O Amor É Clichê escrita por Juliiet


Capítulo 24
Eu Não Sei Quem É Você


Notas iniciais do capítulo

Bom dia, cogumelos mais lindos do Brasil :3
Bom, eu tenho uma boa notícia. ESTOU DE FÉRIAS o/ ou seja, atualizações mais frequentes, já que eu só vou viajar por uma semana no ano novo e depois volto. Bom, fiz minha "última" prova no domingo (entre aspas porque eu tenho outra dia 23 de janeiro, mas não vou estudar pra essa nem pensar u.u) e fiquei o dia TODO de hoje escrevendo esse capítulo.
Bom, sobre ele...eu não gostei, vou ser sincera e dizer que eu estava toda serelepe e saltitante, sem a menor vontade de escrever coisas tristinhas e esse cap me deixou meio depressiva T.T
Desculpem por isso :(
Ah, uma última coisa, a mais importante, eu preciso agradecer a SETE pessoinhas maravilhosas que enviaram recomendações incríveis *-*
- tainahd
- Annabeth Chase
- bgdeslinds
- isabellly
- Jessi Dantas
- Bels
- sofiasoares
Muito obrigada de verdade. Vocês não tem a noção do quanto me fizeram feliz *-*
Bom, boa leitura :)



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Meu coração parou.

Eu esqueci de respirar por um momento.

Eu não conseguia ver a expressão dele. Seu rosto estava embaçado e meus óculos, quebrados no chão. Mas eu não precisava ver. Eu podia seguir a direção do seu olhar e, quando finalmente tentei esconder minha mão, era tarde demais.

Eu não queria que fosse assim. Eu tentei dizer tantas vezes, mas eu tive tanto medo...eu...

Não assim. Não podia ter sido assim.

Eu não consegui dizer nada. Minha cabeça rodava com tantos pensamentos. Eu queria pedir desculpas, queria explicar tudo, queria dizer que eu não queria machucá-lo, não queria ter mentido para ele, que eu me arrependia, queria dizer tantas coisas...

Eu te amo. Me perdoa. Vicente, eu...

Eu te amo.

Mas eu não consegui dizer nada. Eu queria dizer, mas minha boca não se mexia. As palavras gritavam em minha cabeça, mas, de algum modo, eu não conseguia colocá-las para fora.

Desculpa.

Ele se aproximou e, antes que eu pudesse realmente entender o que estava acontecendo, ele levou as mãos até meus cabelos, puxando os grampos que prendiam o coque. Meus fios caíram em volta do meu rosto sem que eu pudesse fazer nada para impedir. Fechei os olhos. Vicente não se afastou, mas pegou minha mão, a mesma em que ele havia desenhado horas antes.

Eu abri os olhos e vi o desenho borrado nas costas das minhas mãos. Eu me apaixonei por ele um pouco mais quando ele fez aquilo. Realizando meu sonho de um modo tão natural e descuidado que eu quase senti meu amor por ele transbordar.

Ele estava perto agora, suas mãos geladas e molhadas na minha. Levantei os olhos e eu podia vê-lo bem melhor, mas seus cabelos escuros cobriam seus olhos enquanto sua cabeça continuava abaixada. Seus lábios estavam muito apertados e eu podia ver gotas d’água em sua pele.

Não vou mentir. Um pedaço de mim tinha esperanças de que ele me entendesse, me perdoasse. Mesmo que eu não pudesse dizer nada, que ele conseguisse ler em meus olhos. Que pudesse ver o quanto eu me importava com ele. O quanto eu o queria ao meu lado.

Vicente largou minha mão e me deu às costas sem dizer nada, indo embora.

Seus passos eram lentos, mas firmes. A chuva continuava caindo com força sobre ele e eu soube que, se não falasse nada agora, o perderia para sempre. Como amiga, como qualquer coisa. Vicente podia não me amar como eu gostaria, mas éramos amigos e eu menti para ele. Eu o traí. E isso sempre machuca.

Eu o havia machucado.

Ele já estava na rua quando eu saí correndo para alcançá-lo. A chuva de verão forte e gelada em minha pele, grudando meus cabelos soltos no pescoço e nas costas. Não me importei, eu só precisava chegar até ele, pará-lo, fazê-lo me ouvir, me perdoar.

Eu precisava que ele me escutasse.

– Vicente! – gritei para ser ouvida sob o ruído da chuva. – Vicente, espera!

Ele não parou, mas eu o alcancei e segurei-o pela camisa. Ele parou, mas continuou de costas para mim. Eu o soltei e fiquei olhando para o asfalto molhado, apoiando minhas mãos no joelho. Respirei fundo e fitei suas costas.

