O Amor É Clichê escrita por Juliiet


Capítulo 18
O Amor É Brega


Notas iniciais do capítulo

Hey cogumelos o/
Então, eu sei que demorei pra postar, mas é que eu fiquei sem criatividade e sem internet ao mesmo tempo. Desculpe.
Além disso, to meio desanimada, por isso o cap saiu meio sem graça, mas - pasmem - eu gostei dele hahaha. Será que concordamos?
Bom, boa leitura :)



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— Você tem certeza, Tina? — perguntou Geny pelo que me pareceu a quinquagésima vez.

— Já disse que vou fazer e pronto — respondi, pegando a tesoura da bancada do banheiro.

— Papai vai matar você.

— Eu sei. Não ligo.

— Deus, Tina. O que deu em você?

Virei-me para Geny com um suspiro:

— Vai me ajudar ou não?

Geny rolou os olhos e estendeu a mão direita. Eu coloquei a tesoura na mão dela e me sentei na cadeira que havíamos trazido para o banheiro, colocada de frente para o espelho. Fitei o reflexo de minha irmã atrás de mim, seu cenho estava franzido e ela mordia o lábio inferior insistentemente, olhando a tesoura em suas mãos de maneira hesitante.

— Anda logo! — exclamei. — Meu cabelo fica o tempo todo preso, papai não vai perceber!

— Certo, certo.

Eu fechei os olhos. Tudo bem, me processe, mas aquele cabelo era uma parte de mim há muito tempo. Uma longa parte de mim. Mas já era hora. Eu tinha 16 anos, pelo amor de Deus, e não podia tomar nem mesmo as menores decisões por mim mesma? Tinha que viver com esse medo constante do meu próprio pai? Obedecendo-o como um cachorrinho? O cabelo era meu e eu queria cortá-lo. Acabou.

A briga que se seguiu à saída de Vicente ontem foi uma das piores da minha vida. Provavelmente a pior. Mas foi boa, de certa forma. Eu finalmente fui obrigada a abrir meus olhos, a perceber que minha própria vida estava longe de estar em meu controle. Meus desejos, anseios e aspirações sempre foram reprimidos, a espontaneidade foi esmagada e a felicidade, uma visitante ocasional e pouco frequente. Para onde eu estava sendo guiada? Estava na hora de arrancar minhas correntes e ser livre. E aquele cabelo era só o início. A primeira das algemas que eu soltaria.

O fato de que eu estava, mais uma vez, fugindo do castigo para me encontrar com um garoto era para mostrar que eu estava falando sério.

Ontem à noite, meu pai gritou comigo, ordenou que eu me afastasse daquele "moleque", disse que eu estava a ponto de arruinar minha vida, que eu estava...estava...

— Você está começando a parecer com ela, Maria Valentina! E isso eu não vou permitir! Nunca!

E então eu percebi que aquilo não me atormentava como o faria se meu pai tivesse dito isso alguns dias antes. Qual o problema, afinal, em me parecer com minha mãe? A opção seria parecer com meu pai e essa sim, é aterradora. E por anos, eu vivi assim, tentando parecer com ele, fria, focada, determinada apenas em seguir o futuro brilhante que foi escolhido para mim. Sim, foi escolhido, porque, no fim das contas, quando eu tomava minhas próprias decisões?

Nunca.

Mas isso estava prestes a mudar.

— Eu gosto dele, papai — eu havia dito, levantando o queixo em desafio. — E eu não vou me afastar dele só porque você quer.

Papai só fez me olhar com repugnância, e balançou a mão como se não fosse nada.

— Pensei que você estava além dessas tolices infantis, Maria Valentina — foi o que ele disse. — Mas se não está, só me resta fazer você ficar. Nunca mais vai vê-lo e acabou.

Bom, ele havia dito que Maria Valentina não podia mais ver Vicente Müller. Não falou nada sobre Tiffany.

Eu sei, eu sou um gênio.

— T-Tina — começou minha irmã atrás de mim. — Acabei. Abre os olhos.

Meu coração acelerou e eu respirei fundo, abrindo só um olho e fitando o espelho. O choque me fez arregalar os dois olhos em um segundo e logo eu podia ver meu reflexo completamente. Levantei e cheguei bem perto do espelho, tirando os óculos.

Ai. Meu. Deus.

— Eu estou...estou...

— Linda — completou Geny, sorrindo. — Modéstia à parte, já que esse lindo corte de cabelo fui eu que fiz.

