O Amor É Clichê escrita por Juliiet


Capítulo 26
Há Momentos Em Que O Amor Não É Suficiente


Notas iniciais do capítulo

Hey, desculpem a demora :(
Muito obrigada às leitoras lindas que recomendaram :3
- Me Chama De Thay
- Lu
- Mrs Abernathy
- Klarynha Gomes
- bruh
- JamieMoore
- Payne
- Saskia
Hey, por favor, leiam as notas finais e não me matem por causa do capítulo, ok? Boa leitura :**



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  – Uma vez, muito tempo atrás...todas as pessoas tinham quatro pernas e duas cabeças. Então os deuses lançaram raios que dividiram todos em dois. Cada metade, então, ficou com duas pernas e uma cabeça. Mas a separação deixou ambos os lados com um desejo desesperado de união. Porque compartilhavam a mesma alma. E desde então, todas as pessoas passam a vida buscando... pela outra metade de sua alma.

   Eu escondi o rosto no edredom, tentando secar minhas lágrimas enquanto Gabrielle gritava o nome de Iolaus, morto em seus braços.

   É, pensei que um pouco de luta e sangue fossem me animar, tinha esquecido das partes românticas e trágicas que apareciam de vez em quando.

   Claro, romance e tragédia. Tudo que eu precisava.

   – Você está bem, minha ratinha?

   Virei os olhos para o lado e vi o meu avô parado na porta do quarto, olhando-me com preocupação. Estava tão distraída que nem o ouvi entrando. Vovô era um homem alto e magro, com cabelos muito brancos – apesar de terem sido negros na juventude – olhos escuros que sempre carregavam um brilho de inteligência e uma expressão eternamente jovial apesar do rosto envelhecido. Ele gostava de dizer que amava cada ruga em seu rosto porque eram marcas de que ele fora feliz na vida, de que sorriu e riu muito. Eram como uma prova de sua felicidade.

   Na velhice, aposto qualquer coisa que meu pai teria rugas de irritação.

   – Estou sim, vovô – eu respondi fungando enquanto tentava esconder minhas lágrimas. – Só estou assistindo uns episódios antigos de Xena, a Princesa Guerreira.

   Ele fechou a porta e se sentou na cama ao meu lado, fitando a tela do notebook – meu presente de boas vindas – bem na hora em que a Xena bateu no Hércules com o cabo da espada.

   – Antigos? – vovô ecoou, sorrindo e se voltando para mim. – Ratinha, eu sou velho, mas isso aí é jurássico.

   Eu ri pelo nariz, mas não por muito tempo. Não voltei a chorar, mas não conseguia manter um sorriso no rosto. Simplesmente não dava.

   Eu estava em Oradea há pouco mais de duas semanas e passava o tempo todo no quarto, chorando. Eu sei, patético. Às vezes tentava ler um livro ou assistir a um filme ou série, mas aí qualquer coisa ligeiramente romântica me levava às lágrimas. Patético em dobro. Eu estava deixando meu avô preocupado e ainda não tinha feito nenhum amigo na nova escola. A língua não era um problema, já que eu era fluente em romeno, mas eu simplesmente não tinha vontade de sair da minha concha e deixar de ser a estrangeira transferida.

   Eu queria ficar sozinha.

   E era bom e ruim ao mesmo tempo.

   A parte boa era que ali eu não me sentia pressionada. Meu avô não era como meu pai. Ele não esperava que eu fosse sempre a melhor, sempre a garota perfeita. O tempo todo ele só me dizia:

   – Só quero que você seja feliz, ratinha.

   E fazia de tudo para me animar.

   Sim, meu avô era incrível.

   Também era o bom o fato de que eu tinha tempo. Tempo para pensar, para tentar organizar as ideias na minha cabeça, para saber o que fazer, que passo dar. Tempo para perceber que eu estive errada. Não só sobre mentir para o Vicente, mas sobre muitas coisas.

   Eu estive errada sobre mim mesma. Por muito tempo.

   E encarar esse tipo de coisa não estava sendo fácil. Doía. Eu parecia uma fonte inesgotável de lágrimas, mas no fundo eu sabia que, por mais que fosse difícil agora, eu ficaria mais forte depois. Não é o que dizem? O que não te mata, te torna mais forte. E as coisas sempre pioram antes de melhorar.

   Bom, eu estava contando com isso, porque não tinha mesmo como ficar pior.

