O Amor É Clichê escrita por Juliiet


Capítulo 12
Lições De Sedução


Notas iniciais do capítulo

Capítulo dedicado à Ágatha Rivera e à Lídia, pelas recomendações lindas que elas fizeram para mim. Obrigada meninas, de verdade *-*

Boa leitura :)



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Eu não acredito.

Vicente gostoso-porém-babaca Müller está apaixonado por mim.

Ok, pela Tiffany. Tudo bem que ele não disse o nome com todas as letras, mas eu sei que é ela.

Mas ela sou eu, então é por mim, não é?

Mas ele não sabe que ela sou eu e eu sou ela, mas eu sou eu e ela é ela...

Isso tudo está soando bizarro para mais alguém?

Certo, melhor esquecer minha loucura e começar a pensar na de Vicente, porque esse garoto só pode estar louco. Ou com um sério caso de burrice crônica.

Acho que é seguro apostar minhas fichas na segunda opção.

Mas é sério, como esse garoto pode ser tão cego?! Eu estava lá, na casa dele, ao lado dele, falando com ele – tudo bem que com a minha voz normal, e não com aquela coisa aveludada e doce que usei enquanto Tiffany – e ele não se tocou! Como pode?! Nós estudamos juntos toda a vida, nunca fomos amigos, mas ele me viu crescer, caramba! E foi só me enfiar num vestido, colocar uma maquiagem na cara e soltar os cabelos para ele pensar que sou outra pessoa. Tem como alguém ser tão obtuso?

É uma surpresa que Vicente tenha chegado ao ensino médio.

Ou talvez não, já que, como ele salientou com tanta arrogância, é rico o bastante para não ter que se preocupar nem com a faculdade.

Não que realmente alguma fosse aceita-lo, sendo tão estúpido.

Bufei irritada, e continuei meu caminho para casa, depois de praticamente fugir da casa daquela coisa com uma lesma morta no lugar do cérebro. Para falar a verdade, nem sei por que estava com tanta raiva. Mas eu estava. Estava furiosa e se passasse mais um segundo na presença dele, acabaria revelando tudo.

O que seria muito idiota.

Afinal, meu plano improvisado e maluco saíra melhor do que eu podia ter esperado algum dia. Vicente disse que estava...apaixonado.

Apaixonado.

Ainda era meio difícil de engolir, fato. Aliás, por que ele resolveu contar isso logo para mim? Que seja, não importa, o menino não bate bem mesmo.

Enfim, o negócio é que esta seria a vingança mais perfeita, maligna e cruel. Ferir o orgulho é só um arranhão na armadura, agora ferir o coração...

Destruição total.

Meu plano inicial tinha sido só frustrá-lo por ser uma garota que não correria atrás dele como todas as outras. Ele tentaria, mas não conseguiria adicionar o nome – ainda que fictício – de Tiffany na sua lista de conquistas. E eu tenho certeza que isso o deixaria furioso, já que, até hoje, nunca nenhuma garota resistiu ao seu charme. Mas ele se apaixonou por Tiffany! Isso eu nunca poderia ter previsto! Nem sabia que idiotas como o Müller eram capazes de gostar de verdade de alguém.

Bom, o que importava no momento era: que diabos eu ia fazer?

Sei que disse que Tiffany estava morta e que aquilo tudo foi uma loucura – uma loucura que eu nunca faria de novo. Mas...e se Geny estivesse certa? Vicente era o pior tipo de escória que o colégio podia abrigar e nunca ninguém foi capaz dar uma lição nele. E se fosse eu a fazer isso? Talvez eu devesse mesmo ressuscitar a Tiffany e pôr em prática a maior vingança da história dos nerds contra o esquema social vigente na escola, onde os músculos eram mais importantes que as maravilhosas “células cinzentas”. E que maneira melhor de fazer isso do que derrubando o líder deles? O líder dos populares metidos a besta?

Chega, isso está começando a parecer um discurso revolucionário radical pendendo para o terrorismo.

