O Amor É Clichê escrita por Juliiet


Capítulo 8
Essa Festa Só Me Dá Dor De Cabeça


Notas iniciais do capítulo

Oi genteee :)
Os que leram o meu perfil aqui no Nyah! souberam que eu estive viajando e os que não leram, agora estão sabendo.
Bom, eu passei muito tempo sem postar, porque não deu mesmo, eu tirei férias. Mas agora eu voltei e não vou mais passar um mês sem atualizar isso aqui, beleza? Pelo menos uma vez por semana vai ter capítulo novo. Bom, esse aqui foi escrito às pressas, por isso ele ficou muito confuso e eu não gostei muito dele, pareceu meio corrido lá no final. Espero que vocês me perdoem pela demora, pelo capítulo ruim e pelos erros (novidade não dar tempo de corrigir, né?)
Boa leitura :)



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— Me. Solte. Agora — eu disse pausadamente.

Ele não me largou.

— O que você vê naquele garoto? — Vicente perguntou.

Eu me arrepiei. Sua boca estava próxima demais do meu ouvido. Aliás, ele estava próximo demais. Mais próximo do que qualquer outra pessoa – tirando minha irmã e Petra – já estivera. Eu estiquei minha mão direita até a mesa e tateei à procura de algum objeto pesado. Fechei meus dedos no telefone verde que eu sabia que estava ali e, com toda a força que pude reunir na minha mão ruim, atingi a testa do Vicente com ele, que me largou imediatamente, praguejando e colocando as duas mãos na testa.

— Não se preocupe, seu cérebro não vai cair — eu disse, triste demais para ficar furiosa. — Não é como se você tivesse um.

Virei-me e continuei tirando minhas coisas da mochila. Queria ir embora dali. Queria nunca mais voltar. Queria nunca mais ter de olhar para a cara daquele garoto que eu tanto odiava. Mas eu não podia. Não podia deixá-lo, não depois de hoje. Não depois do que ele fez comigo no intervalo. Foi quando eu percebi tudo claramente. Uma prévia do que minha vida escolar seria se Vicente resolvesse contar pra todo mundo que eu gosto do Silas.

Eu podia aguentar aquilo, não é como se as pessoas na escola fossem gentis comigo. Nunca foram. Não é como se, a cada dia, eu não tivesse que aturar os olhares de desprezo, as piadinhas, as brincadeiras de mau gosto. Sempre foi assim para mim. E isso não vai mudar. Mas eu não me importo. Nunca me importei. Posso aguentar essas coisas, sou uma menina forte, e poucas coisas me deixam com medo. Eu não tenho medo da escola e do que as pessoas podem fazer comigo lá. Não tenho medo do todo poderoso Vince. Para mim, ele é apenas mais um desperdício de espaço no mundo. Mas não é nada que eu não possa suportar. Eu tenho meu futuro, me agarro nele como um náufrago a um pedaço de madeira flutuante, sei que tudo vai ser melhor em alguns anos, quando eu provar que minha "nerdisse" é uma coisa boa. E me fará feliz.

Então por que eu não dou logo uma vassourada nesse filho de chocadeira do Vicente, mando ele ir catar cinzas no inferno e o deixo falar logo pra todo mundo o que eu sinto pelo Silas? Que se dane, certo? Eu posso aguentar as risadas, as piadinhas e tudo o que aquele pessoal metido da escola resolver fazer. Eu posso fazer isso, eu posso suportar.

Mas eu não posso permitir que façam isso com o Silas.

