O Amor É Clichê escrita por Juliiet


Capítulo 4
Só Pode Ser Castigo!


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente. Esse capítulo é narrado pela Tina. Boa leitura :)



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   Acho que, em alguma vida passada, eu devo ter sido uma serial killer. Uma sequestradora de crianças. Uma torturadora de velhinhos. Uma apostadora do jogo do bicho. Uma deputada corrupta. Ah, sei lá, algo bem ruim, mas ruim mesmo. Porque só assim pra ter que pagar meus pecados sendo obrigada a aturar aquele ser rastejante da vala nessa vida. O que eu fiz pra merecer esse castigo, meu deus? Que crime eu cometi? Quando foi que eu joguei pedra na cruz? Nem pedra, pelo nível do meu castigo, eu devo ter tacado um trem na cruz mesmo. 

   Eu ainda não estava acreditando na situação que tinha me metido. Como deixei as coisas chegarem a esse ponto? Eu tinha mesmo concordado em dar aulas ao Müller? O mesmo garoto que roubou o simulado e me fez passar três dias achando que era uma idiota por ter um jogador de futebol com uma pontuação mais alta que a minha? Sério mesmo? Eu estou ficando louca?!

   – Por que você demorou tanto, Tina? – Petra perguntou assim que eu sentei no banco ao lado dela. Mas eu não prestei muita atenção ao que ela dizia, meu cérebro ainda estava processando o que tinha acabado de acontecer. – Tina! Acorda!

   – Quê? 
   – Por que você demorou tanto?
   – Ah, eu estava vendo o novo listão do simulado – respondi. Era apenas meia verdade, mas nem morta que eu ia contar para alguém do meu acordo com aquele idiota do Vicente. – O Müller colou, como você tinha desconfiado, e agora eu sou novamente a melhor aluna da sala.

   – Quê?! – disseram Petra e Silas juntos. Silas estava sentado ao lado de Petra, tomando seu suco de uva diário, e acabou espirrando tudo com o susto, molhando todo o próprio uniforme. E o da Petra também.

   – Seu idiota! – gritou Petra enquanto eu me acabava de rir. 

   – Desculpa – Silas disse, com seu jeito fofo de sempre.

   Silas Koury não parece com o Ronald McDonald. Nem um pouco. O maldito do Müller só diz isso porque ele é ruivo. Qual o problema em ser ruivo? Eu também sou! Ainda que meu tom de vermelho seja diferente. Ah é só implicância daquele mal amado mesmo, o Silas é muito fofo e uma pessoa mil vezes melhor que qualquer jogador de futebol. Eu gosto dele. Do Silas, quero dizer. Ele entrou no colégio ano passado e por ser um esquisito entrou logo na nossa turminha, apesar de ser super tímido. Ele não é nerd ou viciado em estudos como eu, gosta de quadrinhos do homem aranha, milk shake de morango, reality shows e de ler sinopses de filmes, ainda que não goste de assisti-los. Odeia acordar cedo e por isso está sempre atrasado para a escola. 

   Eu gosto dele. Acho até que estou apaixonada.

   Mas eu achava que tinha escondido muito bem! Como aquele retardado descobriu?

   – Que droga! - Petra continuava praguejando, enquanto tentava limpar seu uniforme com um guardanapo. – Que seja – disse, jogando o guardanapo fora e voltando os olhos para mim. – Que história é essa do Müller roubar a prova?

   – O novo ranking dos melhores alunos foi fixado no corredor com uma nota explicativa – respondi, dando de ombros. – Sou novamente a melhor da classe.

   – Você não parece muito feliz com isso – Silas comentou, ainda sujo de suco.

   – É claro que eu estou feliz, é só que... – o que eu ia dizer? Que minha felicidade por ser a primeira da classe estava embotada diante do fato de que eu seria a professorinha particular de um cara que vendeu todos os neurônios pra pagar o bronzeamento artificial? Não dava para simplesmente dizer isso. – É só que...ah, eu to com raiva desse idiota. Passei o final de semana inteiro achando que havia algo de errado comigo, me martirizando, por culpa dele.