Parei subitamente, meus pés estancando na calçada quase que por vontade própria. Sabe, eu não sou má. Posso ser um pouco estressada, antipática e irritável, mas não sou deliberadamente cruel. Isso nunca. E brincar com os sentimentos de alguém, ainda que esse alguém seja um babaca manipulador que mereça isso, soa cruel demais para mim.

E eu não sou cruel.

Mas sou humana.

Não que isso seja uma desculpa para o que eu fiz a seguir. Que foi ignorar o caminho de casa e pegar o primeiro ônibus que me levasse para o shopping que havia num bairro próximo. Parece bastante inócuo, não? E estranho, porque eu odeio shoppings e só entro em lugares como esse à base de tortura e chantagens. Minha irmã é graduada nisso. Sério, nem Petra consegue me convencer a entrar no shopping e Geny consegue a façanha em questão de segundos.

Às vezes acho que minha irmã é uma sacerdotisa vodu.

Chega de viajar, o que interessa é que eu entrei no maldito shopping e fui até a loja de uma operadora de celular, onde comprei um chip telefônico com o número mais fácil disponível. Eu sou péssima para decorar números de telefone. Mas se Tiffany iria voltar à vida, ela precisaria estar ao alcance da rede de telefonia. E eu não podia, por razões óbvias, usar o meu número. E sim, sei de todo aquele blábláblá que falei sobre eu não ser cruel. E não sou mesmo.

Sou só uma garota muito confusa que acabou se metendo em uma situação da qual...não tem certeza se quer sair.

Até porque, embora eu não entendesse direito e nem quisesse admitir, não era apenas o desejo de vingança que movia minhas ações. Tudo bem, eu estava morrendo de raiva por ele ter me chantageado, usando os meus sentimentos contra mim, e agora estar me usando. Sem falar de todo o ressentimento guardado, por ele sempre ter me tratado como uma coisinha insignificante, na qual era perda de tempo até pensar a respeito.

Posso ser forte o bastante para não cair por uma coisa dessas, mas não posso impedir que machuque. E machuca.

Ninguém se acostuma a ser desprezado.

Mas mesmo todos esses motivos não seriam o suficiente para me fazer decidir prosseguir com essa loucura. Não, havia algo mais. Sei, eu também estou chocada com a minha própria fraqueza. Talvez eu não fosse muito melhor que Roberta Novaes e as outras metidas da minha sala. Eu só...queria saber como era, sabe? Como era ser bonita. Desejável. Popular.

Eu sei, eu sou idiota demais.

Idiota, idiota, idiota!

Saí da loja depois de enfiar o chip num bolsinho da mochila, tão irritada e perdida em pensamentos que acabei esbarrando em alguém.

– Des...Silas!

Silas abriu seu costumeiro sorriso tímido, tomando o cuidado de me segurar pelos ombros até eu recuperar o equilíbrio.

– Oi, Tina – ele disse, soltando-me.

Mesmo tendo estado confusa e irritada apenas momentos antes, correspondi honestamente ao seu sorriso. Era sempre assim quando eu estava perto do Silas, sempre fácil e seguro. Bom e previsível como um sorvete de creme, sem montanhas-russas emocionais. E era por isso que eu gostava dele, porque ele me fazia sentir bem e confortável com apenas um sorriso. Era fácil estar com ele, me acalmava. Era como se Silas fosse minha dose pessoal de Valium, me tinha relaxada quase que instantaneamente.

– Eu vi você saindo da loja – ele foi dizendo. – Estou ajudando a mamãe a comprar um presente para o papai, você sabe que o aniversário dele é no sábado – e sinalizou uma loja de gravatas ali perto. – E você, o que faz aqui? Sei que odeia shoppings, Geny te obrigou a vir?

– Não, eu...ahn...vim resolver um problema com meu celular, ele não estava mandando mensagens – improvisei. Odeio mentir para o Silas, é a pior coisa do mundo. Ele é tão ingênuo! Acredita tanto na bondade das pessoas que nunca esperaria que uma amiga como eu fosse capaz de mentir para ele. Eu poderia falar que estava caçando arco-íris com meu unicórnio cor de rosa que ele provavelmente acreditaria.

