Obaka-san! escrita por Mayumi Sato


Capítulo 9
08. The Merry-Go-Round of Life(Joe Hisaishi) -P.02


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo não poderia se tornar duplo, como ocorreu com os anteriores, então precisei dividi-lo em duas partes. Perdoem-me, caros leitores, e, por favor, leiam minhas notas finais sobre o capítulo como um tudo, no final deste.-_-



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Não consegui dormir.

Embora eu necessitasse dormir, simplesmente não conseguia fazer isso. A sensação de que algo esmagava meu peito e dificultava minha respiração não me permitiu relaxar e o desespero por não conseguir inquietava-me ainda mais, dificultando meu adormecer. Consequentemente, passei cerca de quatro horas, deitado em minha cama, encarando o teto e percebendo quão longa era a duração de um minuto.

Nesse espaço de tempo, não nego, tive muitos pensamentos sobre o que havia ocorrido ao piano. Não fiz reflexões sobre o assunto, mas as lembranças assaltavam-me constantemente. Lembranças de um cenário coberto por neve. Lembranças do meu triunfo ao encerrar minha composição. Lembranças de Gilbert aproximando-se de mim e...

– A última pessoa, não é?

Eu não conseguia dormir. Era impossível que eu dormisse naquelas condições. Sendo franco, poucas vezes meu corpo se encontrou em um estado tão desperto.

Era cerca de uma hora da manhã, quando iniciou-se aquilo que, inicialmente, julguei ser uma forma de devaneio, provocado pela minha ausência de repouso.

Uma composição começou a ser tocada. A Forlane de Maurice Ravel. Ela era tocada com delicadeza, em um volume baixo, mas a reconheci imediatamente.

Não pensei que alguém estivesse, de fato, tocando. Os sons eram tão baixos e eu estava tão cansado que atribuí aquela execução a uma confusão dos meus sentidos.

Entretanto, comecei a perceber que ouvia algo concreto, quando aquilo se estendeu por vários minutos e noticiei que havia pausas e recomeços de algumas partes da execução. Como um ensaio.

Finalmente, realizei o que estava ocorrendo e, com urgência, levantei-me da cama e me dirigi à porta, abrindo-a com furiosa velocidade.

Deparei-me, acometido pelo sentimento de plena compreensão de um fenômeno, com Gilbert tocando ao piano. Ele reagiu rapidamente a minha presença, lançando-me um olhar entre o medo e desespero que quase possibilitou-me escutar as primeiras notas da quinta sinfonia de Beethoven.

– ROD?!

– Então, esse é o horário do seu treino ao piano. – constatei em um tom sutilmente acusatório - Finalmente, entendo por que não conseguia vê-lo ensaiando. Francamente, senhor Gilbert. Utilizando as madrugadas para treinar, ao invés de simplesmente requisitar o piano... Exibir uma expressão tão aterrorizada simplesmente por que o flagrei. Eu não posso entendê-lo.

Ele não me respondeu. Seu olhar arregalado adquiriu nuances de uma confusão atordoante como se dezenas de pensamentos passassem por sua mente, sem que ele conseguisse colocá-los em ordem. A sua boca emitiu alguns sons confusos em uma tentativa de responder-me, mas a maior parte deles tornaram-se risos nitidamente forçados. Por que ele estava tão nervoso?

– E-Eu... C-Como se o incrível eu precisasse tão desesperadamente praticar que se desse ao trabalho de fazer isso em um horário inconveniente! – ele, finalmente, exclamou, rindo nervosamente, enquanto dirigia rapidamente seu olhar para todos os cantos da sala, com exceção àquele em que me encontrava – E-Eu apenas pensei que uma prática, durante a madrugada, seria incrível...! A escuridão da noite, mesclando-se com a escuridão dos sons do piano...! Há, há! Eu sou realmente um gênio por pensar em algo assim...! Kesesese... A arte envolvida nisso é muito profunda, então não tente entendê-la, jovem mestre... !

Enquanto Gilbert lutava para encontrar uma desculpa suficientemente convincente, eu apenas conseguia pensar em quão tolo ele era.

Eu estava certo de que a prática de Gilbert naquele horário era mais corriqueira do que ele gostaria que eu supusesse. Essa hipótese era uma esclarecedora resposta para muitas das minhas dúvidas.

“Eu deveria ter imaginado que se tratava de algo assim.”

Além de perguntar-me por que Gilbert parecia tão nervoso em ter sido flagrado ao piano, eu me questionava como não havia percebido antes o que estava acontecendo. Por que não noticiei as condições importunas em que meu colega de quarto encontrava-se? Era algo lógico que Gilbert precisava de um longo horário para praticar. O turno da tarde não seria suficiente para suprir suas necessidades. Ele teria uma apresentação pública, em breve, e precisava lidar com os diversos deveres que o conservatório delegava-lhe. Era algo tão óbvio que Gilbert, muito mais ocupado do que eu, precisaria do piano por mais tempo. Era tão evidente que, se eu o ocupava pela manhã e noite, ele veria a necessidade de utilizá-lo de madrugada. Nesse caso, por que não cogitei nessa possibilidade? Por que não passou por minha mente a ideia de que ele poderia estar fazendo algo assim?