Ele é a pessoa que eu gosto. Com todos os defeitos e problemas. Silas não é perfeito, nossa, longe disso. Mas se eu me sinto bem, à vontade perto dele, então ele é perfeito pra mim. Ele é sensível e me aceita como eu sou. Não sei se ele também gosta de mim desse jeito, mas sei que ele gosta de ser meu amigo. Sei que ele me admira e gosta de estar comigo. Eu gosto dos cabelos ruivos dele e do seu jeito estabanado. Gosto que ele seja magrelo. Gosto do jeito como ele derruba as coisas e faz tudo errado. Ele é...confortável. Sei que ele é inseguro e tímido, sei que ele fica mal quando as pessoas são más, porque ele não entende. Ele simplesmente não entende por que as pessoas dizem coisas ruins para nós, por que elas nos fazem mal. Ele é tão doce e meigo que não consegue se acostumar com esse tipo de agressão. Ele não lida com isso do mesmo jeito que eu.

Sabendo disso, como eu posso permitir que meus sentimentos por ele acabem fazendo-o sofrer? Como eu posso permitir que façam mal à ele por minha causa? Não posso! E nem vou! E foi por perceber que nunca alguém como Vicente entenderia isso, esse tipo de sentimento, que eu comecei a chorar enquanto era humilhada no intervalo. Já passei por coisas desse tipo antes e elas já não me atingem. Mas ver Silas tão chocado e triste por aquele ataque, sem saber o que fazer, me deixou arrasada. Não posso deixar isso acontecer com ele. Então, não importa que eu odeie o Vicente mais do que já odiei qualquer pessoa. Eu não o abandonarei. Farei o que ele quer.

Farei o certo para a pessoa que eu gosto.

Aguentarei essa tortura pelo Silas. Farei isso por ele.

— Eu estou sangrando — Vicente disse com uma voz alarmada atrás de mim. — Porra, eu estou sangrando!

Larguei minhas coisas na mesa e olhei para ele enquanto o sangue escorria da sua testa, mais especificamente, da sua sobrancelha esquerda. Caramba, era muito sangue. Muito mesmo. Suas mãos já estavam manchadas de vermelho por ele estar tentando estancar o sangramento com elas, mas não adiantou muito, já que o sangue insistia em pingar no tapete.

É, Tina, você fez um estrago.

— Você está sangrando — eu disse, pateticamente.

— Sério? — ele disse, sarcástico, indo em direção ao banheiro. — Não tinha reparado!

Fui atrás dele, nervosa, afinal aquele corte parecia sério. Juro que não costumo ser violenta, mas esse garoto me faz perder o controle! Não é minha culpa! Mas, apesar disso, eu estava me sentindo só um pouquinho...culpada.

— Espera, deixa eu te ajudar — eu disse, aproximando-me dele, que estava avaliando os estragos feitos em sua cabeça no espelho do banheiro. Eu posso não gostar do garoto, mas também não vou deixá-lo sangrar até a morte bem na minha frente.
Exagero, eu sei, mas deu pra entender o que eu quis dizer.

— Não chega perto de mim, demônio! — Vicente rugiu.

É, isso não ia ser fácil.

— Fique quieto se não quiser que eu detone sua outra sobrancelha — ameacei e dessa vez ele me ouviu. Fiz o garoto sentar no tampo do vaso sanitário e afastei suas mãos para ver o corte. Era pequeno, mas sangrava bastante.

— Talvez não precise de pontos — pensei alto.

— TALVEZ?! — Vicente gritou, levantando-se e quase me fazendo cair para trás. — Você tá louca?! Ninguém vai me costurar! Não sou almofada!

Rolei os olhos. Dá pra ser mais infantil?

— Para de fazer drama, moleque — eu disse, impaciente, empurrando-o de novo para fazê-lo sentar, coisa que ele fez parecendo muito contrariado. — Onde está a caixa de primeiros socorros?

— Eu tenho cara de gay, por acaso? Por que você acha que eu teria uma coisa fresca dessas?

— Olha, eu prefiro nem dizer nada, já que meu cérebro ainda está tentando encontrar a lógica nesse seu raciocínio. Fique quieto aí que eu já volto.

Saí de lá e fui para o andar de baixo. Duvido muito que numa casa grande e cheia de empregados como essa não haja uma caixa de primeiros socorros. E eu estava certa. Foi só eu perguntar para a primeira pessoa que encontrei — uma senhora que estava lavando as janelas — e ela voltou minutos depois com a caixa nas mãos. Agradeci e voltei para o quarto. Vicente estava gemendo de dor no banheiro, parecendo uma criança mal comportada. Fiquei com vontade de rir e ele percebeu.

