronta, comida pré-pronta… enfim, comida de todas as maneiras, e também revistas, ao lado da máquina de vendas e de uma cafeteira grande e de aparência ultrapassada. Um garoto de aspecto comum, que fitava o vazio com olhos cansados, estava do outro lado do balcão do caixa, usando um avental azul desbotado e parecia prestes a adormecer na frente da caixa registradora, com a cabeça apoiada na mão.

Rima prosseguiu por um dos corredores, olhando atentamente cada uma das embalagens coloridamente berrantes que estavam nas prateleiras de madeira vermelha. Lá estava a calda de chocolate, em cima de todas as outras caldas, como uma rainha sobre seus súditos. A garota ficou na ponta dos pés, agitando os dedos freneticamente tentando alcançá-la.

— Você não vai conseguir pegar isso – uma voz suave e calma soou de fora do campo de visão de Rima. Ela não se sobressaltou. Reconheceria aquela voz em qualquer lugar.

— O que está fazendo aqui, Nadeshiko? – ela indagou, descendo a mão lentamente sem virar o rosto. Ele estava vestindo roupas masculinas, obviamente, mas Rima não poderia perder essa chance de provocá-lo. Como sempre, ele estava arrumado demais para um garoto. Vestia um elegante parcá da mesma cor das folhas que caiam do lado de fora, e uma manta xadrez de tons pastel ao redor do pescoço.

— Queria comprar alguma coisa pra comer – ele respondeu, subindo e descendo os ombros despreocupadamente – E você? O que está fazendo aqui?

— Minha mãe me pediu pra comprar… alguns itens… - titubeou, finalmente encarando-o, sem conseguir lembrar o que deveria comprar. Era tudo culpa daquele garoto, que ficava a distraindo todo o tempo.

Nagihiko riu da confusão da garota — Ah… certo. – murmurou. Não desviava o olhar de Rima, o que a deixava desconfortável.

— E por que você tinha que vir justo a essa loja? – inquiriu com a voz fora do tom ríspido que pretendia.

— É a mais perto da minha casa – respondeu como se fosse evidente.

— Você mora perto de mim? – ofegou, surpresa com a revelação.

— Não exatamente – o garoto vacilou – Aqui não bem um lugar perto da sua casa, sabe?

— Aaanh... – Rima perdeu-se em pensamentos, tentando lembrar o momento exato em que ela havia se afastado de casa… certamente fazia sentido considerando que já era noite agora.

— Se esconda, rápido! – Nagihiko se apressou em dizer subitamente, empurrando Rima contra a prateleira. Segurou os braços dela com firmeza, ficando sobre ela enquanto olhava desconfiadamente para o lado.

— O-o-o-o q-q-que você pensa q-que está f-fazendo? –tropeçou nas palavras, tentando em vão afastá-lo. Seu rosto adquirira uma coloração escarlate imediatamente. Ele tinha um cheiro inesperadamente masculino.

— Por aqui. – sussurrou, trazendo Rima para mais perto e rebocando-a para o outro lado, até chegar ao outro corredor – Olhe lá – apontou para frente, mostrando o motivo da sua agitação.

Uma garota de cabelos castanho-avermelhados amarrados dos dois lados por fitas vermelhas dançava na parte dos congeladores, cantando, saltitando de um lado para outro e procurando por alguma coisa simultaneamente.

— É só a Yaya. – Rima disse o óbvio, sem entender.

— Então imagine o que era faria se nos visse aqui, juntos e sozinhos. – Nagihiko tentou ser o mais convincente possível.

— Aaah… - ela percebeu finalmente, acenando com a cabeça afirmativamente enquanto se escondia mais atrás da prateleira – Ela com certeza iria fazer muitas suposições… e então criaria uma versão dramática e faria um verdadeiro escândalo, espalhando isso para todos.

— Sim, exatamente… Ela está vindo para cá! – ele disse repentinamente, conduzindo Rima pela cintura até o final do corredor, e então, em direção à porta – Rápido, corre antes que ela veja! – sussurrou, segurando sua mão com força e puxando porta afora. Rima sentiu o local onde ele tocava formigar.