– Ah, tudo resolvido então? – perguntou e eu assenti. – Quer ir comer alguma coisa?

– Bem que eu queria – suspirei. A ideia de chegar em casa e ainda precisar cozinhar era positivamente torturante. – Mas o papai chega mais cedo às segundas e como a Geny parece que começou a morar na casa daquela amiga dela, a Sara, eu preciso...

– Levar a Pandora para passear, estou certo? – ele completou. Sorri e fiz que sim. Ele me conhecia e entendia tão bem que até completava minhas frases. Era simplesmente fofo.

– Então, que tal na sexta? – Silas perguntou de supetão.

– Ahn? Não entendi. O que tem sexta?

– Quer s-sair para comer algo na sexta? – ele parecia meio encabulado. Me pergunto o porquê, ele normalmente não era tão tímido assim comigo, apesar de o ser com a maioria das pessoas.

– Claro – respondi, dando de ombros. – Jogar videogame na casa da Larissa, com a Petra e o Arthur, e pedir pizza? Faz tempo que não fazemos isso e papai não se incomoda se for de vez em quando, você sabe, e...

– Não, Tina – ele me interrompeu, agora parecendo totalmente envergonhado, o rosto vermelho como seus cabelos. – E-eu quis dizer v-você e eu...sozinhos. J-jantar e depois cinema, q-quem sabe?

– Ah.

Espera aí, eu ouvi direito?

Pela cara do Silas, de quem gostaria de ser um avestruz para poder esconder a cabeça na areia, acho que sim.

E como assim “ah”? Tina, sua demente, o garoto de quem você gosta acabou de chamar você para sair e você só diz “ah”? Isso nem mesmo é uma palavra!

Mas eu ainda não estou entendendo. Silas, o tímido Silas Koury, acabou de me chamar para um encontro?! Sério?!

Isso é tão estranho...

– T-tá, claro – foi minha vez de gaguejar e corar como um tomate.

Silas pareceu feliz e aliviado, alargando o sorriso bonito dele, porém continuava vermelho como antes. Exatamente como eu devia estar. Acho que éramos um casal engraçado, ambos ruivos e corados como um pimentão.

– Legal – foi só o que ele disse.

– É mesmo.

Silêncio. Agonizante e intimidador silêncio. O desconforto parecia pinicar minha pele.

Aimeudeus, o que eu faço agora?

– Bom, acho que eu já vou – falei, ansiosa para sair dali.

– Quer que eu peça para a mamãe te dar uma carona? – ele perguntou, solícito.

Tremi. Por favor, não.

– Não precisa, eu vou pegar o ônibus – se eu conseguir alcançá-lo sem vomitar nos meus próprios pés.

– Tudo bem...sexta às 7, então?

– Ok – disse e tratei de ir embora rapidinho dali, antes que a Sra. Koury saísse da loja de gravatas. Ela era muito simpática e meio psicótica com segurança, então eu sei que ela insistiria em me levar em casa, querendo eu ou não.

E a última coisa de que eu precisava era ter Silas assistindo enquanto eu vomitava no carro da mãe dele.


Cheguei em casa antes do papai, o que foi um alívio. Saí para passear com a rabugenta Pandora, que fez questão de empacar a cada dez passos, só para me deixar louca. Acho que ela não gosta muito de mim. Depois de uma volta lenta pela rua, voltei para casa, tomei banho e fiz uma pizza caseira para o jantar. Também fiz uma salada, apesar de odiar comida verde. É claro que eu não comeria aquele monte de folhas, tomates então? Nem para salvar a minha vida. Mas era só para o papai não reclamar muito sobre só comermos porcarias.