— Você ri porque não é você que está com a cabeça rachada — ele resmungou. — Ainda.

— Um garoto que chora por um cortezinho desses não é capaz de abrir a cabeça de ninguém — eu retruquei, de costas para ele, enquanto apoiava a caixa de primeiros socorros na bancada do banheiro e começava a tirar algodão, esparadrapo, gaze e antisséptico de lá.

— Eu não estou chorando!

— Aham, sei. Agora fica quietinho para eu limpar isso aí — eu disse, depois de espirrar o antisséptico no algodão.

— Vai arder? — ele perguntou, receoso, colocando a mão em cima do corte. Vicente estava tão bonitinho daquele jeito, sentado na minha frente com uma carinha de criança assustada e um corte na cabeça que...sei lá, meu coração ficou meio esquisito.

Acho que fiquei com pena dele. Ainda que ele não mereça.

— Não Vicente, não vai arder — eu disse para tranquilizá-lo. — Vou fazer com cuidado.

— Certo.

Ele se retesou quando eu comecei a limpar o corte, mas não falou nada e foi se acalmando aos poucos. Engraçado como ele parecia não estar acostumado com isso. Jogadores de futebol não vivem se machucando? E ele também surfa...não é um esporte muito seguro, certo? Esse menino devia viver machucado, então por que agia de modo tão estranho por causa de um pequeno corte na testa?

– Relaxa, você vai sobreviver – eu não pude resistir e disse, quase sorrindo.

Ele olhou para o meu rosto e levantou um dos cantos da boca.

– Também não vou virar o Harry Potter? – perguntou.

Eu derrubei o algodão enquanto ria. Ele se abaixou para pegar e eu também. Nossas mãos se tocaram e eu recuei. Ele não. Pegou o algodão e me deu, eu o joguei fora e peguei outro, parando de sorrir.

– Se você quiser eu posso te cortar mais um pouquinho para ficar em formato de raio – eu disse, enquanto continuava a limpar o sangue da testa dele.

– Não precisa, acho que vou querer ficar com a cabeça inteira, obrigado.

Depois de limpar o corte, fiz um pequeno curativo e me inclinei para dar um beijinho nele, sem perceber o que estava fazendo. Porém, caí em mim antes que meus lábios tocassem a pele dele e recuei três passos até que bati com as costas na bancada do banheiro.

– O que foi isso? – perguntou Vicente confuso.

– Nada – eu falei, rápido demais. – Já terminei.

Idiota! Eu sou mesmo uma maluca! Estou tão acostumada a cuidar dos ferimentos da minha irmã...nem tanto nos últimos anos, mas quando ela era menor, sempre se machucava. E então eu secava suas lágrimas, limpava seus cortes, fazia curativos e dava um beijinho para sarar mais rápido. Não tínhamos uma mãe que fizesse isso, então eu tentava o meu melhor para que Geny se sentisse bem. Eu gostava, aliás, gosto de fazer isso. E, por um momento, quase beijei o machucado do Vicente.

Será que estou com febre?

Saí do banheiro e discretamente coloquei a mão na minha testa para sentir a temperatura, mas parecia normal. Peguei as roupas que Vicente me deu para vestir e que tinham caído no chão e voltei para o banheiro, de onde Vicente saía.

– Não sei se brigo com você por me bater ou agradeço pelo curativo – ele disse, me olhando estranho.

– Um anula o outro, então esqueça os dois – eu disse, nervosa sem saber por que. – Vou tomar o banho que você pediu.

– Não precisa se não quiser.

– Eu quero – afinal, estava quente demais ali. – Eu preparei umas fichas de exercício para você sobre o que estudamos na segunda. Estão na minha pasta.

– Você fez isso para mim? – ele parecia surpreso com isso.

