Heart And Soul escrita por CDJ


Capítulo 32
XXXII




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 Acordamos sete horas da manhã no dia seguinte. Não por vontade própria, é claro. Pattie, que já estava de pé, queria ir ao banheiro e comer alguma coisa, mas como eu e Justin havíamos bloqueado a passagem, ela precisou nos acordar.

 Tive que cerrar os olhos, porque a claridade proveniente das janelas me cegava. Não me lembrava de um dia tão ensolarado assim no ônibus. Ou talvez eu só estivesse tão vulnerável à luz do sol porque havia dormido pouco. De qualquer maneira, havia sido uma das noites mais bem dormidas da minha vida.

 Enquanto Justin e eu levantávamos, nos espreguiçávamos e tentávamos ao máximo acordar de verdade, Pattie fez torradas e tirou leite da geladeira. Ela avisou que estávamos quase chegando em Detroit. A previsão era de que estaríamos lá para o almoço. Eu não confiava muito em previsões, já que sempre nos atrasávamos. De qualquer maneira, eu e Justin nos sentamos para tomar café.

 Depois de ficarmos zoando um ao outro – “Justin, você ronca demais!”, “Liv, cala boca. Você baba” – e de darmos muita risada, nós dois concordamos que merecíamos mais duas horinhas de sono. Pattie concordou em nos dar uma folga da escola nesse sábado ensolarado, então pudemos dormir até as onze.

 Acabamos chegando em Detroit no horário do almoço mesmo, mas não nos hospedamos em hotel nenhum. Fazia exatamente uma semana que a turnê começara e esse era o quinto show de Justin. Eu me sentia culpada por não ter assistido nenhum dos quatro anteriores. Além disso, me sentia culpada por nunca nem ter ouvido o CD. Justin devia saber que eu não era muito ligada em sua música, mas nunca me fez escutá-lo. Pensando nas possibilidades, queria que ele tivesse feito. Assim eu pelo menos saberia cantar algo em seu show, ao invés de ficar com a cara de tacho que eu provavelmente iria exibir mais tarde.

 Almoçamos em um restaurante legal e depois nos dirigimos à casa de shows.  Havia uma fila imensa de pessoas esperando pra entrar e Justin acenou pela janela enquanto entrávamos pelos portões dos fundos. As garotas, é claro, fizeram a maior barulheira e não pararam de gritar um minuto, nem quando os portões se fecharam e elas ficaram lá fora. Só foram parar de gritar cinco minutos depois.

 Nós descemos do ônibus dando risada. Eu ainda não acreditava no quanto aquelas garotas eram devotadas a ele. Na verdade, eu acreditava, só que era muito surreal.

 - Elas te amam! – eu disse, sorrindo.

 - Eu sei – ele piscou – E eu amo elas também. Muito, muito!

 - Você já deve ter se acostumado com todo esse assédio, né?

 Ele negou com a cabeça, mas deixou transparecer um sorrisinho.

 - Por mais que aconteça, ainda fico impressionado toda vez.

 Justin puxou Jaxon para o seu colo e eu levantei Jazzy, encaixando-a em mim. Nós entramos na casa de shows. Como em Nova York, tudo já estava arrumado. As grades estavam no lugar, demarcando os setores. Os camarotes e o auditório superior também tinham entradas diferentes, para que não houvesse confusão. Os instrumentos estavam sendo colocados no palco. Não tinha tanta coisa assim: um piano mais atrás, de modo que a plateia não conseguisse enxerga-lo, dezenas de guitarras e violões, a bateria de um lado, os fios e cabos que corriam pelo chão como cobras e se ligavam a uma junção de caixas de som enormes e mais coisas que eu não conseguia identificar.

 Subimos até o palco por uma escada lateral, exatamente como da última vez. Provavelmente os palcos deviam ser feitos com algum padrão de construção, porque este era praticamente igual ao outro. Caminhamos diretamente para o camarim.

 O incrível era perceber o quanto Jazzy e Jaxon já eram bem aceitos por todo mundo. Sempre que passávamos, alguém brincava com eles ou sorria ao vê-los. Como se eles não fossem apenas os bebês da família de Justin, mas também os bebês da produção.