“Eu simplesmente pensei que a aptidão natural dele compensasse o pouco tempo que ele possuía para treinar! Eu não imaginei que ele precisasse do piano tanto quanto eu!” – pensei, mortificando-me com minhas próprias conclusões.

Eu não podia negar que, até a presente situação, eu nunca esperei que Gilbert possuísse a necessidade de utilizar o piano. O desempenho dele era infinitamente superior ao meu, mesmo que ele, em minha visão, utilizasse-o tão pouco! Observando essa gritante diferença entre nossos níveis, eu não me perguntei como ele estava conseguindo alcançar aqueles resultados e limitei-me a acreditar ingenuamente que Gilbert possuía um piano naturalmente superior ao meu. Mesmo quando convenci-me a ceder o instrumento a ele, eu não pensei em fazê-lo por pensar que ele precisasse do piano, sim, por julgar que esse seria um gesto educado.

“Como eu poderia deixar de chegar a essa conclusão, quando o próprio Gilbert nunca agiu como se houvesse algo errado...?”

Sim, Gilbert nunca havia sugerido que gostaria de utilizar mais o piano ou que estivesse sendo afetado pelo excessivo tempo em que eu o utilizava. Houve momentos em que ele me fitou desconfortavelmente, talvez desejando utilizá-lo, mas ele jamais havia demonstrado abertamente seu desagrado...

Ao pensar nisso, eu me senti tão estúpido.

Não era como se Gilbert não sentisse a falta do tempo de prática que perdera por minha culpa. Não era como se ele não precisasse praticar. Ele apenas percebeu a minha profunda insegurança quanto ao piano e decidiu deixar-me agir como quisesse. Esse era o seu modo indireto de oferecer-me apoio. Ele sequer guardava mágoa ou rancor pelo fato de que, além de não perceber a sua discreta consideração por mim, eu simplesmente a distorci em uma conduta esnobe de uma pessoa, cujas aptidões tiravam a necessidade da prática.

Eu não me sentia culpado, mas terrivelmente envergonhado pelo modo como agira com ele. Desde o início de nossa convivência, constantemente reclamei que Gilbert era egocêntrico e não possuía consideração pelos meus desejos. Eu repreendia-o constantemente. Entretanto, Gilbert, uma pessoa que poderia ter atirado essas mesmas acusações sobre mim, não o fez. Ademais, ele tentou disfarçar o quanto estava sendo incomodado por minha postura. O seu esforço, nesse aspecto, era digno de reconhecimento. Nas expressões e gestos de Gilbert não havia traços de aborrecimento ou insatisfação, embora, muitas vezes, ele tivesse o direito de senti-los. Ele até mesmo se dera ao trabalho de passar a praticar, durante a madrugada, mesmo que suas aulas fossem pela manhã...

Aquela pessoa...

Aquele idiota...

– Senhor Gilbert.

– C-Como eu dizia, a prática noturna é incrível...! O efeito do luar sobre o piano é...!

– Você é um tolo.

Com essas palavras, consegui silenciá-lo. Eu as proferi com um afeto que não consegui conter, mas não foi propriamente a ternura em meu tom que calou Gilbert. O discreto sorriso que surgiu em meu rosto foi o responsável por isso.

O constrangimento, confusão e nervosismo externados por ele, após minha sentença, evidenciaram que meus sentimentos haviam sido transmitidos, embora a reação dele tenha sido mais risível do que eu previa. Além de arregalar efusivamente o seu olhar e deixar sua boca cair, trêmula e boquiaberta, ele, percebendo o quanto sua expressão delatava o que sentia, começou a mover seu rosto inquietamente, tentando ocultá-lo.

Era imensamente divertido ver uma reação tímida naquele que sempre assediava-me com evidente casualidade.

Subitamente, a angústia e vergonha que senti ao constatar minha má postura quanto à divisão do piano foi dissipada e substituída por um sentimento morno e adocicado. Rindo discretamente da expressão de alarme que Gilbert exibia, sentei-me ao seu lado e disse, complacentemente:

– Praticar o piano, durante a madrugada, prejudicará sua saúde.

– Bah! – ele revirou os olhos, parecendo ofendido – Como se alguém incrível como eu pudesse ficar doente com algo...!

– Há quanto tempo você está praticando nesse horário?

– Apenas hoje... – ele disse, desviando o olhar para o lado, enquanto exibia um sorriso hesitante e distorcido.

– Eu não gosto quando você mente para mim. – declarei, abaixando meu olhar e franzindo as sobrancelhas, com uma expressão de desagrado ligeiramente infantil.

–...

– Você continuará a mentir para mim, senhor Gilbert?

–... DROGA, ROD! – ele exclamou agressivamente, enquanto usava sua mão direita para bagunçar seu cabelo, com impaciência – O incrível eu não cairá nos seus truques sujos!

– Não?

–... FIQUE QUIETO!

– Você não irá responder a minha pergunta? – perguntei, singelamente.

– DESDE QUE FIZEMOS AQUELE PACTO ESTRANHO QUANTO AO MEU INCRÍVEL JANTAR E TIVE QUE DEIXAR DE IR À CASA DO FRANCIS E DO ANTONIO PARA ENSAIAR! ARGH! PRONTO! EU DISSE! SATISFEITO, ROD?! – ele berrou disparadamente, em um único fôlego, enquanto cerrava seus punhos com força.