   – O que acha de nós sairmos para andar de bicicleta? – vovô perguntou com um sorriso esperançoso.

   Rolei os olhos e ri fracamente.

   – E o senhor lá tem idade pra andar de bicicleta?

   Ele fez uma falsa cara de indignado e apertou minha bochecha.

   – Mas que ratinha insolente! – disse, fazendo uma cara de zangado. – Vou dizer para a Aurelia não fazer bolo de nozes para você!

   – Não, não! – eu disse rindo. – Eu não sobrevivo sem o bolo de nozes da Aurelia!

   Aurelia era a cozinheira da casa. Uma mulher alta e enérgica, que eu conhecia desde a infância, e podia jurar que tinha uma queda pelo vovô.

   Ah, e fazia o melhor bolo de nozes do mundo.

   – Ratinha – vovô chamou. – Você quer ficar sozinha, não é?

   O velho parecia me conhecer como ninguém. Não pude deixar de abrir um sorrisinho ao ouvi-lo me perguntar isso. Ele parecia conseguir ler todos os meus pensamentos em meu rosto.

   Eu assenti com a cabeça.

   – Bom – ele disse, se levantando. – Continue assistindo...isso aí – indicou a tela do computador e sorriu. – Vou ir procurar um jornal para ler. Sabe, coisa de velho.

   Eu ri e esperei até vê-lo sair e fechar a porta para fazer o sorriso desaparecer dos meus lábios. Inclinei-me para a frente e fechei a tela do notebook, reavaliando a minha ideia inicial de assistir todas as seis temporadas de Xena baixadas ilegalmente da internet.

   Eu precisava fazer algo com a minha vida.

   Porém, era mais fácil pensar assim do que tomar uma atitude. Apesar de sempre ter sido uma garota determinada a fazer bem tudo o que tinha que fazer, no final só estava fazendo o que os outros – meu pai – queriam. E era chocante perceber que, tirando as últimas semanas, eu realmente nunca fui capaz de tomar decisões por mim mesma.

   E as poucas que eu havia tomado me trouxeram até aqui.

   Comecei a questionar tudo. Não só os últimos acontecimentos, mas toda a minha vida. Eu era realmente feliz? Estava vivendo a vida que eu queria? A vida que eu sonhei para mim?

   Não.

   E simplesmente porque eu não sonhei com essas coisas. Eu não sabia como mudar isso porque nem eu mesma sabia o que queria. Meus sonhos não eram realmente meus. O que eu queria ser? Como eu queria viver?

   Como eu podia saber tão pouco sobre mim mesma?

   Respirei fundo e deitei de costas na cama bagunçada. Era final da tarde de um sábado frio e chuvoso. A chuva era fraca e constante, e as gotas batiam levemente na janela do meu quarto no segundo andar. Era o quarto que eu sempre ocupava com Geny quando passávamos as férias aqui. O papel de parede era floral e estava descascando em alguns pontos, o piso rangia e algumas gavetas no antigo guarda roupa de madeira estavam emperradas. A grande cama de dossel ficava no meio do quarto e, mesmo que fosse um aposento grande, parecia tomar boa parte dele. As janelas eram altas e estreitas e havia uma porta dupla que dava para uma pequena varanda voltada para os fundos da mansão, de onde eu podia ver o balanço na árvore que vovô havia feito para nós quando éramos pequenas.

   Era engraçado como aquela velha casa sempre tivera o poder de me acalmar. Eu ficava relaxada pelo simples fato de estar lá, naquele lugar isolado e cercado por árvores e boas lembranças. Vovô gostava de viver longe do centro da cidade, longe das outras pessoas. Para visitar seu vizinho mais próximo era necessário uns quinze minutos de caminhada. Ele era um homem que cultivava a solidão, tratava-a como uma boa amiga, sempre dizendo que preferia sua própria companhia à de outras pessoas na maior parte das vezes.

   Eu era meio como ele. Mas, naquele momento, nem a tranquilidade que aquele lugar transmitia era capaz de me fazer sentir melhor, de interromper o rumo dos meus pensamentos.

   Quase contra a minha vontade, peguei o celular no bolso da calça de moletom que estava usando. A bateria estava quase no final. E, mesmo que eu tivesse dito a mim mesma, na última vez, que aquela seria a última mesmo, não pude me impedir. Cliquei no ícone para ver minhas mensagens.