– Vicente, eu... – comecei, trêmula, tentando controlar as lágrimas. – Me desculpa, eu não queria, eu juro...eu...

Eu não estava fazendo o menor sentido, claro. Eu nem saberia por onde começar, já que a culpa era minha mesmo. Como eu podia ter sido tão idiota? Por que eu não consegui ser corajosa? Tive tantas chances, mas mesmo assim não fui capaz de contar a verdade para ele. Eu fui fraca, covarde. Egoísta. A cada momento, eu o quis para mim só mais um pouco. E mais um pouco. E mais um pouco. Eu o queria para sempre. Queria tê-lo ao meu lado a cada segundo.

E agora pagaria por isso. Por amá-lo tanto que não pude ser sincera.

Eu merecia o ódio dele, o desprezo dele. Eu sabia disso. Se fosse ao contrário, eu nunca o perdoaria. Eu o odiaria para sempre se ele tivesse mentido desse jeito para mim.

E mesmo assim eu esperava por seu perdão. Mesmo assim eu queria que ele sorrisse para mim e dissesse que tudo estava bem. Que não tinha sido nada.

O quão patética uma garota pode ser? Porque eu tinha que estar batendo algum recorde.

Finalmente, Vicente se virou para mim. Eu me ajeitei para olhá-lo, embora não pudesse me obrigar a encarar seus olhos. Ofeguei de surpresa quando senti suas mãos em meus ombros e levantei meus olhos.

Finalmente vi os dele.

Não consegui mais segurar as lágrimas quentes que se confundiam com a chuva fria em meu rosto. Os olhos dele não me fitavam com ódio. Nem desprezo.

Eram olhos partidos. Quebrados. Sem o brilho que eu estava tão acostumada a ver naquele rico castanho escuro. A dor era tão palpável que eu sentia que poderia esticar minha mão e tocá-la. E ele me fitava intensamente, sem esconder nada. Sem disfarces ou subterfúgios.

Ao contrário de mim, ele estava sendo honesto.

– Eu não sei quem é você – foi só o que ele disse e sua voz era baixa e machucada.

Então me soltou e se virou para ir embora. Seus passos continuavam lentos e ele não olhou para trás nem uma vez. Eu sei porque fiquei ali parada, na chuva, até vê-lo desaparecer na curva da esquina.

Eu não sentia nada. Nada além das lágrimas no meu rosto. A dor viria depois. Quando eu finalmente compreendesse o que havia acabado de acontecer, porque a verdade é que eu ainda não entendia. Desabei no chão, sentindo o asfalto machucar meus joelhos mesmo através do tecido da calça. Não me importei com a dor. Eu não conseguia senti-la de verdade. Era mais como se eu soubesse que estava doendo, que devia doer, mas a dor não me alcançava.

A expressão no rosto de Vicente não abandonava minha cabeça. Eu continuava a ver a dor crua e verdadeira em seus olhos, como se ele estivesse ali. Como se a imagem tivesse sido marcada em meus olhos. E depois, suas costas. A última coisa que eu vira dele. Suas costas enquanto ele ia para longe. Para longe de mim. A chuva caía sobre ele e as gotas se prendiam em seus cabelos escuros. E ele foi embora.

Ele foi embora.

E eu só podia pensar que doeria menos ter visto ódio ou desprezo nos olhos dele.

Eu não sei quem é você.

É, não demorou.

A dor que eu causei a ele me machucou mais do que eu poderia sequer imaginar.


...

– Onde você estava? – Geny me perguntou quando entrei em casa toda molhada. Ela parecia ter acabado de chegar. – Você saiu na chuva? Por que a porta estava aberta quando eu cheguei? – ela perguntava enquanto eu me arrastava até as escadas, sem respondê-la. – Tina, tá me ouvindo?

Ela parou na minha frente, impedindo-me de continuar. Há alguns dias que minha irmã estava agindo de modo estranho, mas até hoje eu não havia percebido o quanto ela havia escondido de mim.

Quando liguei para o Vicente e ele falou sobre a minha prima, foi como estar distraída e levar uma bolada na barriga na aula de educação física. Eu realmente não estava esperando por aquilo. Geny não estava em casa naquela hora, estava – como sempre ultimamente – na casa da Sara, e eu não pude falar com ela sobre aquilo. Mas agora ela estava na minha frente.

Aquela não era a melhor hora, mas eu estava cansada de mentiras. Eu só queria entender tudo aquilo de uma vez.