– Sim, eu estou. – respondi, com uma serenidade que muito contrastava com a exaltação de meu colega de quarto. Após um pequeno bocejo, complementei minha resposta – Acredito que devemos dormir. Está tão tarde e temos várias obrigações a serem cumpridas mais tarde... Podemos conversar sobre esse assunto pela manhã, senhor Gilbert?

Ele olhou para o piano e depois, para mim. Diversas vezes. Parecia indeciso.

– Não se preocupe. – falei, entendendo o que o afligia – Eu permitirei que você utilize o piano, durante a manhã.

– O incrível eu não precisa de...!

– Eu quero que você utilize o piano, durante a manhã, senhor Gilbert.

–...

– Vamos dormir?

–...DROGA, ROD!

Seus movimentos ao se levantar da cadeira, dirigir-se ao seu quarto e fechar a porta foram tão evidentemente rápidos e rudes. Quando deitei-me para dormir, ainda pensava neles e achava-os engraçados. Embalado por essa sensação de divertimento, a acolhedora escuridão do sono não demorou a surgir.

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Assim deu-se nosso diálogo, durante a nossa refeição matinal, naquela manhã:

– Eu paro de tocar, quando você acorda. – meu colega de quarto declarou, abruptamente, com a calma decisão de alguém resoluto a resolver um dilema antigo, cessando o tímido silêncio que havia se estabelecido entre nós.

– Hã?

Eu havia escutado nitidamente a declaração de Gilbert, mas essa foi tão repentina e assombrosa que tive a necessidade de reconfirmar o que ele dissera.

– O quê, jovem mestre? Após dormir, toda a sua memória quanto à noite anterior foi perdida?- ele perguntou, com algum divertimento. Depois, prosseguiu, direcionando seu olhar ao prato vazio a sua frente, como se esse tivesse se tornado um objeto particularmente interessante - Como dizia, eu paro de tocar, quando percebo que você acordou. A minha intenção, desde o princípio da nossa convivência, era a de evitar ao máximo que você me visse praticando o piano. Você se lembra do caderno que costumo ler, quando você utiliza o nosso instrumento, pela manhã?

– Eu não o noticiei. – menti.

– Perdoe-me, jovem mestre! – ele começou a sorrir debochadamente - Esqueci-me de mencionar que essa era uma pergunta retórica! É óbvio que você se lembra dele! Afinal, algo relacionado ao incrível eu é inesquecível! Kesesese! Se você pretendia disfarçar o quanto reparava no meu incrível caderno, jovem mestre, não deveria encará-lo com o seu olhar de “sinta o meu profundo desprezo”!

Ergui meu rosto, em direção a Gilbert, prestes a retrucá-lo, contudo, fui detido por meu colega de quarto que, apontando em minha direção, exclamou animadamente:

– Sim! Esse mesmo!

– Eu não estava...!

– O que você acha que há, naquele caderno, Rod? – ele me interpelou.

– Imagens pornográficas, eu suponho? – indaguei.

– Jovem mestre, você, que recepcionou as minhas visitas, acha que preciso disso para satisfazer minhas necessidades físicas? – ele perguntou com um sorriso que mesclava sarcasmo e um sentimento de vitória. – Se eu realmente quisesse utilizar os meus cinco metros, o nosso acordo não me impediria. Além do nosso apartamento, há outros lugares em que eu poderia me divertir com os meus acompanhantes, como, por exemplo, a escada ou o elevador...!

– Por favor, retorne ao tópico inicial!

Kesesese!

– O senhor falava-me sobre um caderno... – rememorei em uma tentativa mais sutil de findar o indesejável rumo de nossa discussão e guiá-la novamente ao seu tema original.

– Ah! O meu caderno possui anotações sobre todas as composições que toquei, desde que entrei no conservatório.

Houve uma pequena pausa entre essa sentença de Gilbert e uma resposta minha. Eu esperava que ele continuasse. Percebendo, após um momento, que ele parecia confuso, com a minha ausência de réplicas e aparente expectativa de uma continuação, tive que questionar abertamente:

–...Apenas isso? – involuntariamente, resquícios de incredulidade foram transferidos a minha questão.

– O que você esperava, jovem mestre? – ele riu, suavemente.

Uma sequência de piadas repletas de um humor cruel, devasso e praticamente surrealista, envolvendo todas as formas de promiscuidade já registradas, incluindo experiências com plantas, móveis e animais.

–... Não era nada. – abaixei meu rosto, timidamente, embaraçado com meus próprios pensamentos - Por favor, continue.

– O meu caderno possui informações importantes para a compreensão teórica de muitas peças. Especialmente daquelas que pertencem à geração romântica...

– Por que logo essa?

– Ela é a minha preferida!

– Ela também é a minha preferida... – murmurei, desviando o rosto para o lado. O compartilhamento de um gosto com Gilbert deixava-me um tanto desconfortável.

– A minha incrível mente já havia inferido essa informação. O seu compositor favorito é Chopin, não é? A probabilidade de que a geração dele também possuísse sua predileção era extremamente elevada. A minha alta capacidade intelectual me permite chegar a conclusões com poucos dados!

– O seu compositor preferido também é um romântico?

Ele concordou com um aceno de cabeça.

– Quem seria esse?

– O velho Liszt.