– Exercícios são ótimos para estudar, a repetição faz a matéria entrar na sua cabeça – eu expliquei, não entendendo o motivo da surpresa dele. – Você pode começar a resolvê-los enquanto eu tomo banho.

Entrei no banheiro e tranquei a porta. O banheiro dele era grande e – adivinhem? – verde. Se bem que a cor combina mais com um banheiro do que com um quarto, mas tudo bem. Coloquei a roupa que ele me deu em cima da bancada, do lado da caixa de primeiros socorros, tirei os óculos e soltei os cabelos, que caíram em cachos até abaixo da minha cintura. Fiquei nervosa, por algum motivo, me sentia envergonhada com a ideia de tirar a roupa na casa de um garoto, com o dito cujo separado de mim por apenas uma porta. Sei que é a maior besteira, já que ele não está vendo e nem se interessaria em ver, mas, tipo, ele sabe o que vim fazer aqui dentro. E sabe que para isso, terei que tirar a roupa.

Sou a maior boba.

Respirei fundo e, de costas para o espelho, me despi, com as bochechas em chamas. Mas eu estava suada, com calor e me sentindo imunda, então foi um alívio quando liguei o chuveiro e fui atingida por delicioso jato de água gelada.

Se há uma semana, alguém me dissesse que hoje eu estaria tomando banho no banheiro de Vicente Müller, eu apenas diria para essa pessoa largar as drogas, porque elas fazem mal à saúde. E mesmo agora, que estava aqui, a coisa ainda parecia irreal.

Enquanto lavava o cabelo com o shampoo 2 em 1 do Vicente (meninos definitivamente são preguiçosos), fiquei pensando no que Silas havia me dito depois que saímos do pátio. Eu estava chorando e odeio quando isso acontece. Odeio mais ainda que outras pessoas me vejam assim. Então corri para a escada e fiquei escondida lá embaixo, no mesmo lugar onde Vicente me levara na segunda feira, para falar sobre a “proposta” dele. Sentei no chão e abracei meus joelhos, sabendo que Silas vinha atrás de mim, mesmo depois que eu larguei a mão dele.

Ele chegou e sentou-se ao meu lado, me fez levantar o rosto e tirou meus óculos.

— Tina, não fica assim – ele disse.

— Ele é o maior idiota, eu sei – eu falei, secando as lágrimas. – Não é por isso que eu estou chorando.

— E é por quê?

— Não quero falar sobre isso.

— Vai me deixar na curiosidade?

— Vou.

— Chata – ele disse, emburradinho. Eu sorri.

— Não quero voltar para a aula – eu declarei.

Silas me fitou com olhos super arregalados. É, qualquer pessoa que me conhece teria a mesma reação, já que eu não falto nunca, matar aula, então...impossível. Mas eu não queria ver a cara do Cérebro de Mosca e os amigos retardados dele. Silas resistiu – afinal, apesar de sempre chegar atrasado, matar aulas não é algo que ele goste de fazer – mas acabou se deixando convencer e nós dois ficamos conversando embaixo da escada até o final da aula. Falamos sobre as coisas de sempre: séries de TV, filmes de ficção científica, quadrinhos e videogame. Ele ficou descrevendo todas as maravilhas do novo jogo que comprou para o play station 3 dele, o Uncharted. Eu não gosto muito, ainda estou viciada em Alice Madness Returns. Apesar de não ter videogame em casa, – uma palavra: papai – jogo quando vou na casa da Larissa, que é tão viciada quanto Silas e eu.

Depois que a aula acabou, eu me despedi dele e fui procurar o dito cujo que, no presente momento, estava no aposento adjacente ao em que eu estava. Nua. Só eu acho isso esquisito? Como as pessoas conseguem tomar banho com um garoto no aposento ao lado? Mesmo que ele não esteja vendo nada, é meio desconfortável.