– Por que você não me contou que conversou com o Vicente? – perguntei de repente.

Ela arregalou os olhos e ficou com o rosto vermelho.

– Do que você está falando? – ela perguntou de volta.

Eu baixei o rosto e respondi:

– Sobre você ter dito que era prima da Tiffany.

– C-como você soube disso? – ela gaguejou.

– Ele me contou – respondi.

Ela virou o rosto, parecendo meio nervosa.

– Bom, ele me viu na escola e me confundiu com você – disse, passando a mão pelos cabelos. – Eu ia te contar, mas eu... –

– Mas o quê? – soltei, acusadora. – Esqueceu? Esqueceu de contar que o garoto de quem a sua irmã gosta por acaso estava a um passo de descobrir todas as burradas que ela fez?

– Tina, eu...

– Quando você começou a esconder as coisas de mim? Isso era importante! Por que você não me contou? Você nem se importa, não é? Há dias que a gente nem conversa, que você nem fala comigo direito! Desde quando você é tão egoísta?

Eu não sabia o que estava acontecendo comigo ou o que me fizera dizer aquelas coisas. Eu só estava tão frustrada! Estava tudo desmoronando ao meu redor. A escola, meus amigos, minha família... o que faltava para eu ter minha vida destruída de vez? Tudo o que eu queria era poder voltar no tempo e desfazer tudo o que tinha feito, todas as decisões estúpidas que haviam me levado até aquele ponto em que não havia mais volta. Na verdade, eu queria voltar no tempo em que minha maior preocupação eram as provas bimestrais!

Por que as coisas tinham se complicado tanto?

Geny me empurrou e eu me desequilibrei e quase caí no chão. Surpresa, virei-me para olhá-la e arregalei os olhos ao ver grossas lágrimas escorrendo pelo seu rosto.

– Egoísta, eu?! – ela disse por entre as lágrimas. – Como você tem a coragem de dizer isso pra mim? Logo você! É claro que faz dias que a gente não conversa! Afinal, sobre o que conversaríamos? Sobre você e essa sua maluca crise de identidade e como o amor da sua vida não gosta de você a não ser quando você finge que é outra pessoa? Sobre como você é sempre a mais inteligente e ninguém consegue chegar aos seus pés? Sobre como você não se importa nem um pouco com o fato de que está indo para a Romênia e eu vou ficar aqui? É tudo sobre você. Tina, Tina, Tina! É tudo sobre você o tempo todo!

Ela começou a soluçar. Com um punho, esfregou os olhos, mas as lágrimas não paravam de cair. E, mais uma vez naquele dia, eu não conseguia dizer nada. Eu só pude observar enquanto minha irmã chorava e dizia aquelas coisas para mim.

– Como você acha que eu vou ficar sozinha? – ela continuou, a voz baixa. – Quem vai me ajudar com o papai? Quem vai cuidar de mim? Certo, isso pode ser egoísta da minha parte, mas você também é, Tina. Você só se importa com você mesma, com os seus problemas! E os meus? Qual foi a última vez em que você perguntou algo sobre a minha vida? Aliás, qual foi a última vez em que você perguntou se eu estava bem?

Ficamos paradas pelo que me pareceram horas, eu encarando Geny e ela soluçando, as lágrimas descendo sem controle por seu rosto e pingando no chão. Depois disso ela virou e subiu as escadas correndo enquanto eu, pela segunda vez naquele dia, via uma pessoa que amava se afastar de mim. Mas no topo da escada, ela parou e, ainda de costas, disse:

– Pensa nisso antes de vir me acusar de ser egoísta. Você estava tão cheia de coisas na cabeça, com tanto com o que se preocupar, que eu não quis colocar mais um peso sobre seus ombros. Eu pensei que pudesse resolver tudo sozinha. Como você sempre fez comigo enquanto crescíamos...eu quis te proteger. Desculpa se não foi o bastante.

Ela entrou em seu quarto e bateu a porta. Eu pude ouvir o barulho da tranca se fechando. Pareceu estranhamente alto para os meus ouvidos. E, antes que eu pudesse perceber, estava chorando de novo. Como as da minha irmã, elas deslizavam pelas minhas bochechas e pingavam no assoalho, uma atrás da outra. Mas, ao contrário de Geny, eu não soluçava. Aquelas eram lágrimas silenciosas, as que escapam dos seus olhos quando você percebe que cometeu um grande erro.

Mais um.