– Liszt? – repeti, surpreso por um rápido momento. Eu não ouvira Gilbert tocar algo desse compositor ou sequer citá-lo, em toda a nossa convivência, até então. Como eu poderia supor que meu colega de quarto gostasse tanto dele? Eu refletia sobre isso, quando recordei-me do estilo daquele compositor e percebi que havia um sentido na preferência da pessoa que morava comigo.- Pensando melhor, eu deveria ter previsto que o senhor sentiria afinidade com ele. Ambos são igualmente excêntricos.

– O velho Liszt não era excêntrico! Ela era incrível demais para ser compreendido por essa sociedade primitiva!

– Assim como você?

Kesesese! Precisamente!

“Eu estou começando a me assustar com o modo como eu e Gilbert estamos familiarizados com as características um do outro.”

– Você participará do evento “200 anos de Liszt”, senhor Gilbert?

– Sem chances. – ele respondeu, imediatamente, deixando em seu semblante uma absoluta impressão de desinteresse.

– Perdoe-me se estou sendo repetitivo, mas devo confirmar: o senhor está certo que Liszt é seu compositor favorito?

– Claro que sim! Eu adoro o velho Liszt! No entanto, o recital dele será daqui a duas semanas! Eu não terei disposição física para participar de um evento desse porte, logo após a minha histórica apresentação de Ravel! Ah! Falando nisso... – ele moveu-se na cadeira, para retirar algo de seu bolso – Pegue!

Apanhei o que ele me oferecia. Era um pequeno papel esverdeado.

– O que é isso?

– Uma entrada para o recital, cuja abertura triunfal será realizada pela minha incrível pessoa! Esse é um dos melhores lugares, no teatro, então aprecie minha oferta e venere-me por toda a sua existência!

– Propositalmente, ignorarei a parte absurda de sua proposta. – repliquei, enquanto distraía-me tateando o ingresso. – Muito obrigado. Quanto seria o preço desse ingresso, caso eu tivesse que comprá-lo por conta própria? – perguntei, com curiosidade.

– Hum. Pelo que me lembre, o ingresso comum custa cinquenta euros, mas o seu é especial, pois o permite ficar nas cadeiras da frente...

– Quanto seria?

– Noventa euros, eu acho.

– Noventa euros? - perguntei, permanecendo boquiaberto, mesmo após a realização de minha pergunta.

– Noventa euros.

– Eu não faltarei.

– É óbvio que não! Quem teria forças para desperdiçar um presente do incrível eu? Kesesese! De qualquer modo, prepare-se para assistir a uma fascinante interpretação de Ravel, jovem mestre! Por mais intensas que sejam as suas emoções, tente não desmaiar!

– Eu me esforçarei. – declarei, com um sarcasmo que evidentemente não foi percebido por Gilbert.

Após rir brevemente, ele fitou-me com um misto de ansiedade e hesitação.

– Rod?

– Sim?

– Há algo importante que eu quero lhe dizer.

–...

Uma estranha sensação em meu estômago seguiu-se a essa frase dita por Gilbert.

– Fale. – pedi, em uma voz fraca e trêmula que, inutilmente, tentava transparecer tranquilidade.

– Eu não quero praticar na sua frente.

“Então, era isso.” – pensei, e, sem que soubesse por quê, uma parte minha sentiu-se desapontada.

– Sua decisão é bastante estranha, considerando-se que você acabou de me conceder um ingresso para uma das suas apresentações. – após minha resposta, tomei um pequeno gole de chá, tentando manter um semblante indiferente.

– Não me incomodo que você me veja tocar o piano, Rod. Eu apenas não quero que você me assista praticar.

– Por quê?

– “Por quê”?! – ele pareceu irritar-se com a minha questão - Não é extremamente óbvio, jovem mestre?! – ele indagou, com ardente cólera, batendo seu punho fechado fortemente contra a mesa. Impulsivamente, ele inclinou-se em minha direção, encarando-me agressivamente - Eu não quero que você deixe de exibir a expressão que me mostra, quando ouve o meu incrível piano! Eu... Como eu deveria reagir, quando uma pessoa me mostra o mesmo rosto de uma jovem inocente vivenciando seu primeiro amor, quando escuta o meu piano?! É óbvio que eu não quero perder algo assim!

– E-Eu n-não m-mostro uma...! – tentei respondê-lo, mas gaguejava tanto que mal conseguia falar. Um calor abafado e sufocante subiu ao meu rosto ao ouvir as palavras dele. O que me deixava mais nervoso naquela situação era o fato de que não conseguia negar com sinceridade e convicção o que ele havia me dito.

– Sim, você mostra! – ele garantiu, seguramente, sem parecer, no entanto, utilizar essa afirmação para gabar-se e, sim, como uma acusação – Desde aquela noite em que você me assistiu tocar a Watermark, o Francis, o Arthie e o Tonio estão convencidos que nós possuímos um caso!

– Como?! – exclamei, com meu rosto adquirindo maior choque e rubor.

– Não importa o quanto você negue para o incrível eu ou para si mesmo, Rod! Esse é um fato! O olhar que você me lança, quando escuta as minhas execuções é...! – ele abaixou seu rosto e fez um pequeno som de desgosto, como se houvesse concluído que não valia a pena colocar aquilo em termos. Ao erguer seu rosto, novamente, ele desviou seu olhar para os lados da sala, parecendo buscar, desesperadamente, um ponto onde pudesse fixá-lo – De qualquer modo, se passasse a assistir aos meus treinos, você se acostumaria com o meu piano e perderia esse olhar... Eu não quero isso! Você entende, Rod?! Essa cara de donzela apaixonada que você exibe, atualmente, é um grande estimulo para o incrível eu e não estou disposto a abdicar a ela!