Eles saíram correndo pela rua, com Nagihiko arrastando Rima atrás de si. Ela não conseguia acompanhar a velocidade dele com suas pernas curtas, e não era capaz de pronunciar nenhuma palavra ao fitá-lo. Nagihiko sorria exultantemente, os cabelos voando ao redor da cabeça e os olhos refletindo as luzes da cidade. Rima não poderia olhar para qualquer outra coisa naquele instante, mesmo que quisesse.

Apesar de estar inebriada com a presença forte que ele demonstrava, ao dobrar a esquina ela mal conseguia sentir o ar entrar nos seus pulmões. Soltou a mão que Nagihiko segurava firmemente, apoiando nos joelhos enquanto recuperava o fôlego. Seu rosto estava afogueado devido ao exercício.

Nagihiko permanecia intacto, ainda que tivesse corrido a mesma distância — Você realmente nunca faz exercícios, não é? – comentou, sorrindo gentilmente – Se continuar assim se tornará uma sedentária, e nunca irá crescer!

— Idiota! Eu… Eu vou crescer sim, tá bom?

—Sim – ele concordou – E ficará linda…

Rima sentiu seu coração falhar uma batida — D-do q-que está falando?! – gritou, tentando disfarçar o embaraço – Vamos apenas sair daqui, a Yaya pode estar vindo para cá – completou, andando em frente, decididamente. Nagihiko a seguiu, alinhando-se a ela.

Ele andava com as mãos no bolso, e uma posição ereta e segura que o fazia parecer mais… adulto. Seu semblante era tranquilo e desanuviado, transmitia confiança. Rima não podia deixar de perceber o quanto ele estava bonito, enquanto caminhavam juntos. Era difícil admitir, mas apenas a aparência dele já a estonteava o suficiente. E mesmo assim, ela não conseguia desviar o olhar. Quando Nagihiko finalmente percebeu os olhares nada discretos que poderiam perfurar uma parede de concreto, fitou-a de volta, sorrindo calmamente. Ela corou furiosamente, voltando a olhar para o caminho. Onde eles estavam indo mesmo?

Como se lesse seus pensamentos, Nagihiko falou — Vamos até o parque que tem aqui perto?

Rima assentiu, sem voltar o olhar para ele.

— É por aqui – ele não hesitou em segurar a mão dela, fazendo-a atravessar a rua. Rima estava surpresa, mas continuou em silêncio.

Os dois entraram o que parecia uma enorme praça, deserta e escura, iluminada apenas pela luz espaçada e minguada de alguns postes antigos. Havia um caminho repleto de árvores dos dois lados, mas elas estavam secas, com as folhas amareladas devido ao clima. Rima imaginou como seria esse lugar durante a primavera, com a explosão de vida causada pela estação, enquanto Nagihiko se encaminhava para um banco mais próximo, iluminado pelo poste logo ao lado. Enquanto analisava a paisagem ao redor, ela percebeu. Aquele lugar era, sem dúvidas, o mesmo parque onde Nagihiko a encontrou, meses atrás, deprimida por causa da separação dos pais. Naquele dia ele a levou para ver os pessegueiros florescerem, já que as cerejeiras ainda não estavam prontas, e muitas coisas aconteceram. Aquele era um dia importante na memória de Rima, que ela recordava carinhosamente, mas agora não vinha em sua mente o motivo por aquela ser uma memória tão preciosa. Nos pensamentos dela, tudo o que envolvesse aquele garoto era confuso e bagunçado, encoberto por uma névoa de forçada indiferença. E causava sensações esquisitas.

Rima percebeu repentinamente a situação em que se encontrava, com a mão entrelaçada a de Nagihiko, largou-o rispidamente e sentou, tentando manter-se o mais afastada possível dele. A sua própria mão, que na maioria das vezes era fria, trazia agora um agradável calor, mas ela preferia não pensar nisso agora.

O vento pareceu notá-los apenas agora, e soprou com toda a força, fazendo voar os cabelos dourados de Rima. Ela estremeceu, sentindo o ar gelado invadi-la sem pedir permissão, e encolheu os braços. Nagihiko tirou seu próprio casaco, sentindo o calor esvair-se em menos de um segundo, e o colocou em volta dos ombros pequenos da garota. Ela o encarou, incrédula, com o rosto escarlate.

— Isso é o que um garoto deve fazer. – ele explicou, piscando um olho. Rima fitou o chão ao lado, desconfortável.