Voltei ao mundo real e desliguei o chuveiro. Peguei uma toalha branca que estava pendurada na parede, me sequei e fui vestir a roupa que Vicente tinha me dado. Uma calça de moletom gigante, que eu precisei dobrar umas seis vezes só para enxergar meus pés e uma camisa...perfeita. Sério. Ele tinha uma camisa do South Park! É claro, óbvio, transparente que eu fiquei babando na camisa. Quer dizer que o Vicente gostava de South Park?

Provavelmente não. Do contrário, ele não teria me emprestado a camisa. Devia ser provavelmente uma que ele nunca usou ou não costuma usar.

Resolvi deixar isso para lá e me concentrei em secar meu cabelo e voltar a prendê-lo no meu coque diário. Detesto estudar com o cabelo caindo no rosto, então esse penteado é muito prático. Coloquei meus óculos e dobrei minha roupa. Fiquei descalça mesmo e saí do banheiro. Vicente estava focado nos exercícios e sequer olhou para mim. Coloquei minha roupa dentro da mochila e fui sentar ao seu lado.

– Como você está indo? – perguntei.

– Não sei bem – ele respondeu, ainda olhando para a folha de exercício incompleta. – Algumas questões são fáceis de responder, outras nem tanto.

– Você tem estudado sozinho?

– Bem...não.

– Sou inteligente, Cérebro de Mosca, mas não faço milagres.

Ele finalmente virou seu rosto para mim, seus lábios levemente curvados num sorriso, que foi logo apagado.

– Você não solta os cabelos nunca? – perguntou, parecendo curioso e meio desapontado.

Confesso que essa pergunta me pegou de surpresa. Afinal, o que meus cabelos têm a ver com ele?

– O que interessa no momento é você acabar isso aí – respondi, apontando a folha de exercícios. – E não o meu cabelo, pelo amor de deus.

Ele me olhou fixamente por alguns segundos até que pareceu decidir que não valia a pena discutir comigo, e voltou a fazer os exercícios.

Vicente não era burro como parecia, percebi. Era apenas desatento. Se prestasse mais atenção às aulas e se esforçasse um pouco, nem precisaria de uma professora particular. Ele ficou completamente concentrado no exercício que eu tinha feito para ele, depois de um tempo. Até parou de pedir minha opinião, resolvendo tudo por conta própria. Fiquei imaginando o porquê de ele querer se dedicar tanto aos estudos, assim, de súbito. Será que fora pressionado a melhorar na escola pela mãe? Falando em mãe, eu nunca tinha visto nem a sombra dela por ali, talvez trabalhasse o dia todo como o meu pai.

Resolvi voltar para casa assim que Vicente terminou a folha de exercícios, para não correr riscos desnecessários. Ele voltou a oferecer seu motorista para me levar, mas eu neguei. Não gostava do jeito que isso soava. Acabei andando de volta para a casa com a roupa do Vicente mesmo, coisa que Geny não deixou de notar.

– As coisas estão mais sérias do que eu pensava – brincou ela quando me viu atravessando o vestíbulo. – Ele gosta de South Park.

– Ah, cala essa boca – resmunguei, e saí correndo para o meu quarto para trocar de roupa.

Depois de colocar a roupa emprestada de Vicente para lavar, fui para a cozinha ajudar Geny com o jantar. Como já deve ter ficado claro, não temos empregados e nós mesmas fazemos os serviços domésticos.

– Tina, eu já tenho tudo pronto! – Geny disse, enquanto espremia laranjas em cima do balcão. Seus olhos brilhavam de animação.

– Tudo pronto o quê? O jantar?

– Claro que não, criatura lenta – respondeu ela, parecendo decepcionada com a lentidão do meu raciocínio. – Para a festa, no sábado! – completou, como se fosse óbvio.

Não era.

Mais uma vez, eu já tinha até me esquecido dessa maldita festa.

E acabei pagando caro por isso.

A semana, é claro, passou voando. E, de repente, era sábado.

