O Amor É Clichê escrita por Juliiet


Capítulo 2
Eu o odeio!


Notas iniciais do capítulo

Aqui está o primeiro capítulo. Como tá no inicio, ele é meio chatinho, mas os capítulos legais não vão demorar, prometo. Boa leitura :)



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   O nome dele é Vicente. Vicente Müller. Dá pra pensar num nome mais ridículo? E todo mundo chama ele de Vince, o que é duplamente ridículo. Ele deve ter quase 1,80m e é o menino mais alto e bonito da turma. Bom, eu pessoalmente não acho essa criatura do esgoto bonita, mas as descerebradas da minha sala arrastam um ônibus de dois andares lotado por ele. Ele tem aquele tipo de cabelo que parece de criança e que não ficaria bonito em nenhum outro cara, mas que cai bem nele. Lisinho, mas enrolado nas pontas, sabe, e a cor é aquele castanho com alguns fios dourados pelo qual todas as patricinhas nojentas da minha sala pagam fortunas para obter num salão de beleza todo mês. Pelo menos eu sei que o cabelo do Vicente é natural, já que é o mesmo desde que eu o conheço, que é basicamente desde sempre. Os olhos dele são impossíveis de se encarar por muito tempo, são tão escuros que parecem pretos, mas se você chegar bem perto e estiver num lugar claro, vai perceber que são marrons. Ele, obviamente, é o capitão do time de futebol da escola e treina três vezes por semana, e praticamente a escola toda fica até mais tarde no colégio às segundas, quartas e sextas para ver o treino.

   O garoto é uma estrela. Vicente fica por aí desfilando aquele sorriso torto dele e as duas covinhas que ele tem nas bochechas, mesmo sabendo que as meninas ficam soltando suspiros apaixonados quando ele passa. Acho até que ele faz isso de propósito, deve adorar ser amado e desejado por todas do colégio. A pele dele tem aquele tom dourado de quem passa o dia na praia, o que acontece de fato, porque além de ser um astro do futebol ele também é surfista. Dá pra acreditar? E eu já o vi se exibindo na praia, então sou forçada a confessar que ele tem o corpo bonito. Não é bombado e nem magrelo, é aquele perfeito meio termo, esguio e com músculos bem definidos. 

   Tudo bem, tudo bem, talvez o garoto seja meio bonito.

   O que não faz eu gostar mais dele, fato.

   Porque o negócio é que, para o maldito do Vicente, não basta ser tudo isso que eu acabei de dizer. Não basta ser o mais bonito, o mais popular, o melhor nos esportes e ter tudo que o dinheiro da mamãe rica pode comprar. Não, ele precisa de mais, precisa ser o centro das atenções, o melhor em tudo. Precisa tirar a única coisa que eu tenho.

   Que é o posto de melhor aluna da classe.

   Agora é o momento em que você diz que eu sou só uma nerd esquecida e desprezada que tem inveja do talento do Vicente Perfeito Müller.

   Eu sou mesmo uma nerd esquecida e desprezada. Mas não tenho inveja nenhuma dessa criatura maldita dos infernos que atende pela alcunha ridícula de Vince. Fala sério, me poupe. Nem de longe eu quero a vidinha medíocre e superficial que esse aí tem, dividida entre jogos de futebol, surfe, festas, bebidas e garotas. Porque é claro, como bom menino mais popular da escola, Vicente é o típico garanhão que pega todas.

   Então, mesmo que eu estude na mesma sala que ele desde o jardim da infância, nós nunca tivemos nada em comum, porque mesmo naquela época ele já era o rei do parquinho de areia ou coisa parecida. Nós sempre vivemos em mundos diferentes, porém coexistentes. Ou seja, cada um vive na sua e tolera o outro até poder se formar e, no meu caso, entrar numa faculdade de renome, virar uma médica de sucesso e rir da cara do Müller quando ele estiver lavando meu carro importado. E estávamos perfeitamente bem desse jeito! A regra tácita sempre foi nunca invadir o espaço um do outro! Nerds não devem se meter com os populares do mesmo jeito que não devemos colocar alumínio no ácido muriático na aula de química!

   O resultado pode ser...explosivo.

   E agora o Sr. Vicente Astro do Futebol Müller está invadindo o meu mundo!

