Obaka-san! escrita por Mayumi Sato


Capítulo 1
01. Winter Wind Etude. Chopin.


Notas iniciais do capítulo

Não tenho conhecimentos de música suficientes para me tornar uma crítica ou algo do gênero, mas tenho certos conhecimentos - e bastante interesse - por música clássica. Roderich e música clássica são um casal inseparável, então decidi fazer uma fic em que os dois estivessem bastante unidos. Algumas informações bastante interessantes serão feitas e diversas composições incríveis serão citadas. Por favor, escute-as. Elas fazem parte da atmosfera da história.
PS: O Gilbert tocando piano, especialmente a música desse capítulo, seria algo incrível demais para a concepção humana!*_*



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/173785/chapter/1

http://www.youtube.com/watch?v=B7oZYznHulUWinter Wind Etude(Chopin)

____________________________________________________

01.

– Winter Wind Etude -

Conferi novamente a organização do quarto antes de retirar da geladeira a torta que eu havia feito há pouco. Ela estava impecável. Todo o quarto estava limpo e todos os objetos nele dispostos em perfeita ordem. Um suave aroma de lavanda rescendia no ar. As janelas não continham uma única mancha e permitiam a perfeita visualização de várias árvores que exibiam o vívido tom verde do verão. Aquela era uma área cercada por verde. Nada além de verde. O que era ideal para músicos como eu.

"A torta está com uma boa aparência." - pensei com um breve sorriso, retirando a gélida sobremesa de minha pequena, mas eficiente geladeira branca. Coloquei-a sobre a mesa, com cuidado para não amassar o pano que a cobria e novamente olhei para o ambiente a minha volta. A despeito do pequeno tamanho do quarto, ele aparentava ser bastante espaçoso, graças ao modo calculado como dispus a mobília. Não havia sequer uma camada ínfima de poeira sobre o meu piano. Aquele lugar parecia agradável, não? Eu realmente esperava que fosse o suficiente para agradar ao meu novo colega de quarto. Se não fosse... Bem, havia a minha torta. Eu tinha certa confiança em minha aptidão para fazer doces.

Eu desejava verdadeiramente que o novo morador ficasse satisfeito com o lugar. Se ficasse o suficiente, talvez ele conseguisse ignorar as falhas de minha personalidade que meu colega de quarto anterior não conseguiu.

Sim, falhas. Eu tinha consciência disso, embora me faltasse real motivação para corrigi-las.

A construção na qual estava o meu quarto era um lar para estudantes de música há muitas décadas. Ela tinha quase noventa anos e, antes do meu caso, nunca havia ocorrido a saída de um estudante simplesmente porque ele não conseguia se entender com seu colega de quarto. Claro, já havia ocorrido brigas e muitos colegas de quarto não conseguiam se suportar, tendo uma convivência difícil e cheia de rancor, mas nunca qualquer uma dessas intrigas havia chegado ao ponto em que um deles desistisse de morar em um local tão confortável com custos tão baixos. Foi um tanto embaraçoso ser o primeiro a encontrar-se nessa exata situação.

Sim. Meu colega de quarto preferiu se mudar para um apertado e caro apartamento no centro de Paris do que continuar a viver comigo.

Segundo ele, já era difícil lidar com a minha mania de organização e com o meu hábito de criticar constantemente o seu violino, mas quando passei a tocar piano durante todo o dia, incluindo a madrugada, sem qualquer pausa, ele chegou ao seu limite.

Eu me senti um pouco mal com isso. Eu não queria tê-lo incomodado a esse ponto. Reconheço que posso ter inconscientemente descontado minhas frustrações nele. Na época, eu estava bastante ocupado e estressado, pois meu professor havia feito uma crítica quanto ao meu piano que pesou severamente em meu peito.

Você não transmite sentimentos ao seu piano. As suas técnicas em si são excelentes. Eu não encontro pontos em que posso criticá-las. Todavia, os sons que você produz são ocos. Eu não sei como poderia ajudá-lo a evoluir, mas recomendo que você transmita mais emoções a sua música, caso contrário, não estou certo se você conseguirá construir uma carreira.

Eu não entendi o que ele quis dizer. Para ser franco, eu ainda não entendia. Se não havia falhas na minha técnica, o que eu poderia fazer? Precisamente, que sentimento eu deveria expressar? Como não sabia como lidar com aquele criticismo tão abstrato, treinei exaustivamente para tentar apresentar alguma melhora ou pelo menos compreender o que meu mestre havia dito. No fim de terríveis semanas de duro esforço, não obtive êxito e acabei provocando a mudança de meu colega de quarto. Pode-se dizer que os meus planos não deram tão certo.