Sorri e consegui desgrudar meus olhos do espelho para fitar minha irmã, que tinha uma expressão satisfeita no rosto.

— Obrigada, Geny — disse, abraçando-a. — Você é a melhor irmã do mundo!

— Eu sei — ela respondeu. — Mas se o papai descobrir, você fez tudo sozinha, ok?

Ri. Como sempre, minha irmã dava uma de esperta.

— Certo — concordei.

— Ótimo. Agora vá se trocar ou vai se atrasar para esse seu almoço. Ainda penso que você não devia ir, não depois da briga de ontem, mas se você quer mesmo...

— Eu quero. Mais que isso, eu preciso. Vou esclarecer umas coisinhas hoje.

Dizendo isso, eu deixei uma Geny confusa no banheiro e subi para o meu quarto. Minha irmãzinha tinha separado umas roupas legais para mim do seu "estoque particular", como ela chamou. Já tinha feito minha maquiagem e a coisa mais difícil foi mesmo convencê-la a cortar meu cabelo. Mas, apesar de ter ficado assustada, eu confiava no talento da minha irmã e ela fez com que aquele meu horrível cabelo reto e pesado se transformasse em leves fios ondulando até pouco abaixo dos ombros, um pouco mais curtos na frente. Eu me sentia outra pessoa, parecia que tinha tirado um peso da minha cabeça.

Ok, eu podia estar agindo como uma louca. Certo, eu "estava" agindo como louca. Ainda ontem fiz de tudo para fazer Vince Müller sofrer, deixei-o plantado no cinema, saí com o garoto que pensei amar por tanto tempo, fui beijada por ele, mas só tinha um certo Vicente na cabeça e...

No fim, um beijo mudou tudo. Certo, não foi um beijo. Foram dois. Eu simplesmente não sei explicar de que jeito aquilo mexeu comigo, eu só...só percebi o que meu coração já sabia há muito tempo.

Eu estou apaixonada por Vicente Müller.

Dá pra estar mais ferrada?

E o pior de tudo é que ele está apaixonado por outra. A tal da Tiffany. Que é...bem...tipo...eu.

O que diabo eu vou fazer da minha vida?

Certo, um passo de cada vez. Tiffany vai ser muito útil para mim hoje, porque sim, Vicente me beijou. Eu, Tina, não Tiffany, e eu preciso saber se ele...bom, se ele pelo menos parou para pensar nisso. E sei que seria terrivelmente desconfortável tocar nesse assunto sendo eu mesma. Mas isso não significa nada, acho que Vince Müller é capaz de beijar tudo que tenha peitos e respire. A quantidade de garotas com quem ele já se agarrou pelos corredores da nossa escola é completamente absurda. É mulher suficiente para um exército. E eu nem posso me iludir, a maioria me colocava no chinelo.

Certo, não sou bonita! Tiffany é apresentável, eu sei, mas ela não sou eu! Não gosto de usar salto alto, maquiagem nem roupas apertadas. Principalmente roupas apertadas. Eu sei, esqueceram de me jogar num balde de feminilidade quando eu nasci, porque apesar de não ser nada atraente, eu amo minhas calças de moletom folgadas. São confortáveis! Tudo bem que parecer bonita de vez em quando é legal, mas sinceramente, passar por todo o processo de embelezamento todo os dias é...tortura. Essa sou eu. Maria Valentina gosta de calças de moletom, odeia escovar o cabelo, sai de casa com a cara lavada, usa óculos porque é super míope e lentes de contato fazem o olho coçar, ama tênis e chinelos e não pode usar blusas decotadas por causa do sutiã PP. Além disso, gosto de estudar, principalmente História, tenho uma fascinação por quadrinhos, sou louca por Star Wars, Star Trek e cubos mágicos. Quero ter um sabre de luz e ir aonde nenhum homem jamais esteve, quero me fantasiar de Batman no Halloween, ainda que seja uma fantasia de homem e as outras meninas estejam vestidas de...sei lá, coelhinhas da Playboy. Quero passar tardes de sábado jogando Marvel vs Capcom e Mario Kart, para depois sentar no sofá com pipoca e refrigerante e assistir O Dia Em Que A Terra Parou (o de 1951, por favor)e A Hora Do Pesadelo pela milésima vez.

Mas eu também quero beijar Vicente Müller e poder me esconder em seus braços quando meu pai brigar comigo. Quero rir das idiotices que ele fala e do jeito convencido dele. Quero poder olhar em seus olhos escuros e roubar seus sorrisos. Quero que eles sejam meus. Quero simplesmente que ele me olhe do jeito que me olhou logo antes de me beijar ontem. Como se eu fosse, não a única garota do mundo, mas a única que ele conseguia enxergar.