   Tudo aconteceu ontem quando estava saindo tranquilamente do banheiro feminino no intervalo e Petra, minha melhor amiga, correu até mim, ofegante.

   – Tina, você não vai acreditar – ela disse entre grandes lufadas de ar, que faziam sua franja comprida subir e descer.

   – O que foi? – perguntei, preocupada.

   – O listão do primeiro simulado do ano saiu e...

   – E o quê? – perguntei, já ansiosa para ver o listão, achando, como sempre, que meu nome estaria lá no topo.

   Ainda que meu nome não fosse dos melhores.

   – Você foi a segunda colocada do colégio.

   Foi nesse momento que eu quase tive um ataque do coração.

   Tipo, qualquer outra pessoa no meu lugar estaria dando pulinhos de alegria ao saber disso. A segunda maior colocação de todo o colégio – que não é pequeno – não é para qualquer um. Mas qualquer pessoa não foi a melhor aluna da classe e a primeira em todos os simulados desde que os simulados foram inventados, como eu.

   – O QUÊ?! – gritei, assustando algumas meninas da sétima série que estavam por ali. – Quem está na minha frente? Foi aquele nojento do Arthur, não foi? Ele nunca se conformou em sempre perder pra mim...só queria saber como ele conseguiu me passar...

   Ok, sei que posso parecer uma metida presunçosa, mas é que meu cérebro privilegiado é a única coisa que eu tenho que realmente funciona, então não posso ser modesta em relação a ele.

   – Na verdade... – começou Petra estalando os dedos, coisa que sempre faz quando está nervosa. – Acho melhor você ver.

   Não precisei ouvir duas vezes e fui direto para o corredor principal, onde todos os avisos, panfletos, horários de palestras e notas são fixados na parede. O lugar estava lotado, parecia que todos os alunos do ensino médio estavam ali, vendo seus resultados.    E eu, como sou nanica, não conseguia ver nada. Quando finalmente – depois de algumas cotoveladas nas costelas certas – consegui chegar perto para ver a desgraça que havia roubado o meu primeiro lugar, juro que pensei que o mundo tinha enlouquecido. Era simplesmente impossível. Afinal, o que o nome do menino mais popular da escola estava fazendo ali no topo?

   Mas estava.

   Vicente Müller.

   E eu ainda podia ouvir a balbúrdia que vinha da direção da turminha dele, os meninos do time.

   – Nossa, cara, você se superou!

   – O primeiro lugar do simulado!

   – Vince, você é um gênio!

   – Passou até daquela nerd esquisitinha lá da sala.

   Meu sangue começou a ferver de ódio e eu saí de lá o mais rápido possível, antes que fizesse uma besteira.

   Petra foi atrás de mim até a sala que, naquele momento, estava vazia.

   – Ei, Tina, se acalma – ela disse, sentando na cadeira ao lado a minha. – Aposto que ele colou.

   – Isso não muda o fato de ele ter ficado na minha frente na lista!

   Confesso que, apesar de não ser uma característica comum nos nerds, eu sou bem esquentadinha, ainda mais quando as coisas não acontecem do jeito que eu quero.

   Eu sou uma nerd...diferente.

   – Ei, esse foi só o primeiro simulado do ano – Petra continuou. – No próximo você vai ser a melhor, como sempre, e no final do ano ainda vai receber o título de melhor da classe, por isso não estressa.

   Ela tinha razão e eu sabia disso. Mas continuava morrendo de ódio por aquele moleque desgraçado ter conseguido o meu primeiro lugar. Dois dias haviam se passado e eu ainda nem tivera coragem de contar para o meu pai toda essa história. Qualquer outro pai ficaria orgulhoso da minha colocação, mas...qualquer outro pai não é o meu pai.

   Papai me ama e à minha irmã, eu sei disso, mas, ele exige que nós duas sejamos perfeitas o tempo todo. Precisamos sempre ser as melhores na escola, ter as melhores notas e o melhor comportamento. Papai não se importa com a nossa aparência desde que estejamos limpas e com roupas decentes. Ele não aceita saias curtas e decotes, nem calças coladas ou saltos altos. Maquiagem então, nem pensar. E eu tremo só de lembrar a reação dele na vez em que eu perguntei se podia cortar o cabelo.