 Quando chegamos ao camarim, uma mulher loira de meia idade nos esperava. Eu não a conhecia, Justin não havia me apresentado a ela no primeiro dia. Ela sorriu pra ele e puxou-o para um abraço apertado.  Justin deu risada enquanto se desvencilhava dela.

 - Liv, essa é a Mama Jan – disse ele, apontando a loira – Essa é a Liv.

 Eu me aproximei e apertei sua mão.

 - Oi.

 - Você é a famosa Liv, então? – dei risada e assenti, ficando corada. Ela continuou – Ele não para de falar de você, sabia? Queria que você tivesse assistido aos outros shows.

 Olhei para Justin. Ele sorria e seus olhos expressavam o que ele não conseguia dizer: estava feliz por me ter ali, porque finalmente poderia me mostrar seu trabalho. Como se, entre todas as pessoas, a única para quem ele queria fazer o show era eu. E eu me senti culpada por ter fugido por todo aquele tempo. Corei mais ainda.

 - Eu não estava me sentindo muito bem, mas agora estou legal – respondi, sorrindo.

 - Muito bem, então – ela bateu palmas uma vez, expressando eficiência – Vamos ao trabalho, Justin!

 Dei risada quando ele fez uma careta. Ela provavelmente devia mantê-lo numa coleira bem apertada, coisa que Justin não parece gostar. Ele é tão hiperativo que eu não conseguia imaginá-lo parado por um segundo e fazendo alguma coisa séria. É claro que eu estava enganada, já que ele tinha que ser um cara sério por pelo menos metade do dia.

 O camarim era do mesmo jeito que o do antigo, só que esse tinha mais comida. Eu me sentei com as crianças no sofá, enquanto Justin se dirigiu a um outro cômodo, bloqueado por uma porta. Eu conseguia ouvi-lo cantando de lá de dentro e fiquei bem impressionada – lê-se paralisada – por finalmente ouvir sua voz.

 Nós já estávamos lá há uma hora quando meu celular tocou. Levei um susto com a música e com o tremor no meu bolso traseiro que demorei pra processar. Nem deu tempo de olhar no visor pra ver quem era, coloquei-o direto no ouvido.

 - Alô? – falei.

 - Alô? – disse a voz de criança do outro lado – Quero falar com a minha irmã Liv!

 Respirei fundo e me levantei pra não chorar.

 - Louie? Sou eu! – eu disse, com a voz mais controlada que eu podia fingir, mesmo que isso não significasse muito naquele momento – Oi, meu amor. Tá tudo bem com você?

 - Tá. A mamãe tá aqui. Quer falar com ela?

 - Não, não. Quero falar com você. E então, o que tem feito? Tá indo na escola direitinho? Tá comendo bem? A mamãe tá passeando com você?

 - Aham, a mamãe me leva pra escola e me pega. Depois a gente vai comer.

 - Então tá tudo certo com você? Mesmo? – perguntei, preocupada.

 - Aham. A mamãe é legal. Ela vai falar com você agora. Tchau.

 Foi nessa última frase que a falta dela e a saudade realmente me atingiu e eu sabia o quanto amava minha irmãzinha e o quanto sentia sua falta. Eu sabia que ela era a razão pela qual eu vivia. Comecei a chorar. Não apenas por isso, mas também porque ela estava passando mais tempo com a minha mãe. Era como se as duas não se conheciam antes e agora Louie já estava dizendo que a mamãe era legal.

 Pensei em como eu queria que minha mãe tivesse sido boa pra mim como ainda pode ser boa para Louie. Pensei em quanto eu não a conheço realmente. Pensei em quanto ela não conhecia Louie. Mas agora tudo estava acabado, porque elas estavam juntas e bem. Senti uma pontada de desespero ao perceber que eu praticamente não era mais necessária naquela casa e naquela família. Minha única função era cuidar de Louie. Se minha mãe podia cuidar dela, o que eu ia fazer?

 - Filha? – disse minha mãe pela terceira vez.

 Não escutei das duas primeiras, porque estava muito absorta em pensamentos, mas já estava de volta à realidade. E fiquei com raiva.

 - Por que não atendeu o celular? – perguntei, brava.

 Cerrei os dentes e senti a cabeça inchar. Como ela podia ser tão irresponsável? Eu havia ficado tão preocupada!