Depois que terminei tudo e arrumei a mesa, fiquei meio sem ter o que fazer. Claro, eu deveria estudar um pouco, já que ando meio relaxada esses dias. Mas Geny ainda não chegara e eu estava nervosa com a possibilidade de papai chegar antes dela. Além disso, todo o meu drama pessoal do tipo ser ou não ser Tiffany estava mexendo com a minha cabeça.

Isso sem falar na coisa totalmente bizarra que foi o Silas me chamando para sair.

Quem conseguiria estudar com tudo isso na cabeça?

Bom, mas o encontro com Silas...eu meio que não entendia. Porque eu gostava dele! De verdade, eu gostava mesmo dele. Então eu não deveria estar feliz e animada com o fato de que ele me chamou para sair? Mas não, eu só estava nervosa e com uma vontade louca de roer as unhas.

Mas se você pensar por outro lado, é óbvio que a ideia de um encontro romântico com Silas deveria me apavorar. Eu acho que estava com sentimento certo, afinal. Porque eu nunca tive um encontro antes! O que deveria dizer, fazer, vestir? Nunca precisei me preocupar com esse tipo de coisa antes. E se tudo desse errado? Nossa amizade poderia acabar ficando comprometida e nunca mais ser a mesma! Eu não queria perder Silas, o amigo.

Mas eu acho que gostaria de ter Silas, o namorado.

E era por isso que eu estava tão nervosa. Era perfeitamente normal.

Oh, isso precisa mesmo ser tão confuso?

O barulho da porta batendo com força interrompeu meu pequeno dilema mental e Geny apareceu esbaforida, com as bochechas vermelhas e ainda com o uniforme da escola, correndo para o andar de cima.

– O carro do papai está dobrando a esquina! – ela gritou enquanto subia. – Acho que ele não me viu. O jantar já está pronto?

– Sim, mas não graças aos seus esforços – gritei de volta.

Ela entrou em seu quarto e fechou a porta, saindo minutos depois vestindo uma bermuda cinza velha e uma blusa dos Muppets meio vestida. Desceu as escadas correndo, ajeitou a blusa e passou uma mão pelos cabelos desgrenhados.

– Nem começa – disse enquanto passava por mim para ir até a cozinha. – Eu encubro você o tempo todo e não fico acionando o botão do sarcasmo.

– É, mas pelo menos eu conto para você o que estou fazendo quando peço para me encobrir – respondi, entrando na cozinha atrás dela. – O contrário não acontece. O que você tanto faz na casa da Sara, afinal?

– Depois falamos disso – Geny disse, pegando uma jarra de água na geladeira e colocando num copo. – Papai chegou e...honestamente, você não vai querer saber...

De fato, ouvi o barulho da porta e de chaves, indicando que papai estava em casa. Geny bebeu a água rapidamente e foi recebê-lo enquanto eu pensava num jeito de fazê-la falar. Geny é que é a mestre das chantagens, eu sou apenas a aprendiz. Infelizmente.

– Olá, papai – cumprimentei ao entrar na sala de estar, onde ele e Geny estavam. – Como foi o seu dia?

– Terrível – ele respondeu apenas. Seu cenho estava mais franzido do que o normal e a rigidez em sua boca, mais acentuada. Talvez ele estivesse com problemas no trabalho.

E eu, como a garota inteligente que sou, resolvi não perguntar nada nem me meter no assunto. Papai é adulto e sabe cuidar de si, e eu realmente não queria vê-lo despejando sua raiva em mim, o que costuma acontecer com frequência quando ele está aborrecido com alguma coisa.

Às vezes acho que ele precisa de uma namorada. Mas sei que ele não superou a mamãe e, talvez, ainda esteja esperando que ela volte.

Só que ela não vai voltar.

E papai será rabugento assim para sempre.

Oh, como a vida é cheia de finais felizes!

Ok, talvez eu deva seguir o conselho de Geny e pegar mais leve com o botão do sarcasmo.

Depois do jantar, subi para o meu quarto e Geny ficou assistindo TV na sala com o papai. Os dois são meio que viciados em assistir partidas de golfe no canal de esportes. É a única coisa que meu pai assiste, sério. E, honestamente, eu preferiria comer alface a assistir partidas de golfe. Dá para imaginar algo mais entediante? Então eu me mandei rapidinho, antes que alguém tivesse a péssima ideia de me pedir para ficar.