   Acho que você pode dizer que meu pai é...rígido.

   Mas eu não me incomodo muito com isso. Eu não me interesso por moda e não gosto de maquiagem. Detesto roupas vulgares e nunca quis me misturar com os populares da sala ou ser aceita por eles. Não gosto dos cabelos compridos que papai nos abriga a usar, mas os meus vivem presos então não são realmente um problema. Além disso, gosto e sempre gostei de estudar, então ser boa na escola não é um problema para mim. Mesmo assim, papai não vai gostar de ouvir que fui passada para trás por um moleque idiota como o Vicente.

   – Tina, papai está nos chamando pra jantar – minha irmãzinha disse, entrando no meu quarto. – Você pretende contar para ele que ficou no segundo lugar do simulado?

   Apoiei a cabeça na minha mesa de estudos, gemendo de frustração. Por mais que eu tente fugir, todos fazem questão de me lembrar disso.

   – Se eu fosse você, não contava. Papai está muito irritado desde que chegou do trabalho.

   Era domingo, mas ainda assim, papai passou o dia todo trabalhando. Ele é cirurgião neurologista e trabalha no melhor hospital da cidade. É muito respeitado por aqui e um dos melhores médicos do país. Apesar disso e de vivermos numa casa enorme e linda, papai acha que temos que aprender o valor do dinheiro e nunca nos deixa comprar coisas caras nem gastar com frivolidades. Eu não me importo, mas Geny sofre com isso.

   – Você sabe o que aconteceu no hospital para deixá-lo assim? – perguntei.

   – Como eu vou saber? Ele só chegou super mal humorado e disse para não nos atrasarmos para o jantar. Não conte nada pra ele, Tina!

   – Tem razão, não vou contar. Vou esperar o humor dele melhorar ou então o próximo simulado, quando eu recuperar meu merecido primeiro lugar.

   – Às vezes acho você tão lunática quanto o papai. Qual o problema de ficar uma vez em segundo lugar?

   Não respondi. Esforço-me tanto para agradar ao papai, para fazê-lo feliz desde que ficamos só os três que já é algo natural em mim. Mas minha irmã não é como eu. Geny está sempre brigando com o papai porque quer ser como as outras garotas e odeia ficar o dia todo em casa, estudando.

   Entendo como ela se sente, até eu, que gosto de estudar, me canso disso de vez em quando.

   Depois do jantar, fui para o meu quarto e abri o livro de matemática em cima da cama e deitei de bruços para estudar. Matemática não é minha matéria preferida, mas eu precisava justamente melhorar meus pontos fracos. Comecei o segundo ano do ensino médio há apenas um mês e, como todo ano, na segunda semana de aula tivemos o simulado que os professores chamam de "nivelamento", com toda a matéria do ano anterior. E eu ainda não estava acreditando que Vicente Müller tinha ficado em primeiro lugar.

   Ok, sei que isso já está soando repetitivo, mas é sério! O menino passa a vida inteira sendo o mais bonito, o melhor nos esportes, o perigote das mulheres, o cara que dá as festas mais legais (não que eu já tenha sido convidada para uma, mas escuto os comentários), resumindo, o rei da cocada preta. Onde ele arrumou tempo para estudar e passar na minha frente? Desde que eu me entendo por gente, Müller sempre teve notas medianas. Nunca foi um aluno com notas ruins, como mais da metade do time de futebol, mas nunca foi extraordinário. Eu sentia que algo nessa história não estava certo.

   Depois de mais ou menos uma hora de matemática, senti meu celular vibrar no bolso da minha calça. Quando estou em casa sempre deixo o celular no silencioso porque, para falar a verdade, papai não permite celulares, acha que eles são perda de tempo e desvio de atenção para adolescentes. Ok, sei que eu deveria ser a nerd certinha, mas que menina de 16 anos sobrevive sem celular? E é por isso que Geny e eu usamos o dinheiro que o vovô nos deu no último natal para comprar um aparelho cada uma. Claro que papai nem sonha com isso.

   – Tina, o que você está fazendo? – era Petra perguntando.

   – Estudando – respondi com um suspiro.

   – Sempre, não é? Bom, eu liguei pra te implorar pra ir comigo ao aniversário do meu primo no sábado.