A sinceridade, força e impulsividade com as quais Gilbert disse-me aquelas palavras, deixaram-me desnorteado. A minha boca entreaberta tentou respondê-lo, mas apenas conseguiu produzir alguns suspiros nervosos.

“Como eu devo reagir a algo assim?”

– Não seja tolo. – eu consegui dizer, controlando-me para não exibir a agitação dos meus sentimentos - Não deve ser tão importante para você, poder gabar-se para mim.

– Eu estou treinando de madrugada, por sua causa, Rod, e você me diz que isso não é importante para mim?! – meu rubor poderia ter se intensificado, naquele momento, se ele já não estivesse em seu auge. Minha boca tornou a ficar trêmula e incapaz de exprimir uma sentença. O que ele estava dizendo? Como eu deveria reagir àquelas palavras? Céus. Como eu deveria interpretá-las?

Antagonicamente ao crescimento de meu nervosismo, Gilbert, percebendo o meu estado, começou a acalmar-se. Quando sua compostura foi retomada, ele respirou profundamente e prosseguiu, em um tom mais brando, embora ainda ardente:

– Jovem mestre, eu preciso treinar. Essa é uma necessidade minha para que a grandiosidade das minhas execuções se equiparem as minhas. Eu conseguia fazer isso, quando você retornava às nove do conservatório, mas, após o nosso acordo, você passou a vir cedo para casa, todos os dias, e eu perdi horas de treino!

– ...Mesmo?

– Sim, sim. – ele confirmou, com um pouco de rancor – Eu tentei compensar minha necessidade de treino, indo ao apartamento do Tonio e o do Francis, mas você também não gosta disso! O que supostamente eu deveria fazer?! Não me restou outra opção, além de treinar, durante a madrugada!

Houve muitas coisas que queria e poderia ter dito a Gilbert, como resposta. “Desculpe-me.”, “Obrigado.”, “Por que você faz coisas tão desnecessárias, seu tolo?”, dentre outras. Entretanto, ainda em estado de choque, a única sentença que consegui murmurar foi a seguinte pergunta:

– Por que você está me revelando tudo isso?

– Porque eu sei que você entendeu o que estava acontecendo, quando me viu tocar, nessa madrugada. – ele respondeu, com seu desgosto escapando pelos cantos de sua boca – E eu não gostaria que você tivesse pena de mim e pensasse algo como “Oh, como o incrível Gil sacrifica-se por mim! Eu cederei o piano a ele, pois ele não possui capacidade de admitir o quanto está necessitando desse desesperadamente!”. – ele fez um péssimo falsete, imitando o que seria a minha voz, enquanto revirava os olhos.

– Eu não me vejo pensando algo assim, mas creio que entendo o seu ponto.

– O fato é que eu estou fazendo isso, por conta própria, Rod! Então, não me interrompa! Eu não tolerarei a sua piedade! Eu nem sequer estava precisando praticar, dessa forma, antes! Eu conseguia compensar o tempo que perdi, durante a tarde e no início da manhã! No entanto, esse recital imbecil dos pequenos Mozarts exigiu mais do meu incrível tempo do que eu previa!

– Não há uma forma de chegarmos a um consenso sem que você pense que estou ofendendo ao seu orgulho? Até o dia da sua apresentação, eu poderia treinar no conservatório e...

– Eu disse que não quero a sua piedade! Se alguém incrível como eu, não puder administrar problemas assim, por conta própria, então...!

– Nesse caso, por que você não treina no conservatório?

– Eu não quero perder meu jantar. – ele disse isso, cruzando os braços sobre o peito, com um bico de insatisfação. A exibição de seu lado infantil foi recebida por mim, com alívio.

– Você pode ser bastante mimado, às vezes, não? – perguntei, sorrindo discretamente.

– Como disse, eu não preciso que você...

– Eu trarei seu jantar. – falei. Ele piscou várias vezes, atônito – Ao conservatório, eu digo.

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Minha proposta era bastante simples e, simultaneamente, resolvia meus problemas e os de Gilbert. Se meu colega de quarto estava tendo problemas quanto ao uso do piano, apenas durante o período que antecedia sua apresentação, mas recusava-se terminantemente a permitir que eu reduzisse meu tempo de treino, ele deveria utilizar a noite para treinar no conservatório. Ele queria jantar? Certo. Eu faria o seu jantar e o levaria ao conservatório.

Desse modo, ele praticaria em um horário mais cômodo e eu me livraria de minhas dores na consciência por tê-lo colocado em uma situação terrível por tanto tempo. Era um ótimo plano e ele decorreu muito bem.

Da segunda em que fizemos o acordo até a sexta, o dia anterior à apresentação de Gilbert, ele passou a ficar no conservatório até às nove horas da noite e eu trazia seu jantar, pontualmente às sete.