   Na manhã em que vim para cá, minha irmã não pôde me acompanhar até o aeroporto porque o papai não permitiu. Então fomos apenas nós dois e, depois de uma despedida um pouco menos fria do que eu esperava, relutantemente entrei na sala de embarque. Meu voo estava um pouco atrasado e fiquei esperando numa cadeira perto do meu portão de embarque. Estava lá por quase quarenta minutos quando senti o celular vibrar no meu bolso. Eu estava tentando me distrair com um livro de contos do Edgar Allan Poe, mas não conseguia sair da página 2 de William Wilson. As palavras pareciam embaralhar na minha cabeça. Peguei o celular do bolso no momento em que meu voo foi chamado. Levantei-me e peguei minha mochila, me dirigindo ao portão. E só depois de já estar dentro do avião, acomodada no assento da janela, é que me lembrei de olhar a mensagem no meu celular.

   Era uma mensagem do Vicente.

   A mensagem que eu não conseguia me impedir de ler pelo menos vinte vezes por dia. Eu bebia aquelas palavras, respirava-as como se precisasse delas para continuar vivendo. Como se fossem meu ar. E era irônico pensar que, essas palavras que pareciam soprar vida para dentro de mim, eram as mesmas que fatiavam meu coração. Doía lê-las. E como eu já as havia decorado, doía sequer pensar nelas, já que era como se eu ouvisse Vicente dizendo-as dentro da minha cabeça.

   Maria Valentina,

   Eu sei que você ainda não entrou no avião. Eu vi que seu voo está atrasado, mas não posso entrar no salão de embarque sem uma passagem, então não tenho como ir até aí buscar você. Estou aqui fora te esperando. Não perdoei você. Ainda estou machucado, ainda me sinto traído. Não sei bem o que pensar sobre tudo. Mas quando penso que você está indo para longe de mim, dói mais ainda. Eu só tenho certeza de uma coisa. Eu te amo.

   Se você sente algo por mim, não entre nesse avião.

   Fique.

   O celular ficou sem bateria e eu o joguei de qualquer jeito na cama, enrolando-me mais no edredom.

   No momento em que havia lido a mensagem pela primeira vez, o meu avião ainda estava em solo. As portas ainda não haviam sido fechadas e ainda havia pessoas embarcando. Minhas mãos se apressaram até o cinto de segurança, que eu já havia apertado, e o soltaram. Antes que eu tivesse tempo para pensar em qualquer coisa, já me encontrava meio de pé, a ponto de empurrar todos naquele corredor estreito e sair correndo da aeronave.

   Eu só conseguia pensar em uma coisa.

   Eu te amo.

   Vicente disse isso. Ele escreveu. Ele quis que eu soubesse.

   Vicente me amava.

   Como eu podia acreditar nisso tão prontamente assim? Como eu podia não desconfiar? O grande Müller, tão lindo e cheio de vida, popular, agradável, talentoso...como eu podia acreditar que esse garoto podia estar apaixonado por uma garota como eu, a nerd baixinha e magrela, que usava roupas folgadas e óculos com lentes grossas? A garota que, além de ser de um mundo completamente diferente do dele, ainda mentiu e o enganou?

   Como suas palavras podiam ser verdadeiras?

   Eram.

   Vicente não mentia. Eu sabia, sentia isso. O garoto tão mulherengo e popular possuía uma ingenuidade quase infantil que, às vezes, chegava a me assustar. Ele não faria aquilo, não escreveria aquelas coisas se realmente não sentisse. Eu sabia que o orgulho dele estava ferido e que, se realmente fosse só isso, ele nunca teria ido atrás de mim, nunca teria engolido seu orgulho e ignorado sua vaidade para me procurar.

   Sim, Vicente havia me humilhado e me feito sofrer na frente de todo mundo na escola. E agora eu podia entender um pouco os motivos dele. Se fosse o contrário, eu me sentiria do mesmo jeito. Talvez não agisse como ele, mas cada um tem um jeito diferente de lidar com a dor. Se ele tivesse feito aquilo por despeito ou orgulho ferido, eu nunca o perdoaria. Nunca.

   Mas ele fez porque me ama. Porque eu menti para ele. Porque doía e, assim como eu quis no início, ele queria me machucar.

