O Amor É Clichê escrita por Juliiet


Capítulo 7
O Que Diabos Ela Vê No Ronald McDonald?


Notas iniciais do capítulo

Oieeeeeeeeeeeeeeee :)
Tipo, demorei séculos e to me sentindo super mal por isso. Mas eu realmente não tive TEMPO de escrever essa semana. Toda vez que eu ia lá continuar o capítulo, alguém aparecia e me atrapalhava. Essa semana foi o cão. Espero que vocês perdoem a minha demora.
Outra coisa, nem preciso dizer como eu estou feliz com os reviews que vocês deixaram, sério mesmo, vou ser se consigo respondê-los. Amei demais. E principalmente, as duas recomendações que fizeram para O Amor É Clichê. Nossa, fiquei suuuuper emocionada! De verdade, foi lindo! Bri e Cherry Chan, esse capítulo eu dedico a vocês! :3
Eu gostei muito desse capítulo, mas não sei se vocês vão gostar porque ele ficou meio (ok, MUITO) confuso. E eu não revisei, então tá cheio de erros.
Ok, isso já virou um tratado, vou deixar vocês lerem em paz. Boa leitura



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Desgraçada.

— Para onde vamos agora, sr. Müller? — Hugo, o motorista, perguntou.

Como ela adivinhou que eu fiquei preocupado? Peraí, eu fiquei preocupado? Fala sério, eu preciso de um daqueles drinks com vodka que a Roberta vive fazendo.

Roberta! É isso! Eu vou ligar pra ela, a gente vai ficar e eu vou tirar a nerd maluca da minha cabeça de uma vez por todas. Afinal, eu só fiquei um pouco preocupado por ela ser uma garota pequena e indefesa andando por aí à noite. E o jeito como ela desligou o telefone mais cedo? De quem era aquela voz mega assustadora de lutador de vale tudo? E quem mais chama ela de Maria Valentina além de mim?

Bom, de qualquer jeito, qualquer outro cara com um pouco de caráter teria ficado preocupado. Foi como ficar preocupado com um cachorrinho que fugiu de casa. Um cachorrinho frágil e indefeso, sem senso nenhum de direção.

— Vamos para casa, Hugo — respondi.

Nós estávamos dando voltas pelo quarteirão e adjacências desde que a Maria Valentina desligou o telefone daquele modo suspeitíssimo e eu, ok, vou confessar, meio que surtei. Ela disse que morava perto, mas não exatamente onde, então ficamos circulando por aí tentando encontrá-la. O fato de a garota não atender ao celular e nem responder às minhas mensagens só piorou a situação. Ainda não acredito que perdi meu tempo indo atrás dela. E, depois de tudo isso, a maldita ainda precisava ser tão babaca no telefone? Vê se não me liga mais. Como se eu tivesse tempo para gastar com ela ou vontade de ouvir a voz daquela coisa. Ela podia ter mostrado um pouco mais de gratidão, só acho isso. E o que foi aquele negócio de adivinhar que eu me preocupei?
Que droga, Vince, você não se preocupou!

Que seja, Maria Valentina me irrita a ponto de me forçar a fazer coisas irracionais, como desligar na cara dela. É, não sei por que fiz isso, não foi uma coisa muito masculina. Eu simplesmente fiquei sem ter o que dizer, bateu um pânico, sei lá. Não gostei do fato de ela ter achado que eu tinha ficado preocupado, quando a verdade é que eu estava super relaxado. Procurando ela por aí com Hugo, o motorista. Descalço, porque calçar sapatos foi a última coisa que me passou pela cabeça quando eu estava pensando que a garota estava sendo estrangulada por um maníaco ou coisa do tipo. Mas eu estava realmente muito relaxado sobre isso.

Mesmo.

Ok, quem eu estou tentando enganar?

E é exatamente por esse tipo de coisa que eu detesto meninas complicadas.

Elas fazem isso com a gente, não existe um protocolo sobre como lidar com elas. E eu detesto não saber o que estou fazendo. Ok, voltando ao momento em que eu desliguei na cara dela. Acho que isso não foi uma coisa muito correta para se fazer e, como Maria Valentina é, no momento, meio que minha professora particular, acredito que devemos ter pelo menos uma relação de respeito entre nós.