   – Como não expulsaram esse garoto? – Petra perguntou, indignada.

   – Ah, não sei – falei. Havia me perguntado a mesma coisa momentos antes e cheguei a conclusão de que deve ter sido graças às doações que a mãe dele vive fazendo ao colégio. – Vai ver ele subornou o diretor. De um moleque desses pode se esperar qualquer coisa.

   – Achei super esquisito ele insistir para sentar do seu lado hoje.

   – Eu fiquei meio perdido quando vi que ele estava sentado no meu lugar – Silas disse, meio desanimado. – Detesto ficar lá atrás porque ficam jogando bolinhas de papel em mim.

   – Desculpa por não ter conseguido guardar seu lugar, Silas – eu disse, realmente chateada. Sei bem como é tentar prestar atenção às aulas sendo atingida por uma chuva de bolinhas de papel. – Não sei o que deu naquele maluco do Müller para inventar de sentar lá. Deve ser só para implicar mesmo.

   Depois disso, eu insisti para mudarmos de assunto. Não aguentava mais ouvir o nome daquele cretino dos infernos. Por isso ficamos falando sobre o caso secreto que tínhamos certeza que o Arthur e a Larissa estavam tendo. Quer dizer, os dois vivem sumindo juntos e nunca dizem onde estiveram, está mais do que claro que os dois estão namorando às escondidas. Mas ainda assim, mesmo eu tendo dito que não queria mais saber de nada relativo ao Vicente, Petra e Silas insistiram em ir ver o novo listão antes do intervalo acabar.

   – Devido à problemas técnicos, a primeira lista, divulgada na sexta feira, continha erros – Petra foi lendo a nota explicativa. – Estes foram corrigidos e esta é a nova lista. 

   Agora o meu nome – essa coisa horrorosa – estava brilhando ali no primeiro lugar.

   – Não dizem aí que o Müller roubou a prova, Tina – Silas disse, olhando para mim com curiosidade. – Como você ficou sabendo disso?

   Ferrou.

   – É exatamente o que eu ia perguntar – Petra declarou, também olhando para mim de um jeito estranho. – Como você sabe?

   Ferrou de vez.

   Que diabo eu ia dizer?

   – É que...- comecei, totalmente perdida. – Ele...não...quer dizer, eu...

   Amém. O sinal tocou.

   – Gente, eu vou logo para a sala, não quero me atrasar! – eu disse, praticamente correndo dali.

   Cheguei à sala e vi o pilantra do Vicente sentado na mesa – e não na cadeira, como uma pessoa normal – ao lado da minha, que ele roubou do Silas, que é quem sempre senta do meu lado. Mas o problema nem era esse. O problema é que o descarado estava aos beijos com a Roberta Novaes, uma loira oxigenada que vendeu os neurônios na mesma feira de garagem que ele. Acho que por isso os dois namoravam. Eu sempre tive um ódio mortal dessa Roberta, já que ela sempre caçoava de mim quando éramos pequenas. Cansei de ver a criatura apanhar da Petra, essa era a parte divertida de tudo isso. 

   Não sei o que os garotos vêem nessa Roberta. Tá, tudo bem, a garota é linda. Tirando esse cabelo falsificado de loira do banheiro, ela é perfeita. Mas, além de ter o QI inferior ao de um palito, é a garota mais piranha que eu já conheci na vida. É disso que os meninos gostam? De verdade? Porque se for assim, eu estou realmente ferrada, já que prefiro virar freira e passar o resto dos dias trancada num convento na Itália a ser adepta desse tipo de vulgaridade. Precisa realmente vir pra escola com uma blusa que ficaria pequena até numa criança de 8 anos? E aquela calça precisa realmente ser tão justa? E ela precisa ficar se agarrando com aquele otário no meio da sala de aula? Pior, bem na minha frente?