   E eu sabia disso porque ele me disse. Eu te amo. Não tinha medo de acreditar nessas palavras, porque – e isso vai soar muito clichê – era como se meu coração sentisse o amor dele. E, de repente, tudo se encaixasse.

   E isso me fez parar.

   Eu não podia empurrar todas aquelas pessoas e descer do avião como uma lunática, esquecer de tudo, correr até o saguão do aeroporto, me jogar nos braços do Vicente e beijá-lo enquanto os créditos de um filme digno de Sessão da Tarde vão aparecendo.

   A vida não é um filme.

   A realidade me atingiu naquele momento. Meu pai, meu avô me esperando na Romênia, minha transferência, os problemas com Petra e Silas...e o fato de que Vicente ainda não podia me perdoar. Coisas que eu não podia simplesmente ignorar e fingir que iam desaparecer só porque eu gostaria muito.

   Minha vida estava um caos e eu sentia que precisava ir embora. Mas talvez eu tivesse ficado se, naquela mensagem, em vez de eu te amo, Vince tivesse escrito eu te perdoo.

   Amar é mais fácil que perdoar. E não só eu precisava de tempo para isso. Ele também precisava. Eu tive de ir embora por ele. Para deixá-lo respirar calmamente e pensar, como eu estava fazendo. Para permitir que ele colocasse a vida dele nos eixos, como eu estava tentando fazer. Para saber se o que sentíamos um pelo outro era realmente capaz de curar todo o mal que eu causei a ele e todo o mal que ele me causou. Nós dois precisávamos desse tempo para curar nossas feridas. Nós dois precisávamos da distância para descobrir a nós mesmos.

   Eu precisava perdoá-lo. E ele precisava me perdoar.

   Por isso, naquele dia, eu voltei a me sentar na minha poltrona e a apertar o cinto de segurança. As lágrimas haviam turvado minha vista enquanto eu lia aquelas palavras mais uma vez antes de escrever duas palavras como resposta, apagá-las, e escrever outras duas. Desliguei o celular depois de mandar a mensagem e, mesmo depois de duas semanas, não havia recebido uma resposta.

   O que só me deixava mais segura de que eu havia tomado a decisão certa.

   Minhas razões para vir para cá podiam parecer fracas e superficiais em comparação aos meus motivos para ficar e enfrentar meu pai. Mas elas eram fortes para mim. E se Vince Müller me amava mesmo, ele entenderia.

   Há momentos em que o amor não é suficiente. Por isso eu não respondi te amo de volta como queria. No momento, as outras duas palavras que eu escolhi eram mais importantes.

   Me perdoa.

   Não me arrependi, mas a saudade machucava como uma dor física. Saudade da minha irmã, dos meus amigos, do meu pai, da minha escola. E dele.

   Eu disse que estar aqui tinha um lado bom e um lado ruim, certo?

   E esse era o ruim. Sentir tanta falta de alguém como se fosse um pedaço de mim que eu havia deixado para trás.

...

   – Bom dia, ratinha – vovô me cumprimentou no dia seguinte quando eu apareci na sala de jantar para tomar o café da manhã.

   A sala era comprida e espaçosa, com as paredes precisando de uma nova pintura. A mesa de jantar era de madeira e eu sempre me perguntei por que o vovô sempre fazia suas refeições sozinho naquela mesa tão grande. Havia também várias cristaleiras da vovó que o vovô nunca mexera um milímetro do lugar desde que ela morrera.

   – Bom dia, vovô – falei, sentando-me do lado direito da cabeceira, onde ele estava sentado.

   Meu humor estava um pouco melhor naquela manhã – talvez porque fosse o primeiro dia sem chuva desde que eu chegara ali – e ver o bolo de nozes da Aurelia na mesa me deixou ainda melhor.

   – Dormiu bem? – vovô perguntou.

   Eu apenas assenti enquanto tomava um gole de café.

   – O que vai fazer hoje?

   – Não sei – respondi, baixando a xícara. – Acho que vou ler um livro ou... –

   – Assistir um filme – ele completou para mim, rolando os olhos. – Só a mesma coisa que você fez todos os dias, desde que chegou.

  Não respondi nada e dei uma mordida no bolo, até porque ele estava falando a mais pura verdade. Eu estava praticamente criando raízes naquele quarto. Mas o que eu podia fazer? A vontade de viver que se mandou para as colinas e me deixou nesse estado semi catatônico, não era culpa minha.