 - Eu perdi o celular! E sempre que você ligava em casa, nós tínhamos saído. Desculpa, meu amor – disse minha mãe, com a melhor das intenções.

 Mas eu não acreditei nela. Era uma história plausível – e não seria a primeira vez que ela perde o celular – mas fiquei com tanta raiva por ter ficado uma semana sem noticias de Louie que não dei ouvidos a razão. Então me fechei. Não deixei que minha mãe entrasse. Não respondi com doçura. Fui seca e fria quando disse que estava tudo bem e que precisava desligar. Ela pareceu entender que eu estava brava, porque não insistiu. Quando é em relação a mim, ela nunca insiste em nada. Sabe que eu sou teimosa. Ainda assim, eu sempre quis que ela insistisse. Pelo menos mostraria que se importa.

 Voltei a me sentar no sofá, de cara fechada, olhos inchados e as lágrimas ainda escorrendo. Justin saiu do cômodo naquele mesmo instante. Ele dava risada com Mama Jan, mas parou no segundo que me viu. Eu me levantei, sem saber para onde ir.

 Queria fugir. Sair dali e me esconder no ônibus. Não queria que Justin me visse daquele jeito. Aquilo acabaria com seu ânimo. Ele se sentiria na obrigação de me ajudar e ficar do meu lado, além de que se sentiria culpado por ter que cuidar de tudo em relação ao show. Quando olhei pra ele enquanto me dirigia à porta, sua expressão mostrava que eu não estava errada. E ele correu atrás de mim.

 - Liv? O que aconteceu? – perguntou, enquanto eu escapava para o corredor.

 - Nada, estou bem. Vou ao banheiro – e peguei o caminho à direita.

 Justin correu até mim. Ele não precisou ir tão rápido, eu não estava me esforçando para fugir dele de qualquer jeito. Ele me puxou pelo braço e me virou gentilmente para que eu olhasse pra ele. Tentei me desvencilhar dele, tentei voltar a andar, mas ele acabou me abraçando e me impedindo de fugir.

 - Será que eu não posso ir ao banheiro sozinha? – reclamei com uma voz de choro ridícula.

 - Claro que pode – respondeu ele, com um sorriso de deboche – Só que o banheiro é à esquerda.

 Corei. Eu era tão idiota que nem sabia mentir direito.

 - Liv, me conta. O que aconteceu? – ele me soltou devagar. Sabia que eu não ia mais a lugar nenhum.

 Enquanto colocava uma das mechas do meu cabelo atrás de orelha, acariciou minha bochecha esquerda. Senti as lágrimas voltarem aos olhos e a pele queimar. Antes que pudesse me segurar, eu estava me jogando em seus braços e chorando de novo.

 - M-minha m-m-mãe me l-ligou – eu disse, entre soluços.

 - Ei, isso é uma coisa boa, não é? – ele argumentou, afagando meus cabelos – Você estava preocupada com Louie. Agora sabe que ela está bem. Por que está chorando?

 - Elas estão p-passando muito tempo j-juntas – respondi, mais calma.

 - E qual o problema?

 Pausei. Não sabia se contava ou não sobre o que eu realmente estava pensando e sentindo. Mas não fazia sentido chorar em seus ombros se eu não desabafasse pra ele. Então, não hesitei.

 - Ela está sendo a mãe pra Louie que eu sempre quis que fosse pra mim – sussurrei – E agora parece que não sou mais necessária naquela família. A minha única função era cuidar da Louie. E agora, o que eu vou fazer?

 Eu me soltei de Justin lentamente, ainda fungando e tremendo. Ele me encarou nos olhos. Não sabia se aquilo podia fazer sentido algum, mas ele apenas assentiu. Como se me entendesse e soubesse o quanto poderia ser doloroso.

 - Você sempre vai ser importante na sua família. Ninguém pode te substituir. E, além do mais, você tem essa família aqui de braços abertos pra você. Sempre – ele beijou minha testa e me abraçou forte.

 Não tive palavras pra agradecer. Justin deve ter percebido isso, porque não me encarou mais. Ele sabia que se me olhasse novamente, eu tentaria – sem sucesso – agradecê-lo da maneira mais tosca possível. Então nós nos separamos. Ele passou o braço pelo meu ombro e nós caminhamos de volta ao seu camarim.

 Ele não ia me deixar fugir. Não mais.


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