O resto da semana não foi de todo ruim, pelo menos quase não mantive contato com o Vicente Sobrancelha Rachada Müller e ele não exigiu mais nenhuma aula particular. Para falar a verdade, comecei a achar que ele estava desistindo dessa vida de estudo. O que, no fim, era melhor para mim.

Eu acho.

Bom, voltando ao que importa. No fim, precisei mentir. Ou melhor, omitir. Convenci papai a me deixar dormir na casa de Petra, mas não mencionei a festa, Geny não permitiu. Ela disse que era óbvio que ele não ia deixar e não ia permitir que eu usasse isso como desculpa para não ir.

Ela sabe bem o que passa na minha cabeça.

E acabou que fomos as duas para a casa da Petra, onde ela começou a nos “arrumar” Não sei quanto à minha melhor amiga, mas eu estava sofrendo.

– Ai! – gritei de dor quando Geny começou a mutilar minha sobrancelha armada com uma pinça. – Isso é tortura!

– Pelo que eu saiba, não é uma festa de Halloween, – retrucou ela, calmamente – então você não precisa ir de Frankenstein. O que significa que essas sobrancelhas vão dançar.

Bufei e ela continuou me torturando.

Além do ataque às sobrancelhas, minhas unhas – já curtas – foram lixadas e pintadas com esmalte rosa claro. Meus cabelos foram lavados com trocentos produtos diferentes e depois passou uma hora sofrendo na mão do secador. Minha pele foi engolida por cremes e eu estava me sentindo uma palhaça com tanta pintura na cara. Não tinha me visto no espelho ainda – Geny daria uma boa ditadora – mas pela quantidade de coisas que ela passou no meu rosto, eu tinha uma idéia. Base, pó, blush, máscara para cílios, sombra, iluminador, lápis, batom e mais um milhão de coisas que eu não sabia nem a utilidade.

Eu estava me sentindo tonta com tanta coisa. Odiava meu cabelo solto, queria prendê-lo, mas Geny me avisou que, se eu estragasse a obra prima dela, ela comeria meu fígado no café da manhã. Meus olhos coçavam – ela me obrigou a colocar minhas velhas e quase nunca usadas lentes de contato – e eu me segurava para não lagrimar. Se eu borrasse a maquiagem, Geny era capaz de me jogar de comida para os leões.

– Chega, por favor – murmurei, quando a vi trazendo um vestido nas mãos. – Mate-me, mas me poupe de mais essa provação.

Petra vinha atrás de Geny. Ela estava linda, com uma saia preta e uma blusa branca de seda. Seus cabelos estavam muito lisos, penteados para o lado, e seus olhos estavam destacados pela maquiagem.

– Nem adianta fazer drama – Geny disse, resoluta. – Você vai entrar nesse vestido nem que seja dopada.

– Ah, vamos lá, Tina – Petra disse com uma risadinha. – É divertido!

Assenti, resignada, mesmo achando que aquilo era tudo, menos divertido. Geny me vestiu, colocou sapatos nos meus pés, penteou meu cabelo mais uma vez e deu uma última retocada no meu batom. Depois, se afastou e disse:

– Petra, você precisa ver isso...

Pronto, eu devia estar parecendo a Dercy Gonçalves bêbada.

– Mas o quê?... – sussurrou Petra quando me viu direito. – Caramba, Tina, não é você. Definitivamente não é você.

Geny só conseguia sorrir, radiante. Petra me pegou pelos braços e me fez levantar. Nem preciso dizer que eu quase caí com aqueles saltos do inferno. Depois que eu recuperei o equilíbrio, Petra me arrastou até o espelho de corpo inteiro que havia no quarto dela, e me fez olhar para mim mesma.

Caramba, não era eu. Não era eu mesmo.

Minha pele continuava translúcida, mas não parecia um cadáver em decomposição no mar. Era como se fosse feita de seda, brilhante e macia. Meus olhos que viviam sempre escondidos atrás dos meus óculos, brilhavam, mas ao mesmo tempo pareciam misteriosos, como a névoa sobre o pântano. Uma mistura de sombras em tons diferentes de cobre sobressaíam em minhas pálpebras e chamavam atenção para os longos cílios pretos que emolduravam meus olhos. Sempre tive cílios claros, que quase não apareciam, então era uma surpresa saber que eles existiam.