Como eu pude ter sido tão cega? Como eu pude ter agido daquele jeito com a minha irmã? Ela tinha toda a razão, eu a coloquei em segundo plano, eu... eu ignorei seu estranho modo de agir, mesmo sabendo que ela não costumava fazer esse tipo de coisa. Eu não me preocupei com ela. Eu não cuidei dela.

É, agora eu podia ver as coisas mais claramente. E eu tinha sido sim egoísta. Com tudo. Mas o pior era que eu havia quebrado minha promessa. Eu prometi, quando mamãe foi embora, que cuidaria da Geny e faria de tudo para que ela fosse feliz. Minha palavra valia tão pouco?

Depois de dias de mentiras e trapaças, eu estava começando a achar que sim.

Vicente estava certo ao dizer que não me conhecia. Nem eu sabia mais quem era.

A porta de casa foi aberta atrás de mim e papai entrou, eu pude ouvi-lo fechando o guarda chuva.

– Maria Valentina – ele chamou, mas eu não me virei. – O que aconteceu com os seus óculos? Eu os achei no chão, perto da porta, quebrados. Maria Valentina?

Eu não me virei para ele, só comecei a subir as escadas e disse:

– Eu os deixei cair.

– Mari Valentina! Não fale comigo de costas! – papai esbravejou.

É, era uma grande falta de respeito.

Mas eu não me importava. Continuei subindo devagar porque meus olhos marejados impediam-me de enxergar direito. Sem óculos então, era ainda mais difícil.

– O que há com você? – papai falou de repente, subindo as escadas atrás de mim e segurando meu ombro para me fazer virar para ele. – O quê...? – parou ao ver meu rosto. – O...o que aconteceu?

Eu me soltei dele e terminei os degraus o mais rápido que consegui, o que não era muito rápido de qualquer jeito.

– Só por hoje...você pode me deixar em paz? – eu disse antes de correr até o fim do corredor para a escada que dava ao meu quarto.

Assim que cheguei, me joguei na cama, molhada mesmo. E chorei. Chorei porque eu estava tão errada e tão sozinha. Eu não tinha ninguém para me dizer que, apesar de tudo o que eu fiz, havia uma chance de consertar as coisas.

Porque não havia ninguém. Eu consegui afastar todo mundo com minhas mentiras e meu egoísmo.

E porque não havia jeito de consertar aquela bagunça toda.

No fim, mesmo que fosse covarde, eu estava até feliz de ir embora. Não sabia se Geny seria capaz de me perdoar por ser egoísta mais uma vez, mas eu precisava ir embora. Não era apenas a saída mais fácil. Era a única saída para mim. Eu sabia que, mesmo quando estivesse na Romênia, não conseguiria esquecer tudo nem perdoar a mim mesma, mas pelo menos não precisaria enfrentar as consequências dos meus atos todos os dias.

Sim, covarde, fraca, estúpida, patética. Essa sou eu.

Não sei ao certo quando parei de chorar, deve ter sido porque eu não parei. Chorei até dormir. Completamente vestida, molhada, encolhida na cama como uma criança.

Ninguém, nem mesmo meu pai, veio atrás de mim.

E mesmo em sonhos, eu podia ver o rosto de Vicente e seus olhos escuros mergulhados em dor.

Eu não sei quem é você.


...

– Não, tudo bem. De verdade, você não precisa vir aqui.

Era segunda feira e eu estava falando com Silas ao telefone. Ele havia ligado para saber se eu estava bem já que faltei à aula. Depois de ter dormido com roupas completamente encharcadas, eu havia acabado com um forte resfriado.

Isso nunca havia sido motivo para eu faltar aulas antes, mas agora me parecia a perfeita desculpa. Nunca havia imaginado que pudesse ficar feliz por estar doente.

– Tem certeza? – Silas perguntou do outro lado da linha. A aula havia acabado de terminar e eu podia saber que ele ainda estava no colégio, só pelos ruídos de jovens barulhentos ao fundo. – Sua voz está bem ruim.

– Sim, mas não precisa se preocupar. E, bom, eu não quero mais problemas com o meu pai.

– Tudo bem, eu entendo. Você acha que ficará bem para vir à aula amanhã?

– Não sei... – que Deus não permitisse. – Mas eu aviso qualquer coisa.

Ouvi um suspiro profundo vindo dele.

– Certo. Bom, melhoras, ok? – ele disse, tentando soar otimista, mas parecendo meio pra baixo. – Tchau.

Meu coração se apertou.

– Espera! – falei, antes que ele pudesse desligar.

– O que foi? – ele perguntou, imediatamente preocupado.