Ele também tirou o cachecol, enrolando-o em volta do pescoço de Rima, finalizando com um laço na ponta. Ela parecia com um boneco de neve embrulhado para presente. Apenas os cabelos bastos eram visíveis em meio ao mar de roupas que havia se tornado. Nagihiko reprimiu um sorriso ao vê-la assim, sabendo que ela não ficaria feliz com a comparação.

Rima sentia-se estranha. Um calor novo a abraçou, junto a uma sensação inexplicável de conforto e estabilidade. Ela aspirou o agradável aroma de sakuras que o casaco trazia. Esse era o cheiro dele? Com esse pensamento, ela afundou o rosto no cachecol, querendo escondê-lo. Seria ruim se Nagihiko soubesse o que ela andava pensando…

 Nagihiko olhou para o céu, parecendo mais sonhador do que nunca — Você parecia feliz lá na loja… - observou.

— Foi a primeira vez que a minha mãe me deixou sair sozinha. – ela explicou, sem saber exatamente o motivo pelo qual ela queria que aquele garoto soubesse sobre ela. Colocou os braços nas mangas do casaco, que ficavam enormes nela e não deixavam que seus dedos aparecessem.

— Por causa daqueles sequestros? – ele indagou em voz baixa, imaginando se estaria sendo muito intrometido ao dar segmento ao assunto.

— Sim – Rima disse suspirando. Depois de alguns segundos em silêncio, sorriu fracamente – Eu não quero falar sobre isso. Não agora.

Nagihiko assentiu, voltando o olhar para o céu. Rima fez o mesmo. Um momento de silêncio, cortado apenas pelo ruído do vento que balançava as copas quase nuas das árvores ao redor. Rima desfez o nó do cachecol, procurando algum espaço para respirar.

— Onde estão os seus Shugo Chara? – indagou curiosa.

— Eles foram embora quando encontramos você na loja.

— Por quê?

— Temari e Rhythm acham que eu deveria tomar logo alguma atitude. Eles disseram que seria mais fácil se eu estivesse sozinho.

— Como assim? – ela inquiriu, em dúvida se Nagihiko estava falando com ela ou consigo mesmo.

— Você gosta da noite, Rima? – ele mudou de assunto tão rápido que Rima não conseguia acompanhar.

— Eu gosto – confirmou em voz baixa, deixando a confusão de lado. A questão era que ela não gostava da noite até pouco tempo. Era escuro, e os barulhos estranhos pareciam assustadores. Porém, uma pequena constatação a fez mudar de ideia. A noite tinha a cor do cabelo de Nagihiko…

Enquanto Rima analisava os dois - o céu e o garoto – um brilho prateado rasgou a noite de uma ponta à outra, tão rápido quanto um piscar de olhos. Ela ficou atônita, olhando para o mesmo ponto durante poucos segundos, até ter certeza do que viu.

— Aquilo era uma estrela cadente, Nagihiko! – ela exclamou extasiada. Seus olhos brilhavam intensamente, combinando com o sorriso radiante que ela nunca havia mostrado para ninguém. Segurou o braço do garoto com força, chacoalhando-o – Você fez um pedido, não fez?

— Eu fiz. – ele sorriu calmamente, segurando o impulso de afagar a cabeça da garota – E você, Rima-chan?

— Eu não consegui. Não deu tempo. – ela admitiu num muxoxo de decepção – O que você pediu?

— Eu pedi para estar por perto da minha flor, sempre que ela precisar, e vê-la desabrochar lindamente – respondeu, olhando fixamente para a garota, que o encarava sem entender. Sem pensar duas vezes, segurou, por cima do casaco, a mão livre de Rima que pousava sobre o banco.

— Não é possível que você tenha pedido algo tão grande em um tempo tão curto – ela argumentou, soltando ambos, a mão e o braço, de Nagihiko. Tentou agir naturalmente, mas era impossível com aquele garoto. Encarou o vazio a sua frente, tentando recuperar o ritmo da respiração e da frequência cardíaca. Era inaceitável que um simples toque como aquele, que nem mesmo foi direto, pudesse causar tantas reações adversas à sua saúde.