Além disso, eu precisava ficar sozinha para pensar.

Subi as escadas para o meu quarto e abri as cortinas e as janelas. A noite estava quente e uma brisa morna se rastejava para dentro do meu quarto abafado. Gotas de suor começaram a se formar em minha nuca quando eu soltei os cabelos. Verão e cabelos compridos são inimigos mortais e eu estava realmente pensando em driblar as regrinhas do papai e passar a tesoura nos meus.

Mas esse não era o maior dos meus problemas no momento. E eu resolvi que, por enquanto, também não pensaria em toda a loucura de fingir ser outra pessoa para me vingar do Cérebro de Lesma Morta. Ou seja, Tiffany estava fora dos pensamentos da noite.

Mas Vicente não estava.

Com a surpresa toda de ser chamada para sair por Silas, eu não pensei nele à princípio, mas a ideia se formou em minha cabeça durante o jantar. Vicente fez uma proposta, certo? Naquele dia fatídico em que eu meio que me tornei sua tutora nos estudos. Mas a proposta não falava apenas disso. Traria benefícios para mim também, já que, segundo ele, eu precisava de ajuda para conquistar o Silas.

Bom, estava na hora de ele começar a me ajudar.


Resolvi mandar uma mensagem para Vicente de manhã cedo, antes da escola e antes que eu perdesse a coragem. Isso era tão embaraçoso!



Podemos nos encontrar hoje na sua casa? Já está mais do que na hora de você cumprir a sua parte do acordo



Recebi a resposta enquanto estava escovando os dentes:



Drogada logo cedo, MV? Do que diabo você está falando? Não dava para esperar até um horário aceitável? Ser acordado por essas suas doces palavras vai me deixar mal acostumado



Acho que tem mais alguém que precisa maneirar no sarcasmo por aqui. Terminei de escovar os dentes, penteei e prendi os cabelos, passando gel para deixa-los no lugar, depois respondi:


Você prometeu me ajudar se eu ajudasse você. Agora estou cobrando essa promessa. Entendeu?



Não queria ser muito clara por mensagem porque Vicente definitivamente não está na minha lista de pessoas confiáveis e poderia usar minha mensagem como prova de que eu gostava do Silas. E já estou farta de ser chantageada por um garoto que nem decorou a tabuada.

Geny e eu já estávamos no ônibus quando finalmente o príncipe das lesmas mortas se deu ao trabalho de responder minha mensagem. É claro que eu não poderia esperar outra coisa, afinal, ele deve ter demorado todo aquele tempo tentando entender do que eu estava falando.

Deve ser horrível ser burro.

A mensagem de Vicente foi sucinta:


Ok, hoje depois da aula então



Bom, pelo menos ele havia concordado.

Despedi-me de Geny quando chegamos à escola e fui logo para a minha sala, apesar de ainda estar cedo. Ao contrário dos desocupados dessa escola, eu não gosto de ficar perambulando pelos corredores. A sala estava vazia, exceto por Petra, sentada na cadeira de sempre, folheando uma revista sobre fotografia. Sentei-me ao seu lado, na minha cadeira, e sorri para ela:

– Bom dia, Petra.

Ela nem olhou para mim.

Certo, Petra meio que não estava falando comigo.

E eu não posso culpá-la por estar irritada. Melhores amigas não devem guardar segredos uma da outra assim, do jeito que eu estava fazendo. Eu não esclareci nada do que havia acontecido comigo na festa do primo dela. Eu nem me dei ao trabalho de inventar uma mentira! Claro que mentir para Petra era um pouco mais complicado do que mentir para o Silas, por exemplo.

Ela me conhece bem demais.

E eu sabia que, quando ela estava ficava daquele jeito, era por que a coisa estava feia. Ela havia me ignorado totalmente no dia anterior e parecia decidida a continuar com o mesmo tratamento.