"Sentimentos..." - esse pensamento veio junto à morna brisa do verão.

Eu nunca os levei em consideração. Estava sempre ocupado com os meus estudos no piano. Nunca me distraí com emoções ingênuas e sempre mantive o foco nos estudos. Era essa a razão pela qual eu havia me chocado tanto com a colocação de meu instrutor. Eu sempre ignorei meus sentimentos pelo piano e agora o meu piano precisava deles. Que incompreensível ironia.

Interrompendo minha linha de pensamento, mais uma vez, eu conferi o meu relógio de pulso. Meu colega de quarto estava demorando, não estava?

Havíamos marcado às três da tarde. Já eram três e quartoze. Sempre achei que atrasos eram demonstrações rudes de desconsideração pela pessoa com quem algo havia sido combinado. Todavia, quando ele chegasse, eu disfarçaria meu desagrado. Eu não queria me arriscar a perder a companhia de outro colega de quarto.

Além do quê, eu ouvira falar que aquele novo colega de quarto tocava piano como eu. Hmm. Certamente seria interessante ter a companhia de outro pianista. Poderíamos tocar peças juntos e discutir sobre composições e técnicas. Meu companheiro anterior era um violinista, como já citei. Além disso, ele era um tanto mal-humorado. Ele não gostava que eu opinasse sobre sua música nem que tocássemos juntos. Dizia que seu tempo em casa deveria ser utilizado para o seu descanso, pois o conservatório já o exauria ou alguma estupidez similar. Ele era um indivíduo cansativo e cansado, enfim. Dessa vez seria diferente. Eu me esforçaria para que fosse diferente! Eu e meu novo colega cultivaríamos uma bela amizade, repleta de música e bons momentos!

__________________________________________________________

Quarenta e dois minutos de atraso. Quarenta e dois.

Mesmo que grande fosse minha boa vontade, maior era a minha impaciência. Involuntariamente, afundei meu rosto na palma de minha mão direita. Quando o estúpido do meu colega de quarto chegaria?

Felizmente, tive o cuidado de pôr minha Floresta Negra na geladeira, quando percebi que ele demoraria. Entretanto, mesmo quando achei que ele estava demorando, não imaginei que ele demoraria tanto.

Suspirei profundamente, tentando conter a cólera que movia-se por mim.

"Ele deve ter uma justificativa satisfatória." - eu busquei me convencer - "Ocorreu algum imprevisto. Uma emergência. Talvez eu devesse ligar para ele e perguntar o que houve. Se não me engano, a proprietária possui o telefone dele, então...".

No momento em que me levantei para solicitar o número a minha proprietária, ouvi secas e discretas batidas na porta. Ah! Ele havia chegado!

– Senhor Roderich? - chamou-me a proprietária - O senhor Gilbert está aqui. Podemos entrar?

– Por favor, aguarde um momento!- solicitei com certa urgência, correndo para a geladeira. A torta! Eu precisava colocá-la sobre a mesa antes de recebê-los!

– Senhor Roderich? - ela estranhou minha demora.

– Espere apenas um pouco! - solicitei, carregando a sobremesa para a mesa.

De repente, para o meu assombro, ouvi pancadas violentas e rápidas sendo desferidas contra a madeira. A proprietária estava tão impaciente?

– Ei, ei! - disse uma rouca voz masculina que surpreendeu-me enquanto eu alisava a toalha de mesa, tentando desfazer algumas pequenas dobras provavelmente geradas pelo vento - Eu sei que você deve estar super-ansioso e nervoso com a minha grande entrada, mas isso está cansando, sabia?!

"H-Hã? O que há com esse comentário extremamente rude...? Não, não seja influenciado por isso. Ele provavelmente está apenas cansado. Afinal, teve que resolver algo antes de vir para cá e estou demorando para atendê-lo..."

Apressei-me em ir para a porta e a abri com um trabalhado sorriso cordial. Um sorriso que senti desmanchar-se quando me deparei com aqueles olhos vermelhos que emanavam demasiado orgulho.

– Olá, Rod. - ele me cumprimentou com um sorriso que tinha algo de displicente. Depois, entrou em meu quarto, não me conferindo qualquer hesitação ou apresentação formal. "Rod"? - Ah, você fez comida? Bom trabalho!

Após esse conjunto vago e frustrante de palavras, ele cortou um enorme pedaço da minha Floresta Negra, apanhou-a com um guardanapo e pôs-se a comê-la sem sequer me solicitar ou agradecer.