– Eu preciso conversar com você. É importante. Eu não sei se estarei bem pra ir à aula amanhã, mas eu preciso ir quarta feira de qualquer jeito. Ainda não peguei o formulário de transferência.

– Então a gente conversa na quarta feira?

– Sim...

– Por mim tudo bem. Se precisar de algo me liga.

Finalmente nos despedimos e desligamos.

Ainda havia o Silas. Mais um erro para a minha coleção. Eu, por muito tempo, achei que estivesse apaixonada por ele e agora ele era meu namorado.

E eu o havia traído.

Eu, Maria Valentina, a nerd certinha que, até se apaixonar pelo popular Vince Müller, nunca havia feito nada de muito errado na vida.

Não importava o quanto eu pensasse sobre isso, não havia realmente uma desculpa. Nada que pudesse minimizar minha culpa. E só havia uma coisa a ser feita. Eu precisava contar a verdade a ele. Errei ao mentir para o Vicente por tanto tempo e deixar as coisas acontecerem daquele jeito, mas não faria isso de novo. Aprendi minha lição. Eu não podia ser covarde mais uma vez. Se havia apenas uma chance para que eu fizesse as coisas certas, eu tinha que fazer. Precisava ser honesta.

Se eu estava assustada? Sim. Afinal, mesmo que eu não amasse Silas como pensei que amava por tanto tempo, eu ainda o considerava um amigo. Éramos amigos desde que ele entrou na escola, andávamos sempre juntos e eu não conseguia me imaginar sem tê-lo por perto. Mesmo que eu tenha sido a pior pessoa do mundo e feito a coisa mais horrível que podia ter feito, eu me importava com ele. Se eu pudesse voltar no tempo...

Mas não podia. Aquela era a minha realidade. E eu mesma havia me colocado nela.

Tossi e me virei na cama. O sol entrava pelas frestas da cortina e lançava filetes de luz no meu quarto escuro. O dia parecia bonito depois de um final de semana de chuva incessante, mas eu não tinha vontade nem forças para ir abrir as cortinas, muito menos para sair de casa. Sabe aqueles momentos em que tudo o que você quer é se esconder para sempre embaixo das suas cobertas? Fingir que não precisa sair de lá nunca mais? Pois é. Eu me sentia protegida ali, como se tudo fosse ficar bem enquanto eu pudesse permanecer lá e não enfrentar o mundo lá fora.

E eu passei o final de semana inteiro lá, sem falar com Geny. Apenas meu pai – mesmo não gostando – havia subido até meu quarto para me levar as refeições e os remédios. Fiquei feliz por ele não ter feito nenhuma pergunta sobre sexta feira. Pela primeira vez, não havia me pressionado para que eu dissesse o que estava acontecendo.

E o tempo todo eu disse a mim mesma que em duas semanas eu estaria na Romênia e tudo aquilo não passaria de um sonho ruim.

Mas até lá, esse sonho ruim ainda era a minha realidade.

Passei o resto da segunda e toda a terça feira enrolada nas cobertas, só saindo do quarto para ir ao banheiro, já que até as refeições eu fazia lá em cima mesmo. Não estudei, não assisti à TV, não ouvi música. Eu só conseguia ficar parada, olhando para o teto, revirando-me na cama. Foram os dias mais improdutivos da minha vida, já que nem o que eu deveria fazer – pensa num modo de consertar todas as burradas que fiz – eu estava conseguindo.

E foi do mesmo jeito que acordei na manhã de quarta feira e, relutantemente, me arrumei para a escola. Eu ainda não estava completamente curada do resfriado, mas como não tinha mais febre, sabia que não podia ficar em casa vegetando.

Quando desci para o café da manhã, encontrei meu pai, já vestido para o trabalho, sentado à mesa com uma caneca de café numa mão e a seção de política do jornal na outra. Eu já havia passado pelo quarto de Geny e ela não estava lá, provavelmente já tinha ido para a escola com Sara como vinha fazendo todos esses dias. Não parei para comer nada, apenas bebi um copo d’água, já que meu estômago estava tão embrulhado com a possibilidade de ver Vince Müller hoje na escola que nada pararia nele.

– Pensei que não ia para a aula hoje – papai disse antes que eu pudesse ir embora. – Sua irmã não esperou por você. Não gosto disso.

– Ela deve ter coisas para fazer antes da aula, parece que o festival da oitava série já está próximo – respondi, desconfortável. – Tchau, pai.