– Petra, eu... – comecei, tentando fazer as pazes com ela.

Mas antes que eu pudesse concluir sabe deus o quê – nem eu tinha ideia do que ia dizer – a porta da sala foi aberta de supetão, batendo na parede com um barulho de estalo. Roberta entrou como se estivesse sendo perseguida pelo próprio capeta, os lindos cabelos loiros parecendo despenteados pela primeira vez na vida. Os olhos verdes estavam vermelhos e molhados, apesar de seu rímel parecer intacto.

Vou falar para Geny comprar maquiagem à prova d’água daqui para a frente.

Diana Linz entrou logo atrás dela, aparentemente tentando controlar a crise histérica da amiga. Diana era alguns centímetros mais alta que Roberta, tinha uma linda pele café com leite, longos cabelos castanhos e olhos ainda mais verdes que o da amiga.

É claro que Diana era quase tão linda quanto Roberta. E quase tão nojenta também. Obviamente, as duas eram melhores amigas. Ou tão melhores amigas quanto garotas como elas poderiam ser.

– Oh, só o que me faltava, as duas aberrações da escola estão aqui! – choramingou Roberta assim que nos viu.

Eu dei de ombros, nada do que uma garota com menos na cabeça do que um batom da MAC possa dizer tem a capacidade de me atingir.

Já não posso dizer o mesmo de Petra. Mas bem, eu conheço o jeito dela.

– Mais uma palavra e eu arranco seus olhos, vadia – ela ameaçou, levantando-se em toda a sua altura. O que é meio ameaçador, já que ela tem 1,78m.

Amo ter Petra como melhor amiga, ela é um exemplo para mim.

Antes que Roberta pudesse dar qualquer resposta, Diana a puxou de lá e as duas saíram da sala. Diana parece ser mais sábia do que a amiga, ou talvez tenha sido a lembrança de ter seu rabo de cavalo cortado na infância. Cortesia de Petra, depois que Diana disse que eu era tão feia que nem minha mãe me quis.

Lembranças, lembranças...

– Obrigada, mas não precisava – eu disse, levantando-me também.

– Não estava te defendendo, estava me defendendo – enfatizou. – Ainda estou com raiva de você, Tina.

E Petra também saiu da sala, deixando-me sozinha.

É, ia ser mais difícil do que eu pensava.

O resto da manhã foi um pesadelo. Petra não estava falando comigo e eu meio que estava evitando o Silas. Pode me processar, mas eu comecei a me sentir encabulada perto dele, ainda mais sabendo que logo depois da aula eu iria me encontrar com um idiota que me daria dicas de como conquistá-lo.

Por acaso, o idiota em questão também não parecia muito contente comigo, já que esbarrou em mim duas vezes propositalmente, quase me derrubando na segunda vez. Seu semblante era escuro e irritado, como se houvesse uma nuvem tapando o sol bem em cima dele.

Mas os infortúnios daquele aprendiz de burro de carga não eram da minha conta. Roberta e Diana não apareceram mais para a aula e eu tinha certeza que a histeria da primeira tinha tudo a ver com o Vicente.

Mas não me interessava. Nem um pouquinho. Meeesmo.

Passei o intervalo na biblioteca, folheando um livro sobre mitologia nórdica sem ler realmente. As aulas, pela primeira vez, pareciam intermináveis para mim. Não conseguia me concentrar, ficava estalando os dedos e mordendo a tampa da caneta compulsivamente.

Quando finalmente o sinal tocou anunciando o fim das aulas, eu fui quase correndo para o banheiro, onde mandei uma mensagem para Vicente:


Onde nos encontramos?



Como hoje ele não tinha treino, desconfiava que iríamos direto para a sua casa. Dois minutos depois, ele respondeu, confirmando minhas suspeitas:



Me espera na frente daquela locadora atrás do colégio



Ele não queria que nos vissem saindo juntos, o que eu entendo totalmente. Eu também não estava louca de vontade de anunciar aos quatro ventos que me encontrava secretamente com o menino mais idiota da escola. Ainda que esses encontros fossem puramente...profissionais.