Eu estava pasmo. Completamente pasmo. O que era aquilo?! Não era o colega que eu esperava!

Instantaneamente, lancei um olhar acusatório para a proprietária que ainda estava parada na porta, parecendo ter a decência de se sentir um pouco culpada e bastante constrangida.

– Esse é o seu novo colega. - ela disse - Gilbert Beilschmidt.

Olhei para meu colega de quarto. Ele tinha cabelos prateados e arrepiados, uma aparência nitidamente deselegante. Além disso, ele estava devorando grosseiramente minha Floresta Negra, e, céus, como parecia egocêntrico!

Eu não queria morar com alguém assim!

– Ele consegue tocar o piano? - confrontei a proprietária - Alguém assim consegue tocar o piano? Ele está no conservatório por influência dos pais dele ou algo similar?

Ela finalmente deu um sorriso, parecendo positivamente surpresa com a minha pergunta.

– Sim, sim! Ele toca! Toca muito bem! Pelo que ouvi falar, é considerado um dos melhores alunos do conservatório! Mesmo os alunos mais velhos respeitam profundamente o seu piano!

– Eu me recuso a acreditar em algo tão irracional. - repliquei cético. Ele? Um dos melhores pianistas do conservatório de música da França? Como se algo assim fosse possível.

– Peça a ele para tocar algo se você duvida. - ela sugeriu ainda sorrindo com uma inexplicável diversão. O que exatamente ela estava esperando?

Eu não sabia quais eram as expectativas de minha proprietária, contudo simplesmente fui até ele - que continuava em sua atividade de devorar uma sobremesa como uma fera destroça uma carcaça - e pus a mão gentilmente em seu ombro. Ele rapidamente voltou-se para mim. Ainda sorrindo. Seu sorriso era arrogante e havia certo deboche nele, mas tentei ignorar o quanto isso me incomodava.

– Ah, você! - ele parecia finalmente ter realizado a minha presença - A torta estava incrível! Onde há mais dessas?

– A torta não importa, no momento. - eu declarei um tanto ríspido.

– Como ela pode não importar? Escute, Rod, você conseguiu agradar ao incrível eu em um único movimento, mas não é sempre que...!

– Você toca piano, não é? - indaguei, ignorando os seus comentários sem sentido.

O sorriso dele pareceu adquirir um toque de malignidade.

– Sim, eu toco.

O que havia com aquela confiança assustadora que ele emanava? Oras! Um tolo como ele não poderia...!

– Diga, Rod, - ele falou, pondo os braços ao meu redor, enquanto aproximava-se excessivamente de mim, encarando-me provocativamente. - você deseja que eu toque para você?

Pelo visto, além de desconhecer a modéstia e o bom senso, ele não estava familiarizado com a noção de espaço pessoal.

– S-Sim. - respondi, desviando meu olhar. Eu estava enfurecido com a minha reação tímida. Não que eu pudesse evitá-la. Embora eu estivesse me sentindo ofendido e desconfortável com aquela proximidade excessiva, eu não era um indivíduo habituado a sentir braços me cercando. O que mais eu poderia fazer? - Não é algo fácil de inferir, considerando-se a minha pergunta?

Ele tão somente deu de ombros e riu com certo escárnio.

– Como queira, jovem mestre. - ele concordou, por fim, sentando-se ao piano. - De que compositor você gosta mais?

– Há vários aspectos a se considerar antes de se fazer uma qualificação tão...

– Ei, ei! Eu não perguntei algo tão complicado! Apenas responda qual é o compositor que você gosta mais! - ele me repreendeu um tanto impaciente.

Bem...

– Chopin. - respondi relutante. Eu não gostava de tratar as minhas preferências como se elas fossem tão simples e...

– Certo! Entendi! - ele disse, erguendo ligeiramente os punhos e parecendo entusiasmado - Prepare-se, jovem mestre, você verá o incrível eu tocando de uma maneira tão impressionante que todo o seu corpo tremerá!

"Eu já estou me tremendo, embora por razões diferentes da que você pensa."

– Sim, sim.

– Vamos! - ele exclamou, como se me convocasse para correr com ele. Naquele momento, ele estava me parecendo um completo tolo...

"...O quê?"

...até começar a tocar as primeiras notas de "Winter Wind Etude".