Mas aí eu penso em como minha canela está dolorida dos chutes dela.

Acho que está meio tarde demais para essa parada do respeito. Já que está mais do que claro que essa nerd não tem nenhum por mim. Ainda assim, resolvi que seria mais decente se eu me desculpasse por ter desligado na cara dela. Só que, de alguma forma, entre meus pensamentos e os dedos que digitaram a mensagem, houve algum erro de comunicação e a coisa saiu meio assim:

Quarta feira, mesma hora e mesmo lugar

Não sei em que plano de existência isso pode ser considerado um pedido de desculpas. Mas por que essa baixinha merece um pedido de desculpas? Ela só faz merda! Primeiro fica me xingando e me tratando mal na minha própria casa. Sem falar nas agressões físicas. Depois some por aí, me deixando preocupado e não atende mais ao telefone. E quando finalmente me liga de volta, é uma verdadeira megera e fica com essa de "não me ligue mais, não suporto você" e etc. Fala sério, eu até dei comida pra ela! Quer dizer, eu podia ter me recusado a deixá-la almoçar em casa, certo? Isso não estava no acordo, então eu fui até generoso com ela. Eu a alimentei! Sem contar o fato de eu ter saído de casa como um doido, descalço, achando que ela poderia estar correndo perigo. E onde está o reconhecimento por isso? Essa garota não merece um pedido de desculpas, ela merece mesmo é uma surra!

Uma pena que não serei eu a dar esse castigo a ela. Maldita regra de não bater em meninas!

Meu celular vibrou, avisando que Maria Valentina tinha respondido a mensagem:

Você é muito idiota mesmo

Não falei? Cadê o respeito? Quem essa garota pensa que é? Nunca ninguém teve a ousadia de me tratar desse jeito e então aparece uma nerd rejeitada e estranha que não é ninguém e passa a me tratar como se eu fosse o carpete. Detesto esse jeito sabe-tudo dela e a postura insolente que ela tem. A garota não parece mesmo com uma nerd, apesar de eu a conhecer desse jeito por toda a vida, ela parece mais uma rebelde com problemas para controlar a raiva. Fico me perguntando por que, durante toda nossa vida escolar em comum, eu nunca pensei em falar com ela antes. Não que seja uma coisa agradável de se fazer, devido à mania irritante que a baixinha tem de chutar a minha canela. Aliás, o que faz uma garota ser tão violenta? Enfim, não sei a razão disso, mas algo me diz que eu deveria ter feito contato com ela há muito tempo. Quer dizer, ela poderia ter me ajudado com os estudos desde a terceira série ou coisa parecida.

Claro que não existe nenhum outro motivo para eu querer ter falado com ela antes, é sério.

Digitei uma resposta bem mal criada para mandar para a Maria Valentina, mas congelei antes de terminá-la. Que raios eu estou fazendo? Por que perder meu tempo com uma garota tão insignificante? Por que me importar com as ofensas — não muito criativas, já que a garota só consegue me chamar de idiota e, mais recentemente, de Cérebro de Mosca — de uma nerd baixinha e ridícula? Aliás, Cérebro de Mosca é o tipo de xingamento usado no jardim da infância, o que só prova meu ponto de que Maria Valentina Lazarov é patética.

Até o nome dela é patético, o que mais eu poderia esperar?

Irritado, deletei a mensagem e procurei nos meus contatos pelo número da Roberta. As namoradas têm que servir para alguma coisa, certo? E tirar a mente dos namorados de garotas patéticas e complicadas como a Maldita Valentina não deve ser difícil para uma garota bonita e sexy como a Roberta. Liguei para ela, que atendeu no segundo toque.

— Amor — ela ronronou. — Achei que você nem fosse me ligar hoje, fiquei triste — continuou com uma voz melosa e, provavelmente, estava fazendo aquele biquinho que ela acha fofo.

Ela acha fofo.