   – Quando você vai me contar o que aconteceu, ratinha? – vovô agora me olhava com aqueles profundos olhos escuros, como se só com eles pudesse arrancar meus segredos. E, às vezes, eu achava que ele podia. – Você nem parece a mesma. Quando eu olho para você, quase não reconheço a minha neta.

   – Vovô, é...complicado – eu comecei.

   Mas como explicar? Como tentar colocar em palavras o que nem eu podia começar a entender completamente? Eu estava apaixonada e era complicado. Mas não era só isso. Às vezes não tem como explicar o que se está sentindo. Às vezes as palavras faltam. Esse era um desses momentos. Mesmo se eu conseguisse ser sincera com meu avô e lhe contar tudo o que havia acontecido, eu não conseguiria fazer com que ele entendesse o modo como tudo o que aconteceu havia mudado algo em mim. Porque nem eu mesma compreendia isso. Eu só sabia que estava diferente. Que estava me tornando outra pessoa. Não, não era como se eu estivesse me tornando a Tiffany.

   Mas eu também não era mais a Tina.

   Talvez fosse uma mistura das duas. Talvez eu finalmente estivesse me tornando eu mesma. Porque eu não podia negar que havia uma grande parte de mim – a parte que eu batizei de Tiffany – que, durante anos, eu reprimi e fingi que não existia. Eu era ela. Mas ela não era tudo de mim. Complicado? Nem comece.

   – Ratinha – a voz do meu avô me tirou do meu devaneio e eu olhei para ele. – Tudo bem, não precisa me dizer nada. Mas aceite um conselho de alguém que já viveu muito. Não se perca. E quando eu digo isso, significa que você não deve perder quem você é. Não se torne outra pessoa para agradar os outros ou porque acha que é preciso para ser aceita em algum lugar. Nem que isso a faça terminar sozinha como eu, não mude quem você é. Porque no fim, isso é tudo o que você terá.

   Não era minha intenção ser rude ou grosseira, mas eu não conseguia mais ficar lá. Levantei-me e saí quase correndo da sala, tentando segurar as lágrimas que insistiam em deixar meus olhos. Como eu estava sendo fraca, ridícula! Por que eu não conseguia me controlar? Por que aquelas palavras me machucavam, justamente por fazerem tanto sentido?

   Eu não queria ficar só. Eu queria amar e ser amada. Eu queria ser eu mesma. Mas e se eu não pudesse ter tudo? Se eu tivesse que escolher entre uma coisa e outra? Não era isso que já tinha acontecido? Eu fingi ser uma pessoa diferente para que um garoto se apaixonasse por mim. E se, mesmo que ele tenha dito que me ama, a mim Maria Valentina, e se ainda fosse porque, no fundo, ele esperava encontrar a Tiffany em mim?

   O que escolher? Ser honesta comigo mesma e correr o risco de perder quem amo ou mentir para mim mesma para sempre para tentar ser feliz?

   Saí de casa, batendo a grande porta dupla da frente e desci os degraus da varanda. A frente da mansão do vovô era tomada por um jardim incontrolável, com uma grama alta e árvores que precisavam de poda. Como todo o resto da propriedade, tinha um ar meio desleixado. Mas era esse mesmo desleixo que dava o charme ao lugar, como vovô sempre dizia.

   No momento, para mim, tudo parecia meio abandonado, meio morto.

   O bom humor com o qual havia acordado havia desvanecido, no entanto, o céu continuava claro, o sol irradiava seus raios que tocavam todo o verde do jardim, que brilhava como um prisma de mil cores. Era como se risse de mim. Como se zombasse da minha angústia.

   Sequei as lágrimas com os punhos da camisa de moletom grossa que usava. O dia podia estar claro e seco, mas continuava sendo frio. Eu sentia saudades do calor de casa.

   – Ei, você é a Tina?

   Levantei os olhos e vi uma garota mais ou menos da minha altura parada a poucos metros de mim. Ela tinha cabelos muito loiros e lisos caindo pouco abaixo dos ombros. Os olhos eram de um azul celeste vivo, que me fitavam com curiosidade.

   – Maria Valentina – corrigi sem pensar.

   A garota pareceu envergonhada por um momento, seu rosto ficou ligeiramente vermelho, mas ela manteve seus olhos em mim e disse:

   – Desculpe, é que seu avô a chama de Tina quando fala em você.