— Eu já venho pedindo isso há muito tempo – ele disse sorrindo, enquanto mirava o céu acima. O coração da garota agitou-se.

— Você deveria tentar falar coisas que façam sentido, só para variar. Falar diretamente, sem enrolar. – Rima resmungou, ainda incomodada consigo mesma.

— Você quer que eu seja direto? – indagou, prendendo a atenção da garota apenas com um olhar – Então eu serei.

Rima tremeu. Não queria que ele fosse direto, de qualquer forma. Metáforas já estavam de bom tamanho. Nagihiko a fitava com tanta segurança que a deixava apreensiva. Seu olhar tinha um tipo de brilho estranho, inesperado. Quase esperançoso. E isso causava expectativas em Rima. Fazia a planta dos seus pés comichar, e suas mãos suarem frio por baixo da manga comprida do casaco. Ela não gostava de se sentir assim, por que não sabia o que esperar. Dele e de si mesma.

— O que você pediria à estrela cadente?

Rima o encarou com ceticismo — Você não está sendo direto.

— Apenas me diga o que você pediria. – ele pediu, seriamente.

— Acho que… eu não sei! Não tem nada que eu queira nesse momento. – ela articulou com cuidado. Não havia realmente nenhum desejo iminente a ser realizado.

— Nada mesmo? – ele voltou a perguntar.

— Nada – titubeou. Ela estava perfeitamente satisfeita. Seus pais já não brigavam, ela estava bem na escola, e tinha muitos amigos. Pedir qualquer coisa a mais seria egoísmo. Então por que ao pronunciar aquelas palavras, aquela incompreensível sensação de vazio a invadiu? Por que a impressão de que algo faltava sempre retornava, quando Rima imaginava que finalmente estava tudo bem?

— Sabe… eu passei muitas noites em claro, apenas pensando… e cheguei a uma conclusão. - Nagihiko mudou novamente de assunto, encarando agora o espaço vazio e escuro logo à frente – Eu e você… desde que nos conhecemos, tudo o que fizemos foi brigar, não é?

— Você ficou acordado de noite para chegar a essa conclusão?

Nagihiko riu. Ele estava nervoso também, afinal. Tudo o que queria era que as palavras saíssem naturalmente.

— Eu finalmente encontrei algo que quero com todas as minhas forças, mas quando chega a hora de alcançá-la, me faltam palavras. Isso não é patético? – Rima não respondeu à pergunta retórica, e ele continuou – Como eu disse, tudo o que nós fizemos foi brigar. Mas isso foram lembranças maravilhosas, para mim. Eu sempre apreciei a sua companhia, Rima, mesmo que você insistisse em me importunar, tentar competir comigo, ou criticar o que eu fazia…

Rima ofegou, sentindo seu coração acelerar inacreditavelmente rápido. Queria falar alguma coisa, mas sua voz pareceu trancada na garganta, não saia.

— E então eu percebi, só a sua companhia já não era mais o suficiente. Não bastava que você estivesse ali. Eu queria que você estivesse ali por mim. Eu queria ser alguém importante para você. Alguém de quem você sentisse falta, alguém por quem você ansiasse. Por que você já era esse alguém para mim, Mashiro Rima – com a voz embargada, ele travou.

Rima mostrava-se sem reação. Apenas seus olhos arregalados davam a entender que ela havia ouvido aquelas palavras. Teria entendido o seu significado?

— Eu não estou sendo direto, não é? – ele riu sem graça, com o rosto queimando – Eu… realmente me apaixonei por você, Rima. Eu te amo. Você entende isso? – murmurou. Ela continuou a fitá-lo paralisada. O que isso queria dizer? – Ah, Rima, você já recebeu uma confissão antes, sei que pode fazer melhor que isso! Seria bom se você me rejeitasse de uma maneira menos original. Um “eu não posso aceitar seus sentimento” bastaria…

— IDIOTA!! – Ela gritou com todas as forças, irrompendo em lágrimas. Avançou contra Nagihiko, dando socos no seu peito, com as mãos enroladas pelas mangas do casaco. Ele já esperava por esse tipo de resposta. Na verdade, chegou a imaginar que Rima tentaria bater nele, sim. Segurou os braços dela no alto, vendo seu rosto rubro contorcendo-se com o choro, como um bebê – Você não pode dizer tudo isso e esperar que eu diga qualquer coisa!! – ela berrou –  Pense um pouco nos outros!!! Eu… eu não estava preparada mentalmente para isso!!!