   – Como assim, que primo?

   – O Tiago, você não conhece, ele acabou de se mudar pra cá. Mas a mamãe tá me obrigando a ir e eu não vejo o menino desde que a gente era criança. E naquela época ele já era uma peste. Não quero ir sozinha, por favor, vai comigo!

   – Ah Petra, você sabe que eu não gosto dessas coisas. Além do mais, acho difícil meu pai deixar.

   – Ah, tenta, por favor... – ela disse com aquela voz chorosa. Que droga! É impossível dizer não desse jeito.

   – Tudo bem, vou tentar – concordei, sentindo que isso não ia terminar bem. – Mas não garanto nada!

   Depois disso, nós nos despedimos e desligamos. Já passava das dez da noite e amanhã era segunda feira. Fechei o livro e guardei meu material na mochila. Escovei os dentes, troquei de roupa e fui dormir.

   Desde que eu me entendo por gente, todo mundo, mas todo mundo mesmo, me chama de Tina. Menos o meu pai, que faz questão de usar meu nome completo toda vez que abre a boca para falar comigo. Mas os professores da escola, meus amigos, qualquer pessoa que saiba quem eu sou, me conhece por Tina. É como eu sempre me apresento para as pessoas. E tem pessoas que nem sabem meu nome verdadeiro, que eu odeio.

   Mas bem cedo na manhã da segunda feira, quando eu estava atravessando o pátio para ir para a minha sala, com a cabeça enfiada num livro da Agatha Christie, acabei esbarrando em alguém.

   – Desculpa – comecei a dizer, levantando o rosto para ver quem era.

   – Presta atenção por onde anda, Maria Valentina – ele disse, num tom meio irritado meio divertido.

   Eu só fiquei parada olhando embasbacada para ele durante uns 30 segundos. Aquele sorriso torto, do qual eu já comentei, estampado em seu rosto bonito e as suas duas covinhas parecendo debochar de mim. Como esse desgraçado teve a cara de pau de me chamar pelo nome que todo mundo sabe que eu detesto?

   – Não sei com quem você está falando, Vicente – eu disse, percebendo que aquela era realmente a primeira vez que falávamos um com o outro a sós.

   – Você nunca me chama pelo meu apelido, então acho que eu tenho o mesmo direito de fazer isso com você – ele retrucou, afastando o cabelo do rosto com uma mão, enquanto a outra segurava displicentemente a alça da sua mochila.

   – Que tal você não me chamar de maneira nenhuma? – sugeri, irritada. – Que tal você continuar a fingir que eu não existo?

   – E que tal você deixar de se achar tão superior?

   – Eu?! Olha só quem está falando, o cara que se acha o máximo só porque sabe chutar uma bola e se equilibrar em cima de uma prancha!

   – E que tirou o primeiro lugar no simulado - ele disse, me provocando deliberadamente.

   – Uma vez na vida! – gritei de volta. Ele tinha tocado no meu ponto fraco, o maldito. – E se depender de mim, será a última!

   Por que eu estava perdendo meu tempo com aquele babaca? Bufando de raiva, passei por ele quase correndo para ir logo para a sala.

   – Pra uma nerd, você até que é bem esquentadinha, Maria Valentina – o ouvi dizer atrás de mim, para logo depois rir.

   Nem olhei para trás e continuei meu caminho. Ah, mas é um desgraçado! Tem a audácia de ficar na minha frente no simulado e ainda vem com essa coisa de me chamar de Maria Valentina! Maldita hora em que o papai deixou a mamãe escolher nossos nomes! Não sei se o pior é o meu ou o da Geny, ou melhor, Maria Eugênia. 

   Juro que não entendo esse garoto. Passou praticamente a vida toda me ignorando e agora vem debochar de mim. O que eu fiz pra ele? A minha escola, como a grande maioria das escolas, é toda dividida em panelinhas. Os populares e os atletas (quase sempre essas duas categorias se juntam), os roqueiros, os emos, os hippies, os artistas, os vagabundos, os marginais, os esquisitos e os nerds (essas últimas duas categorias também costumam se juntar). E, como você pode ver, eu estou na base enquanto o maldito do Vicente está no topo da cadeia alimentar. Apesar disso, não existem muitas brigas entre as panelinhas no meu colégio, porque todos conhecem os seus lugares e ninguém se mete com ninguém. Eu nunca me meti com os populares e nem quero!