Minha boca parecia mais carnuda e bem contornada do que realmente era, pintada com um batom clarinho, cor de pêssego. Meus cabelos caíam em cachos perfeitos e suaves em minha cintura, mais comportados do que estiveram em toda a minha vida, brilhando vermelhos como o fogo. E o vestido que eu estava usando...não lembro da última vez que usei um vestido, acho que nunca usei um, pelo menos não um como aquele. Era simples, azul claro, com um decote redondo e mangas curtas, marcado na cintura e meio rodado. Era feminino e etéreo, mas muito curto. E nos pés eu estava usando scarpins cor de terra que mais pareciam um par de arranha-céus. Eu me sentia como uma fada. Ou uma princesa. Ou uma maluca.

– Não tem jeito de eu ir assim para lugar nenhum! – declarei.


Duas horas depois, eu estava descendo do carro da mãe da Petra na frente de uma casa enorme e linda. A casa era do tal do Tiago, o primo da Petra. Saímos as duas do carro e, depois que se despediu da gente, a mãe dela foi embora, alegando que a festa era só para os jovens.

De fato, adolescentes bonitos e sem um pingo de noção do ridículo era o que não faltava ali. E nós ainda nem havíamos entrado na casa. Petra e eu fomos pelo caminho de cascalho do jardim até a porta da frente, sentindo os olhares das pessoas que estavam por ali em nós. Ou pelo menos eu senti. A porta da frente estava aberta e nós entramos num hall lotado de garotos e garotas dançando ao som de alguma música eletrônica barulhenta.

Eu sabia que não devia ter saído de casa hoje.

– Espera um instante – Petra gritou para se fazer ouvir em meio ao barulho. – Vou falar com a minha tia e já volto!

Depois disso, minha melhor amiga sumiu na multidão, deixando-me sozinha ali.

Eu estava um pouco nervosa. Ok, ok, eu estava praticamente histérica. Como as outras garotas conseguem se equilibrar nessas armadilhas mortais conhecidas como salto alto? Mordi os lábios e senti o gosto do batom. Isso nunca vai dar certo, o melhor que eu posso fazer é ir embora, tirar esse vestido e toda essa maquiagem da cara. Essa não sou eu, simplesmente não sou eu. Eu estou ridícula.

Levantei os olhos. Droga! Droga! Droga!

O que aquele garoto estava fazendo ali? Até na festa do primo da minha melhor amiga ele tem que estar?

Vicente me fitava descaradamente do outro lado do aposento, como se nunca tivesse me visto na vida. Mesmo de longe eu podia sentir a intensidade do seu olhar.Não queria que ele me visse assim. Virei-me para outro lado e fui até um balcão cheio de copos com bebidas. Peguei o primeiro que minha mão alcançou e entornei, tossindo quando o líquido forte queimou minha garganta. Aquilo definitivamente não era refrigerante. Dei dois passos para sair dali quando tropecei naqueles – malditos! – saltos e fui amparada pelo garoto que mais queria evitar.

– Pode me largar agora! – gritei, tentando me desvencilhar dele.

– Ei, se acalma – ele disse, como se estivesse domando um cavalo selvagem.

– Vou me acalmar mais rápido se você tirar as mãos de mim! – disse e finalmente me soltei dele, recuperando o equilíbrio e quase correndo dali.

Eu só tinha uma coisa na cabeça: achar Petra e desaparecer daquela festa no segundo seguinte, de preferência. O problema era que a desgraçada da minha – futura ex – melhor amiga não estava à vista em lugar nenhum.

– E aí, docinho? – disse uma voz arrastada no meu pescoço ao mesmo tempo em que senti mãos grandes e furtivas na minha cintura. – O que uma menina tão gata como você faz sozinha por aí?