Tolerei com muita cortesia, as piadas que recebia do professor de prática de Gilbert que sempre gritava a meu colega de quarto que sua esposa havia chegado, quando era ele que recepcionava-me, e que dizia ter inveja da minha vida conjugal com meu colega de quarto. Também tolerei com extraordinária força interior, a ausência de negações da pessoa que morava comigo quanto a essas incômodas brincadeiras.

Eu entregava o jantar de Gilbert, ele me agradecia. Eu retornava ao nosso apartamento e o esperava. Ele retornava no horário combinado e assistíamos a mais animações juntos.

Assim, a nossa convivência voltou à sua estabilidade anterior, ainda que os meus sentimentos permanecessem desordenados.

Mesmo bastante atarefado, Gilbert, em nenhum momento, deu a entender que pararia de ajudar e, de fato, ele não o fez. Ao voltar, exausto, do conservatório, ele sempre assistia a uma animação comigo e entregava-me uma partitura da trilha sonora dessa para que eu a tocasse. Ele, atenciosamente, escutava minhas execuções, dando-me alguns conselhos e incentivando meu progresso.

Eu era mais grato a sua ajuda do que poderia expressar. Principalmente, por perceber o quanto Gilbert parecia cansado ultimamente. Estranhamente, ele aparentava maior exaustão, no presente, com um horário razoável para o seu treino, do que exibia anteriormente. Sem saber o motivo para isso, simplesmente concluí que ele estava apenas externando o que antes tentava ocultar de mim.

Como disse, aparentemente, havia uma fixa estabilidade entre nós e quem nos visse, poderia pensar que nossa convivência era tranquila para ambos, todavia, essa não era uma verdade. Pelo menos, não para mim. Quanto mais eu ficava com Gilbert, quanto mais recebia seu apoio, seus comentários implicantes, seu lado inesperadamente gentil, seus sorrisos sardônicos... mais uma frase latejava em minha mente:

Eu não acho que você sinta algo por mim.

Eu queria entender por que Gilbert não queria falar sobre aquela noite.

Eu não podia me dar por satisfeito em saber que ele não havia me interpretado erroneamente, mesmo que, originalmente, fosse essa a minha dúvida mais relevante.

Se ele sabia que o meu comentário havia sido provocado exclusivamente pelo álcool, por que tamanha aversão a discutir sobre aquele assunto? Eu não podia entendê-lo! Eu havia escolhido ignorar aquela noite, mas ver que Gilbert tomara a mesma decisão mortificou-me de tal modo que não conseguir conter essa dúvida por muito tempo.

Durante a sexta-feira, à noite, após o jantar, nós estávamos assistindo ao filme Fantasia de 1940. As músicas presentes nesse filme não eram novas para mim. As imagens associadas a ela pelos desenhistas era o que importava-me naquela animação.

Gilbert estava comentando algo sobre as vantagens de combinar as imagens não apenas a sentimentos, mas a variações no ritmo da composição, quando eu o interrompi, durante a valsa das flores de Tchaikovsky.

– Eu tenho uma pergunta.

– Diga, Rod! O incrível eu, certamente, poderá respondê-la com tamanha clareza que todo o seu corpo tremerá com a emoção do esclarecimento!

Franzi as sobrancelhas e pus as mãos sobre meus joelhos. Em seguida, perguntei, tentando evidenciar meu aborrecimento:

– Por quanto tempo você pretende ignorar o fato que eu disse que possuía ciúmes de...?

–AH! Eu acabo de me lembrar que ainda não comprei minhas incríveis cervejas! – ele disse, em uma voz estranha e alta, prestes a se levantar do sofá, onde estávamos – Acho que irei comprá-las, agora...!

Segurei o braço dele e forcei-o a sentar-se novamente.

– Não. O senhor não irá. – declarei, em um tom calmo, mas autoritário, enquanto fitava-o intensamente, tentando fazê-lo entender o que eu esperava, através de meu olhar.

Minha reação deixou Gilbert apavorado. Todo o seu semblante externava nítido pavor. Ele desviava seus olhos dos meus, com tamanha avidez, que era impossível não perceber que ele gostaria de escapar de mim, o mais rápido que pudesse. O que eu não permitiria.

– Senhor Gilbert, eu não posso entender por que o senhor está reagindo, dessa forma! Por que tamanho empenho para ignorar a minha declaração de que eu sentia ciúm...?

– Pare com isso!

Essa exclamação possuía maior desespero do que autoridade e ergui uma sobrancelha, com estranhamento, ao escutá-la. Após proferi-la, Gilbert desviou seu rosto para o lado, abaixando-o, de maneira a ocultá-lo definitivamente.

O que havia de errado com ele?

– Senhor Gilbert, pare com esse comportamento infantil e converse com...! – enquanto pedia que Gilbert repensasse sua conduta, eu forcei seu rosto em minha direção e, ao conseguir fazê-lo voltar-se para mim, o que vi não me permitiu concluir minha frase.

Eu não esperava aquilo. Eu não esperara aquilo em nenhum momento.

Gilbert estava vermelho. Completamente vermelho.

– Ah...

– Droga, Rod! – ele exclamou, cobrindo parte do seu rosto, em um vívido escarlate, com seu braço, enquanto encarava-me com raiva. - Eu pedi que você parasse!

– E-Então, era isso? Você estava com vergonha de falar sobre esse assunto? Era apenas isso?

Eu sentia uma mistura de alívio e de um nervosismo incontrolável.