   Arqueei uma sobrancelha para ela. Quem era para que meu avô falasse com ela sobre mim?

   Como se lesse meus pensamentos, ela se apresentou:

   – Eu sou Narcisa, sua vizinha...bom, mais ou menos, já que minha casa é meio longe, mas é a casa mais próxima da sua.

   – E você andou todo o caminho até aqui? – perguntei. Afinal não tinha nada além da casa do vovô ali.

   – Sim, seu avô me chamou – ela respondeu. – Ele é amigo dos meus pais e disse que você estava precisando de companhia, então eu me ofereci para vir até aqui já que estudamos na mesma escola.

   – Estudamos? – ecoei. Eu nunca havia visto a garota na vida, mas não é como se eu tivesse prestado atenção às pessoas na escola. E, mesmo nos verões que eu havia passado ali, não costumava interagir muito com a vizinhança.

   – Sim, eu estou numa série a sua frente.

   Eu assenti, sem saber o que mais dizer. Queria matar meu avô. Eu não estava precisando de companhia, eu não estava precisando de ninguém! Só queria ficar sozinha, era tão difícil de entender?

   Mas não podia simplesmente explodir em cima da menina que veio com tanta boa vontade ser minha amiguinha. Ela não tinha culpa que eu estivesse tendo tendências antissociais no momento.

   – Então, você está gostando da cidade? – Narcisa perguntou.

   – Eu já a conhecia – respondi. – Venho sempre para cá nas férias.

   – Eu sei, seu avô sempre fica feliz quando sua família vem.

   Assenti mais uma vez e ninguém falou mais nada. Ficamos naquele silêncio desconfortável quando duas pessoas acabam de se conhecer e não têm o que dizer ou não querem realmente conversar.

   Acho que eu estava inserida no segundo caso, porque a última coisa de que eu precisava no momento era me engatar numa conversa banal sobre nada e coisa nenhuma.

   – Quer entrar? – eu resolvi perguntar, rendendo-me às boas maneiras e aceitando o fato de que não conseguiria ficar sozinha naquela manhã.

   – Claro – Narcisa respondeu sorrindo.

   Eu tentei fazer o mesmo, mas acho que acabei fazendo uma careta, porque ela riu. Eu dei de ombros e me virei para entrar em casa, fazendo um sinal para ela me seguir.

   – Ei, Maria Valentina – ela chamou e eu me virei.

   – Sim?

   – Quem é aquela vindo ali?

   Ela indicou o portão com a cabeça e eu levantei os olhos para ver.

   Era uma mulher baixa e magra, usando um bonito vestido colorido até os calcanhares, com um casaco preto por cima. Mesmo de longe, eu pude ver seus cabelos escuros e cacheados caindo ao redor do seu rosto ligeiramente bronzeado como uma perfeita moldura.

   Eu não podia enxergar seus olhos por causa da distância, mas, de alguma forma, eu sabia a cor deles. Eu os conhecia.

   Por anos pensei que não a reconheceria. Sempre pensei que, talvez, eu pudesse passar ao lado dela numa rua qualquer e não perceber quem era.

   Mas, como em muitas outras coisas, eu estava enganada.

   Talvez meus olhos não pudessem lembrar. Mas era como se eu a reconhecesse de um modo mais primitivo. Meu sangue, meu coração, minha alma a reconheciam.

   Mesmo de longe, eu não podia deixar de perceber que a mulher bonita que me olhava tão intensamente do portão da casa do vovô...era minha mãe.


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Notas finais do capítulo

Hey, bom, o que acharam?
Tenho uma boa e uma má notícia. A boa é que eu passei no vestibular (Yeeey!) e como a faculdade é federal e teve greve ano passado e tudo, minhas aulas só começam no fim de abril (Yeeey!²) e eu vou tentar finalizar O Amor É Clichê nesse tempo. Não falta muita coisa.
A ruim é que eu ando muito desmotivada com meus leitores. Eu tenho 353 leitores e 204 adicionaram aos favoritos. E eu tive uns 70 comentários no capítulo passado. Eu tô pensando sinceramente em finalizar OAEC e parar de escrever no Nyah! porque isso é muito frustrante.
Outra coisa, eu atrasei com as respostas dos reviews, mas eu ainda vou responder todos, tanto os do cap passado como os do anterior. Bom, é isso.
Até o próximo! :**