É muito querer ser eu mesma e ainda assim, ter para mim aquele príncipe encantado burro e metido?

Tá, eu tenho consciência que, só por desejar isso, posso me considerar desequilibrada.

Vicente Müller, além de ter só mentido e brincado comigo desde a primeira palavra que trocamos, é do tipo que, se algum dia sentir esse tipo de coisa por uma garota, vai ser por uma que dorme maquiada, não tira o pé dos saltos, só tem roupas apertadas e decotadas no guarda-roupa e, provavelmente, um sutiã tamanho G. Isso sem falar que vai ser do tipo que gosta de assistir comédias românticas no cinema e tem como ideia de diversão pintar as unhas com as amigas. Isso sem falar na fantasia de coelhinha da Playboy.

Eu não tenho nem chance.

Mas como ir à guerra e morrer com honra é melhor do que não ir e sobreviver sendo covarde, eu não posso desistir sem tentar. Ou pelo menos sem saber se eu podia ter tido uma chance.

Sim, é hoje que Vicente Müller vai saber a verdade sobre Tiffany e Maria Valentina. É hoje que vou saber se ele pode vir a gostar de mim por quem eu sou de verdade. Ou se vai apenas me odiar para sempre por enganá-lo.

Coloquei a meia calça preta, o short jeans escuro e curto e a blusa vermelha com bolinhas brancas, mangas curtas e botões na frente. Para a minha eterna gratidão, Geny me permitiu usar as sapatilhas brancas que eu ganhei da Larissa no meu último aniversário. Segundo ela, eu já estava com tantas coisas na cabeça que me concentrar para não perder o equilíbrio em cima de saltos altos seria crueldade demais. Deixei meu novo cabelo solto, do jeito que estava, e peguei a bolsa de mão que Geny me emprestou, em que mal cabiam meu celular, algum dinheiro e o gloss rosa que ela me obrigou a levar. Outra coisa pela qual eu estava agradecida era o fato de estar usando menos maquiagem do que na noite da festa. Como era um almoço, eu não precisava pintar minha cara como se fosse um palhaço, bastava o delineador preto, rímel, blush e o maldito gloss.

Tinha cheiro de morango e me fazia ficar com vontade de lambê-lo dos meus lábios, mas o gosto não era tão bom assim.

Finalmente, coloquei as odiosas lentes de contato que me faziam piscar e lacrimejar, mas que não escondiam meus olhos como meus óculos fundo de garrafa, e desci as escadas.

Geny estava me esperando na sala. Estava dando voltas pelo aposento, com uma unha meio roída na boca. Quase acreditei que ela estava mais nervosa do que eu. Se bem que por motivos diferentes.

— Tina, papai vai matar a gente! — exclamou quando me ouviu descer, e então virou para mim. — Uau! Você está perfeita! — e então voltou ao seu blablablá nervoso. — Mas papai vai matar a gente mesmo assim.

— Calma, Geny, não fique nervosa — eu disse, pegando o telefone para ligar para o táxi. — É só se ater ao plano e nada vai acontecer com você.

— Papai vai chegar mais cedo hoje, ele mesmo disse que agora ia fazer o estilo "linha dura" com a gente — ela protestou. — E você acha mesmo que ele vai cair nessa de que eu estava dormindo e não ouvi você sair? Ele vai me espancar e matar você! Além de provavelmente me obrigar a enterrar seu corpo esquartejado no quintal — terminou, à beira da histeria.

Fitei minha irmã futura-candidata-a-passar-o-resto-da-vida-no-hospício e rolei os olhos. Falei com a empresa de táxi e dei o endereço da minha casa e, depois de ouvir que o motorista chegaria em 10 minutos, desliguei, para enfim responder à Geny:

— Você está louca, sério. Vai tomar maracujina e se acalmar.

Ela só me fitou com os olhos arregalados.

— Sério, vai dar tudo certo — continuei. — Pelo menos para você. Deixa que eu vou me entender com o papai quando voltar.

Geny deu um longo suspiro e seus ombros caíram.

— Certo, certo — resmungou, dando as costas para mim e começando a subir as escadas para o quarto. — Vá brincar de ser gostosa com aquele otário. Eu vou para o quarto fingir que estou dormindo.