– C-Como se alguém incrível como eu se constrangesse com algo assim!

– O seu rosto está completamente vermelho! – repliquei, de forma quase acusatória, cerrando meus punhos com força.

– O seu também!

– E-Eu estou com frio!

– Eu estou com febre!

– Ah, se é apenas isso, por favor, permita-me conversar com você sobre...!

– Chega, Rod! – ele desviou o rosto novamente. Pelo seu pescoço, pude ver que ele havia ficado ainda mais vermelho - Por que, raios, você quer falar sobre um tema constrangedor como esse?! Se você deseja falar sobre algo embaraçante, há uma vasta diversidade de assuntos mais divertidos que se encaixam nessa definição!

– Então, você admite que estava evitando esse tema por estar constrangido!

– Quem não ficaria constrangido com algo assim?! Eu não consigo entendê-lo, jovem mestre! Você fica constrangido, quando eu faço propostas relacionadas aos meus cinco metros, mas não tem vergonha disso?!

– Eu também não consigo entendê-lo, seu tolo! Era apenas por isso que você se manteve em silêncio sobre esse assunto?! Passaram-se tantas coisas por minha mente que...!

– Não me acuse por suas teorias conspiratórias, jovem mestre! Dessa vez, eu não quis provocá-las!

– “Dessa vez”?!

– Eu apenas...! Ah! Droga! – ele, impacientemente, bagunçou seu cabelo com uma de suas mãos - Eu sei que você estava sob o efeito de álcool e que não quis dizer aquilo daquela forma, mas...! ... Ainda assim, você disse algo tão embaraçante que eu sinto vergonha por você, apenas em lembrar!

– Vergonha por mim?!

– Claro! Você que deveria se constranger por se insinuar para outros homens, quando bebe demais! O seu comportamento quando bebe é extremamente perigoso! Eu sou incrível, então encarei essa situação desconfortável, com muita maturidade, mas se o Francis tivesse escutado algo assim, você estaria algemado na cama dele até hoje!

– E-Eu...Por que você não pode simplesmente admitir que está com vergonha e se calar?!

– Do que você está falando?! Você está tão constrangido quanto eu!

– Não estou!

– O seu rosto está totalmente vermelho, Rod!

– Eu disse que estou com frio!

– Mesmo? – ele falou, recompondo-se, com algum escárnio – Então, por que eu não vejo sequer um cachecol em você, meu caro colega de quarto que se veste como se fosse visitar a Sibéria, sempre que há uma queda de dois graus?

– Eu também não acho que você esteja com febre! – gritei e, antes que ele pudesse me impedir, coloquei a mão sobre a sua testa.

Algo insuportavelmente gélido alojou-se, dentro de mim, quando noticiei o quão quente encontrava-se a pele de Gilbert.

– Você realmente está com febre... – disse, em uma voz baixa e ligeiramente apreensiva.

– Eu sei disso. – ele fez uma careta, como se estivesse insatisfeito com a minha demora perceber seu estado.

– Você já colocou um termômetro? Como está a sua temperatura? Quando essa febre começou? Qual remédio você tomou para...?

– Jovem mestre, não há necessidade de pânico. Eu estou apenas um pouco febril. – ele sorriu - Ah! Como o esperado do incrível eu! Mesmo os meus anticorpos são incríveis!

– Não seja insensato. A sua apresentação é amanhã! Se você está febril, deveria estar em repouso, ao invés de ficar assistindo a desenhos comigo!

– Por que tanto pânico, aristocrata? – ele franziu as sobrancelhas. Talvez não entendesse a minha inquietação. Tamanha era a sua arrogância que ela se manifestava, mesmo nos momentos em que não seria benéfica a seu dono. Gilbert subestimava os efeitos que sua febre teria sobre si, pois acreditava que, tratando-se dele, seria fácil superá-la. Aquele pensamento ingênuo poderia afetá-lo severamente, no dia seguinte, e, consciente disso, eu não poderia deixar de ficar alarmado.

– Como está a sua temperatura?

– 37º.

– Hm. Ela não está muito alta, é verdade, mas eu recomendo que você repouse. Vá se deitar. Eu levarei uma compressa para você.

– Nós ainda não terminamos de assistir Fantasia! Nós nem chegamos à parte em que o Mickey escraviza centenas de vassouras!

– Senhor Gilbert, você precisa dormir. – insisti, com severidade - Eu quero ver a sua apresentação e isso não será possível, caso você esteja ardendo em febre, amanhã de manhã, então pare de ser teimoso e se deite.

– Ou irei ficar de castigo? – ele questionou, com um sorriso irônico. Captando sua indireta comparação e aborrecendo-me com ela, lancei a ele um demorado e repreensivo olhar, externando minha censura em meu semblante. – “Sinta o meu profundo desprezo”, não é, Rod? Kesesesese!

– Apenas fique quieto e vá dormir, seu tolo!

O rubor em meu rosto não se devia ao frio ou a algum embaraço de minha parte, mas meramente a minha raiva.

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Consegui fazer com que Gilbert se deitasse. Não apenas isso. Cuidei dele até que o mesmo adormecesse. Troquei suas compressas, monitorei sua febre e mantive-o hidratado. Apesar de todo meu empenho, lastimavelmente, a sua febre regrediu apenas momentaneamente e retornou com maior vigor, na manhã seguinte.