— Se você quiser, eu espero…

— NÃO! – ela interrompeu, soltando os braços – Eu vou pensar em algo legal para dizer! – fungou, limpando o rosto as costas da manga. Tentar recuperar qualquer pingo de dignidade era inútil a uma altura dessas. O que restava era continuar com aquela vergonhosa cena – Eu… não sei o que se deve dizer um uma situação dessas! – soluçou. Droga, nenhum daqueles mangás shoujo haviam realmente a preparado para uma situação real. Se ela tivesse lido comédias como Kusu-kusu sugerira, poderia sair dessa com uma boa piada.

— O que você pensa com relação ao que eu sinto por você, Rima? – Nagihiko tentou ser o mais simples possível, encarando Rima diretamente.

— Não diga essas coisas constrangedoras tão facilmente! E não fale o meu nome com essa voz…

Nagihiko sorriu. Isso parecia promissor.

— Está tudo bem, Rima-chan – deu ênfase especial ao nome. Pousou a mão no topo da cabeça dela, afagando levemente. Desceu lentamente, transpassando os dedos pelos fios dourados, até chegar ao rosto. Nem mesmo ele entendia de onde havia retirado essa ousadia, mas talvez tanto tempo fazendo Chara Change com Rhythm tivesse resultado em alguma coisa. Acariciou a bochecha de Rima, que brilhava a luz da noite, e secou ás lagrimas que ainda permaneciam. – Eu posso esperar até você ter certeza do que sente. Não tenho pressa.

Rima queria tirar a mão dele dali, dizer a ele que não a tocasse mais, porém não encontrava voz nem vontade para falar essas coisas. O que ela queria de verdade era que ele continuasse.

Nagihiko girou os polegares, acarinhando Rima. Ela fechou os olhos por um momento, sentindo o sangue subir à sua face. Movimentou seu corpo para mais perto, sem perder o contato visual.

— Se você preferir, eu me afasto. Sei que pode ser desconfortável para você, estando confusa…

— Não. – ela pediu em voz baixa, segurando a camisa de Nagihiko entre os dedos finos e gélidos. O ar da noite soprou mais uma vez, fazendo-a estremecer e aproximar-se inconscientemente dele – Não vai embora.

— Por quê? – ele insistiu. Por mais que tivesse deduzido a linha de pensamentos de Rima, e era realmente fácil decifrá-la, ele ainda queria que ela dissesse por vontade própria.

— Talvez… – vacilou – provavelmente… eu possa gostar de você. Só um pouquinho. – sua voz soprada mal podia ser ouvida. Nagihiko sorriu abertamente, sentindo seu coração quase pular para fora do peito. Ela apertou o tecido ainda mais, sentindo a pulsação acelerada dele na ponta dos dedos.

— Então diga diretamente – ele persistiu, tocando sua testa com a dela. A proximidade inesperada fez Rima perder a linha de raciocínio. Tudo o que ela via eram os orbes dourados que a fitavam sem oscilar, e refletiam o seu próprio reflexo assustado. A respiração cálida batia em seu rosto, causando arrepios na base das costas.

Rima sentiu suas pernas e sua voz trêmulas. — E-eu amo você. – ela disse de uma só vez, fechando os olhos. Ia abri-los, para verificar a reação de Nagihiko, mas ele foi mais rápido. Segurou o rosto de Rima gentilmente, trazendo-a para mais perto. Seus lábios se tocaram, hesitantes e inexperientes. Ele se afastou, cedo demais, e encarou Rima, incerto. Teria feito direito?

Rima afundou seu rosto no peito de Nagihiko, desejando poder ser invisível. Sentia todo o seu rosto formigar, e até a ponta das suas orelhas estavam vermelhas. Nagihiko pousou o queixo no topo da cabeça dela, absorvendo o aroma de morango, e circundou os braços ao redor do corpo diminuto, sentindo o calor confortável que emanava. Ela estremeceu. Ele riu baixinho. Aquelas reações eram tão fofas!

Um telefone tocava. Mas que senso de oportunidade perfeito!