Ia dizer alguma coisa quando ouvi uma buzina de carro anunciando que o táxi já estava ali. Dei de ombros e gritei uma despedida para Geny, que não foi respondida, enquanto corria para a porta da frente. Entrei no táxi e instruí o motorista a me deixar num restaurante no centro. Era um lugar que eu não conhecia. Vicente havia mandado o endereço e o horário em que era para aparecer lá ainda essa manhã, por mensagem. Ele foi frio e seco, mesmo através das palavras na tela do meu celular, e não fez perguntas nem comentou o fato de eu ter dado o bolo nele. Receava que ele fosse me dar o troco, não aparecendo para esse almoço. Mas eu tinha que ir de qualquer jeito.

Depois de meia hora, o taxista parou na frente de um restaurante de aparência sofisticada, uma casa antiga reformada, com grandes janelas de vidro. Paguei ao motorista e desci do carro, sentindo minhas pernas tremerem como gelatina. Definitivamente, se eu estivesse de salto alto minha cara já estaria grudada no chão. Sentia meu coração acelerar a cada passo que eu dava em direção à entrada. Será que ele já estava lá? Será que iria mesmo aparecer ou me deixaria plantada como eu o deixei? O que ele estaria vestindo? Será que estava com raiva de mim...quer dizer, da Tiffany? Será que ao menos lembrava do beijo de ontem ou Maria Valentina e aquele "acidente" já estavam riscados da sua memória?

Por um segundo, pensei em sair correndo e voltar para casa. Esquecer de tudo. Quem era EU afinal para cobiçar o menino mais incrível da escola? Quem era eu para pensar que podia mudar a disposição da pirâmide social? Populares não se interessam por nerds e, principalmente, não namoram nerds. O que diabos eu estava pensando?

É, mais uma vez eu não estava pensando.

Quase fiz isso. Minhas pernas tremiam, minhas mãos suavam e o gloss já tinha sumido dos meus lábios há muito tempo, de tanto que eu os mordi. O gosto ruim do morango fajuto estava me deixando ligeiramente nauseada. Ou talvez fosse só meu estômago dando voltas com a perspectiva de encarar uma certa pessoa.

Chega Maria Valentina, você vai deixar de ser covarde! Você vai entrar nesse restaurante e, se Vicente estiver lá, você vai até ele e, com toda a dignidade possível, vai revelar que nunca existiu uma Tiffany, que ela é você!

É, e depois esperar ele me pegar nos braços e me beijar loucamente.

Ou — o mais provável — sair correndo fugindo da fúria assassina do menino.

Ou até posso acabar sendo expulsa do restaurante, quem sabe? Müller daria um jeito de fazer isso, aposto.

Mas, mesmo assim, eu respirei fundo e entrei.

Meus olhos foram guiados imediatamente para ele, como se fossem pólos positivos atraídos por pólos negativos. Minha respiração ficou presa na garganta. Diabos, ontem mesmo eu o vi! Estive com ele, fui beijada por ele...

Só pude perceber que ele usava jeans desbotados e uma camisa fina de mangas compridas, cinza. Depois disso ele virou o olhar para mim e eu só pude perceber o abismo dos seus olhos. Quantas vezes eu fitei esses mesmos olhos e não percebi o quanto eram lindos, hipnóticos? Quantas vezes eu os achei simplesmente escuros e rasos?

Céus, eu fui tão cega!

Não sabia se ele estava com raiva de mim ou não. Não sabia o que ele estava pensando. Não interessava. Minha mente ficou em branco e todas as minhas resoluções foram esquecidas. Junto com qualquer vestígio de decoro ou bom senso. Ele estava sentado e se levantou ao me ver. Não reparei na mesa em que estava nem nas outras pessoas que estavam no restaurante. Aliás, esqueci completamente que estava em um restaurante. Não sei o que deu em mim. Não sei o que aconteceu, só...aconteceu. Foi simplesmente mais forte do que eu.

Sim, eu fiz algo estúpido. De uma estupidez assombrosa, para ser sincera.

Eu fui espontânea e impulsiva.

Eu fui Tiffany. Mas no fundo, fui apenas Tina.

Porque eu senti que era eu mesma enquanto atravessava o ambiente e ignorava o maître perguntando se eu tinha reserva. Senti que era eu que praticamente corria até o lindo garoto de olhos escuros e embriagadores que estava em pé, esperando por mim. Eu ainda era eu mesma quando praticamente me joguei em seus braços, passando os meus pelo seu pescoço, sentindo sua surpresa e confusão e finalmente, sem uma palavra, colando meus lábios nos dele.