— Pois é, eu fiquei ocupado hoje o dia todo — respondi apenas. Afinal, ela não precisa saber exatamente o que eu fiz hoje. Aliás, ninguém pode saber. — E aí? Quer ir lá pra casa fazer alguma coisa?

— Quero! — ela respondeu imediatamente, animada. — É claro que eu quero! Vou dizer para a mamãe que vou dar uma passada lá na casa da Michelle para ela não barrar, ok?

— Faça o que quiser. Vou estar te esperando em casa — disse e desliguei o telefone. Roberta tende a ficar toda melosinha quando falamos no telefone e gosta de se despedir com um "eu te amo" desnecessário. É claro que ela não me ama, mas fala isso para me forçar a repetir o mesmo apenas para alimentar seu ego. É claro que eu não faço isso, nunca disse um "eu te amo" para ela — nem para ninguém — por mais de dez anos.

Não entendo essa necessidade que certas pessoas têm de basear cada relacionamento nessa ideia que têm de amor.

Cheguei em casa e fui lavar os pés, ainda pensando naquela desgraçada da Maria Valentina. Por que essa garota não me saía da cabeça? Ela deve ter feito macumba, sei lá. Só assim pra eu perder meu tempo pensando nela quando a minha namorada gostosa está quase para aparecer aqui em casa. Fui para a sala de TV e procurei alguns filmes água com açúcar na prateleira de DVD's, porque sei que Roberta só assiste a esse tipo de filme. Eu acho uma grande merda, é claro, mas faço isso para agradá-la e no final, minha tática dá certo: ela fica feliz e ninguém assiste a porcaria do filme, já que ficamos nos beijando o tempo todo.

Joguei alguns DVD's em cima do sofá para ela poder escolher quando chegar e fui para a cozinha procurar alguma coisa para comer. Há essa hora, todos os empregados já tinham ido embora, exceto o Hugo, já que ele tem um quarto só para ele no corredor dos fundos e meio que mora aqui durante a semana. Abri a geladeira e foi uma decepção. Só aquelas coisas saudáveis nojentas que minha mãe costuma comer. Juro que não sei por que enchem a minha geladeira com isso. Mamãe praticamente não mora em casa e eu não como essas porcarias, então fechei a geladeira inútil e peguei o telefone para pedir uma pizza.

Depois disso fiquei meio sem ter o que fazer.

Aí a Maria Valentina veio bater ponto na minha cabeça.

Uma tarde. Uma tarde. Foi tudo o que passei com ela. E agora não consigo tirar a maldita da cabeça. Aposto que essa menina é bruxa.

Meu celular começou a tocar e era a Roberta.

— Vince, meu amor — ela disse numa voz chorosa que eu particularmente odeio. — A minha mãe é uma idiota! Ficou dizendo que hoje é segunda feira e que já está muito tarde pra ficar saindo. Mandou eu estudar, acredita?

Você bem que tá precisando.

Mas não foi isso que eu disse, claro.

— Tudo bem, deixa pra lá — eu disse, dando de ombros mentalmente. Pra ser realmente sincero, não fazia muita diferença. — A gente se fala amanhã, ok? Tchau — e desliguei.

Pronto, agora mesmo que eu não tinha nada pra fazer.

Pensei em ligar pros caras, mas só pensar nisso me fez ficar com preguiça.

Contraditoriamente, me deu vontade de sair para caminhar um pouco pelo condomínio. E foi isso que eu fiz. Fiquei lá, passeando sozinho, me sentindo muito emo, mas ok. A culpa era toda da nerd, nunca mais, nunca mais mesmo, eu a deixaria pisar na minha casa. Tenho certeza absoluta de que ela fez alguma bruxaria lá. A diabinha não sai da minha cabeça, eu devo estar ficando doente, tenho certeza. Peguei meu celular e fiquei olhando pra ele, travando e destravando o teclado que nem um retardado. Parecia que eu estava esperando o maldito celular falar comigo. Uma mensagem com um pedido de desculpas da Maria Valentina já estava de bom tamanho, mas eu tinha quase certeza de que não ouviria nem um pio dela esta noite. Eu devo ter sérios problemas mentais só por estar esperando por isso. Chega, que se dane. Não vivem falando na TV que a gente deve falar o que está sentindo e essas merdas? Então sim, eu me preocupei com a nerd baixinha perdida sozinha por aí. Algum problema? Como eu já devo ter dito, me preocupei com ela como me preocuparia com qualquer outra garota que eu conheço. Ou com um filhotinho de cachorro. Dá no mesmo. Então eu resolvi mandar uma mensagem pra ela dizendo mais ou menos isso, e ficou meio assim:


Ainda bem que você está ok. Da próxima vez eu te levo em casa, assim você não se perde

Mas é claro que eu não mandei isso, até porque nunca vi nada mais gay. Apaguei tudo e não soube o que escrever. Por que eu não simplesmente esquecia disso tudo e pronto? Não, eu precisava "falar" com ela, nem que fosse pra dar boa noite. Eu sei, tudo produto da maldição que eu tenho certeza que ela me jogou. O que posso fazer então? Escrevi um "boa noite" mesmo e enviei. Talvez agora a moleca saísse da minha cabeça.

Fiquei andando sem rumo por mais uns vinte minutos, mas aí decidi voltar para casa por causa da pizza. Estava na minha rua, quase chegando em casa, quando escutei um barulho de porta batendo na casa vizinha. Voltei-me para ver o que era e vi a Luiza, minha vizinha, saindo de casa e vindo até mim.

Luiza deve ter uns 19 anos, faz faculdade, tem namorado e mora com os pais e o irmão mais novo.

Como eu pude me esquecer dela?

Luiza e eu somos vizinhos há uns dois anos, que foi quando a família dela se mudou pra cá. O que foi muito, muito, conveniente.

— E aí, Vince — ela disse, quando chegou perto de mim. - O que você tá fazendo?

Luiza é morena, tem olhos castanhos claros, cabelos enrolados e é, por incrível que pareça, ainda mais gata que a Roberta. Deve ser toda essa coisa de mulher mais velha. Ela estava usando um short jeans e uma blusa amarela apertada, que deixava a barriga aparecer um pouquinho.

— Nada, e você?

— Nada também.

— Vamos fazer nada juntos?

Ela sorriu de lado e assentiu, com uma expressão animada.

— Eu acabei de pedir uma pizza — eu disse, passando a mão pela cintura dela. – Vamos lá pra casa?

— Claro — ela riu.

Ok, sei que tenho namorada. E sei que ela também tem namorado. E que isso é, provavelmente, uma coisa muito errada de se fazer. E que isso me faz ser o maior safado. E também sei que a nerd da Maria Valentina nunca aprovaria uma coisa dessas.

E daí?

Ninguém precisar saber, certo?

Dois dias depois, estava sentado num dos bancos da escola na hora do intervalo. Roberta, Lucas, Pedro, Diana e Fábio estava, comigo. Roberta estava sentada no meu colo, mexendo no meu cabelo com uma mão. Lucas estava dando em cima da Diana, a namorada do Fábio, na maior cara de pau mesmo. E eu, Fábio e Pedro estávamos falando sobre o primeiro jogo da temporada, que seria em duas semanas. Os dois também são grandes amigos e fazem parte do time.

— É, quem sabe esse jogo não faz nosso Vince aqui voltar ao normal? — Lucas comentou. Aparentemente, estava prestando mais atenção à nossa conversa do que dava a entender.

— Como assim, Lucas? — perguntou Pedro.

— Vocês não estão achando ele estranho esses dias?

Vai começar...

— Verdade, bebê — Roberta disse, manhosa. — Você está meio estranho. Até anda desligando na minha cara mais vezes que o normal!

Lucas começou a rir. Ele sabe exatamente por que eu desligo na cara dela.

— Vão cuidar da vida de vocês — eu disse, não muito preocupado com isso. — Não tem nada de errado comigo. E sobre desligar na sua cara, Roberta, eu nunca faço isso. É que a ligação cai.

Dessa vez não só Lucas caiu na gargalhada, mas Fábio e Pedro também.