   Então por que aquele retardado resolveu tirar graça com a minha cara?

   Ainda pensando nisso, entrei na sala. Petra, Larissa e Arthur eram os únicos lá – como eu já disse, era muito cedo – e estavam sentados perto um do outro, conversando.

   – Que cara é essa, Tina? – Larissa perguntou, assim que me viu entrar.

   – Nada – respondi irritada, sem vontade de falar sobre meu pequeno encontro com o idiota do Vicente.

   – Deve estar irritada por ter ficado em segundo lugar no simulado – Arthur comentou, fazendo com que eu o encarasse com um olhar assassino.

   – Cala a boca, seu otário – falou Petra para ele. – Pelo menos ela ficou em segundo e não em quarto, como você.

   Arthur calou a boca rapidinho.

   E é por isso que Petra é minha melhor amiga.

   Petra Maciel tem 16 anos, como eu, e nós somos amigas desde o jardim da infância. Ela não pertence à categoria dos nerds, ao contrário do que você possa pensar, mas ela é meio esquisita, então é como se fosse – pelo menos aos olhos dos babuínos dessa escola. Petra é muito alta, deve ter apenas poucos centímetros a menos que aquele idiota do Vicente, e é meio briguenta. Quando nós éramos crianças, ela sempre me defendia dos outros alunos, que ficavam caçoando dos meus óculos, das minhas sardas e, principalmente, do meu nome. Ela sempre ia para a sala da orientadora por bater nas pessoas, mas não se importava. Ela é a heroína da minha infância. E o engraçado é que nós somos totalmente opostas, não apenas na altura, mas em quase todo o resto. Ela é morena e tem os cabelos castanhos bem escuros, muito lisos e cortados bem retos pouco abaixo do queixo, tem os olhos de uma cor um tom mais clara que os cabelos, um nariz reto e fino e sobrancelhas quase que permanentemente arqueadas. Além disso, tem um corpo totalmente lindo, cheio de curvas nos lugares certos, o que as meninas lá da sala sempre invejaram em segredo. Nunca estuda e não está nem aí para notas, fica de recuperação quase todo ano. A mãe dela me disse uma vez que achava que, se não fosse por eu sempre ajudá-la a estudar, ela ainda estaria na primeira série.

   Não me entenda mal, Petra não é burra ou coisa assim – longe disso. Ela é muito inteligente, só não gosta da escola e não se esforça apara estudar. Ela tem outros interesses, como sempre gosta de dizer. O sonho dela é ser fotógrafa e eu devo confessar que ela é realmente muito boa nisso. Tirou algumas das fotos mais bonitas que eu já vi. E é isso que ela faz o dia inteiro quando deveria estar estudando.

   É a paixão dela, não dá para realmente culpá-la por isso.

   Sentei-me na minha cadeira, na frente de Petra. Larissa pegou o PSP dela e começou a jogar Mortal Kombat, e Arthur só ficou lá me encarando feio. Os dois são meus amigos, apesar dessa rixa esquisita que eu tenho com o Arthur, que, para ser sincera, nem sei como começou. Só o que sei é que estamos sempre tentando passar o outro para trás, coisa que eu quase sempre consigo e que deixa o menino super irritado.

   Arthur e Larissa são nerds e no simulado ficaram em quarto e terceiro lugar, respectivamente. Larissa Carvalho não liga muito para isso, ela tira boas notas sem esforço e prefere ficar jogando ou assistindo animes a discutir notas como eu e Arthur fazemos. Ela é bem baixinha, mais até do que eu, tem cabelos castanhos claros bem compridos que vivem em duas tranças do lado da cabeça. Ela usa o mesmo penteado desde que tínhamos uns seis anos. Tem olhos castanho esverdeados, cobertos por óculos de armação redonda, um nariz de bolinha – que, por incrível que pareça, deixa ela fofa – e uma boca fina. Ela costumava ter muitas espinhas no rosto, mas hoje já quase não tem nenhuma.