Saí de casa e corri para pegar o ônibus. Era um dia quente e ensolarado e o ônibus estava lotado, me fazendo suar e precisar ajeitar os óculos no rosto o tempo todo, porque eles ficavam escorregando. Como os óculos que eu usava sempre estavam quebrados, tive de usar os meus antigos. Era uma armação cor de rosa ridícula que eu usava na sétima série e cujas lentes não melhoravam muito minha visão, mas era melhor que nada.

Cheguei à escola um pouco mais tarde do que o normal e o sinal havia acabado de bater, mas não fui para a minha sala. Antes precisava passar na secretaria para pegar os meus papéis de transferência. É claro que podia fazer isso no intervalo ou depois da aula, mas a verdade é que minhas pernas tremiam só com o pensamento de entrar na sala e ver o Vicente. E eu protelaria esse momento o máximo que pudesse.

Entrei na secretaria, disse meu nome, série e turma, e o que estava fazendo ali. Meu pai já havia iniciado o processo de transferência por telefone eu só precisava pegar os papéis para que ele pudesse assiná-los. Mas o que era para ser algo rápido acabou demorando horas porque ninguém lá conseguia achar os benditos papéis. Para ser sincera, foi a primeira coisa boa que me aconteceu em dias, porque me permitiu ficar na segurança da secretaria até o horário do meu intervalo, que foi quando finalmente conseguiram achar os papéis e os entregaram a mim.

Guardei-os em segurança na mochila e me dirigi ao pátio, trêmula, olhando para todos os cantos a cada passo que dava. Queria chegar logo à minha sala, já que com certeza Vicente não estaria lá. Os populares, ao contrário dos rejeitados, nunca passariam o intervalo na sala de aula.

– Tina! – alguém chamou meu nome atrás de mim e meu coração parou por um segundo, até eu me virar e ver um sorridente Silas vindo em minha direção. – Você chegou agora?

– Não – sorri para ele. – Eu fiquei esse tempo todo na secretaria para resolver minha transferência.

– Então você vai mesmo, não é? – seu sorriso agora parecia um pouco triste.

– Não tenho escolha – e mentalmente agradecia por isso, porque se eu tivesse, escolheria ir de qualquer jeito.

Ele balançou a cabeça, como se para tirar a tristeza do rosto e voltou a sorrir brilhantemente para mim. E aquilo doeu. Vê-lo tão feliz por causa de uma garota que sequer o merecia. Eu precisava contar logo a verdade. Era o mínimo que eu podia dar a ele. Minha sinceridade.

– Então, você não queria conversar? – ele perguntou, como se lesse minha mente.

Eu corei e senti minhas mãos tremendo um pouco, mas não iria recuar agora. Eu não cometeria o mesmo erro duas vezes. Eu não seria covarde de novo.

– Sim – respondi, olhando para os meus pés. – Silas, sobre isso, eu... –

Mas uma voz me impediu de continuar falando. Uma voz que soava venenosa e gelada, paralisando cada músculo do meu corpo imediatamente.

– Vejam se não é a Tina Lazarov.

Virei-me devagar e vi, a poucos passos de mim a pessoa que menos queria ver naquele momento. Vicente parecia outra pessoa desde a última vez em que o vi. Seu uniforme estava meio desalinhado e seu sorriso era maldoso. Apenas seus olhos eram os mesmos. Não totalmente, porque era como se ele houvesse coberto a dor com uma capa de frieza. Se eu não soubesse pelo quê procurar, nunca veria a vulnerabilidade em seu olhar.

Ao seu lado estavam Lucas, Pedro, Fábio e outros dois garotos do time de futebol cujos nomes eu não conseguia lembrar porque eles não eram da nossa turma.

– É muita cara de pau aparecer aqui, não acha? – continuou ele. – Principalmente na frente do seu namoradinho.

Como na última vez em que nos vimos, eu não conseguia dizer nada. Absolutamente nada. Era como se minha garganta tivesse fechado. Eu só conseguia ficar parada, encarando-o, tremendo. Silas deu um passo a frente, ficando ao meu lado e olhando para Vicente com uma raiva que eu raramente via em seu rosto.

– Qual o seu problema, Müller? – perguntou, tentando levantar um pouco a voz. – Deixa a Tina em paz.

Se possível, a expressão debochada e maldosa no rosto de Vicente se acentuou ainda mais e ele se aproximou de nós vagarosamente enquanto dizia:

– Ah, então quer dizer que a sua doce amada ainda não contou o que anda aprontando?

Meu coração, se ainda não havia parado, congelou nessa hora. Não era possível, eu simplesmente não conseguia acreditar. Vicente não podia estar fazendo aquilo!