— Sério? — a idiota ainda perguntou.

— Sério.

— Acho que a gente deve mudar de operadora então, Vince.

— Claro, o que você quiser — respondi, segurando a risada.

Continuamos lá conversando normalmente, até eu vi a Maria Valentina andando pelo pátio com o Ronald McDonald. Ok ok, com o tal do Silas Koury. Os dois estavam andando sozinhos, nem sinal da menina gigante que praticamente vive grudada na nerd, nem do resto da turma da nerdlândia. Ela estava com o uniforme largo de sempre e os cabelos presos como sempre, tomando um sorvete de chocolate. A garota parecia inacreditavelmente feliz.

Quer dizer, que garota em pleno uso de suas faculdades mentais, fica feliz com aquela coisa do lado?

Mas ela sorria para ele e ele tocava nela. Coisas inocentes como um toque no ombro para chamar a atenção dela para alguma coisa ou pegá-la pela mão livre para apressá-la a algum lugar. Para alguém que não está os observando com muita atenção, eles podem facilmente passar por dois amigos curtindo o intervalo juntos. Mas eu sei que não é bem assim. Já fazem três dias que eu presto atenção na Maria Valentina e ela é uma garota relativamente fácil de ler em certos aspectos.

Maria Valentina não gosta de chamar a atenção e fica intimidada se estiver rodeada de um grande número de pessoas. Talvez seja por causa do seu tamanho, ela é a menina mais baixinha da sala. Ela se sente à vontade com alguns amigos, como a menina alta e alguns outros nerds. Mas com o Ronald, ela fica diferente. Como se ficasse mais consciente da presença de outra pessoa, sabe? Da presença dele. E ele é o único que toca nela. Quer dizer, não é bem assim, já que a menina alta — que eu suspeito que seja sua melhor amiga — também não tem problemas em se aproximar da nerd. Mas com o ruivo magrelo, a coisa é diferente. Ele foi o único menino que eu vi se aproximando dela assim. É como se ela tivesse uma reserva natural com todas as outras pessoas, especialmente do sexo masculino, mas essa reserva some quando ela está com ele. Ela olha ele nos olhos e não fica baixando a cabeça. Ela também sorri mais quando está com ele.

E eu queria ver esse sorriso de perto.

Sério que eu pensei isso? Acho que estou ficando senil. Melhor sair do sol.

Enfim, a coisa está ali para quem quiser ver. Mas como são ambos nerds rejeitados e esquisitos, ninguém dá a eles a menor atenção. Ninguém além de mim, é claro. E até agora eu não entendo essa minha súbita fascinação pelo estilo de vida nerd. Quer dizer, que outra razão eu teria para ficar observando-os de longe?

Os dois sentaram num banco do outro lado do pátio, perfeitamente dentro do meu campo de visão. O Ronald McDonald disse alguma coisa e a Maria Valentina riu. Seus enormes óculos escorregaram um pouco pela ponte do nariz, muito provavelmente por causa do calor que estava fazendo, deixando todo mundo meio suado. O ruivo magrelo fez menção de ir ajeitar os óculos dela, mas acabou batendo na mão com que ela segurava o sorvete, fazendo-o cair no uniforme da nerd.

Juro que precisei me segurar muito para conter a risada. Aquele otário nunca ia conseguir mulher nenhuma daquele jeito. Pedro e Fábio falavam comigo e eu respondia, mas apenas com metade da minha atenção. Não podia perder aquele espetáculo, certo? Estava quase ansioso para ver a Maria Valentina desferir alguns chutes na canela do Ronald.

Mas ela não fez isso.

Sério. Ela não bateu nele. Nem um tapinha. Nada.

Fiquei muito chocado.

Por muito menos, aquela garota só faltou arrancar meu couro! Mas com um ruivo esquisito e raquítico, não, que absurdo. Ele começou a balbuciar desculpas – era o que parecia, mas eu não podia ouvir de longe – e ela só deu um sorrisinho amarelo, como quem diz “tudo bem, acontece”.

Qual é o problema dessa garota?

Aí o Ronald tirou do bolso uma caixa de lenços de papel e entregou a ela.