— Desculpe, Rima – Nagihiko sussurrou, pegando o celular no bolso do casaco que ela usava, e atendeu-o – Alô? Kukkai? Ah, eu acho que agora não é a melhor hora… você poderia… Não, não te interessa o que eu estou fazendo! Droga, ok, eu tô indo...

— O que aconteceu? – Rima indagou, sem saber o que poderia ser dito nessa situação. Não conseguia encarar Nagihiko, e ao mesmo tempo, não conseguia manter os olhos longe dos seus lábios, que moviam-se suavemente quando ele falava.

— Kukkai. Nós marcamos de jogar basquete hoje à noite, e eu estou atrasado – ele explicou, contrariado.

— Então você deveria ir. – ela disse, levantando do banco. De pé, o casaco de Nagihiko cobria todo o seu vestido, fazendo-a parecer ainda menor – Eu acho que eu devo ir para casa também.

— Tudo bem, eu a levo até em casa - ele levantou também, segurando a mão de Rima firmemente entre a sua. Entrelaçou seus dedos nos dela, vendo-a corar instantaneamente, enquanto fitava o chão. Rumaram juntos até a saída, em completo silêncio. Não havia nada a ser dito.

Enquanto caminhavam pela rua iluminada, Rima apertou os dedos de Nagihiko entre os seus, apenas para verificar que ele continuava ali de verdade, que não era apenas um sonho. E desde quando ela sonhava com Nagihiko? Não sabia ao certo, mas era indubitável que aquele garoto já estava dominando seus pensamentos muito antes dela se dar conta verdadeiramente. Talvez esses sentimentos conturbados tivessem origem naquele dia de primavera, em meio aos pessegueiros. Ou então de quando ela descobriu o terrível segredo que Nagihiko guardava, e o tratava como um mentiroso indigno de confiança. Quem sabe, ainda, de muito antes, da época em que ela apenas via Nagihiko como um rival, alguém que tiraria dela os amigos que ela tanto custou para conseguir.

Mas aquele sentimento já estava impregnado nela, não importando quando foi estabelecido. Estava tão claro! Rima perguntava-se como não havia percebido antes, se era tão óbvio. Foi necessário que Nagihiko a pusesse contra a parede para que ela abrisse os olhos para dentro de si e enxergasse.

Tudo estava tão brilhante agora! Aquele era o mesmo caminho pelo qual ela passou há poucos segundos, mas agora ele parecia mais vivo, mais cintilante. As folhas amareladas que rodopiavam a sua frente pareciam estar no meio de uma dança silenciosa, ritmada pelo ruído de passos apressados e carros barulhentos, mas ela não podia ouvir nada disso, pois o som alto do seu coração acelerado se sobrepunha a tudo.

— Está tudo bem, Rima? – Nagihiko indagou, preocupado. Ela estava tão silenciosa, que ele temeu que tivesse se antecipado nas conclusões e a deixado desconfortável de alguma forma.

Rima acariciou a mão dele com o polegar, escondendo um pequeno sorriso embaixo do cachecol — Está tudo ótimo – sussurrou, para que apenas ele ouvisse.

Estavam chegando perto da rua onde ficava o prédio de Rima, e logo eles teriam de se separar. Era dispensável citar que nenhum dos dois queria isso.

— Hmm… Rima-chan… – Nagihiko olhava para o alto, tentando disfarçar o constrangimento. Seu rosto enrubescido o delatava – Será que você gostaria de sair comigo amanhã? Nós poderíamos tomar chocolate quente…

— Você que dizer… como em um encontro? – Rima indagou, encarando Nagihiko diretamente com seus enormes olhos, sem conter a expectativa.

— Sim, isso mesmo – ele confirmou. Ambos pararam em frente ao portão do prédio, sem soltar a mão um do outro.

— Eu… gosto de chocolate.  – ela disse apenas, soltando a mão de Nagihiko tão lentamente quanto fosse possível. Preparou-se para tirar o casaco e o cachecol para entregá-lo, mas Nagihiko a impediu.

— Pode ficar com eles, e me entregar amanhã – disse, sorrindo com gentileza.