Antes que Silas ou Vicente dissessem mais alguma coisa, Lucas se aproximou do amigo e segurou seu ombro com a mão, dizendo, com um olhar de advertência:

– Vince, cara, você realmente não quer fazer isso.

Vicente olhou para ele com raiva.

– O que é? – perguntou, rude. – Você acha que o McDonald não merece saber?

– Vince, é sério, você vai se arrepender disso depois... –

Vicente tirou o braço do amigo do seu ombro e o empurrou, fazendo-o se desequilibrar e cair no chão. Imediatamente, todos os olhos no pátio estavam sobre o nosso pequeno grupinho e até os colegas de time do Müller o olhavam com assombro, afinal, Lucas era seu melhor amigo e ninguém nunca os havia visto brigar. Não daquele jeito.

Lucas levantou e olhou com tristeza e reprovação para Vicente.

– Não vou ficar aqui para ver isso – e foi embora, abrindo caminho entre a multidão que se formava ao nosso redor.

– Olha, Müller – Silas soltou, segurando minha mão e olhando com irritação e surpresa para o garoto furioso a nossa frente. – Não sei qual o seu problema, mas não desconta na Tina. Ela não fez nada pra você.

Eu engoli em seco. Como eu gostaria de poder pegar as palavras de Silas e colocá-las de volta em sua boca! Ele estava errado! Eu havia feito algo para o Vicente, sim! E nunca seria perdoada por isso.

– Bom, é verdade – concordou o outro, os olhos escuros brilhando com malícia. Ele praticamente gritava agora, para todos no pátio ouvirem, como se estivesse fazendo daquilo um show, de propósito. – Essa garota não fez nada pra mim. Mas pra você, ela fez. Aliás, não sei como você está conseguindo manter sua cabeça erguida depois do enorme chifre que ela colocou aí.

Algo quebrou dentro de mim com essas palavras. Tudo bem que eu havia mentido para ele, tudo bem que eu merecesse seu desprezo. Mas aquilo era mais que isso. Vicente parecia querer me destruir.

E estava conseguindo.

– Você tá maluco – Silas respondeu, o rosto tão vermelho quanto seu cabelo. E se a situação não fosse tão grave, eu me sentiria orgulhosa de vê-lo assim, me defendendo. – Eu sei que a Tina nunca faria algo assim. Você tem problemas.

E então Vicente sorriu. E eu soube que ele estava preparado para desferir o golpe final.

– Ah, é? – ele disse, ainda com aquele sorriso maldoso no rosto. – Então pergunta pra ela. Pergunta o que ela fez sexta feira à tarde. Pergunta se, por acaso, ela não estava na minha casa, ficando comigo. Pergunta.

Eu baixei os olhos, sentindo as lágrimas começarem a escapulir. Eu queria poder simplesmente desaparecer. Chão, se abra e me engula, por favor.

– Tina, o que há com você? – Silas perguntou a mim, tentando olhar para o meu rosto, que eu continuava mantendo baixo. – Diz logo pra esse otário que ele tem sérios problemas e vamos embora. Tina?

Vicente poderia nunca me perdoar pelo que eu fiz a ele. Mas eu nunca o perdoaria pelo que ele estava fazendo ao Silas.

Eu levantei o rosto e a expressão de Silas foi algo entre o choque e o horror. Ele podia ver as lágrimas escorrendo pelo meu rosto e eu sabia que não estava entendendo. Que não queria entender o que estava acontecendo.

– Tina... você...você não fez o que ele está dizendo, não é? – seu tom agora era ansioso. - Tina, diz que é mentira.

Eu só conseguia chorar e olhar para ele. Eu não podia negar, não podia mentir mais uma vez para vê-lo sorrir. Mas também não podia afirmar. Eu não tinha planejado que ele soubesse daquele jeito, eu não queria feri-lo, eu...

Eu estou ficando especialista em machucar as pessoas.

Silas me segurou pelos ombros e me fez olhar pra ele.

– Por favor – pediu, a voz baixa e desesperada. – Por favor, diz que é mentira. Eu vou acreditar em você. Se você disser que é mentira, Tina, eu acredito. Eu prometo.

Mas eu não pude.

– M-me... me desculpa, Silas – foi só o que consegui dizer, num fio de voz.

E a próxima coisa que senti foi alguém me puxando pelo ombro para virar para trás. E uma dor aguda no rosto. Levantei os olhos, segurando o lado do rosto atingido e vi Petra, furiosa, depois de ter me dado um tapa.

– Você merece muito mais – ela disse com nojo – por ter feito isso.