Quem é o retardado que anda com uma caixa de lenços de papel no bolso?!

Pronto, foi o que bastou para a menina se derreter inteira.

Juro que não entendo as mulheres.

O que diabos ela vê no Ronald Mcdonald?

Quer dizer, o menino é ridículo! Para começar, tem essa aparência patética. Qual é, qualquer pessoa que possa ser comparada ao Ronald McDonald não pode ser considerada atraente. Mas além disso, o garoto ainda é desengonçado, esquisito, nerd e ainda por cima, é estabanado ao ponto de derramar sorvete na Maria Valentina, a garota que está afim dele!

O que esse menino tem de tão bom, afinal? Só eu que não vejo nada?

– Ei, vamos cara, o sinal já tocou – Lucas disse batendo de leve no meu ombro.

Levantei e fui andando com eles para o corredor onde fica nossa sala. Para isso, eu teria de passar bem perto de onde a nerd e o Ronald estavam sentados. Ela continuava com aquela enorme mancha marrom no uniforme e, paradoxalmente, com aquele sorriso bobo no rosto. Do lado dela no banco, vários lenços de papel amassados e sujos de chocolate. O Ronald estava segurando uma garrafinha de água, coisa que eu só reparei à medida que chegava mais perto dos dois. Ele a abriu e tomou um gole e ofereceu à nerd.

Para tudo. Ele bebeu antes de oferecer para ela. Onde diabos esse garoto aprendeu boas maneiras?! Além do mais,ele colocou aquele troço na boca! Que nojo! E o pior de tudo é que ela aceitou! Pegou a garrafinha da mão dele e estava pronta para beber aquela água imunda misturada com cuspe de Ronald McDonald! Dá pra acreditar?

É claro que eu não podia permitir isso. De jeito nenhum! Vai que o cara tem herpes ou coisa assim? Maria Valentina é, no presente momento, minha professora particular, então é meu dever salvá-la de uma possível doença, certo? Estamos falando da minha segurança, já que ela pode acabar passando alguma coisa pra mim. Mas nem pensar mesmo! Não posso deixar isso acontecer!

E foi por isso que eu aproveitei que estava passando atrás do banco onde ela estava sentada bem na hora que ela foi colocar aquela garrafinha cheia de germes do ruivo magrelo e bati na mão dela, fazendo-a derramar a garrafinha e toda a água em cima de si.

Meus amigos, incluindo Roberta e Diana, viram e caíram na risada. Ronald McDonald só ficou olhando para mim, meio chocado, e eu juro que podia ver uma fumacinha saindo da cabeça da Maldita Valentina.

– Qual é o seu maldito problema, garoto? – ela gritou, levantando-se furiosa para me encarar.

– Achei que estava fazendo um favor – eu respondi, em tom divertido. – Reparei que você esqueceu de lavar seu uniforme antes de vir para a escola e dei um jeito nisso.

Isso só fez arrancar mais risadas dos meus amigos e das pessoas que estavam por perto e que pararam para ver o que estava acontecendo.

– Você se acha muito engraçado, não é? – Maria Valentina disse e eu podia ver que ela estava furiosa.

Por alguma razão completamente alheia e estranha, eu ficava feliz com isso.

– Não tenho culpa se você gosta de usar roupa suja – comentei, ácido. – Vem cá, você toma banho antes de sair de casa, pelo menos?

Todos riram, menos a nerd – é claro – e o seu príncipe encantado fajuto, que continuava sentado no bando olhando com aquele ar amedrontado para mim.

– É impossível esperar qualquer coisa boa de uma pessoa como você mesmo – ela disse, fazendo-me voltar novamente os olhos para ela. Seus óculos estavam embaçados. – Mas nem o mínimo da educação? Você está realmente no fundo do poço, garoto.

– Pelo menos eu saí de lá limpo – retruquei. – Já você...aliás, que cheiro ruim é esse? Você realmente deveria mudar seus hábitos de higiene. Mas não se preocupe, quem sabe no natal você não ganha uma escova de dentes? Aí só vai ter que aprender a usar.