38º.

Eu estava muito preocupado.

Faltava apenas uma hora e meia para o início da apresentação dele e sua temperatura não retrocedia.

– Qual o remédio que costuma tomar, quando está com febre? – perguntei, angustiado, observando o termômetro em minhas mãos, com a esperança desnecessária de perceber que eu havia lido-o erroneamente e constatar que Gilbert não estava com uma temperatura tão elevada.

– Nada de remédios, jovem mestre.

– Por quê? Os seus anticorpos são lobos solitários? Não seja ridículo. A sua febre precisa ser abaixada o mais breve possível e...

– Um dos possíveis efeitos do remédio para febre é a sonolência.

Imediatamente, compreendia o que ele me dizia e espantei-me severamente com a ação insensata que ele pretendia tomar.

– Você pretende se apresentar, mesmo que sua temperatura não abaixe? – perguntei, sem conseguir conter o medo em minha indagação.

– Sim. – ele confirmou, com firme e calma convicção, observando o cenário cinza por trás de nossa janela.

Minha consciência de que eu não poderia impedi-lo, comprimiu dolorosamente o meu peito e recusei-me a aceita-la inteiramente. Gilbert estava doente. Ele não poderia tocar naquelas condições. Eu não poderia deixa-lo tocar. Por mais que ansiasse assistir ao seu Ravel, eu temia que a febre dele piorasse. Por que ele não compartilhava a minha preocupação?

– Não vá. – eu pedi, sinceramente - Eu não quero que você piore. Ligue para os organizadores e explique está doente.

– Jovem mestre, eu sou um pianista profissional. – ele disse, com aquele semblante sério que ele apenas apresentava, quando se tratava do piano e que provocava sensações estranhas em meu estômago - Não posso simplesmente desmarcar uma apresentação pública como se não fosse nada. Eu me comprometi a tocar a Forlane de Ravel, humilhando, assim, um bando de pirralhos e será isso que farei!

Apesar do meu receio, não consegui deixar de achar alguma graça no modo como Gilbert colocou a situação. Apenas ele conseguia incitar que sentimentos tão contrastantes surgissem, em mim, ao mesmo tempo. Essa era uma habilidade natural sua.

– Eu não posso impedi-lo e levá-lo para o seu quarto? – questionei, com um suspiro resignado.

– Jovem mestre, no caso de irmos ao meu quarto, agora, a última coisa que faremos será descansar. – um sorriso perverso surgiu em seus lábios - Na verdade, no final, ambos estaremos exaustos...

– Por favor, cesse essa brincadeira incômoda! – solicitei, corando e incomodando-me com a sugestão presente no que Gilbert dissera.

– Não me subestime, Rod. – ele falou - Eu tocarei a Forlane, como prometi a vários velhos burocráticos e, tal como prometi a você, eu a tocarei de uma forma inigualável.

Eu diria a ele que estava sendo irracional e que o forçaria a permanecer em casa, contudo, ao ver a determinação que seu olhar vermelho externava fui tomado por um sentimento que julguei ser admiração e simplesmente não pude contradizê-lo.

Eu permitiria que aquele tolo agisse como desejasse. Caso a febre dele realmente piorasse, lembraria-o repetidas vezes o quanto eu havia o avisado, insultaria seu narcisismo inconsequente e, obviamente, cuidaria dele até que ele melhorasse.

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Notas finais do capítulo

Eu AMO a Ghibli e o Joe Hisaishi! Amo!:3
Caham. Voltando ao tema da fic...
A história dessa fic não se passa em um tempo indefinido, dentro do nosso século. Ela ocorre, precisamente, em 2011, quando houve o aniversário de 200 anos do Liszt. By the way, eu assisti à apresentação da sinfonia em si menor de uma pianista, nessa data,e eu mal consegui respirar, enquanto a ouvia. Desde essa época, eu estive interessada em colocar o aniversário do Liszt em minha história. Ele merece.:)
Eu agradeço a vocês, leitores que chegaram a esse ponto e peço, sinceramente, que continuem a lê-la e a comentá-la, pois, daqui a dois capítulos, nós chegaremos àquele que marca o meio da fic. Um capítulo EXTREMAMENTE importante.
Eu estou tão exausta que não possuo forças para continuar divagando aqui, embora exista muito que eu queira dizer...Perdoem-me, perdoem-me.-_-
Eu REALMENTE espero que vocês façam comentários. Conforme eu havia prometido, esse foi o capítulo mais romântico da fic, até agora, e, seguindo-se ao próximo, as coisas começarão a ficar mais agitadas, na história. BEM mais agitadas. Afinal, embora eu adore cenas meigas, eu também gosto de torturar momentaneamente meus personagens(kol,kol).
O que estou tentando dizer é: por favor, continuem dando todo o apoio que sempre me deram. Ele me deixa muito feliz e me motiva muito. Agora que a história está chegando a um ponto decisivo, eu não poderia deixar de estimular reviews.:3
Bai, bai! Até breve! Espero não demorar tanto para concluir o próximo capítulo!:)
PS: Pessoas como eu e o Rod, embora normalmente calmas, são terríveis quando explodem!XD
PS2: Esse foi um capítulo extremamente feliz para o Rod e muito tenso para o Gilbo. Essa foi uma inversão bastante divertida, não?^_^