   Morrendo de ódio, passei na frente dos dois para chegar até o meu lugar, querendo que a professora de história chegasse logo pra acabar com aquela pouca vergonha. Mas os dois pararam antes da professora chegar e aquela loira azeda foi para o seu lugar, lá no fundão. Só queria que ela tivesse feito o favor de levar aquele encosto junto com ela, mas ele acabou ficando por ali mesmo, com o cabelo todo bagunçado e parecendo relaxado e feliz. Dois garotos – reconheci como sendo do time de futebol, mas não consegui lembrar seus nomes – vieram falar com ele e os três ficaram rindo de alguma coisa que o Vicente disse. Depois disso, a professora chegou e eles foram lá para o fundão também, mas aquele troço continuou ali.

   Bufei e abri meu caderno, ignorando a criatura, mas eu sentia que ele estava me olhando. Não olhe para ele, Tina. Ah, pelo amor de deus, quanto tempo eu vou precisar aguentar esse pesadelo? Respirei fundo, fechando os olhos por um segundo e comecei a prestar atenção na aula. História é minha matéria preferida e nós estávamos estudando a Revolução Russa, que é especialmente fascinante. Estava ali, concentrada e focada quando uma bolinha de papel foi jogada na minha mesa. Olhei para os lados e a única pessoa que estava com a culpa escorrendo pela cara era o Müller. Bufei e estava pronta para jogar a bolinha de volta nele quando percebi que tinha alguma coisa escrita no papel. Abri-a e li.

   Mudança de planos. Amanhã eu vou sair com a Roberta, a aula precisa ser hoje, depois do treino.

V.

   Esse garoto existe mesmo?

   Respire, Tina, acalme-se. Eu precisava mesmo de calma, porque estava faltando pouco pra eu começar a bater naquela coisa, como eu fiz mais cedo. Ainda acho que bati pouco, ele merecia é levar uma surra com vara de bambu! Só de lembrar da nossa conversinha embaixo da escada,meu sangue fervia. Como podia existir alguém tão metido e arrogante? Minha vontade era que um buraco se abrisse no chão para eu poder empurrá-lo para a morte. Ok, talvez vê-lo morrer fosse um pouco de exagero. Eu já ficaria contente em vê-lo sendo torturado.

   Peguei minha caneta e rabisquei no papel:

   Faz o seguinte, se mata. Aí você não vai mais precisar estudar e eu não vou precisar te aturar.

   Não assinei, amassei a bolinha e joguei para ele, que imediatamente a abriu e leu, franzindo o cenho. Olhou para mim pelo canto do olho, mas eu apenas virei o rosto e fingi estar concentrada na aula. Menos de um minuto depois, a bolinha estava na minha mesa de novo.

   Hoje, depois do treino. Você me espera e vai pra casa comigo. Vai ser desse jeito ou eu vou interromper a aula agora pra anunciar sua paixão louca e irrefreável pelo Ronald McDonald.

   Desgraçado! Babaca! Maldito!

   Furiosa, escrevi no papel com tanta força que quase o rasguei:

   Hoje eu não posso! Ou é amanhã ou nada!

   Depois de ler, Vicente sorriu e guardou a bolinha no bolso da calça. Ele aceitou? Simples assim? Sem brigar nem discutir? Não sou íntima desse garoto, mas já o observei muito durante todos esses anos e sei que ele não é o tipo de garoto que aceita as coisas assim, na boa. Se não é do jeito dele, não é. Ele é desse tipinho bem mandão mesmo, que eu não suporto. Então, algo não estava certo ali, eu sentia.

   – Professora – o ouvi dizer de repente. – Eu tenho uma coisa pra dizer.

   Virei para ele, chocada, assim como boa parte da turma. Que diabos ele está fazendo? A professora parou de falar e voltou seus olhos amáveis para ele.

   – Alguma dúvida, querido? – perguntou.