Alcancei minha irmã e disse que ia novamente para a casa do Müller. Ela teve a consideração de assentir sem fazer perguntas, talvez por pensar que eu exigiria que ela respondesse os meus questionamentos também. Acho que essa era uma boa moeda de barganha, mas pensaria nisso depois.

Apressei-me até o lugar combinado e vi que o carro do Vicente já estava parado em frente à locadora. Olhei para os lados furtivamente para ver se tinha alguém conhecido por ali e entrei no veículo. Assim que eu me acomodei, Vicente acenou para o motorista partir e fomos para a sua casa. Como sempre, fomos em silêncio. Eu sentia algumas vibrações negativas vindas do garoto da lesma morta, parecia que ele estava com raiva.

Acho que aquela Roberta irrita qualquer um. Quis saber se ele havia terminado com ela como disse que faria ontem, mas não me atrevi a perguntar.

Não era da minha conta mesmo.

Chegamos e fomos direto para o quarto dele, eu já estava quase acostumada com isso. Não me incomodava tanto como da primeira vez. Vicente largou a mochila no chão e tirou os tênis e as meias. Eu fiz o mesmo com a mochila, mas mantive meus tênis.

– Com fome? – ele perguntou, sentado na cama.

– Na verdade, não – respondi e ele assentiu.

– Também estou sem fome, podemos deixar o almoço para depois e ir logo ao que interessa.

Ele parecia prestes a arrancar um dente sem anestesia. Seria tão ruim assim me ajudar?

– Sinceramente, não sei como você pretende atrair a atenção de qualquer pessoa com essa aparência – ele começou, levantando-se e começando a andar pelo quarto. – Quer dizer, você nem parece gente!

Ah moleque maldito!

– Para o seu governo, eu já chamei a atenção do Silas, ok? – revelei com raiva. – Ele me chamou para sair e tudo.

Vicente pareceu chocado por um segundo, antes de dizer, se aproximando de mim:

– Ah, chamou, é?

– Sim! Jantar e cinema – fiz questão de salientar.

– E você já disse que sim?

– Ora, é claro. Eu gosto dele, você sabe.

– Você foi meio fácil demais, não acha?

Ah, ele está pedindo pra apanhar. Respirei fundo e consegui guardar meus punhos para mim, de nada adiantaria partir para a violência. Eu acho.

– Não, não acho. Você vai ajudar ou não?

Vicente suspirou e chegou mais perto de mim. Eu me esforcei para não recuar e ele parou a poucos centímetros.

– Vamos ter que começar com esse seu jeito de vestir – ele disse.

– Podemos pular a parte referente à minha aparência, minha irmã pode cuidar disso – falei antes que ele acrescentasse mais um comentário ácido sobre mim.

Vicente arqueou uma sobrancelha, mas não insistiu no assunto.

– Tudo bem, então vamos passar para o próximo tópico – disse. – Sobre o que você pretende conversar com ele?

– Ah, isso é fácil, Silas e eu nunca tivemos problemas de comunicação – eu respondi. – vamos falar sobre o que sempre falamos.

– Errado. Um encontro muda tudo. Você não vai querer agir como se ele fosse só um amigo, certo? – ele voltou a andar pelo quarto e eu relaxei os ombros – Comece falando sobre amenidades, depois pergunte algo sobre ele e tente manter o assunto leve, pelo menos no início. O importante é nunca deixar aquele silêncio tenso tomar conta.

Assenti, começando a me perguntar se deveria começar a anotar tudo.

Resolvi confiar em minha capacidade de memorização e não anotei nada, apenas ouvi com atenção enquanto Vicente falava que era importante não comer nada que pudesse ficar preso entre meus dentes e que filmes românticos estavam fora de cogitação. Pressão demais, segundo ele. O ideal era assistir um filme neutro. Algo não muito meloso, ou sangrento, ou triste demais a ponto de me fazer chorar, obstruindo minhas vias aéreas, fazendo com que eu fungasse.