__________________________________________________________

Aquela era a opus 25, nº 11, de Chopin. Uma composição difícil de ser tocada. Nela, os papéis das mãos são invertidas. Além disso, ao tocá-la, o tempo não pode sofrer qualquer alteração. O ritmo é um elemento essencial, mas é extremamente difícil mantê-lo. Essa é uma composição feita para ser tocada em um único fôlego. Ela é ininterrupta, forte, rápida. Assim como o vento do inverno.

Enquanto ele a tocava, eu senti esse vento atravessar a sala. Eu senti que ele me atravessava. Senti a nevasca tomar todo o quarto. Quase senti o ar gélido do inverno arder em minha pele.

Não era apenas técnica. Ele não estava meramente seguindo uma partitura. De algum modo, ele, o piano, e a peça entraram em perfeita sincronia gerando sons que me deixaram completamente paralisado. Havia vigor e intensidade em seu fortissimo. Não havia qualquer hesitação no modo como ele tocava. Nenhuma hesitação. O ritmo era constante, veloz e vivo. E ele tocava a peça com tamanha confiança e ferocidade que você podia sentir o poder daquela estação que a tudo tomava, sem que os homens pudessem controlá-la. As notas passam-se rapidamente, nessa composição. Mesmo assim, ele valorizava a cada uma delas. Nenhuma era desperdiçada. Todas ressoavam com tanta força e lirismo que a perda de apenas uma pesaria imensamente sobre a música. Aquela era uma peça complexa, mas ele a tocava com tamanha dominância e naturalidade que, para um leigo, aqueles movimentos pareceriam fáceis, como se fosse impossível que uma nota errada irrompesse subitamente. No entanto, eu conhecia aquela complexidade. Como um pianista, eu sabia o que ele estava tocando e o modo como ele o fazia me roubava o fôlego. O piano dele me atravessava e me arrastava; eu não podia fazer nada a respeito. Nem sequer percebi em que momento minha respiração acelerou a ponto de doer. Meu coração batia fortemente. Aquilo era...

– Então... O que achou, jovem mestre? - ele perguntou, quando finalmente concluiu, sorrindo arrogantemente para mim.

...intenso.

– Jovem mestre?

Eu ainda estava paralisado. O meu coração não conseguia voltar ao ritmo normal. O que havia sido aquilo? O que havia sido aquilo? Se eu tocasse as mesmas notas, elas soariam dessa forma? Impossível. Simplesmente impossível.

Como aquele tolo que aparentava ser tão arrogante e grosseiro havia me dragado para uma violenta tempestade de neve em pleno verão?!

– Eu disse, não disse? - ele perguntou com um sorriso provocativo. Seus olhos vermelhos confrontavam diretamente os meus. - Que seu corpo iria tremer.

Desviei o olhar. Não duvidava que meu corpo estivesse tremendo. Na verdade, sequer duvidaria que meu rosto estivesse vermelho. Ele havia provocado uma reação intensa em mim, mesmo que tivesse sido através de um piano. Isso era constrangedor.

– Pois bem. Eu fico feliz pelo fato de que você, pelo menos, consegue tocar o piano. - limitei-me a comentar, dando as costas a ele para arrumar novamente a mesa. Eu não queria encará-lo. O órgão em meu peito ainda batia disparadamente. - Meu nome, como sabe, é Roderich. Roderich Eldestein. Espero ter uma boa convivência com você, senhor Beilschmidt.

A proprietária riu discretamente, percebendo que eu havia me rendido, e propôs amistosamente que comêssemos o que havia restado da minha Floresta Negra. Aceitei a oferta com alguma hesitação, pois achei que essa seria uma oportunidade que perguntar a meu novo colega de quarto o motivo de seu atraso.

Assim iniciou-se meu relacionamento com Gilbert. Alguém que seria para mim a essência da palavra "desordem".

__________________________________________________________

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Maiores explicações - "Eles são estudantes de música? Por quê? Quando? Onde?" - virão no próximo capítulo. Tudo em seu ritmo. Eu agradeço a vocês por terem lido essa fic e peço sinceramente que façam comentários nela! Não tenho uma beta, então perdoe-me se houver deslizes em meu texto.
A Winter Wind Etude é tãããão cool! Eu a considero incrível, então é lógico que o incrível Gilbert precisava tocá-la! Além disso, em termos técnicos, essa peça combina bastante com ele, pois exige muita estamina, nenhuma hesitação e é composta por "fortes" e "fortissimos"! Essa é uma peça perfeita para ele! Além disso, é válido constar que o espanto do Roderich se deve pelo fato que é difícil pra caramba tocá-la. Sem contar o fato que essa é uma das composições mais longas do Chopin.-__-º
No próximo capítulo, teremos a "happy" life desse casal!XD