Por um momento, parecia que o mundo inteiro havia caído num silêncio sepulcral. Só o que eu podia ouvir era o som da minha própria respiração e do sangue pulsando em meus ouvidos. Virei o rosto para fugir do olhar de condenação da minha ex-melhor amiga e encontrei com o de Vicente. Ele parecia um pouco chocado. Fiquei fitando-o por um bom tempo, sem saber exatamente o porquê, apenas não conseguia desviar o olhar.

Eu sentia Silas ao meu lado ainda, mas não conseguia reunir coragem o suficiente para voltar a fitá-lo nos olhos. Ele agora era mais um na lista dos que me odiavam, eu não tinha a menor dúvida. E isso doía. Muito mais que o tapa de Petra, o que doía era saber que pessoas que eu mantinha – mesmo nos últimos dias – dentro do meu coração agora me detestavam.

Eu queria correr dali, queria desaparecer, ir para tão longe que ninguém pudesse me alcançar. Mas eu não conseguia, estava paralisada desde o momento em que vira o garoto que eu, mesmo odiando agora, ainda amava. Eu não podia me mexer, não podia me defender. Não podia fazer absolutamente nada.

De repente, Vicente se aproximou, e ergueu a mão para tocar o meu rosto, mas foi empurrado antes de chegar a mim por uma garota baixinha e ruiva. E muito, muito irritada.

E outra vez, alguém foi estapeado.

Dessa vez foi minha irmãzinha quem bateu. E no Vicente.

– Fica longe dela, seu babaca! – ela gritou, encarando-o com ódio. – Nunca mais aparece na frente dela se você gosta dessa sua cara! Você é um idiota que não entende nada e nunca mereceu um único olhar da minha irmã!

Geny colocou os braços em volta de mim e deixou que eu me apoiasse nela. E até fazer isso eu não tinha noção de quão perto eu estava de desabar.

– E você – falou para Petra. – Da próxima vez que você encostar um dedo na Tina, eu vou esquecer que te conheço por toda a vida e te quebrar inteira.

E eu me senti sendo puxada por Geny para longe daquilo tudo. Ela estava me salvando. Ela podia não saber, mas estava.

E eu nunca poderia agradecê-la o bastante por isso.

Quando percebi, Geny estava me fazendo sair pelo portão da escola, ignorando os gritos do porteiro para que entregássemos um passe de saída. Por sorte, um táxi estava passando na frente da escola nesse momento e Geny fez sinal para ele parar. Fez-me entrar no banco de trás e entrou logo atrás de mim, dizendo ao taxista o endereço de casa.

– Calma – ela disse então, abraçando-me e fazendo-me apoiar a cabeça em seu ombro. – Tá tudo bem agora, Tina. Estamos indo pra casa.

Por vários minutos, eu só consegui soluçar, e tudo o que eu tentava dizer soava incoerente. Até que finalmente consegui me fazer entender:

– G-geny... eu pensei que...q-que você estava me odiando como...c-como todo mundo...

Minha irmãzinha me fez olhar para ela e sorriu fracamente.

– Tina, você é minha irmã – ela disse, os olhos começando a encher de lágrimas. – Eu te amo. Eu posso ficar com raiva de você, posso brigar com você. Mas sempre, sempre, vou estar ao seu lado.

– E-ele... ele n-não me chamou d-de M-maria Valentina – choraminguei entre soluços.

– Eu sei – foi só o que ela disse, acariciando minha cabeça como se eu fosse um animalzinho ferido.

Eu não fui capaz de dizer mais nada depois disso, apenas deixei que Geny me levasse para casa e me consolasse. Por tantas vezes eu havia secado suas lágrimas e, agora, ela secava as minhas.

Era bom saber que – mesmo no pior momento da minha vida – eu não estava sozinha.



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Notas finais do capítulo

Pois é, Vicente barraqueiro hein, fim de carreira, viu Vince u.u
Hey, eu tenho 270 leitores O.O vamos comentar e me deixar feliz, pessoas?
Ah, eu vou responder a TODOS os reviews do cap passado assim que eu dormir um pouquinho, ok? Tô acabadinha agora. E isso vale pras lindas que mandaram recomendação, amanhã agradeço vocês melhor, prometo :3
Bom, como eu tô de férias, pretendo TENTAR postar antes do Natal (se vocês comentarem bastante vai ajudar bastante *-*), mas se eu não conseguir, FELIZ NATAL PRA TODO MUNDO O/ que vocês passem esse dia especial da melhor maneira possível *-*
Beijos e até a próxima :**