Beijar uma garota enquanto ela está lutando contra o excesso de muco não é uma coisa agradável, segundo ele.

Ei, mas quando nós passamos dos detalhes técnicos para a parte de beijar?

Vicente riu ao ver o horror em minha expressão e comentou:

– Aposto que você nunca beijou ninguém, não é?

Engasguei e comecei a tossir enquanto o idiota ria.

– Não é da sua conta – soltei quando parei de me afogar com a própria saliva.

– Ora, é claro que é – ele retrucou. – Você me pediu para te ajudar com isso e saber beijar faz parte das suas lições de sedução.

– Lições de sedução?! É assim que você chama isso?

– Você tem um nome melhor para o que estamos fazendo?

– Para falar a verdade, não pensei muito nisso.

Ele voltou a rir. Eu já estava ficando nervosa com o jeito com que Vicente estava lidando com aquilo tudo. Ele parecia estar se divertindo ao mesmo tempo em que parecia meio irritado. Isso era possível?

– O que você vai fazer se ele chegar mais perto? – ele perguntou, um sorriso malicioso se formando nos lábios.

– C-como assim mais perto? – gaguejei, xingando-me mentalmente.

– Assim – respondeu e chegou tão perto de mim que eu fui andando para trás até bater na parede. Ele não me tocava, mas eu quase podia sentir seu peito reverberar quando ele disse – Ou assim – e chegou tão perto que eu sentia sua respiração no topo da minha cabeça.

Não entrei em choque. Mas foi por pouco. Vicente colocou suas duas mãos na parede atrás de mim, logo ao lado da minha cabeça.

– O que você está fazendo? – minha voz soou esganiçada. Merda.

– Ah, qual é, estou fazendo isso por você, entra na brincadeira. Finge que eu sou ele.

Fixei meu olhar em algum ponto no pescoço dele, receosa de olhar para seus olhos. Talvez ele estivesse certo, eu realmente não sabia como lidar com uma situação daquele tipo. E ele estava ali para me ensinar.

É tudo de “mentirinha”, não é?

– Ok – assenti, ainda fitando a gola da sua camisa.

– Ótimo – ele respondeu e uma de suas mãos foi parar em minha cintura. Por um momento, ele pareceu surpreso por descobrir que eu tinha uma, mas logo baixou o rosto para o meu. – O que você faz se ele fizer isso? Você quer beijá-lo, certo?

Eu queria? Beijá-lo, quer dizer. Eu queria, não é? Eu achava que sim. E com ele assim tão perto...

Epa.

Era do Silas, não do Vicente que estávamos falando. Eu estou louca ou o quê? O que estava rolando na minha cabeça? Fechei os olhos e suspirei.

– Sim, eu...eu quero beijar o Silas – respondi baixinho. – O que eu faço?

A mão dele apertou minha cintura e a outra foi para a minha nuca.

– Podia começar olhando para mim.

Não olhei. Não tinha coragem.

Ele fez pequenos círculos com o polegar na minha nuca, fazendo-me estremecer. Depois sua mão fez o mesmo caminho da outra, indo parar na minha cintura também. Eu não tinha a menor ideia do que fazer.

– O que eu faço agora? - perguntei, sentindo que ia entrar em combustão espontânea a qualquer momento.

–Tem certeza que você não sabe? Você é mesmo muito boba, Maria Valentina - ele disse, sem esconder o riso em sua voz. Senti seus braços apertarem mais ao redor do meu corpo. - É simples. Me beija.

Arregalei os olhos por trás dos óculos, ainda sem olhar para ele. O ar prendeu a meio caminho dos pulmões e eu pensei que ia sufocar de nervosismo.

– Deixa pra lá – Vicente disse, sem nenhum vestígio de riso na voz. – Eu mesmo faço isso.

E se inclinou para me beijar.



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Notas finais do capítulo

Mandei reviews, ok? Beijinhos!