Ok, me senti mal depois disso. Todos estavam rindo dela e a garota ficava lá, parada, olhando para mim. Eu não podia enxergar seus olhos, seus óculos estavam mesmo muito embaçados. O que significava aquilo, afinal?

– Vem, vamos embora, amor – Roberta disse, pegando-me pela braço. – Você não vai querer se contaminar com essa sujinha, não é mesmo?

Nunca, em toda a minha vida, eu tive tanta vontade de bater em uma garota como nesse momento. Por alguma razão, o insulto que Roberta soltou me deixou irado de raiva. Afinal, quando eu faço é uma coisa, mas ela fazendo é outra completamente diferente.

É muito mais venenoso.

– Não se preocupem – Maria Valentina disse, puxando repentinamente o garoto McDonald pelo braço, fazendo-o se levantar do banco. – Não é minha intenção contaminar vocês com a minha sujeira. Até por que, de sujeira, vocês já estão bem servidos – ela terminou e saiu correndo com aquele ruivo horroroso atrás dela.

– Quem é essa garota nojenta, afinal? – perguntou Diana para ninguém em especial. – Quem ela pensa que é para falar com a gente desse jeito?

Não parei para escutar mais comentários sobre a Maria Valentina. Estava arrependido. Muito arrependido de ter começado tudo isso. Por que eu fui fazer uma coisa dessas? Por que eu tinha sido tão cruel com ela? Sei que estou irritado por ela estar me ignorando desde ontem, sem nem um olhar na minha direção enquanto que eu não consigo tirar os olhos dela. Sei que estou irritado por ela achar um otário daqueles mais interessante do que eu. Por me bater por qualquer coisa e perdoá-lo com um sorriso por qualquer coisa.

Qual é a justiça nisso?

Mas o que eu fiz também não foi nada justo.

Merda.


Tomei um banho rápido depois do treino, apesar de não ter motivos para me apressar. Depois daquele incidente no intervalo, não vi nem a Maria Valentina nem o Koury pelo resto das aulas.

Maria Valentina nunca falta às aulas.

De algum modo, isso me fez sentir pior do que eu já estava.

Se eu não fosse tão babaca, agora eu estaria indo para a minha casa com a nerd e iria escutar a linda voz dela me ensinando física ou qualquer outra merda dessas. Mas não, eu precisava sabotar a mim mesmo, porque sem ela eu nunca vou conseguir ter notas boas.

Mas essa não é a única razão por eu estar me sentindo péssimo.

Eu acho que...eu acho que a machuquei com minhas palavras. Sinceramente, nem sei por que disse aquelas coisas. Agora eu fico pensando que os óculos dela podiam não estar embaçados por causa do calor, e que ela podia estar chorando.

E é numa hora dessas que eu gostaria de levar um soco.

– Você acha que eu tenho o dia inteiro pra esperar por você? – ouvi Maria Valentina dizer atrás de mim.

Virei-me e ali estava ela. Seu coque estava meio frouxo e vários fios escapavam, além disso seu uniforme continuava sujo e meio úmido. E amassado. Ela me fitava com uma postura completamente indiferente, como se nada tivesse acontecido.

– Eu... – comecei, mesmo sem ter a menor ideia do que dizer.

– Nós temos um acordo, certo? – ela me cortou, sua voz fria. – Não vou voltar atrás só porque você é um idiota. Aliás, não é como se fosse muita novidade, não é?

Nem me irritei por ela estar me xingando. Maria Valentina meio que tinha esse direito. Mas eu preferiria vê-la irritada, brigando comigo, indignada e chutando minhas canelas.

Mas ela agia como se não se importasse.

E talvez eu esteja imaginando coisas. Talvez ela não se importe mesmo e seus óculos deviam estar embaçados porque fazia muito calor no intervalo.

– Se você não tocar mais nesse assunto – ela continuou – eu também não toco.

Eu assenti e nós começamos a caminhar para a entrada da escola, onde Hugo já estava me esperando. Entramos no carro e ficamos o percurso inteiro em silêncio. Chegamos em casa e, como na segunda feira, ela não quis subir para o meu quarto.