— Você vai sentir frio – ela disse, seriamente – Fique ao menos com esse – enrolou o cachecol no pescoço de Nagihiko, ficando na ponta dos pés para alcançá-lo. Com esse gesto, seus rostos se aproximaram. Sentiu a respiração dele alentar sua pele, cálida e familiar. Encararam-se por poucos segundos, até Nagihiko apoiar uma mão na base das suas costas, e acariciar com a outra o seu rosto, trazendo-o para mais perto. Rima ficou ainda mais nas pontas dos pés, segurando-se com os dois braços no pescoço de Nagihiko. De olhos fechados, sentiu seus lábios tocarem os dele, movendo-se em conjunto. Era lento e calmo, prosseguindo gentilmente até que ambos necessitassem novamente de ar.

Rima afastou-se, com o rosto em brasas voltado para o chão. Nagihiko também estava corado, mas sorria levemente.

— Você tem que estar aqui às quatro horas amanhã, Fujisaki. – Rima disse, com seu olhar vacilando entre o chão e o rosto de Nagihiko. Sem pensar duas vezes, avançou contra o portão, e então correu até a entrada.

Parecendo estar em transe, Nagihiko acompanhou com o olhar o pequeno volume com pernas que corria desajeitadamente no caminho até a entrada do prédio, e ainda permaneceu algum tempo com o olhar parado mesmo depois que ela havia entrado. Ainda duvidava das próprias memórias.

Rima entrou no apartamento como um furacão, fechou a porta atrás de si com um estrondo e apoiando as costas nela, deslizou até o chão. Colocou os dedos nos lábios hesitantemente, apenas para confirmar que não estava tendo um devaneio. Sentia o corpo todo trêmulo, mesmo que tivesse deixado de sentir frio há muito tempo. Aos poucos, um sorriso profundamente verdadeiro foi se formando, até que Rima não pudesse mais contê-lo.

— Ei, Rima! O que é isso? Do que você está rindo? – Kusu-kusu surgiu sorridente na frente de Rima, trazendo na minúscula mão um mangá.

— Não é nada. – ela respondeu apenas, tentando recuperar o semblante usual sem sucesso.

— E as coisas que você ia comprar? Onde estão? – perguntou, procurando nas mãos vazias de Rima.

— Ah… eu esqueci completamente! – ela respondeu, rindo melodicamente. Com sua risada, o Chara Change ativou-se, deixando-a com pequenos desenhos de estrelas nas bochechas – Acho que as panquecas vão ficar sem calda de chocolate! E sem a outra coisa que ela pediu também.

— Rima, você está ficando louca?

— Acho que não – Rima ponderou por alguns segundou e saiu correndo, em direção ao próprio quarto. Se sua mãe a visse, faria perguntas, e ela não queria respondê-las agora. Kusu-kusu a seguiu, encontrando-a deitada sobre a cama. Dessa vez ela não estava em formato de bolinha.

— Você encontrou o Nagi-kun, Rima? – Kusu-kusu inquiriu, com um semblante de detetive que não combinava com ela.

— Por que a pergunta? – Rima indagou surpresa por Kusu-kusu ter adivinhado isso.

— Você sempre sussurra o nome dele quando dorme, e então sorri desse mesmo jeito bobo.

— E-eu faço isso? – Rima corou com a revelação, e fechando os olhos, abraçou seu travesseiro.

— O tempo todo – Kusu-kusu confirmou com convicção, rindo – E esse casaco, é dele também não é? Vocês dois estão em um love-love como aqueles mangás shoujo? Estão, não estão? Ah! Eu tenho que contar isso pra todo mundo!

— Para com isso, Kusu-kusu! Não faça nada desnecessário!

— OK, Te~hee~

Rima sorriu também, fechando os olhos e sentindo mais uma vez o perfume do casaco de Nagihiko. Logo havia adormecido, com o mesmo sorriso estampado no rosto. Mal podia esperar pelo dia seguinte. E o próximo também. E o outro depois deste…

Enfim, todos os dias que se seguissem seriam perfeitos, porque finalmente ela havia encontrado aquilo que deixava completa sua felicidade. Deixar Nagihiko feliz também. Essa era a razão pela qual ela vivia. E esse era o pedido que ela não fez, e que mesmo assim, fora realizado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bem, eu realmente espero que todos que leram tenham gostado. Deixem reviews, com suas opiniões, onegai!! >.
Ja nee o//