Sim, eu sei. Podem trazer a camisa de força.

Colei-me em Vicente com desespero, apertando minhas mãos em seus cabelos fartos, puxando-o com mais força para meus lábios. Após alguns segundos de surpresa, o senti movendo os lábios contra os meus com a mesma voracidade, senti suas mãos apertarem minha cintura e me puxarem para mais perto. Senti-me envolvida em seu calor, em sua segurança, ansiosa por mais uma gota do seu carinho, como alguém que está perdido no deserto anseia por uma gota de água. Naquele momento, eu estava sim, perdida em um deserto. Um deserto de solidão e isolamento. E sim, Vicente era meu oásis.

Brega, não?

Experimente beijar o homem que ama sem soar brega depois. Impossível. No mínimo vão rolar aqueles famosos sinos.

Vicente parou o beijo devagar, afastando-se um pouco da minha boca e, em seguida, voltando para ela, para um último toque, uma última mordida carinhosa no lábio inferior. Suas mãos tinham ido para minha nuca e, embora seus lábios não tocassem mais os meus, nossas testas estavam juntas e ele não parecia capaz de me soltar.

Eu? Bom, eu acho que não parecia capaz nem de sugar oxigênio suficiente para me manter viva, muito menos de soltar aquele garoto.

— Vicente — escutei uma voz abafada, como se a ouvisse de longe, através da névoa densa em que o beijo de Vicente me envolveu. — Vicente! — e em seguida, um pigarro irritante.

Ele me soltou, parecendo finalmente perceber a voz que falava com ele e cair na real de que tinha sido quase que atacado por uma louca que se fazia passar por uma pessoa que não era — certo, eu duvidava que ele soubesse dessa última parte — e que estivera beijando essa mesma louca com uma avidez totalmente inapropriada para um local público.

É, eu finalmente lembrei que estávamos num restaurante e, no momento, todos estavam olhando para nós.

Sabe quando você sente o sangue fluindo para a parte superior do seu corpo e indo parar no rosto? Não? Pois eu sei. Acabei de sentir todo o sangue do meu corpo se acumular nas bochechas.

Deus, eu não estou mais ficando louca. Eu estou louca! Completamente pirada, desequilibrada, desregulada, maluca. Totalmente despirocada.

Alguém me interna, por favor.

— Quem é essa, Vicente? — perguntou a voz. Que não era só uma voz sem corpo flutuando no meio do restaurante. Dã. Não estou tão sequelada assim.

A voz pertencia a uma mulher. Uma mulher bonita, alta — ela se levantou da cadeira e eu tive que levantar um pouco o rosto para fitá-la —, magra e inacreditavelmente loira. Sua pele era ligeiramente bronzeada e seus traços eram aristocráticos, desde o nariz fino e reto até o queixo quadrado. Estimei que ela devia estar no final dos 30 anos. Ou no começo dos 40. Suas roupas eram elegantes e pareciam caras e ela me olhava com óbvia irritação.

Ok, quem era a madame mal humorada?

— Bom — começou Vicente, obviamente envergonhado e um pouco perdido. — Mãe, essa é Tiffany. Tiffany, essa é minha mãe.

Ah, claro...tudo bem...

O QUÊ?!

PARA TUDO, O GAROTO ME CHAMOU PARA ALMOÇAR E LEVOU A MÃE DELE? ISSO É UMA PIADA?

Nada na vida me preparou para isso.

E tudo bem que eu que o chamei pra almoçar, não o contrário.

A mulher me olhou como se eu fosse um inseto particularmente nojento que tinha pousado no canudinho do seu suco. Não que ela parecesse ser do tipo que tomava suco no canudinho, é claro. Mas era um olhar de repugnância e nojo absoluto que quase me teve correndo dali.

Aquela mulher era o cão, tava na cara. Pronto, a pior coisa que podia acontecer naquele encontro já aconteceu.

— Claro — resmungou ela com desaprovação na voz. — Da próxima vez, apresente-nos suas amiguinhas com mais decoro, Vicente.

Amiguinhas? Essa mulher estava falando sério?

— Ahn, ok — soltou Vicente, olhando torto para a mãe. Depois virou para mim. — Estou feliz que você tenha vindo, Tiffany...você está linda.

— Obrigada — sussurrei, desconfortável por ele estar falando daquele jeito na frente da mãe enjoada dele. Ok, estava com mais vergonha pelo fato de estar corando na frente da mãe enjoada dele.

Para quem acabou de dar uns amassos no garoto na frente da mãe dele, isso não deveria ser nada.