– Podemos muito bem estudar na sala – ela retrucou quando eu insisti.

– Não, não podemos – eu disse e segurei a mão dela para arrastá-la para cima.

No mesmo momento, ela gritou e puxou sua mão de mim. Eu a larguei imediatamente e ela olhou para a própria mão com nojo. Depois, voltou o rosto para mim e disse com um tom de voz de absoluta aversão, que eu nunca vou esquecer:

– Nunca mais toque em mim.

Eu não soube o que dizer, só fiquei olhando para ela, que resolveu subir as escadas e ir para o meu quarto. Eu fui atrás dela, ainda meio atordoado, e fechei a porta quando entramos. Fiquei observando-a tirar os livros e cadernos da pesada mochila e colocá-los na mesa. Maria Valentina estava péssima. Seu uniforme ainda estava manchado de sorvete e ela parecia estar com a roupa toda amassada, como se tivesse dormido com ela. Fui até o armário e peguei uma calça de moletom regulável e uma camisa branca. Olhei para a camisa limpa e, não sei bem por que, resolvi guardá-la de volta no armário. Peguei então a camisa que eu tinha usado na noite anterior para dormir e que estava dobrada em cima da cama. Era minha camisa preferida. Larga, cinza, meio velha, do South Park, com um desenho do Kenny caído no chão cheio de sangue com uma placa enfiada na cabeça, onde está escrito I Killed Kenny.

Totalmente horrível para uma garota, eu sei. Garotas odeiam South Park. Pelo menos todas as que eu já conheci na vida. Mas eu queria que Maria Valentina a vestisse.

– Pegue – eu disse, praticamente jogando as roupas nos braços dela. – Vá tomar um banho.

Eu queria que ela se sentisse mais confortável e eu sei que passar o dia todo com o uniforme suado da escola é tudo, menos confortável.

Maria Valentina olhou para as roupas em suas mãos e depois olhou para mim. De um jeito estranho. Era como se aquele olhar estivesse me dizendo alguma coisa, mas eu não o entendia. Então ela desviou o rosto e soltou um suspiro que parecia muito com uma risada sarcástica.

– Se é o que você quer, tudo bem – ela disse. – Não quero contaminar sua casa.

– Não foi isso que eu quis dizer! – eu disse, chocado por ela ter entendido isso. Mas acho que não posso culpá-la, depois de hoje. – É sério, não é nada disso.

– Você vai fazer o que com estas roupas depois que eu usá-las? Incinerá-las? Tem tanto nojo de mim assim? Estou surpresa por você ter me deixado entrar no seu quarto.

– Você está entendendo tudo errado!

– Estou mesmo?

– Sim, está! Eu só quero que você tire esse uniforme que aquele idiota do Ronald McDonald sujou de sorvete!

– E quem é você pra falar assim do Silas?! Ele é uma pessoa mil vezes melhor do que você!

– Você é louca só de pensar uma coisa dessas!

– É o que você pensa? Bom, isso só prova que você é um garotinho mimado e narcisista, que não consegue enxergar nada além do próprio umbigo!

– E você está dizendo que um ruivo magrelo e ridículo como esse Silas é melhor do que eu?

– Qualquer pessoa que possua neurônios pode enxergar isso.

Suspirei e passei as mãos pelo cabelo, frustrado. Eu odeio essa garota! Ela é estúpida e cega e briguenta! Além de ser horrorosa, com esses óculos fundo de garrafa e as roupas largas! E ainda vem dizer que o Ronald McDonald é melhor que eu? Sério?

Ela é patética! Eu a odeio! Eu...eu...

Eu a segurei pelos ombros e a abracei.

As roupas nas mãos dela caíram no chão.

Eu a apertei mais entre meus braços. Ela ficou rígida.

– O que diabos você vê no Ronald McDonald?


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Notas finais do capítulo

Enfim, deixem reviews pra eu saber se vocês estão gostando ou não! Se o capítulo ficou muito grande ou chato...enfim, quero saber a opinião de vocês. Ah, quem já está de férias? Bom isso né :)))) Beijoos