Não estou acostumada com essas coisas, não sei lidar com isso, nunca soube. Fiquei assustada e tentei me soltar, usando minhas unhas inexistentes para tentar arranhar o garoto bêbado que me segurava. Sentia as lágrimas arderem atrás dos meus olhos cobertos por lentes de contato transparentes. Ele não estava me machucando nem parecia do tipo que me faria mal, mas eu estava histérica e nervosa.

– Solta ela, babaca – disse Vicente quando me alcançou, empurrando o cara para longe de mim e segurando-me pelo braço.

– Foi mal, Vince – o garoto respondeu, dando de ombros. – Não sabia que ela era sua.

– Some – mandou Vicente, irritado.

O garoto se misturou na multidão e desapareceu de vista, então Vicente foi me conduzindo através das pessoas até a parte de trás da casa, onde havia um quintal enorme, com um deck, uma piscina e algumas espreguiçadeiras. Eu me deixei levar, ainda nervosa pelo que havia acontecido.

O lugar estava vazio.

– Você está bem? – ele perguntou, solícito.

– Sim. Não. Eu quero ir embora. Fica longe de mim – respondi.

Ele me fez sentar numa das espreguiçadeiras e sentou-se em outra, de frente para mim.

– Por que você me trata assim? – perguntou ele, genuinamente confuso. – O que eu fiz para você?

Esse menino andou bebendo? Ou está sofrendo de amnésia? Porém, só a ideia de enumerar tudo o que ele fez para mim durante essa semana me dava náuseas.

– Você ainda pergunta? – retruquei, encarando-o.

– Ora, é claro – respondeu ele, olhando-me como se realmente estivesse me vendo pela primeira vez. – Afinal, nós nem nos conhecemos.

É o quê?

Definitivamente esse garoto ingeriu mais do que apenas álcool essa noite.

– Você está brincando comigo? – perguntei, levantando-me.

Ele fez o mesmo.

– É claro que não! Você me conhece? Eu juro que nunca a vi antes e... eu me lembraria. Não quero que isso soe como uma cantada barata, mas...você é a garota mais linda que eu já vi em toda a minha vida.

Eu estava mais do que chocada. Sinceramente, se o Vicente chegasse para mim e dissesse que, quando ninguém está vendo ,ele gosta de imitar as coreografias da Beyoncé, eu não ficaria tão embasbacada como estava agora.

– Você está falando sério? – perguntei. Mas antes mesmo que qualquer palavra saísse da sua boca, eu percebi que sim, era sério. Seus olhos me diziam isso. Aquele par de olhos escuros como a noite me fitavam cheios de curiosidade, confusão e...deslumbramento.

Por mim?

Definitivamente, Geny tem talento.

– É claro que sim – ele respondeu, olhando fixamente em meus olhos. – Quem é você? Qual o seu nome?

Aquilo estava mesmo acontecendo?

– Sou eu, a Ti... – parei no meio da frase.

– Ti? – repetiu ele, esperando que eu completasse meu nome.

O garoto não estava me reconhecendo.

– Ti... – comecei de novo. Ele me olhou interrogativamente.

Sou eu, a Tina.

Era o que eu deveria dizer, é claro.

Mas não disse.

Uma ideia maluca, mas definitivamente maligna, surgiu na minha mente. Ora, por que não me aproveitar dele um pouquinho?

Por que não aproveitar a burrice do Vicente e ter um pouco de diversão?

Por que não me vingar?

Então eu não disse: ei, seu babaca, sou eu, a Tina.

Eu sorri e o que saiu da minha boca foi:

– Prazer, Tiffany.



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Notas finais do capítulo

Pessoas, eu amei cada review que vocês deixaram e as recomendações que fizeram pra essa história. Muito obrigada mesmo! Eu to meio na pressa agora, mas antes do final da semana vou dar um jeito de responder todos os reviews e agradecer pessoalmente a cada uma de vocês. Beijooos