Ok, esse pensamento me deixou com vontade de vomitar.

De repente, ouvi o barulho de cadeira sendo arrastada e uma outra pessoa levanta da mesa. Uma garota. Caramba, ela era linda. Era quase tão alta quanto a mãe do Vicente, tinha uma pele morena que praticamente brilhava, olhos escuros e um cabelo castanho incrivelmente liso caindo pelas costas. Usava um vestido branco e curto, com um decote elegante — sutiã tamanho G, sem dúvida — que destacava sua pele incrível. A única coisa que realmente estragava o encanto dela era sua expressão. Era bem nojenta, sabe? Sua boca estava contraída, o que fazia as bochechas dela irem pra baixo, o que não era nada atraente. Fazia ela parecer um buldogue.

— Não vai me apresentar, Vince? — perguntou a garota com uma voz arrastada, segurando o braço do Vicente e encostando aqueles peitões nele.

Sério, a coisa ficou feia. Eu estava realmente pensando se quebrava a cara da garota ou só jogava um copo de refrigerante no vestido dela.

— Eu sou Lana, prazer — disse a mocréia quando ficou claro que Vince estava muito atordoado para falar alguma coisa. — Você é amiga do Vince há muito tempo?

E eu que pensei que a mãe enjoada do Vicente era a pior coisa que podia acontecer nesse almoço...Se eu fosse eleger a pior coisa seria a mocréia com cara de buldogue com azia, com certeza!

— Não — respondi, seca. E depois me virei para Vicente, dizendo sem o menor constrangimento. — Pensei que íamos almoçar sozinhos.

Ele arregalou os olhos para mim. Parecia não acreditar na minha cara de pau.

— Bom, era essa a ideia, mas...— foi falando, sem olhar nos meus olhos. — É que...bom...minha mãe chegou de viagem hoje e queria passar um tempo comigo e como eu não queria desmarcar com você, pensei que...que podíamos almoçar todos juntos.

Certo, perdoei-o um pouquinho. Mesmo depois do que eu fiz, ele ainda assim não quis desmarcar comigo, então precisou trazer a mãe. Mas confesso que ficaria mais feliz se ele soltasse o braço do meio daquelas tetas siliconadas da cachorra com azia. Quem diabos era aquela garota? O que ela estava fazendo no meu encontro?!

— Por que não nos sentamos? — a mãe dele tentou sugerir, mas saiu mais como uma ordem. — As pessoas estão começando a olhar.

A velha tinha razão, então nos sentamos. A mesa era redonda e eu acabei ficando entre Vicente e a mãe dele, que parecia evitar me olhar, como se eu fosse indigna de me sentar ao lado dela. Sério, com uma mãe dessas não me surpreende mais que Vicente seja do jeito que é. Aliás, me surpreende que ele não seja pior.

Eu comecei a me perguntar como eu tinha acabado nessa. Sério, o que eu fiz de errado? Além de mentir, enganar, desobedecer o meu pai e praticamente atacar um garoto no meio de um restaurante, bem na frente da mãe dele? Por que esse tipo de coisa acontece comigo? Sério, minha vida podia ser menos complicada, eu não reclamaria.

Mas não, as coisas só pioram.

Percebi isso no momento em que descobri que o restaurante era um desses lugares naturais, onde só servem salada.

Sério.

Pensei que começaria a chorar, mas então senti a mão quente de Vicente apertando ligeiramente a minha sob a mesa. Virei meus olhos para ele e percebi o pequeno sorriso no canto dos seus lábios. Apertei sua mão de volta. E então, me senti bem.

Parece que eu só preciso da mão daquele garoto que eu jurei odiar por toda a vida sobre a minha e o meu céu clareia. Ou que, sei lá, é só sentir a mão dele na minha e eu nem me importo mais em comer salada.

Brega de novo, eu sei, mas não me importo.

O amor é meio brega mesmo.



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Notas finais do capítulo

Gente, papo sério agora. 93 pessoas adicionaram OAEC como favorito. NOVENTA E TRÊS. Sério, se pelo menos metade dessas pessoas deixasse um reviewzinho, eu já me dava por satisfeita. Mas os leitores continuam sendo fantasmas e eu continuo desanimada com isso. Sério.
Agora, coisas boas - ou não? - eu escrevi uma historinha esses dias. Ela é pequenininha, tem só 5 caps. Quem quiser dar uma olhada:
http://www.fanfiction.com.br/historia/248088/Ocean_Eyes/
Beijos, gente :)