   – Não, é só um anúncio mesmo – ele respondeu, com a cara mais cínica desse mundo. Nossa Senhora dos Nerds e Esquisitos, por favor, não permita que ele diga o que eu acho que vai dizer. – Eu quero que todos saibam que a Mariaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!

   Isso fui eu, pisando no pé dele.

   – Professora, o Vicente está passando mal – eu disse, levantando e colocando a mão na testa dele, como se para ver se ele estava com febre. – Ele está ardendo em febre e delirando, vou levá-lo para a enfermaria.

   Puxei-o da cadeira, mas ele só olhava para mim como se eu fosse um trasgo com duas cabeças e resistia.

   – Anda logo, seu idiota – sussurrei para ele.

   – Que bom que você vai acompanhá-lo, Tina – disse a professora. - Quando estamos doentes é que descobrimos quem são nossos verdadeiros amigos.

   – Pois é – eu disse, totalmente sem graça, arrastando aquela muralha (esse Vicente é um garoto ou uma torre? Por que ele tem que ser tão alto?). – Eu só vou deixá-lo lá na enfermaria e não demoro.

   Saímos da sala com todos os olhares sobre nós. Ai, como eu odeio esse garoto! Por causa dele, precisei ser o centro das atenções, coisa que eu odeio quase tanto quanto odeio ele! Fui arrastando aquele moleque até ficarmos longe o suficiente da nossa sala.

   – Você enlouqueceu? – eu perguntei, indignada. – Eu quebro a sua cara se você fizer isso de novo!

   – Essa ameaça seria bem mais assustadora se você fosse uns vinte centímetros mais alta – ele disse, zombeteiro. - Mas do jeito que você é pequenininha, só parece patético.

   – Não me subestime – retruquei, verde de raiva.

   – Nem você a mim. Já viu que eu não tenho medo de você, certo? Se as coisas não forem do meu jeito, todo mundo vai ficar sabendo desse seu amor remelento pelo Ronald.

   – O nome dele é Silas!

   – Que seja, isso não é relevante. Hoje, depois do treino, certo?

   Isso não está acontecendo. Isso não está acontecendo. Isso não está acontecendo...

   – Minha paciência já está acabando – ele disse, cruzando os braços e me olhando de cima.

   Suspirei, tentando conter a vontade de bater em alguma coisa. Ou melhor, em alguém. Isso só ia me prejudicar.

   – Certo – respondi, finalmente.

   – Boa garota – ele disse, como se eu fosse um cachorrinho. – Não é a toa que é a primeira da classe. Sabe ser inteligente.

   Mordi a língua até sentir gosto de sangue, mas consegui não dizer nada. Depois disso, voltamos para a sala, com todos nos olhando. Pelo menos a professora engoliu a desculpa que, depois de medicado, Vicente se sentiu bem o suficiente para assistir o resto da aula. E assim, a manhã passou voando.

   O tempo sempre passa voando quando o que espera a gente é um destino cruel. Que desculpa eu ia dar para o papai pra ir estudar na casa daquela peste do Müller? Ele nunca ia permitir, não nessa vida! E entre encarar a fúria do meu pai ou ser humilhada na frente de toda a minha sala, a escolha era difícil.

   Assim que a aula acabou, Petra foi logo atrás de mim para saber o que diabo tinha sido aquilo na aula de história, mas eu consegui fugir dela e dos outros – Silas, Arthur e Larissa – alegando estar atrasada para encontrar minha irmã. Fui correndo para o corredor da oitava série e avistei Geny saindo da sala.

   – Geny, eu preciso falar com você – ofeguei. – É urgente!

   – O que foi? – ela perguntou.

   – Você sabe que horas o papai sai do trabalho hoje?

   – Só de noite, ele está de plantão o dia inteiro.

   – Ótimo – suspirei de alívio. – Geny, você vai precisar me fazer um favor.

   – O quê? – ela me olhou, desconfiada. Eu nunca peço favores para ninguém.