   Já Arthur Cabral é bem parecido comigo. Não fisicamente, mas temos ambos uma personalidade difícil e meio paranóica. Ele quer sempre ser o primeiro, assim como eu, porém, ao contrário de mim, ele nunca consegue. Se bem que aquela criatura dos diabos que as pessoas conhecem por Vince e que vive chutando uma bola conseguiu me passar...mas isso é uma exceção e um caso único. Voltando ao assunto, Arthur e eu estamos sempre competindo por tudo e, normalmente, eu sempre ganho, o que o deixa muito irritado. Apesar disso, a gente se entende. Arthur tem cabelos muito lisos, num tom loiro meio cinzento, bem curtos. Seus olhos são quase da mesma cor que os olhos da Petra, um castanho bem claro, e o nariz dele é meio grande para o rosto. É apenas alguns centímetros mais alto que eu e tem aquele tom de pele de quem passa o dia na frente do computador e nunca viu a luz do sol. Tem algumas poucas sardas nas maçãs do rosto – já que eu sei como ter sardas é ruim, me compadeço um pouco dele – e sobrancelhas grossas. 

   Ainda faltava um integrante do grupo, mas ele sempre chega atrasado. Infelizmente – para mim.

   – Você já falou com seu pai sobre a festa e ele disse não? – perguntou Petra.

   – Não, ainda não falei com ele – respondi, suspirando. Ainda tenho que arranjar um jeito de ir para essa porcaria de festa. – Por que você acha isso?

   – Pela sua cara, amiga. Parece que a qualquer momento você vai voar no pescoço de alguém.

   – Eu quero mesmo voar no pescoço de certo alguém.

   – Do que você está falando?

   – De nada, deixa pra lá. Eu vou falar com o papai hoje, mas acho difícil o velho deixar.

   Petra assentiu e ficou calada. Eu estava tão estressada que fiz a Larissa me emprestar o PSP e fiquei jogando até o sinal bater. O professor de Geografia e os outros alunos entraram na sala, esses últimos fazendo barulho e brincando. Vicente estava entre eles e, quando me viu olhando para ele, piscou um olho.

   Revoltada, virei o rosto e abri logo o livro de geografia no capítulo que havíamos parado na aula anterior. Aparentemente, ninguém havia percebido nada, nem meus amigos nem os dele, o que era melhor. O professor mandou todos se sentarem e a turminha do Vicente foi logo lá para o fundão e, como eu sento na primeira cadeira, pelo menos não ia ter que colocar os olhos em cima daquele moleque idiota.

   – Tem alguém do seu lado, Maria Valentina? 

   A sala toda ficou em silêncio e eu me virei cheia de ódio para aquela criatura maligna que estava apontando para a cadeira vazia ao meu lado. Podia ver que todo mundo estava chocado por ele estar falando comigo e percebi Petra se retesar ao meu lado, como se perguntasse "quer que eu quebre a cara desse abusado?". Precisei reunir todo o autocontrole dentro de mim para responder, com o máximo de educação possível:

   – É o lugar do Silas, dá o fora.

   É, não me saí muito bem, acho.

   – Maria Valentina...quer dizer, Tina - disse o professor, meio incerto. – Silas não está aqui e não se pode ficar guardando lugar para os alunos atrasados. Vince, pode se sentar aí, se quiser.

   – Obrigado, professor - agradeceu Vince com um sorriso

   Já posso matar esse cínico?

   Assim que esse moleque sentou do meu lado, o burburinho começou na sala. Eu estava morrendo de ódio, na minha cabeça só imagens de várias maneiras para torturar e matar o Vicente. Como ele teve a coragem de me chamar de Maria Valentina na frente da sala toda?! Ele não tem noção das coisas, não? Não sabe o tempo que eu levei para apagar esse nome da mente das pessoas, para todo mundo só me chamar de Tina?

   Olhei de lado para ele e o percebi me fitando com um sorriso sinistro no rosto. 

   Esse garoto só pode mesmo estar querendo acabar com a minha vida.

   Eu o odeio!


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Notas finais do capítulo

Se você chegou até aqui, muito obrigada mesmo. Deixe um review dizendo se gostou ou odiou, eu quero mesmo saber sua opinião. Eu não vou demorar pra postar o próximo capítulo, talvez amanhã ele já esteja aqui.
Beijos :)