   – Eu não posso voltar para casa agora, com você – eu disse, rezando para ela me ajudar. – Eu vou voltar mais tarde. Você precisa me dar cobertura. Se o papai ligar, diz que eu estou dormindo ou tomando banho. E se ele chegar mais cedo, diz que eu fui à casa da Petra estudar. Por favor!

   – Tina, você está bem? Não está doente?

   Sou sempre a irmã mais sensata, é claro que Geny estava achando esquisito eu agir desse jeito.

   – Eu não posso explicar agora, Geny. Por favor, me ajuda!

   – Tudo bem, mas você fica me devendo uma. E se o papai desconfiar, eu jogo a culpa toda em você e digo que você me obrigou.

   Eu nem posso culpá-la por isso, papai é um tirano de vez em quando. Todos têm medo dos ataques de fúria dele.

   – Ok, nos vemos mais tarde. Tchau! – eu disse, antes de dar um beijinho na testa dela e sair correndo dali.

   Vai que o retardado do Vicente acha que eu fugi e começa a contar meus segredos por aí? Melhor não arriscar, por isso fui direto para o campo de futebol, atrás dele. Cheguei e, como em todas as segundas, quartas e sextas, o lugar estava lotado de tietes babando o ovo daqueles babacas do time, liderados pelo babaca-mor, o Vince. Eles estavam entrando no campo, com os uniformes já trocados. Eu estava bem escondida na ponta da arquibancada, mas quando o Vicente apareceu, eu acenei para ele ver que eu estava ali. Assim que o idiota me viu, deu aquele sorriso cínico dele e uma piscadela para mim. Bufei irritada e fui me esconder num banquinho atrás da arquibancada.

   Sentei e peguei meu livro da Agatha Christie, Mansão Hollow, para ler. Em minutos, já estava totalmente presa e concentrada na história e nem senti o tempo passar. Até que uma bola atingiu a minha cabeça.

   – Ai – gritei, mais com o susto do que qualquer coisa, e deixei meu livro cair no chão.

   – Foi sem querer – Vicente disse com a cara mais lavada desse mundo. Sem querer, é?

   Olhei para ele direito, começando pelos tênis brancos sujos, passando pelo uniforme de educação física encharcado de suor, até chegar ao rosto brincalhão e aos cabelos desgrenhados.

   Como ele consegue ser tão bonito mesmo todo sujo e suado?

   – Tudo bem – eu disse, pegando meu livro do chão e levantando. Cheguei perto dele e dei um chute na canela do desgraçado. – Isso foi sem querer também.

   – Filha da... – ele começou a dizer, mas parou ao ver o brilho assassino nos meus olhos. – Por que você é tão violenta, hein?

   – Não sei. Por que você é tão idiota?

   – Tá, chega. Vamos logo, que eu estou morrendo de fome.

   Olhei as horas no meu relógio e fiquei chocada ao constatar que eram quase três da tarde. E eu também estava morrendo de fome.

   Eu não tinha ideia de onde Vicente morava ou como ele ia para casa, então só o segui. O colégio estava quase vazio naquele horário, já que Vicente disse que tinha esperado todos irem embora para, só então, me procurar. Pelo visto ele estava levando a sério aquele papo de ninguém saber do nosso acordo. Que bom.

   Chegamos na frente da escola e tinha um carro vermelho enorme e bonito esperando por nós – digo, por Vicente. O motorista saiu do carro e abriu a porta traseira para nós entrarmos. Fala sério, isso é de verdade ou estamos num set de filmagem de algum filme tosco? Não falei nada e apenas entrei logo depois do Vicente. Ficamos o percurso inteiro calados e, se o motorista achou estranho o patrãozinho dele estar levando uma nerd desconhecida para casa, não falou nada. Para falar a verdade, o cara não abriu a boca nem para dizer boa tarde.

   Eu fiquei só olhando pela janela os outros carros e as pessoas andando na rua. Chegamos em um bairro não muito longe do meu e entramos num condomínio muito bonito. Eu já havia passado pela frente dele, mas nunca tinha entrado. A casa do Vicente era uma das últimas. E era linda. Meio moderna para o meu gosto, mas bonita mesmo assim. Era como uma enorme caixa de vidro, com dois pavimentos e uma enorme varanda. Saímos do carro e entramos na casa, cuja enorme porta vermelha foi aberta por uma empregada. Eu fiquei por um tempo admirando os painéis de madeira escura da sala, com nichos e spots de luz amarela. Era tudo tão elegante que eu confesso que fiquei meio intimidada. Minha casa era quase do mesmo tamanho da dele, mas a minha não parecia ter sido decorada por um designer profissional, do tipo que podia aparecer numa revista de decoração. A minha casa é mais...aconchegante, eu diria.

   Entramos e Vicente foi logo subindo as escadas de vidro azul e sem corrimão – eu nunca subiria aquele troço de saia, um perigo – deixando-me ali parada, parecendo uma pateta.

   – Ei, onde você vai? – perguntei, fazendo-o se virar para mim.

   – Tomar banho – ele respondeu. – Você não vem?

   – Tomar banho?! – repeti, incrédula.

   – Não, sua nerd de mente poluída. Você vai me esperar no quarto.

   – No seu quarto? Nem pensar!

   – Ah, vem logo – disse e voltou para me arrastar pelas escadas até o quarto dele.

   O quarto do Vicente era um pouco maior que o meu, que já é bem grande. Era muito...interessante. Decorado em verde e branco, com a parede que dava para a varanda toda de vidro transparente. Eu nunca conseguiria viver num quarto desses, com medo de ser observada por um vouyer tarado. Mas havia cortinas que podiam cobrir a parede toda, então se o garoto quisesse privacidade, era só fechar.

   Tinha uma grande bancada branca e quadrados brancos – que faziam o papel de estantes, eu acho – numa parede verde. Eu odeio verde, que cor mais horrível, parece catarro. Mas até que o tom de verde do quarto dele era passável. Ele também tinha uma TV gigante, duas caixas de som enormes, um computador e um Xbox 360 lindo e perfeito que eu sempre quis ter, mas que meu pai sempre achou um desperdício de dinheiro.

   – Eu não vou demorar no banho – ele disse, reparando no meu olhar de puro desejo em cima do seu Xbox. – Aí nós vamos almoçar. Sente-se quietinha aí e não mexa em nada, ouviu?

   Assenti, mal humorada e sentei numa poltrona perto da parede de vidro, largando minha mochila de qualquer jeito no chão. Estava morrendo de fome e ainda tinha que esperar o moleque tomar banho, que raiva. Nem vontade de ler eu tinha, então só fiquei lá sentada, observando o lugar.

   Uns vinte minutos depois, ouvi o barulho do chuveiro sendo fechado e pouco tempo depois, Vicente saiu do banheiro.

   Ele estava vestindo uma bermuda cinza que chegava até depois dos joelhos. Eu fiquei bem uns trinta segundos olhando que nem uma tarada para as divisões perfeitas do seu abdômen, quando finalmente me toquei do que estava fazendo. Tive sorte que ele não presenciou esse momento de loucura transitória pelo qual eu passei, já que estava muito ocupado secando os cabelos com a toalha. Finalmente, colocou a toalha nos ombros e olhou para mim, com o cabelo molhado e bagunçado – e muito charmoso, infelizmente devo acrescentar.

   – Pronto, vamos almoçar – ele disse.

   – Você não pode vestir uma camisa, não? – perguntei, olhando para um canto da parede.

   – Não – ele respondeu.

   Meu Deus, só pode ser castigo!


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Notas finais do capítulo

Se tiver algum erro, desculpem, eu revisei muito rápido pra postar logo. Prometo que o próximo capítulo vai ser mais legal. Se eu conseguir, talvez poste amanhã, se não, no domingo.
Beijos :)